Direito Constitucional

Considerações sobre a hermenêutica constitucional

 

Primeiramente cabe esclarecer o conceito de hermenêutica “que provém do latim hermeneutica (que interpreta ou explica), é empregado na técnica jurídica para assinalar o meio ou modo por que se devem interpretar as leis, a fim de que se tenha delas o exato sentido ou o fiel pensamento do legislador.

 

Na hermenêutica jurídica, assim, estão encerrados todos os princípios e regras que devam ser judiciosamente utilizados para a interpretação do texto legal. E esta interpretação não se restringe ao esclarecimento de pontos obscuros, mas toda elucidação a respeito da exata compreensão da regra jurídica a ser aplicada aos fatos concretor.

 

Interpretar é também expor, dar sentido, dizer o fim, significar o objetivo. (…) (in De Plácido e Silva, atualizadores Nagib Slaibi Filho e Glácucia Carvalho, 2ª. Edição, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p.397).

 

Segundo Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, (in Dicionário Básico de Filosofia, 3ª. Ed., rec. Atualizada, 1996, Rio de Janeiro, Editora Jorge Zahar p. hermenêutica provém do grego hermeneustikós, de hermeneuein: interpretar. Termo originalmente teológico, designando a metodologia própria à interpretação da Bíblia; interpretação ou exegese dos textos antigos, especialmente dos textos bíblicos. (…)

 

Contemporaneamente, a hermenêutica constitui uma reflexão filosófica interpretativa ou compreensiva sobre os símbolos e os mitos em geral.

 

Cogita Paul Ricoeur em duas hermenêuticas: a) a que parte de uma tentativa de transcrição filosófica do freudismo, concebido como um texto resultando da colaboração entre o psicanalista e o psicanalisado; b) a que culmina num “teoria do conhecimento”, oscilando entre a leitura psicanalítica e uma fenomenologia.

 

De Hermes que era deus grego que entre muitos atributos[1], possuía o conhecimento sutil, é considerado o grande mensageiro dos deuses da mitologia grega. Seus símbolos incluem a tartaruga[2], o galo, as sandálias aladas, o chapéu[3] alado e o caduceu (que foi dada a ele em troca da lira).

 

Alguns estudiosos defendem que o termo hermenêutica deriva do deus da mitologia grega Hermes, a que os gregos atribúiam a origem da linguagem e da escrita e considerado o patrono da comunicação e do entendimento humano.

 

De fato, o termo hermenêutica originalmente exprimia a compreensão e exposição de uma sentença dos deuses, a qual precisa de interpretação para ser correctamente apreendida.

 

Outros estudiosos, no entanto, alegam que o termo descende do grego “ermeneutiké” que significa ciência, técnica que tem por objecto a interpretação de textos poéticos ou religiosos especialmente da Ilíada e da Odisseia. A interpretação do sentido das palavras e dos textos, teoria, ciência voltada à interpretação dos signos e de seu valor simbólico.

 

Hermes é considerado o patrono da hermenêutica por ser considerado também o patrono  da comunicação e do entendimento humano.

 

A nova interpretação constitucional relaciona-se com o desenvolvimento de algumas formas originais de realização da vontade da Constituição Federal.

A interpretação jurídica consiste em processo silogístico[4] de subsunção dos fatos à norma: a lei é premissa maior, os fatos representam a premissa menor e a sentença é a conclusão.

 

O papel do juiz consiste em revelar a vontade da norma, desempenhando actividade de conhecimento, sem envolver qualquer parcela de criação do Direito para o caso concreto.

 

Mesmo dentro da dogmática jurídica tradicional, já haviam sistematizado diversos princípios específicos de interpretação constitucional, sobretudo em função da “legislação infraconstitucional, e mais especificamente do direito civil”.

 

Na verdade, a evolução da interpretação constitucional pode ser analisada de acordo com os diferentes paradigmas do Estado de Direito.

 

Convém recordar que as primeiras constituições escritas, rígidas e dotadas de supremacia surgiram no final do século XVIII com as Revoluções Francesa e a norte-americana.

