Direito Civil

Responsabilidade Civil do Estado – A filha querida da República

Resumo: O texto expõe didaticamente a evolução da responsabilidade civil do Estado e, aponta tanto na doutrina como na jurisprudência seus principais marcos.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Código Civil de 2002. Código de Defesa do Consumidor. Direito Constitucional. Direito Civil-Constitucional.

Logo após dois anos da Independência, sob a forte influência da Revolução Francesa e elevando os brasileiros da condição de colonizados para a de cidadãos. Então a Constituição Imperial previa, nos artigos 156 e 179, a responsabilização pessoal dos empregados públicos pelos abusos e omissões praticadas no exercício da função: “Art. 156. Todos os Juízes de Direito, e os Officiaes de Justiça são responsáveis pelos abusos de poder, e prevaricações, que commetterem no exercício de seus Empregos; esta responsabilidade se fará effectiva por Lei regulamentar”.

[…]

Art. 179. “A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte”.

[…]

XXIX. “Os Empregados Publicos são strictamente responsáveis pelos abusos, e omissões praticadas no exercício das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsáveis aos seus subalternos.”

Na Constituição Imperial brasileira havia uma ressalva: o Imperador não poderia não poderia ser responsabilizado por danos causados a terceiros.

Ele era detentor de um poder à parte, o Poder Moderador, que trabalhava ao lado do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, com a finalidade de controlar a organização política do Império. Esse poder era titularidade exclusive do Imperador e liberava-o de ser responsabilizado por qualquer ato praticado, conforme aduz o artigo 9º: “Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Ele não está sujeito à responsabilidade alguma.”.

Já em 1891 a Constituição fora promulgada por Prudente de Moraes, então Senador por São Paulo e Presidente do Congresso, surgiu em uma época marcada pelo recente início da República e aversão a qualquer coisa que lembrasse a extinta monarquia. Pois, não mais existia o Quarto Poder, o Poder Moderador, e buscava-se a liberdade e a democracia, conforme apregoava o preâmbulo daquela Constituição.

Apesar disto, no que se refere à responsabilidade civil do Estado, pouco ou praticamente nada mudou em relação à Constituição anterior, e, verifica-se grande semelhança entre o artigo 179. XXIX da Constituição de 1824 com o art. 82 da Constituição brasileira de 1891.

Já a Constituição brasileira de 1934[1] inovou no que tange à responsabilidade civil por danos causados pela Administração, foi quando surgiu a responsabilização solidária entre o funcionário que causou o dano e a Administração Pública. In verbis:

“Art. 171 – Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos. § 1º – Na ação proposta contra a Fazenda pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte; § 2º – Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário culpado”.

A Constituição de 1937 surgiu com o Estado Novo, quando Getúlio Vargas, após dar um golpe de Estado com apoio de grande parte da população e dos militares, fechou o Congresso e impôs nova Constituição, logo apelida de “polaca”, por ter sido inspirada na Constituição da Polônia.

E, não houve alteração significativa quanto à responsabilidade civil do Estado, apenas suprimiu os dois parágrafos do texto constitucional anterior, que determinava a citação do funcionário como litisconsorte e a execução regressiva contra o funcionário for o causador do dano. A prescrição para acionar o Estado ocorria em cinco anos, por determinação do Código Civil de 1916 (art. 178, §10º, VI). Esta foi a última Constituição brasileira da fase subjetivista, também chamada de fase civilística.

Outrora vigia a responsabilidade sem culpa do Estado que era então positivada no artigo 194 da Constituição Federal brasileira de 1946[2]. Previa que a responsabilidade do Estado era decorrente do seu dever de proteção e correspondente aos deveres específicos de seus súditos de obediência e fidelidade e aos ônus dos encargos públicos.

Porém, a realidade demonstrou que as funções estatais rendem ensejo à produção de danos intensos e graves que são suscetíveis de serem gerados pelos particulares[3].

Lembremos que o Estado assumiu funções amplas e essenciais, envolvendo serviços e ações em pro da coexistência pacífica de seus cidadãos e da própria sociedade. Concluir-se que quanto maior o risco, maior deve ser o cuidado despendido e o menor nível de aceitação nas folhas, implicando, assim crescente responsabilização do Estado[4].

Nos estudos administrativistas apontaria a Teoria da Irresponsabilidade do Estado. Nos primórdios o dirigente ditava a verdade e jamais admitia uma falha, dentro da vetusta máxima inglesa: The King do no wrong (o rei nunca erra) e, assim, o Estado se desenvolveu por longo tempo.

Paulatinamente, a responsabilidade civil do Estado evoluiu e ganhou maior ênfase, de sorte que o Estado que agia irresponsavelmente diante de seus atos, passou a ser responsabilizado por situações pontuais.

Em nosso país, o marco inicial da responsabilidade do Estado ocorreu com surgimento do Tribunal de Conflitos, em 1873, entretanto, a responsabilidade não era geral nem absoluta, disciplinando-se por específicas regras.

Com a evolução, a responsabilidade estatal passou a ser subjetiva e, era prevista no Código Civil de 1916 em seu artigo 15. Aliás, apontou Fernanda Marinela que a teoria objetiva da responsabilidade estatal já era prevista desde a Constituição Federal brasileira de 1946, tendo sido reiterada pelas Constituições seguintes como a de 1967 e 1969 e, culminando com a Carta Magna de 1988.

José Aguiar Dias em 1983 da primeira edição da obra Responsabilidade Civil em Debate ao comentar sobre o tema começa seu sexto capítulo afirmando que o STF sobre a temática a respeito da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, não tem conservado unidade da decisão.

Tanto que considerou como força maior excludente as inundações ocorridas e que geraram prejuízos decorrentes de chuvas torrenciais.

