O Seguro Obrigatório (DPVAT) e a MP 451 de 15/12/2008
(“Invalidez Tabelada” versus “Invalidez Real”)
Henrique Lima *
RESUMO: Trata-se de artigo que tem o objetivo de analisar as recentes mudanças legislativas feitas no Seguro Obrigatório conhecido como “DPVAT”, dando mais ênfase à aplicabilidade da tabela para graduação da invalidez instituída pela Medida Provisória n. 451 de 15.12.2008, para os casos de indenização por invalidez permanente.
O Seguro Obrigatório previsto na Lei 6.194/74, também popularmente conhecido como DPVAT, tem passado por diversas alterações legislativas com o confessado objetivo de diminuir o número de indenizações pagas às vítimas de acidentes envolvendo veículos automotores de via terrestre.
Diversos fatores influenciaram para um expressivo aumento no número de ações judiciais envolvendo referido seguro obrigatório (alega o Governo Federal que entre os anos de 2003 e 2007 o aumento foi de 1.300%), desde a disparada na quantidade de acidentes de trânsito, mormente envolvendo motocicletas (reflexo direto do grande crescimento de suas vendas ano após ano), até o imenso contingente de novos advogados disputando o mercado de trabalho, com efeito direto no aumento de algumas espécies de ações como, por exemplo, as de revisão de contratos de financiamento e as de cobrança de seguro obrigatório.
Mas o que certamente mais influenciou para esse expressivo aumento é a grande divulgação que os próprios Governos Federal, Estaduais e Municipais passaram a fazer a respeito desse seguro DPVAT. Apenas para ilustrar, atualmente até mesmo alguns boletins de ocorrência policial já fornecem as informações básicas a seu respeito.
Há pouco mais de cinco anos quase não se ouvia falar do DPVAT, a não ser quando a mídia divulgava mais um esquema de desvio de verbas que deveriam ir para as vítimas e para a saúde pública, mas que acabavam em mãos erradas. Lembrem-se que isso foi noticiado várias vezes.
Entretanto, após orientadas a receberem o seguro DPVAT diretamente na seara administrativa, as pessoas logo passavam por uma grande frustração.
O que se verifica no tocante a esse seguro é semelhante ao que acontece com relação aos benefícios da Previdência Social, pois em ambos os casos milhares de pessoas se sentem enganadas quando ouvem o Governo Federal dizer na mídia que basta procurar o local indicado para atendimento, mas quando assim o fazem são surpreendidas com absurdas exigências de documentos e indeferimentos de grave ilegalidade, forçando-as as procurarem advogados para poder receber o que lhes foi prometido na mídia.
Por todos esses motivos, começou a haver grande procura das vítimas do trânsito pelo recebimento da indenização securitária do DPVAT na seara judicial, onde vários argumentos ditos “clássicos” eram utilizados pelas seguradoras.
Anteriormente ao novo Código Civil, alegava-se que o prazo de prescrição era de um ano, porém como a vítima não podia ser enquadrada como segurada, mas apenas como beneficiária, a jurisprudência pacificou entendimento de que o prazo correto era de vinte anos, por se tratar de direito pessoal.
Antes da Lei 11.484/07, argumentava-se que o salário mínimo não podia ser utilizado como critério para fixação da indenização securitária, sob pena de inconstitucionalidade, porém a jurisprudência mais uma vez se firmou em sentido contrário.
Chegaram as seguradoras até mesmo a alegarem que se a vítima fosse o próprio condutor do veículo, não haveria direito, por tratar-se de hipótese de aplicação do instituto da confusão (?!), eis que entendiam que as figuras do credor e do devedor se misturariam. Ao que pudemos acompanhar, esse argumento, feito na forma de preliminar, nunca foi acolhido.
Enfim, foram várias as alegações utilizadas pelas seguradoras na seara judicial, mas a jurisprudência dos tribunais sempre se revelava favorável às vítimas e seus familiares, dado o caráter estritamente social do seguro DPVAT.
Dessa maneira, como o Governo, por meio das seguradoras conveniadas, não conseguia fazer valer sua vontade nos processos judiciais (o que nos leva a concluir que, muito provavelmente, diga-se de passagem, sua interpretação era ilegal, dadas as decisões judiciais em sentido oposto), passou a lançar mão de seu maior trunfo quando o Judiciário interpreta a lei de maneira que não lhe convém: MUDAR A LEI.