 

A partir de 1804, o Código de Napoleão surge a chamada escola de exegese[5] que conheceu seu apogeu em 1830 e 1880. Reinava então o paradigma do Estado Liberal[6] sob primado individualista e patrimonialista e que recomendava a interpretação feita pelo Poder Judiciário deveria ser essencialmente uma atividade mecânica calcada na literalidade dos textos legais.

 

Bem exemplifica tal leitura mecanista da hermenêutica a frase do Deputado Bergasse que era constituinte de 1789, na qual afirma que “o Poder Judiciário estará (…) mal organizado se o juiz gozar do privilégio perigoso de interpretar a lei ou de acrescentar algo a suas disposições.” (SAMPAIO, José Adércio Leite. Discurso de legitimidade da jurisdição constitucional e as mudanças legais do regime de constitucionalidade no Brasil, p. 193).

 

A jurisdição era vista como longa manus da lei. No Etat Légal a profunda desconfiança dos revolucionários franceses em relação aos juízes não deixava margem para adjudicação da Constituição, sendo atribuído ao juiz, o papel de mera “boca da lei”.

 

Desta forma, o juiz era escravo do direito posto, cuja missão se iniciava exatamente onde a do legislador terminou.

 

Ao final da Primeira Guerra Mundial, ocorre uma sensível transformação estrutural do Estado de Direito, o qual abandona sua postura abstencionista para enfim assumir uma nova atitude de intervenção nas relações sociais, econômicas e laborais.

 

A superação do antagonismo existente entre a igualdade política e a desigualdade social fez surgir um novo modelo de Estado de Direito: o Estado Social[7].

 

Dá-se um incremento na complexidade do ordenamento jurídico e o que requer maior sofisticação dos cânones interpretativos.

 

Diante tais mudanças o labor do juiz passa a ser visto como algo mais complexo e compromissado em assegurar finalidades sociais que recaem pesadamente sobre os ombros do Estado.

 

Os métodos hermenêuticos refinam-se para ser capaz de libertar o sentido da lei das garras da vontade do legislador indo mais na direção objetiva da própria lei, com suas diretrizes materializadoras do Direito empenhadas na dinâmica das necessidades dos programas e tarefas sociais.

 

No início do modelo hermenêutico resta contaminado pela ilusão hipnítuca da neutralidade. Não há de se compadecer com as injustiças da lei.

 

A profunda remodelação do Estado e do Direito recebe o decisivo esforço hermenêutico da parte de Hans Kelsen no sentido de tentar limitar a interpretação da lei através de uma ciência do Direito encarregada de delinear o quadro das leituras possíveis para a escolha da lei a ser aplicada ao caso concreto.

 

Na concepção kelseniana, a relativa indeterminação do ato de aplicação do direito é representada pela ideia de moldura ou quadro.

 

A determinação ou vinculação da norma superior (lei) em relação à norma de escalão inferior(sentença judicial) nunca é completa, em razão da impossibilidade de estabelecer uma vinculação do ato de aplicação em todas as direções e sob todos os aspectos.

 

A norma jurídica possui uma espécie de moldura estabelecida por seu texto, dentro do qual o aplicador do direito tem margem de livre apreciação – maior ou menor – para preenche-la, podendo optar pela aplicação que julgar mais adequada entre as várias possíveis.

Herbert Hart que fora um dos principais expoentes do positivismo jurídico no sistema da common law, a questão central referente à interpretação jurídica está ligada à ideia de textura aberta do direito

 

Tais aberturas devem ser preenchidas à luz das circunstâncias, entre interesses conflituantes que variam de peso conforme o caso. De fato, Hart não chega elaborar uma plena teoria da interpretação restringindo-se a elaborar informações essenciais para compreensão dos problemas da linguagem no Direito, apontando os exageros e insuficiências do formalismo e do cepticismo, para então buscar uma postura intermediária entre os dois extremos.

 

O fim da Segunda Grande Guerra Mundial foi o marco histórico a marcar o surgimento de outro novo modelo de Estado que tanto busca consolidar as conquistas e superar as deficiências das experiências anteriores: o Estado Democrático de Direito[8].

 

Neste Estado, o papel desempenhado pelo Judiciário é fortalecido pela ampliação de sua competência para invalidar atos legislativos e interpretar criativamente as normas jurídicas à luz da Constituição.