Em acórdão publicado em Jardel Noronha, Jurisprudência, Responsabilidade Civil, pág. 999 apontou o exagerado conceito de calamidade pública e, no aresto do Ministro Aliomar Baleeiro ainda centrado na força maior atribuída as chuvas torrenciais que apesar de registradas no passado, não foram objeto de cautelas técnicas pela prefeitura, com o fim de aumentar a capacidade de descarga das vias de escoamento.

Aguiar Dias entendeu que a culpa anônima do serviço público exclui a força maior. Ainda sobre a força maior é que o artigo 1.058, parágrafo único do Código Civil de 1916 que a definiu a imprevisibilidade e a inevitabilidade se referem às consequências e não ao fato natural, em si, como geralmente se entende por sugestão da própria condição do fato natural.

A cada avanço científico, cada vez mais se reduz a área de influência da força maior, em face da previsibilidade e evitabilidade das consequências de fenômenos naturais.

Já são eficientes os meios de prever e evitar chuvas, furacões, terremotos e outros fenômenos meteorológicos, havendo notícias de previsão com grande antecedência. A tendência mesmo é desaparecer causa excludente da responsabilidade, afirmou Aguiar Dias.

Já naquele tempo, Aguiar Dias defendia que era incontestável sobre a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e, a essa doutrina apontou vários critérios que conduzem a uma resultante comum que tal responsabilidade é regida pelo artigo 107 CF/1969 e que reproduziu os artigos 194 da CF/1946 e, ainda, o artigo 105 da CF/1969.

Pode-se mesmo considerar a responsabilidade civil do Estado como um filho querido da República conforme consignou Alcino Pinto Falcão. Já no artigo 15 do Código Beviláqua segue a responsabilidade civil decorre de culpa. Mas essa é a causa, mas não o fundamento da responsabilidade que não exige essa causa para ser pronunciada.

Os danos oriundos da inundação resultante da má-conservação das vias de escoamento de águas pluviais, a sentença proferida em consonância com a jurisprudência do STF da época, consagrou a modalidade de risco seja no risco administrativo[5], seja na culpa anônima do serviço público[6], mais adequada, para o caso.

A teoria da culpa administrativa de acordo com a posição do Desembargador Cordeiro Fernandes é digno de registro pois, em ação de responsabilidade civil movida contra a municipalidade de São Paulo, decidiu a Terceira Câmara Civil que a indenização deveria ser paga pela metade porque a falta de serviço público não se devia apenas à culpa da prefeitura, mas também a outras concausa (sic) oriundas do mau funcionamento de outras entidades públicas, oriundas do mau funcionamento de outros entidades públicas, tais como Estado e municípios vizinhos.

Já, de modo contrário, teria o julgado da Sexta Câmara Civil em hipótese idêntica apontando que a Prefeitura deveria pagar integralmente o valor dos danos causados, restando-lhe o recurso da via regressiva. As concausas não poderia exercer qualquer influência sobre o direito à indenização integral do prejudicado.

Não fosse a indiscutível deficiência das galerias pluviais, não fosse a falta de limpeza e correção do Tamanduatei e Tietê, as chuvas embora torrenciais não teriam acarretando os danos, com a extensão assumiram.

Descabidas as considerações extrajudiciais sobre os eventuais sobre ônus financeiros que pesam sobre o município, mesmo porque o município de São Paulo não é o da modesta cidade do interior, ao revés, é verdadeira Cidade-Estado, sendo município opulento, dotado de arrecadação expressiva, possuindo condições para integral realização de obras sanitárias necessárias e de segurança em prol de sua laboriosa e produtiva população. Tudo indica, afirmou Aguiar Dias, que a Prefeitura tomou novas providências nesse setor.

O vetusto argumento de que a carga para o Erário é demasiada não tem mais peso jurídico. A igualdade de direitos e a igualdade de encargos é fundamental no direito constitucional dos povos evoluídos.

Uma vez haja um indivíduo lesado em seus direitos, como condição ou necessidade de sua reparação, devem ser igualmente repartidos por toda comunidade, ou seja, satisfeitos pelo Estado, o equilíbrio da Justiça comutativa.

O busilis sobre o quantum avaliatório do dano desde que o processo forneça os dados para sua fixação deve ser feito na fase da cognição. No indenizar por atos ilícitos à luz do Código Beviláqua, mediante a sua sujeição ao salário mínimo, que não é perfeita correção da deterioração da intocabilidade da condenação.

O artigo 948 C.C. do 1916 consignava que as indenizações por ato ilícito deve ser o valor mais favorável ao lesado.

Concluir Aguiar Dias que não se pode aceitar a alegação de força maior como excludente de responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público envolvidas em relação as torrenciais chuvas de grande intensidade, quando para os danos decorrentes da má conservação das vias de escoamento de águas pluviais.

Nota-se que atualmente no artigo 37, §6º[7] da CF/1988 na ideia defendida pela teoria do risco administrativo segundo a qual haverá o dever de indenizar causado ao cidadão pelo Poder Público e, para tanto, não se deve cogitar a culpa lato sensu da administração ou dos seus agentes ou prepostos[8].

Todavia, resta assegurar o direito de regresso do ente estatal contra o agente ou preposto. Esse entendimento é, há muito tempo, aplicado pela jurisprudência nacional.

Há forte corrente doutrinária que sustenta que teria sido adotada a teoria do risco integral, pela qual o Estado deve responder pela conduta comissiva do agente em qualquer hipóteses, não se admitindo qualquer excludente de nexo de causalidade, uma vez que se exige apenas a prova do prejuízo ao cidadão.

Entre os civilistas assim se posicionou Maria Helena Diniz, Washington de Barros Monteiro, Maria Sylvia Di Pietro não faz distinção entre a teoria de risco administrativo e do risco integral podendo ser consideradas sinônimas.

