Leonardo Reis*
Um assunto em voga, no Brasil e, agora, na ESAG, é o sistema de cotas raciais em vestibulares de universidades públicas. Uma medida intermediária e transitória que integra um grande e complexo processo de revolução pró-inclusão social que entra na ordem do dia do País.
Nada mais se fará do que reparar 142 mil dias de escravidão legal e outros 43 mil de marginalização. Africanos e seus descendentes foram submetidos a uma lei de “bons homens” brancos que os obrigava a jornadas de trabalho que nem operário inglês do século XVIII tinha, recebendo como recompensa uma cumbuca de lavagem que nem o menos humanista dos indivíduos serve ao seu canídeo – além, é claro de longas sessões de açoitamento e um incalculável prejuízo moral. Quando finalmente manumitados, num “gesto de sensibilidade” do Estado, ganharam como ressarcimento um valoroso “se vira, neguinho”.
Em 2000, mostra o censo demográfico do IBGE, 23% da população auto-declarada negra não sabia ler e escrever. Dado que, somado ao fato de 73% nunca ter freqüentado uma escola, fazia-a ter 41% de sua gente na inatividade econômica – com a acachapante maioria dos ativos fazendo milagre na sobrevivência com até dois salários mínimos. Podemos dispensar o levantamento na observação de que, a maior parte dos pobres, dos favelados, dos miseráveis, é de cor escura.
A iniciativa, na verdade, não poderia deixar de ser frontalmente atacada pela faixa da população que se vê, numa visão primitiva, prejudicada. Por entender ameaçada sua possibilidade de ingresso numa instituição pública de ensino superior, de excelência, uma fatia da população branca rebela-se com argumentos os mais variados possíveis – chegando ao desvairo de argumentar que não foram eles quem patrocinou a escravidão. O abespinhado gesto revela um fato: o ingresso nas universidades não é isonômico quando se olha a cor da pele. Afinal, se diferença não houvesse, por que tanta vozearia?
Em socorro deles aparecem os espertinhos republicanos que, metidos a legalistas que são, não rezam o Credo sem verificar a inviolabilidade desse gesto ao arcabouço legal. Recorrem, porcamente, ao glorioso artigo 5º da Constituição de 1988, que, em seu caput exprime uma expressão maravilhosa: todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção. Dizem sê-lo auto-explicativo. Ah, que falta faz a abstração ao ser humano.
Reza o Direito que, para que se atinja a tão propalada igualdade jurídica, os desiguais devem ser tratados desigualmente. Isso quer dizer que as minorias devem receber tratamento diferenciado para que, no futuro, as populações, em suas mais variadas faces, coexistam em equilíbrio. Não é preciso muita massa cinzenta para se compreender, portanto, que para que se respeite à lei, as cotas são instrumento imprescindível. É exaustiva e sempre incompleta a demonstração da justificação social do sistema de cotas, mas inegável a quem em retidão mental encontra-se, seu benefício ao povo e ao País. O sistema de cotas não é questão de assistência, mas de sanidade – nossa.
* Acadêmico de Administração Pública da Fundação Universitária do Estado de Santa Catarina (UDESC/ESAG)
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