 

O limite de discricionariedade na aplicação do Direito é ampliado com a utilização de técnicas de ponderação e argumentação. Maiores exigências da postura judicial contemporânea foram aumentadas como consequências da crescente sofisticação da doutrina e da jurisprudência principalmente decorrente do processo contínuo de complexidade da sociedade atual.

 

O fim dos processos de interpretação é limitar a discricionariedade do intérprete, por meio da fixação de parâmetros destinados a reduzir o subjetivismo.

 

A necessidade de se ter métodos próprios de interpretação que se baseiam na superioridade hierárquica da Constituição e na natureza principiológica das normas consagradoras dos direitos fundamentais.

 

Sem dúvida, a textura abertura, o caráter polissêmico e indeterminado dos princípios, além da falta de estrutura proposicional, exigiram além da interpretação maior densificação do conteúdo a ser aplicado.

 

Analisemos o método hermenêutico clássico ou método jurídico que teve em Ernst Forsthoff um importante estudioso e parte da premissa de que a Constituição, por ser uma espécie de lei deve ser interpretada por meio dos mesmos elementos tradicionais desenvolvidos por Savigny para a interpretação das leis em geral, quais sejam os elementos sistemático, histórico, gramatical e lógico.

 

A força normativa da Constituição estaria assegurada pela sua dupla relevância enquanto texto sendo simultaneamente ponto de partida e limite para a interpretação.

 

A Constituição como lei conforme a tese da identidade é uma conquista do Estado de Direito e fundamento de sua estabilidade. As inegáveis particularidades da Lex Fundamentallis devem ser consideradas tão-somente como elemento adicional, incapaz de afastar a utilização das regras clássicas da interpretação.

 

Apesar da maioria dos doutrinadores entenderem que a Constituição Federal de 1988 seja uma carta principiológica, Humberto Ávila considera falsa a afirmação de que ela seria “composta mais de princípios do que de regras”, tanto que a mesma costuma ser classificada como analítica, justamente por ser detalhista e pormenorizada, características estruturalmente vinculada à existência de regras, em vez de princípios. (In Neoconstitucionalismo: entre ciência do direito e o direito da ciência, p.189-190).

 

Marcelo Novelino no entanto entende que tal característica e a utilização deste argumento no direito constitucional brasileiro, tendo em vista que a Constituição Federal Brasileira de 1988 possui, sobretudo no âmbito dos direitos fundamentais um expressivo número de cláusulas abertas se comparado com as leis infraconstitucionais.

De qualquer forma o uso isolado do método clássico revela-se insuficiente para adequada interpretação principalmente diante dos casos difíceis.

 

O método científico-espiritual tem sua origem em conhecido artigo no qual Forsthoff, ao rejeitar a concepção integrativa proposta por Rudolf Smend, utilizou a denominação de Geisteswissenschafiliche Methode.

 

Este método parte da premissa de que a interpretação constitucional deve considerar o sistema de valores subjacentes à Constituição (método valorativo), assim como a importância desta no processo de integração comunitária (método integrativo). Os institutos do direito constitucional não podem ser compreendidos sem a conexão que guardam com o sentido de conjunto e universalidade expressos pela Lex Mater.

 

Deve ser a Constituição interpretada como um todo, numa visão sistêmica, sendo levados em consideração os fatores extraconstitucionais, tais como a realidade social captada a partir do espírito reinante naquele momento (método sociológico).

 

A principal diferença em relação aos métodos positivistas é o fato de ser extremamente crítico no tocante ao conteúdo constitucional, apreciado globalmente em seus aspectos teleológicos e materiais, os quais devem servir de critério para interpretação.

 

Devida a extrema proximidade entre a interpretação constitucional e as ciências sociais, a Constituição adquire uma feição mais política que propriamente jurídica[9].

 

O método tópico-problemático foi retomado particularmente por Theodor Viehweg com sua obra de 1953, sendo forma de reação de positivismo jurídico reinante nos meados do século XX.

Inicialmente apesar de se limitado ao estudo do direito civil, o estudo da tópica acabou repercutindo também em outras áreas.

 

O mestre alemão de Munique compreende a tópica como técnica do pensamento problemático. O objeto da tópica são raciocínios que derivam de premissas aparentemente verdadeiras, elaboradas com base em opiniões amplamente admitidas.