Para Tartuce, no entanto, a teoria do risco integral[9] é drástica e somente aplicada em casos excepcionais e, sua incidência somente se justificaria segundo os doutrinadores ambientalistas e a dominante jurisprudência do STJ quando presentes danos ambientais diante de interesses difusos relativos ao bem ambiental.

Quando à possibilidade de exclusão da responsabilidade as duas teorias devem ser admitidas, a do risco integral que não admite a exclusão de responsabilidade e a teoria do risco administrativo em que é impossível arrastar a responsabilização exceto quando houver ausência de qualquer de seus elementos definidores.

Não é pacífico entendimento de que as teorias sejam sinônimas. Merece revisão teórica e crítica sobre a tese que sustenta a responsabilidade subjetiva estatal quando houver omissão de administração ou de seus prepostos.

Assim a responsabilização do Estado dependia de culpa, através da incidência das teorias de culpa anônima ou de falta de serviço[10], tomando necessária a comprovação de omissão genérica[11] que repousa na noção do dever geral do Estado em evitar o fato, bem como deveria provar a omissão específica que significa a falta da conduta esperada em si.

Tal visão doutrinária é atribuída a Celso Antônio Bandeira de Mello e, seu pai Oswaldo Aranha de Mello. Porém, antes desses, já se sustentava Amaro Cavalcanti que na “omissão é diversa pois não há positiva violação por meio de ato ou fato ao revés, há a ausência de ato ou fato devido”. O que impõe critério diferente na averiguação da responsabilidade se existente quando ocorrera a alegada lesão do alheio direito.

Precisava-se de prova da negligência ou da culpa na omissão do ato que deveria ser praticado, assim, o Estado só responderá pelo dano alegado em comprovada omissão[12] que foi proposital, lesiva, seja culposa ou dolosa.

Cretella Júnior e Di Pietro entende que a responsabilidade quando haver o dever de agir por parte do Estado e a possibilidade de evitar o dano.

A culpa resta embutida na omissão e, não se pode cogitar em responsabilidade objetiva em caso de inércia do agente público que tinha o positivo dever de agir por parte do Estado e a possibilidade de agir, e, não agiu, sem haver razão aceitável.

Di Pietro reconhece a dificuldade da teoria no que tange demonstrar a possibilidade de agir pois, tem que se referir a uma conduta que seja exigível da Administração Pública e que seja possível materialmente, o que só pode ser verificada no caso concreto.

Entre os doutrinadores contemporâneos tais como Fernanda Marinela, a responsabilidade objetiva é a regra no Brasil e acatada como padrão a teoria do risco administrativo. No entanto, a jurisprudência pátria admite ser possível compatibilizá-la com a responsabilidade subjetiva, nos casos de danos provocados por omissão e, seguindo a tese de culpa do serviço.

O que nos força a concluir que contemporaneamente[13] subsistem as duas teorias que convivem harmoniosamente apesar que preferencialmente, em razão da vítima, reconhecer-se a teoria objetiva.

Mas, na infeliz realidade brasileira a tese deve ser repensada. Apesar de que o Estado não representa a cura de todos os males, porém deve assumir o mínimo de suas obrigações. Mesmo quando cogitamos do Estado Social.

No fundo o perfil de Estado Assistencialista, se torna ausente, ou pelo menos, reticente. Não se deseja um Estado como segurador universal, mas que cumpre seus deveres mínimos.

E, nesse sentido, a dissertação de mestrado defendida na USP em 2018 de autoria de Luciana Yoshidd que defendeu a teoria da responsabilidade subjetiva nos atos omissivos. A autoria demonstrou pertinente pesquisa e, apontou as três correntes doutrinárias e resumiu bem a divergência entre estas.

Filiados à corrente subjetivista em caso de omissão há Rui Stocco, Celso A. Bandeira de Mello e Maria Sylvia Di Pietro que aponta por atos comissivos de seus agentes, ao passo que, se o dano foi causado pelas omissões, a natureza da responsabilidade será outra, devendo o Estado responder subjetivamente pelo dano.

Em oposição a tal corrente, há os defensores da corrente objetivista que existe tanto para conduta comissiva como para a omissiva e, filia-se a tal corrente, Gustavo Tepedino, Yussef Cahali, Odete Medauar, Celso Ribeiro Bastos e Hely Lopes Meirelles em face do disposto do artigo 37, §6º da CF/1988, não havendo tratamento diferenciado à conduta omissiva estatal.

Há ainda outras teses que não se enquadram nas retromencionada, como o de Sergio Cavalieri Filho que defende que o referido dispositivo constitucional é aplicável tanto para atos comissivos como os omissivos do Estado. Para os primeiros, deve-se aplicar a teoria subjetiva ou subjetivista enquanto que para os segundos a teoria objetivista.

A tese subjetivista na douta opinião de Tartuce é absurda perante a infeliz realidade pátria repleta de assaltos, arrastões, sequestros, relâmpagos, balas perdidas e mortes violentas onde se arguiria a responsabilidade subjetiva do Estado por omissão, diante de total falta de segurança pública[14].

Aliás, a respeito das balas perdidas, Maurício Mota em apurado estudo aponta a responsabilidade objetiva do Estado em face do grave problema social e jurídico que acomete as grandes cidades brasileiras e, principalmente, Rio de Janeiro e São Paulo.

A prática recorrente de marginais em assaltos, furtos e violências urbanas resultam de caso fortuito e imprevisível, não havendo dever de indenizar do Estado devido a omissão genérica.

Todavia, caso esteja presente o fortuito interno relacionados diretamente com o risco estatal em suas atividades de segurança, eis que resta patente a responsabilização do Estado. É o caso da troca de tiros entre marginais e a polícia[15], quando então uma bala perdida, finalmente encontra sua vítima, um mero terceiro transeunte, ou morador da localidade. E, tais eventos cada vez mais pródigos nas manchetes de jornais brasileiros sofrem parca investigação policial e muito pouca repressão policial.

Deve ser considerado irrelevante a conduta ilícita do agente público, até porque poderá criminalmente responder por isto. A vítima baleada e morta em muitos casos, quando nem se sabe de onde partira o disparo fatal, principalmente em decorrência de políticas públicas de segurança que promovem o enfrentamento do Estado diretamente em face do crime organizado e nos feudos que se tornaram as comunidades carentes no entorno de grandes cidades brasileiras.

A premissa que norteia a tipificação da responsabilidade estatal é o dever de cuidado que pode ser subtraído do artigo 5º, inciso X da CF/1988. Há a falta de diligência e prudência do lesante capaz de produzir dano injusto e resultado de ação que viola neminem laedere, o que acarreta a inexorável reversão de prova, nos excepcionais casos de excludentes de responsabilidade.

Ademais, há o argumento jurisprudencial sobre à atividade de risco quando ocorrem tais operações policiais ou militares, o que pode ser entendido pelo artigo 927, parágrafo único do Código Civil de 2002. Mesmo o confronto havido entre marginais com armas de fogo, resta patente a omissão do Estado.

Para Maurício Motta apesar de decisões em sentido contrário, o Estado deve responder, uma vez provada a omissão específica de nada fazer contra tais confrontos. A prova pode ser feita por testemunhas, perícias (de balas, de paredes, configurações balísticas) desvalorização de imóveis situados nas áreas de risco e reclamações feitas à polícia.

O aumento de criminalidade se deve analisar a questão a partir de fórmulas gerais provenientes do Direito Comparado de problemas tipicamente brasileiros.

A tese de aplicação da responsabilidade culposa do Estado as tais ocorrências, igualmente deve ser repensada na esfera jurisprudencial, onde acaba prevalecendo. Vide: Precedentes do STF. Recurso Extraordinário n. 172.025/RJ, Ministro Ilmar Galvão, DJ 19.12.1966. Recurso Extraordinário 130 764/PR, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 143/270, IV Recurso Extraordinário conhecido e provido. Recurso Extraordinário 369.820/RS, 2ª Turma, Relator Ministro Carlos Velloso, j. 04.11.2003.

Infelizmente, faz-se justiça, aplicando-se a regra da responsabilização objetiva, independentemente de culpa do Estado, seja por ação ou por omissão. Vide: STJ. Ag. Int.- AREsp, Agravo interno a que se nega provimento. AIREsp 936 073/PB, 1ª Turma, Rel. Min. Sergio Kukina, DJe 27.4.2017.

Afinal, essa derradeira tendência que acabou se ampliando no âmbito do STJ e teve como premissa inicial a tutela antecipada proferida pelo STF que acabou por rever a antiga tese de responsabilidade subjetiva por omissão concluindo pela responsabilidade sem culpa do Estado de Pernambuco, que deve arcar com os custos de tratamento de um cidadão, vítima de assalto e atingido por projétil na via pública. A decisão foi publicada no Informativo 502 do STF. (STA 223, AgR/PE, Rel. Min. Ellen Gracie. Rel. p/ acórdão Min. Celso de Mello j. 14.4.2008).

Não como entender o tratamento diferenciado entre o ambiente público ou privado. O primeiro ambiente tido como maldito e o segundo abençoado que serve para narrar o drama brasileiro conforme já afirmou Min. Luís Roberto Barroso.

Já no campo do Direito Administrativo demonstrou-se a infeliz parcialidade do Direito Público e, a herança lusitana até nós, sendo necessário rever antigos dogmas e conceitos nesta seara. Em Portugal se destacam as obras de Vasco Manuel Páscoa Dias Pereira da Silva e Maria João Estorninho. (In: SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da. Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra: Almedina, 2003; ESTORNINHO, Maria J. A fuga para o direito privado Contributo para estudo da atividade de direito privado da Administração Pública. 2ª reimpr. Coimbra: Almedina, 2009).

Aqui, Gustavo Binebojm propôs uma revisão constitucional das premissas fundamentais do Direito Público, e no mesmo sentido, Rafael Carvalho Resende Oliveira.

Há superdimensionamento da responsabilidade diante da frequente incidência da responsabilidade civil objetiva prevista no CDC. Tem-se responsabilizado os entes privados pelos assaltos ocorridos no interior de suas dependências como em bancos e até em estacionamentos de supermercados.

Já em exagero, o TJSP até já imputou a responsabilidade com dever de indenizar os shopping centers e à empresa cinematográfica, pela conhecida ação de estudante de medicina que adentrou ao interior da sala de cinema e metralhou pessoas que ali se encontravam.

Vide: Indenização por danos morais e materiais. Homicídio ocorrido, cinema localizado em shopping center. Responsabilidade solidária entre empreendedor e do lojista diferente da relação de consumo. Estabelecimentos que angariam frequentadores em razão da segurança que oferecem.

Verba fixada, entretanto, que se mostra exagerada quanto a um aspecto. Recurso das rés e das autoras parcialmente providos. (TJSP, Apelação com Revisão 3850464300, 7ª Câmara De Direito Privado, Rel. Arthur Del. Guércio. Data de Registro 23.11.2006).

Recentemente, Tartuce apontou que o STJ acabou de rever tal forma de julgar (como primeiro precedente STJ, REsp 1. 164 889/SP, Rel. Min. Haroldo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJA, j. 04.05.2010.

Afinal, por que essa distinção entre ambos os ambientes? Pois, indica Tartuce que parece ferir a razoabilidade o bom senso, o fim social da norma e de Direito descrito no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil[16].