 

Os argumentos (topoi) são submetidos a opiniões favoráveis e contrárias, a fim de descobrir qual a interpretação mais conveniente: “no lugar do reflexo entra a reflexão.”

 

Compreendidos como “esquemas de pensamento”, formas de raciocínio, formas de argumentação, pontos de vistas ou lugares-comuns, os topoi são extraídos dos princípios gerais, decisões judiciais, crenças e opiniões comuns, tendo como função intervir, em caráter auxiliar, na discussão em torno de um problema concreto a ser resolvido.

 

Há duas espécies de topoi: os gerais elaborados por Aristóteles, Cícero e seus sucessores, os quais são universalmente aplicáveis a todos os problemas, e consistindo em generalizações muito amplas; e há os topoi especiais, aplicáveis a um determinado ramo, servindo apenas para um círculo específico de problemas.

 

O método tem como ponto de partida a compreensão prévia do problema e da Constituição e como ponto de apoio o consenso ou o senso comum, os quais são revelados, por exemplo, a doutrina dominante ou pela jurisprudência prevalente e pacífica.

 

É uma técnica de chegar ao problema “onde ele se encontra” elegendo os critérios recomendáveis a uma solução adequada.

 

Apesar do intenso caráter assistemático do pensamento tópico, existem conexões essenciais entre problema e sistema. A tópica é procedimento de busca de premissas, ao passo que o raciocínio sistemático se apoia em premissas já dadas. Aquela mostra como se acham as premissas, a lógica as recebe e as elabora.

 

Os maiores defensores da utilização deste método sustentam que o eminente caráter prático da interpretação aliado à estrutura normativo-material da Constituição impõem da interpretação aliado à estrutura normativo-material da Constituição impõem que seja dada preferência à discussão dos problemas, mesmo que o open texture do texto constitucional não permita qualquer dedução subsuntiva.

 

As maiores críticas à utilização da técnica tópica são: a) ausência de investigação jurisprudencial séria e profunda; b) a possibilidade de conduzir ao casuísmo ilimitado e, por consequência, a interpretação, assim como a norma e o sistema são tratados como simples topoi; c) o fato de que a interpretação deva partir da norma para solução do problema, e não do problema na busca da norma que justifique o resultado desejado pelo intérprete. Entre suas principais utilidades estão o preenchimento de lacunas e a complementação e comprovação dos resultados obtidos de outras formas.

 

Os críticos à obra de Viehweg apontam a falta de clareza, falta que pode ser facilmente percebida em obra Tópica e Jurisprudência e que também influenciou (e influencia ainda) os debates.

 

Para melhor entender a proposta do mestre alemão, é preciso analisar o contexto onde surgiu em 1953. O jurista Karl Larenz explica que a tópica jurídica surgiu como uma alternativa à jurisprudência positivista do século XIX cujo método era deduzir as decisões jurídicas de normas e conceitos ordenados em um sistema que partia de axiomas.

 

No entanto, percebeu-se que o método axiomático-dedutivo era insuficiente e não garantia que as decisões fossem justas. Desta forma, o método tópico seria forma de encontrar decisões justas para os casos jurídicos que eram então tratados como problemas.

 

Os problemas jurídicos deveriam ser examinados por diversos ângulos, levando-se em conta diferentes pontos de vista, inclusive os do senso comum. A partir da consideração das várias opiniões sobre a questão, poder-se-ia chegar a um consenso sobre o que seria justo. Tais pontos de vista, na tópica de Viehweg inserem-se no que foi denominado de “tópicos” ou lugares comuns.

 

Afirma o mestre alemão que a jurisprudência da Roma Antiga e da Idade Média era uma jurisprudência tópica. O procedimento do jurista romano era propor o problema para o qual procurava argumentos. As soluções eram buscadas nas coleções de regras ou tópicos, os quais eram legitimados ao serem usados, por homens de prestígio.

 

Na Idade Média, os juristas estudavam retórica antes do Direito, e o estilo de ensino na época se baseava na discussão de problemas.