Cogita-se de exagero de interpretação a beneficiar o poder estatal pela tese da responsabilidade subjetiva por omissão? Também não há justificativa político-ideológico na criação na teoria para tornar o Estado um ente irresponsável?

As respostas são positivas. Conclui-se que se iniciado um tiroteiro na rua é melhor procurar abrigo em algum local privado pois ali se está protegido pela responsabilidade sem culpa.

Tecnicamente, pela doutrina administrivativista Hely Lopes Meirelles sustentava, há tempos que a responsabilidade do Estado deveria ser sempre objetiva[17], por ação ou omissão não se presumindo o texto constitucional vigente qualquer diversidade de tratamento entre os dois casos.

Recentemente, apontou Tartuce e Jones Figueiredo Alves argumentaram que a responsabilidade do Estado é objetiva, seja havendo ação ou omissão, pois o que realmente interessa são o dano injusto e o fato lesivo.

Portanto, a análise de questões que envolvem a omissão prejudicial ao direito à saúde, a emissão de garantia à incolumidade física e a omissão ao fornecimento de segurança pública adequada, conclui a dogmática da responsabilidade civil do Estado por omissão deve ser construída por perspecção realística do caso concreto, capaz de aferir os graus de comprometimento da inação estatal em causa de danos contra o administrado.

Não se deve interpretar a Constituição Federal brasileira vigente de modo prejudicial ao cidadão que teria o hercúleo fardo de provar a culpa do ente estatal envolvido, em casos de omissão, uma prova perversa, diabólica e quiçá impossível.

Como afinal, provar que a bala perdida, por exemplo, saíra do revólver do policial? Como provar que o agente estatal não policiou as ruas devidamente ou que houvesse falha no comando de policiamento?

A exigência de tal ônus probatório é completamente irrazoável e desproporcional. Concluindo-se que a responsabilidade civil do Estado sempre objetiva pela teoria do risco administrativa quando aparece o conceito da responsabilidade pressuposta[18] de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka.

Pela pressuposição da responsabilidade é preciso visualizar novos horizontes para o dever de reparação, indo além da discussão da culpa (responsabilidade subjetiva) ou da existência de riscos (responsabilidade objetiva).

As pessoas jurídicas do Direito Público e as de Direito privado prestadoras de serviços públicos concessionárias, permissionárias possuem responsabilidade civil independentemente de culpa, responde pelos danos causados pela atividade administrativa desempenhada por seus funcionários e prepostos, no exercício de atividade pública. É o previsto no artigo 37, §6º da CF/1988.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro interpreta a expressão correta a ser usada é a responsabilidade civil extracontratual do Estado e não da Administração Pública. Trata-se de danos resultantes do atuar do Executivo, Legislativo e, Judiciário, totalizando a responsabilização do Estado.

Sendo errôneo cogitar que a responsabilidade civil seja da Administração Pública pois esta não tem personalidade jurídica nem titular de direitos e obrigações na ordem civil.

A capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas públicas ou privadas que o representam no exercício de parcela de atribuições estatais. Lembrando que é sempre a responsabilidade civil e de ordem pecuniária.

Em primeiro lugar, deve-se indenizar as vítimas para, depois, verificar em um segundo plano, quem foi o culpado e quem assumiu os riscos de sua atividade. Portanto, a responsabilidade civil e patrimonial do Estado pode originar-se tanto de atos jurídicos lícitos como os ilícitos e, mesmo de atos omissivos ou comportamentos materiais do poder Público.

Essencialmente é que existe um dano causado a terceiro por comportamento omissivo ou comissivo de agente do Estado.

Já o artigo 43 do C.C. de 2002 estabelece a norma que as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que, nessa qualidade, causem danos a terceiros, ressalvando-se o direito regressivo contra os causadores diretos de dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

A responsabilidade já nasce pelo ato do Estado e, como tal, de criar riscos pela atividade desempenhada aos cidadãos. Enfim, resumidamente tem-se a responsabilidade pública deve ser sempre objetiva, diante de ação ou omissão do Estado.

Os doutrinadores como Jones Figueiredo Alves e Mário Luiz Delgado criticam o artigo 43 do Código Civil de 2002 dando azo à proposta de alteração constante no Projeto de Lei 6960/2002, atual Projeto 699/2011, in litteris: “A atual redação do artigo 43 restringe a Lei Maior, pois não mencionadora de serviços públicos e só se refere às pessoas jurídicas de direito público interno, excluindo, aparentemente, as pessoas jurídicas de direito externo.

Por não poder limitar a norma fundamental, o dispositivo do Código Civil já nasce sem aplicação, razão pela qual o Deputado Ricardo Fiuza propôs, através do PL 6960/2002, a sua alteração, a fim de adequá-lo à Constituição Federal. Nos termos propostos pelo parlamentar, o artigo 43 ganhava a seguinte redação: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, inclusive aqueles decorrentes da intervenção estatal no domínio econômico, assegurado o direito de regresso contra os responsáveis nos casos de dolo ou culpa”[19].

É preciso ressaltar que tanto o conceito e o fundamento de responsabilidade civil são, portanto, essencialmente dinâmicos. Tanto que o legislador do século XX e início do século XXI não podem encarar a reparação de dano da forma que faziam seus pares no passado nem tão remoto.

Em sede de responsabilidade civil e reparação do dano, quer no campo da culpa quer no campo do risco, o legislador e o julgador devem ter em mente sempre dois parâmetros: a indenização deve ser suficiente para restabelecer o equilíbrio da relação; não podendo, porém, ser exagerada, a ponto de depauperar o causador do dano e de tolher suas atividades, sua iniciativa, vindo a causar desequilíbrio a pretexto de reparar outrem. Isso é tanto verdadeiro para as pessoas naturais, como para as pessoas jurídicas. Agregam-se outros elementos aos valores que se estabelecem para reparar danos exclusivamente morais.

A proposta corretiva tenta nos fazer olvidar que o Estado brasileiro existiu antes da nação, com a vinda de Dom João VI e que a esdrúxula aliança entre militares e tecnocratas durante o regime de exceção, a partir de 1964, gerador de hipertrofia estatal e que nos remete ao Leviatã de Hobbes.

As raízes civilizatórias da cidadania e de sociedade civil não devem nos conduzir ao Estado leviatânico. Pois a cidadania constitui conjunto de direitos comuns a todos, gerando assim direitos e deveres. De sorte que o Estado com a sua plêiade de gestores não pode gozar de irresponsabilidade.

Atente-se que nem sempre há direito de regresso entre o ente público em face de seu agente. Especificamente a responsabilidade do Estado, o STF já entendeu que para a responsabilização do Estado sequer se exige que o agente esteja no exercício de suas funções da ocorrência do dano.

Ademais, conforme consta da Edição 61 da Jurisprudência em Teses apud Tartuce do STJ do ano de 2016, in verbis: “há responsabilidade civil do Estado nas hipóteses em que a omissão de seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento de danos ambientais”.

O Tribunal da Cidadania conclui, com razão, que a Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais decorrentes da omissão de seu dever de controlar e fiscalizar na medida em que contribuía, direta ou indiretamente, tanto para degradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento, consolidação ou perpetuação.

Há entendimento majoritário que em ocorrendo omissão do Estado ou de seu agente, haverá responsabilidade subjetiva, devendo o lesado provar o dolo ou a culpa, o que representa a incidência da teoria da culpa anônima do Estado ou da falta do serviço.

À medida que o Estado evoluiu junto a cidadania, a responsabilização civil do Estado passou ser a filha dileta da República e do Estado Democrático de Direito, principalmente por não permanecer em gestão lesiva e causadora de danos graves e, por vezes, permanentes.

Referências:

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 14ª edição. São Paulo: Atlas, 2020.

DE FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano L.; EHRARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio. Código Civil Para Concursos. Doutrina, Jurisprudência e Questões de Concursos. 5ª questão. Salvador: JusPodvm, 2017.

ROSENVALD, Nelson; MILAGRES, Marcelo. Responsabilidade Civil. Novas Tendências. São Paulo: Editora Foco, 2017.

TARTUCE, Flávio. Manual de Responsabilidade Civil. Volume Único. São Paulo: Método, 2018.

_____________. Função social dos contratos do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007. (Coleção Prof. Rubens Limongi França, v.2.).



[1] Anteriormente desta Constituição, não se poderia cogitar em solidariedade, pois esta tem apenas duas fontes, a saber: a lei e a vontade das partes, conforme previa o artigo 896 do Código Civil de 1916 (que continua com a mesma redação no Código Civil de 2002), artigo 265: “A solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade ou da vontade das partes”.

[2] Art. 194 – As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único – Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.

[3] Então a Constituição de 1946 foi o inicial marco da fase objetivista no país. Afinal, a responsabilidade civil objetiva surgiu porque a sociedade estava se modernizando e, a prova de culpa tornou-se insuficiente para solucionar os conflitos advindos de danos causados pelo Estado. Aliás, segundo Bandeira de Mello os princípios da legalidade e da igualdade e, no caso de comportamentos ilícitos, o princípio da igualdade; no caso de comportamentos lícitos, como o Estado deve repartir o ônus proveniente de atos lesivos para evitar que alguns suportem o ônus por causa de atividades no interesse de todos, o fundamento é o princípio da igualdade.

[4] A responsabilidade solidária gerava, neste caso, o litisconsórcio passivo, que é quando há mais de uma pessoa figurando no polo passivo, como demandado na ação. A diferença entre o litisconsórcio e a responsabilidade solidária é que este é um instituto do Direito Civil, enquanto aquele tem natureza processual.

Como regra geral, o instituto da responsabilidade solidária não obriga o credor a acionar todos os devedores; ele poderia, se quisesse, propor ação apenas contra um deles, e se não tivesse sucesso na cobrança continuaria com o direito de acionar os demais devedores solidários (litisconsórcio facultativo). Entretanto, por determinação da própria Constituição, era obrigatória a citação do funcionário que causou a lesão (art. 171, § 1º). Era uma responsabilidade solidária que ensejava sempre um litisconsórcio necessário.

[5] Pela teoria do risco administrativo a obrigação de indenizar surge do só ato lesivo causado à vítima pela Administração, não se exigindo qualquer falta do serviço público, nem culpa dos seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado. Na teoria da culpa administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco administrativo, apenas o desempenho de serviço. Naquela, a culpa presumida pertine à falta administrativa; nesta, é a do fato lesivo da Administração. In: BITTENCOURT, Gisele H. Considerações sobre a teoria do risco administrativo. Disponível em:  https://www.migalhas.com.br/depeso/34657/consideracoes-sobre-a-teoria-do-risco-administrativo#:~:text=Pela%20teoria%20do%20risco%20administrativo,sem%20o%20concurso%20do%20lesado . Aceso em 20.7.2020.