 

Grande desafio é decifrar a definição de topoi ou tópico, mas devemos levar em consideração o fato de o conceito de tópico advir do grego topos, ser historicamente impreciso inclusive nos escritos de Aristóteles e Cícero, pois é usado em diversos sentidos, como o de argumento, como ponto de referência para a obtenção de argumentos, como enunciados de conteúdos e como formas argumentativas.

 

Sobre o que são tópicos jurídicos, Atienza concorda com a conclusão de Garcia Amado, assim identificamos os tópicos como pontos de vista diretivos, referidos ao caso, regras diretivas, lugares-comuns, argumentos materiais, enunciados empíricos, conceitos, meios de persuasão, critérios que gozam de consenso, fórmulas heurísticas, instruções para a invenção formas argumentativas, etc.

 

E como tópicos citamos os adágios, conceitos, recursos metodológicos, princípios de Direito, valores, regras da razão prática, standards, critérios de justiça, normas legais etc. (Garcia Amado apud ATIENZA, 2006, p.53). In: Szynwelski, Cristiane. Tópica Jurídica – solução ou problema? Revista CEJ, Brasília, Ano XIII, n. 41, p.67-73, abr./jun. 2008, disponível em: w.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/CristianeS.pdf .

 

Mas esse método tem como uma das suas principais utilidades o preenchimento de lacunas e a complementação e comprovação dos resultados obtidos de outras formas.

 

O método hermenêutico-concretizador foi inspirado também nas obras de Viehweg e Luhmann e sua sistematização foi elaborada por Konrad Hesse, responsável pela elaboração de um catálogo de princípios interpretativos dirigentes e limitadores, utilizados na consideração, coordenação e valorização dos pontos de vista elaborados para a resolução do problema.

 

Parte do pressuposto de que a interpretação constitucional é concretização, entendida como norma preexistente na qual o caso concreto é individualizado.

 

A plurissignificação da Constituição deve ser feita sob a inclusão da realidade a ser ordenada. Por não haver interpretação constitucional independente de problemas concretos, interpretação e aplicação consistem em um processo unitário.

 

Os elementos basilares deste método são: norma a ser concretizada, a compreensão prévia do intérprete e o problema concreto a ser resolvido. A concretização pressupõe um entendimento do conteúdo da norma a ser concretizada, que, por sua vez, é inseparável da pré-compreensão do intérprete e do problema concreto.

 

O intérprete há de contemplar os fatos concretos da vida, correlacionando-os com as proposições normativas da Constituição, pois a interpretação adequada deve ser capaz de concretizar o sentido da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.

 

É uma metodologia positivista atenta à realidade concreta pautada em um teor empírico e casuístico. E rejeita a ideia de que a Constituição contém um sistema concluído e uniforme, lógico-axiomático ou hierárquico de valores, adotando um procedimento tópico guiado e limitado normativamente.

 

Ao contrário do método tópico-problemático, neste há a primazia da norma sobre o problema, partindo-se do resultado da concretização normativa para a solução do caso concreto.

 

O método normativo-estruturante de Müller também foi inspirado na tópica, e apresenta uma metódica estruturante desenvolvida especialmente para o desenvolvimento constitucional.

 

A ciência jurídica é fruto de uma compreensão equivocada da estrutura da realização prática do direito. A partir da premissa de que o direito e realidade não subsistem autonomamente, por ser impossível isolar a norma da realidade, deve-se falar em concretização, não em interpretação.

Esta é apenas um dos elementos, ainda que dos mais importantes, do processo de concretização. Por fornecerem complementarmente os componentes necessários à decisão jurídica, na concretização normativa o operador deve considerar tanto os elementos resultantes de interpretação do programa normativo.

 

O resultado do conjunto formado pelo programa normativo e pelo âmbito normativo é a norma jurídica, que deve ser formulada de maneira abstrata e genérica. Müller faz distinção entre a norma e o texto normativo. Pois o texto não possui normatividade, não é lei, mas apenas a forma da lei; atua como diretriz e limite das possibilidades legais de uma determinada concretização material do direito (função diretiva e limitativa).

 

A normatividade, como um processo estruturado que se manifesta nas decisões práticas, não decorre somente do texto da norma, mas também de numerosos textos que transcendem o seu teor literal, como os materiais legais, os manuais didáticos, os comentários e estudos monográficos, os precedentes judiciais e o material fornecido pelo direito comparado. O texto só toma sentido quando colocado numa operação ativa de concretização.

 

A concretização das normas é realizada por meio dos elementos clássicos desenvolvidos por Savigny e aliados a alguns elementos adicionais, divididos em dois grupos: o primeiro abrange os recursos do tratamento do texto da norma; o segundo, os passos de sua concretização.

 

Os elementos metodológicos compreendem os tradicionais da interpretação (gramatical, histórico, genético, sistemático e teleológico[10]), os princípios de interpretação da Constituição, entendidos como casos das regras tradicionais (efeito integrador, princípio da unidade, concordância prática, força normativa …) e os problemas da lógica formal e da axiomatização no direito constitucional.

 

Em razão da ausência da normatividade, nunca se poderá estabelecer uma ordem hierárquica vinculante entre esses elementos metódicos, tendo fracassado todas as tentativas neste sentido.

 

O processo de aplicação do direito deve utilizar dados da sociologia, da ciência política, da economia, além de outros saberes exigidos pelo âmbito normativo da prescrição a ser concretizada.

 

Os elementos do âmbito da norma são fecundos e são decisivos para a concretização, motivo pelo qual a práxis jurisprudencial de tribunais constitucionais tem um valor paradigmático em termos de conhecimento.

 

O âmbito da norma não consiste na soma dos fatos, mas em um nexo formulado em termos de possibilidade real de elementos estruturais que são destacados da realidade social[11] na perspectiva seletiva e valorativa do programa da norma e estão, via de regra, conformados de modo ao menos parcialmente jurídico.

 

Os elementos dogmáticos compreendem a doutrina e a jurisprudência que, por serem estruturadas linguisticamente, também necessitam de interpretação.

 

Os elementos de técnica de solução buscam, pelo caminho da tópica, pontos de vista problematicamente orientados com a finalidade de buscar a espécie de estruturação e argumentação no texto da decisão. Funcionam como fatores auxiliares sem conduzir a suposições e resultados inerentes e contrários à norma.

 

Os elementos teóricos contribuem, sobretudo, para a pré-compreensão em teoria da Constituição, produzindo efeitos decorrentes da força caracterizadora de determinadas posições metódicas fundamentais das próprias teorias do direito, do Estado e da Constituição, tais como o positivismo, o decisionismo, o normologismo e o sociologismo.

 

A dogmática jurídica pode ser entendida como subsistema de técnicas de comunicação no universo jurídico. Segundo Müller para se cogitar em dogma no exato sentido da palavra, falta o caráter de obrigatoriedade.

 

Os elementos de política constitucional fornecem valiosos pontos de vista materiais para a compreensão e implementação prática de normas constitucionais, com referência à ponderação das consequências e à consideração valorativa de conteúdos.

 

Importante salientar que os elementos metodológicos, do âmbito da norma e dogmáticos, por estarem em relação direta com a norma, seria hierarquicamente superiores aos demais.

 

E, segundo Paulo Bonavides este é o ponto falho do método normativo-estruturante que, após se abrir para a realidade, tem sua última postulação assentada numa estrutura jurídica limitativa.

 

Tais métodos por se basearem em premissas diferentes em verdade são complementares, podendo ser usados conjuntamente para promover a concretização da Constituição.

 

O uso dos métodos interpretativos na delimitação e redução da influência subjetiva do intérprete pode ser questionada por diversas razões.

 

São utilizados mas como instrumentos capazes de racionalizar o resultado das decisões, do que propriamente ser um critério determinante para se chegar até estas.

 

Mesmo assim a presença e influência dos métodos de interpretação é possível ser verificadas como por exemplo no julgamento envolvendo a aplicabilidade imediata das alterações introduzidas pela LC135/2010 (Lei de Ficha Limpa).

 

Em seu voto Min. Joaquim Barbosa afirmou que “apreciaria o caso a partir da perspectiva de valorização da moralidade e da probidade no trato da coisa pública, sob uma ótica de proteção dos interesses públicos e não dos puramente individuais (STF- RE 631.102/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27/10/2010) (Informativo 622/STF).