[6] A teoria da “faute du service” é uma criação jurisprudencial do Conselho de Estado Francês e, por meio dela, se abandona a distinção entre atos de gestão e atos de império e a perquirição da culpa do agente, para se indagar a culpa estatal. Ou seja, a culpa pessoal, individual do agente é substituída, na falta do serviço, pela culpa do próprio Estado, pela “culpa administrativa”, peculiar do serviço público, na maioria das vezes “anônima”. Assim, ainda quando evidenciada a culpa de agente identificado como autor do ato lesivo, esta culpa (pessoal) é considerada como consequência da falta do serviço, que deveria funcionar exemplarmente e não foi capaz. Essa falta, então, é capaz de gerar para o Estado a obrigação de indenizar. In: RODRIGUES, Ivana Bonesi. Estado tem obrigação de indenizar sempre que é omisso. Disponível em:

 https://www.conjur.com.br/2004jan21/estado_obrigacao_indenizar_sempre_omisso#:~:text=Ou%20seja%2C%20a%20culpa%20pessoal,maioria%20das%20vezes%20%22an%C3%B4nima%22.&text=Essa%20falta%2C%20ent%C3%A3o%2C%20%C3%A9%20capaz,Estado%20a%20obriga%C3%A7%C3%A3o%20de%20indenizar . Acesso em 20.7.2020).

[7] O texto constitucional, por sua vez, foi reproduzido integralmente no Art. 43 do Código Civil de 2002.

[8] O preposto é uma figura muito comum no efetivo exercício de atividades empresariais. O preposto difere do administrador um a vez que, aqueles exercem papel secundário no exercício da atividade empresarial, cabendo toda a responsabilidade ao primeiro. O preposto no Código Civil considera-se preposto aquela pessoa que dirige um serviço ou um negócio, por delegação da pessoa competente, denominada preponente, através de outorga de poderes. O Código Civil adota a expressão gerente para designar o preposto (art. 1.172, do Código Civil). Seria o preposto um empregado? Gladston Mamede afirma que não se pode confundir a relação de preposição com a relação de emprego, uma vez que “a preposição é apenas mais fácil de se comprovar quando se tem um contrato de trabalho, mas não está limitada a essa relação jurídica” e em linhas a seguir citando o Recurso Especial 304.673/SP, do STJ demonstra que “para o reconhecimento do vínculo de preposição não é preciso que exista contrato típico de trabalho: é suficiente a relação de dependência ou que alguém preste serviço sob o interesse e o comando de outrem”. Logo, o preposto não é qualquer auxiliar dependente do empresário, visto que nem todos os empregados são prepostos. Assim, o caracteriza a preposição é o poder de representação judicial e extrajudicialmente, uma vez que, o preposto substitui o preponente em determinados atos, na organização interna da empresa ou nas relações externas com terceiros. O preposto no Código Civil Considera-se preposta aquela pessoa que dirige um serviço ou um negócio, por delegação da pessoa competente, denominada preponente, através de outorga de poderes. O Código Civil adota a expressão gerente para designar o preposto (art. 1.172, do Código Civil). Seria o preposto um empregado? Gladston Mamede afirma que não se pode confundir a relação de preposição com a relação de emprego, uma vez que “a preposição é apenas mais fácil de se comprovar quando se tem um contrato de trabalho, mas não está limitada a essa relação jurídica” e em linhas a seguir citando o Recurso Especial 304.673/SP, do STJ demonstra que “para o reconhecimento do vínculo de preposição não é preciso que exista contrato típico de trabalho: é suficiente a relação de dependência ou que alguém preste serviço sob o interesse e o comando de outrem”. Logo, o preposto não é qualquer auxiliar dependente do empresário, visto que nem todos os empregados são prepostos. Assim, o caracteriza a preposição é o poder de representação judicial e extrajudicialmente, uma vez que, o preposto substitui o preponente em determinados atos, na organização interna da empresa ou nas relações externas com terceiros.

[9] A “teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniquidade social. Para essa fórmula radical, a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima.” A teoria do risco integral não se preocupa com elementos pessoais, sequer de nexo causal, ainda que se trate de atos regulares praticados por agentes no exercício de suas funções. Eis que a responsabilidade é aplicada mesmo sendo a vítima quem deu exclusivamente causa à situação.

[10] É preciso distinguir a responsabilidade por omissão genérica e específica, conforme veremos a seguir. Como cediço, a regra, com relação ao Estado, é a responsabilidade objetiva fundada no risco administrativo, cujo fundamento normativo se encontra no §6º do art. 37 da CF. Sem embargo, existem casos em que o dano não foi causado diretamente pela ação do agente público, mas sim por um “não fazer”, o que dá ensejo a responsabilidade do Estado por omissão. Grande parte da doutrina administrativista, capitaneada por Celso Antônio Bandeira de Mello, sustenta ser restrita a aplicação do art. 37, §6º, CF à responsabilidade por ação do Poder Público, sendo subjetiva a responsabilidade da Administração sempre que o dano decorrer de uma omissão do Estado. De acordo com o referido autor, nos casos de omissão, o Estado não agiu, razão pela qual não é o causador do dano, não restando obrigado a indenizar os prejuízos, podendo responder, contudo, subjetivamente, com base na culpa anônima ou falta do serviço.

[11] OMISSÃO GENÉRICA: Situações em que não se pode exigir do Estado uma atuação específica. A inação do Estado não se apresenta como causa direta e imediata da não ocorrência do dano, razão pela qual deve o lesado provar que a falta do serviço (culpa anônima) concorreu para o dano. Ex. queda de ciclista em bueiro há muito tempo aberto em péssimo estado de conservação, o que evidencia a culpa anônima pela falta do serviço; estupro cometido por presidiário, fugitivo contumaz, não submetido à regressão de regime prisional como manda a lei.

[12] A esse respeito, confira-se o seguinte trecho do voto condutor do RE 841.526/RS:

“Diante de tal indefinição, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem se orientando no sentido de que a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência – quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo – surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa, consoante os seguintes precedentes: […] Deveras, é fundamental ressaltar que, não obstante o Estado responda de forma objetiva também pelas suas omissões, o nexo de causalidade entre essas omissões e os danos sofridos pelos particulares só restará caracterizado quando o Poder Público ostentar o dever legal específico de agir para impedir o evento danoso, não se desincumbindo dessa obrigação legal. Entendimento em sentido contrário significaria a adoção da teoria do risco integral, repudiada pela Constituição Federal, como já mencionado acima.” (RE 841526, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, j. 30/03/2016, Repercussão geral). In: CAVALIERI FILHO, Sérgio. A Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva do Estado. In Revista da EMERJ, v. 14, n. 55, p. 10-20, jul.-set. 2011.