 

Para concluir, recorro ao brilhante Lenio Streck que alude: “ Os dezoitos anos da Constituição do Brasil e as possibilidades de realização dos direitos fundamentais diante dos obstáculos do positivismo jurídico “ por isso é possível dizer que é correta ou incorreta a interpretação.

 

Recomendamos a leitura imperdível de sua obra “Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito”.

 

A visão mais conservadora da interpretação constitucional é taxada de textualista, originalista ou preservacionista. Um dos defensores mais extremados da moderação judicial é Robert Bork que sustenta que os juízes devem seguir o entendimento original dos criadores da Constituição, por ser o sentido pretendido pela sociedade daquela época.

 

Os principais pontos característicos do interpretativismo são: a) respeito absoluto ao texto constitucional e, em particular, à vontade do constituinte histórico; b) utilização somente de princípios neutros (Wechsler) que são postuladores fundadores (framers), sem o acréscimo dos princípios ou fins do intérprete; c) limitação ao previsto ou contemplado como possível pelo constituinte histórico, e como forma de efetivar sua mensagem, sem que sejam acrescentados ao texto direitos não previstos originariamente; d) a interpretação estrita da demanda capaz de efetivar a única resposta constitucional correta, razão pela qual os aplicadores da Constituição não possuem opções exegética[12] discricionárias; e) afastamento da mensagem do constituinte.

No entanto, tal enfoque reducionista conferido à interpretação constitucional não se mostra compatível com a amplitude e o conteúdo marcadamente axiológico de grande parte dos dispositivos consagrados atualmente na Constituição Federal Brasileira.

 

Referências

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 5ª edição, revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2011.

SLAIBI Filho, Nagib. Direito Constitucional. 3ª edição, revista e atualizada, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 8ª edição. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2009.

SZYBWELSKI, Cristiane. Tópica Jurídica – solução ou problema? Revista CEJ, Brasília, Ano XIII, n. 41, p.67-73, abr./jun. 2008, disponível em: w.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/CristianeS.pdf

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. São Paulo. Editora Malheiros, 1996.

DE PLÁCIDO E SILVA, atualizadores Nagib Slaibi Filho e Glácucia Carvalho, 2ª. Edição, Rio de Janeiro, Forense, 2010.

JAPIASSÚ, Hilton e Danilo Marcondes,  Dicionário Básico de Filosofia, 3ª. Ed., rec. Atualizada, Rio de Janeiro, Editora Jorge Zahar, 1996.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de direito. Lisboa: Fundação Mário Soares Gradiva publicações,1999.

AVILA, Humberto. Neoconstitucionalismo: entre ciência do direito e o direito da ciência. Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Cláudio Pereira de Souza Neto; Daniel Sarmento e Gustavo Binenbojm (coords.) Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008.

 



[1] O atributo mais característico de Hermes é o caduceu (em grego kerykeion, “bastão de arauto”), similar ao que era usado, nas assembléias gregas, por quem estivesse com a palavra. Representa seu papel de arauto e mensageiro dos deuses, mas além disso era considerado capaz de induzir o sono. Nas representações antigas, duas serpentes se enrolavam na sua ponta.

 

[2] A lebre, por sua fertilidade. Dizia-se que Hermes tinha posto nos céus a constelação da Lebre e deu ao animal o poder de engravidar quando ainda está dando a luz a ninhada anterior. O falcão ou gavião (o termo grego hierax vale para ambos), provavelmente por sua velocidade. Em alguns mitos, Hermes transforma humanos em gaviões. A tartaruga. Além de ter inventado a lira a partir de uma casca de tartaruga, Hermes teria transformado em tartaruga uma ninfa chamada Quelone (Khelone, “tartaruga” em grego) que recusou um convite para ir à festa dos deuses.

 

[3]Chapéu de Aidoneus (“Escondido”) e lhe atribuíam o poder de tornar invisível seu portador.

[4] Silogismo do grego syllogismós significa método de dedução de uma conclusão a partir de duas premissas, por implicação lógica. Para Aristóteles, consdierado o primeiro formulador da teoria do silogismo. O silogismo é argumento em que, estabelecidas certas coisas resulta necessariamente delas, por serem o que são, outra coisa distinta do anteriormente estabelecido.(Primeiros analíticos, I, 24) (…). In Dicionário Básico de Filosofia,de Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, 3ª edição, revista e ampliada, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,1996 p.247)

[5] A Escola da exegese, também conhecida como Escola filológica, em direito, é uma corrente de pensamento jurídico que floresceu no início do século XIX, a partir do Código Napoleônico. O art. 4º desse código afirmava que um juiz jamais poderia evitar julgar algo que lhe fosse dado. Assim, a escola da exegese, confirma que a interpretação deve ser mecânica, de acordo com a intenção do legislador. Esta escola afirmava que o Código de Napoleão resolveria qualquer problema do dia-a-dia, na sociedade da época que era mais ligada nos costumes habituais. Portanto, para a Escola da exegese, a lei seria uma expressão da razão.

 

[6] Em França, naturalmente se defendeu o etat legal, que sublinhava a supremacia não da  Constituição, mas da lei fundamentada na vontade popular que exprime o parlamento. Já no contexto alemão cogita-se no Rechtstaat no qual prevalece a noção de Estado mínimo, nos moldes de um Estado Liberal de Direito. Onde vige séria separação entre Estado e sociedade, já que a intervenção estatal representava potencial perigo à liberdade e à propriedade.

[7] O Estado social é, de fato, um modelo que se mostrou em vários regimes, cujas principais propostas podem ser exemplificadas em três documentos históricos. O primeiro deles foi a declaração dos Direitos do Povo e do Trabalhador, na Revolução Russa de 1917. Os outros dois foram a Constituição Mexicana de 1917, resultado da Revolução Mexicana, e a Constituição de Weimar de 1919, resultado da Alemanha arrasada pela primeira guerra mundial (e base para a sustentação futura do regime nazista). Os EUA não optaram por um novo documento, mas, quando a questão social se intensificou com a crise da década de 30, novas interpretações de sua Constituição liberal deram rumos mais intervencionistas ao

Estado.

[8] O Estado democrático de direito passou por várias transformações em sua evolução. Dos direitos fundamentais reconhecidos sob o prisma das liberdades; passou-se ao foco nos direitos econômicos, sociais e culturais, cujas políticas de redistribioção e reconhecimento procuram efetivar e concretizar a igualdade. A conformação entre os poderes constituídos também acabou por se modificar, delineando um Executivo forte, Legislativo que fiscaliza mais do que prmulga leis e materializa o conteúdo social das constituições e um Judiciário ativo e cidadanizante.

[9] A luta pela conquista do Estado de Direito se espalhou pelo ocidente, particularmente

no contexto do Estado liberal de países como Inglaterra, Estados Unidos, França e Alemanha.

Dentro do contexto inglês, o Estado de Direito ou rule of law designa a busca por processo

justo, e pelo reconhecimento da supremacia da lei, do direito de acesso aos tribunais e ao

due process of law que restaram estabelecidas explicitamente na Magna Carta.

[10] ( …) a interpretação gramatical, que procurava o sentido vocabular da lei, a interpretação lógica, que visava ao seu sentido proposicional, a sistemática, que buscava o sentido global ou estrutural, e a histórica, que tentava atingir o sentido genético. (…)

[11] No Brasil, o Estado Social tem sua origem na Era Vargas. Já o Estado Social e democrático demorou bem mais. Marcado por ditaduras, o Estado brasileiro teve dois momentos democráticos mais longos entre 1945 e 1964 e o atual, consagrado a partir da Constituição de 1988.

[12] Exegese é a profunda interpretação de texto religioso, jurídico ou literário. E requer práticas implícitas e intuitivas. A verdade é que os textos sagrados foram os primeiros a ocuparem os exegetas na tarefa de interpretar e dar seu significado. A palavra exegese provém do grego exegeomai, exegesis; ex tem o sentido de extrair, de externar, exteriorizar, expor(movimento para fora);

Por isso, o vocábulo exegese significa como interpretação, revelar o sentido de algo ligado ao mundo do humano, mas a prática se orientou no sentido de reservar a palavra para interpretação dos textos bíblicos.

 

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Considerações sobre a hermenêutica constitucional. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/consideracoes-sobre-a-hermeneutica-constitucional/ Acesso em: 22 nov. 2024
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