[13] O princípio da proibição do retrocesso social, como o próprio nome sugere, impede que o legislador exerça o seu mister de forma a eximir o Estado de seus deveres. Assim, portanto, parte-se da premissa da conquista de um patamar mínimo social e que não pode ser suprimido ou tolhido pelo ao alvedrio do legislador. Não remanesce qualquer dúvida de que se trata de um princípio que limita o exercício legiferante; contudo, visa assegurar uma segurança jurídica para os direitos até hoje conquistados. A respeito do assunto, Canotilho averbera:

“O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (‘lei da segurança social’, lei do subsídio de desemprego’, ‘lei do serviço de saúde’) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios se traduzam na prática numa ‘anulação, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura e simples desse núcleo essencial”.

[14] A segurança pública é o estado de normalidade que permite o usufruto de direitos e o cumprimento de deveres, constituindo sua alteração ilegítima uma violação de direitos básicos, geralmente acompanhada de violência, que produz eventos de insegurança e criminalidade. A própria Constituição Federal de 1988 diz em seu artigo 144º que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por intermédio dos seguintes órgãos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares. Portanto, a Constituição diz que é dever da sociedade agir de maneira conjunta para que a democracia seja garantida contra a violação dos direitos ocasionada pela criminalidade. A segurança pública é a condição essencial para que a paz social seja assegurada a cada indivíduo.

[15] Em 05.06.2020 o Ministro Luiz Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal proibiu operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro. A decisão fora tomada em âmbito de uma ação que questiona a política de segurança pública adotada pelo governo do Rio de Janeiro. Nessa decisão, Fachin considerou o risco à população e aos serviços de saúde durante as operações policiais. Vide a íntegra in:  https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/adpf635.pdf Pela liminar deferida, o estado fica proibido, sob pena de responsabilização civil e criminal, de seguirem com operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro enquanto durar a pandemia do coronavírus, “salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – responsável pelo controle externo da atividade policial”.

[16] Artigo 5º do Decreto Lei nº 4.657 de 04 de setembro de 1942Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

[17] Responsabilidade civil do Estado – Bullying dentro do estabelecimento de ensino – Dano Moral – Cabimento – “Apelação. Responsabilidade civil do Estado. Bullying sofrido por longo período de tempo dentro de estabelecimento de ensino. Danos morais. Pretensão inicial voltada à reparação moral da autora, relativamente incapaz, em decorrência de grave omissão por parte da Diretoria da Escola Estadual no seu dever constitucional de proteção a um de seus estudantes. Possibilidade. Rompimento do dever de segurança estatal em relação à pessoa que se encontrava sob sua guarda. Responsabilidade objetiva (art. 37, § 6º, da CF/1988). Nexo de causalidade configurado. Acervo fático-probatório coligido aos autos que se mostra suficiente para evidenciar os elementos constitutivos da responsabilidade de civil do Estado em decorrência de negligência de seus servidores, os quais não tomaram providências adequadas a fim de impedir que a autora sofresse por anos com a prática de bullying praticadas em seu desfavor por colegas de escola. Nexo de causalidade configurado. Danos morais (in re ipsa) fixados em R$ 5.000,00. Respeito aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Sentença de improcedência reformada. Recurso da autora provido” (TJSP – Ap. 0001356-63.2012.8.26.0146, 18- 8-2016, Rel. Paulo Barcellos Gatti).

[18] A responsabilidade pressuposta seria uma cláusula geral de mise en danger aprimorada. A ideia é a de que, em primeiro lugar, deve-se indenizar a vítima e, depois, buscar-se o reembolso de quem realmente foi o culpado ou o criador da situação de risco. A responsabilidade civil extracontratual (decorrente do ato ilícito e do abuso de direito), nos dias de hoje, possui os seguintes elementos: Conduta Humana (ação e omissão); Culpa Genérica ou lato sensu (dolo e culpa stricto sensu).; Nexo de Causalidade (relação de causa e efeito); Dano (material, moral, estético e outros). Para a teoria da responsabilidade pressuposta, propõe-se a retirada do elemento CULPA para a concretização da responsabilidade pois, para a Prof.ª Giselda, seria uma evolução o entendimento de que as vítimas deveriam ser ressarcidas antes mesmo que fosse feita uma análise da procedência da culpa, já que a estrutura da responsabilidade civil já está formada quando o dano ocorre.

[19] Não se deve confundir a responsabilidade moral com a indenização por danos morais, capítulo importante da indenização e que se tornou possível em nosso país com a Constituição de 1988. Os danos morais colocam-se em paralelo com os danos materiais e podem resultar da mesma conduta. Essa matéria será amplamente enfocada em nosso volume dedicado à responsabilidade civil. A ideia central da responsabilidade civil é a reparação do dano, embora na reparação por danos exclusivamente morais esse aspecto não fique muito claro. Em sede de danos morais, como se examinará, há um forte conteúdo punitivo na indenização. Por meio dessa reparação restabelece-se o equilíbrio na sociedade. A reparação do dano e os meios conferidos pelo direito para se concretizar essa reparação outorgam aos membros da sociedade foros de segurança. Um dano irreparado é sempre um fator de insegurança social. Pessoa alguma se conforta em não ter o seu prejuízo reparado.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Responsabilidade Civil do Estado – A filha querida da República. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/responsabilidade-civil-do-estado-a-filha-querida-da-republica/ Acesso em: 22 nov. 2024
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