Basicamente, foram três as recentes mudanças legislativas de maior impacto no seguro obrigatório – DPVAT.
Com o novo Código Civil, tentou-se reduzir o prazo prescricional de vinte anos (já consolidado pela jurisprudência) para três anos. Imediatamente após a vigência do novo Código, todas as seguradoras e os órgãos públicos passaram a divulgar que o prazo teria passado a ser de três anos, com base no inciso IX, do parágrafo 3º, do artigo 206 do novo Código.
Conforme tivemos a oportunidade de comentar em outro artigo (“A Prescrição do Seguro Obrigatório da Lei 6.194/74 – DPVAT”), passou a existir praticamente um dogma de que esse era verdadeiramente o novo prazo. Entretanto, numa leitura apenas um pouco mais atenta e imparcial do referido dispositivo, pode-se notar que, se a vontade do Governo era reduzir o prazo para apenas três anos, foi ineficiente em sua tentativa, pois a norma do inciso IX, do parágrafo 3º, do artigo 206 do Código Civil atual, diz em seguro obrigatório de “responsabilidade civil”, e o seguro obrigatório da Lei 6.194/74 (DPVAT) certamente não é de responsabilidade civil, pois se trata de um seguro de “dano”, em que basta a ocorrência do evento danoso para surgir o direito à indenização securitária, independentemente de culpa ou de qualquer outro fator.
Felizmente, podemos nos alegrar com várias novas decisões judiciais adotando igual entendimento. Aliás, acreditamos que os julgadores que ainda decidem aplicando o prazo trienal o fazem porque não se detiveram em analisar o assunto.
Uma outra investida contra o direito da população à indenização do DPVAT foi em 29.12.2006 com a MP 340/06, convertida na Lei 11.484/07, que alterou o valor das indenizações de 40 salários mínimos para morte e para invalidez permanente e de 8 salários mínimos para despesas médicas, para os atuais R$ 13.500,00 nos dois primeiros casos e R$ 2.700,00 na última hipótese, respectivamente.
Como o Governo só tem memória para o que lhe convém, certamente lembrou-se de estabelecer um valor fixo, mas se esqueceu de prever a forma de atualização monetária para o novo parâmetro indenizatório.
Como conseqüência desse “esquecimento”, poderá ocorrer de todos os anos o valor do prêmio do seguro obrigatório sofrer a atualização monetária, mas, por outro lado, a indenização amargar, ano após ano, os efeitos da corrosão da moeda, até que se torne irrisória.
É óbvio que essa falta de correção do valor das indenizações não ocorrerá de uma só vez (pois seria muito escancarada), mas, de vez em quando, a cada cerca de quatro ou cinco anos, o governo fará um reajuste, como fazia para o pagamento para a esfera administrativa, mas ninguém duvida que será sempre aquém da verdadeira inflação sentida pelos cidadãos brasileiros.
Porém, a indignação que surge é porque mesmo que haja esporadicamente um reajuste no valor indenizatório, todas aquelas vítimas que receberem o valor da indenização anos após sua última atualização monetária, sofrerão injustificado prejuízo.
A fim de evitar esse abuso é que muitas ações judiciais já pedem que o valor da indenização securitária do DPVAT de R$ 13.500,00, ou R$ 2.700,00, seja corrigido monetariamente desde 29.12.2006, data da MP 340, convertida na Lei 11.484/2007.
Seguindo essa linha, seria o caso até mesmo de os órgãos representativos dos consumidores ingressarem com ações coletivas exigindo que o convênio DPVAT pague, a todas as pessoas que receberam indenizações na seara administrativa, a diferença correspondente a correção monetária entre a data da edição da MP 340 (29.12.2006) e a data do efetivo recebimento.
Nesse sentido, espera-se que o Judiciário, tendo sempre como norte o caráter eminentemente social do seguro obrigatório (DPVAT), pacifique o entendimento de que esses valores (R$ 13.500,00 ou R$ 2.700,00) deverão ser atualizados desde a referida MP, mormente levando-se em conta que a atualização monetária não representa nenhum plus, acréscimo, ônus ou penalidade, mas tão somente uma medida para evitar um enriquecimento ilícito à custa das já penalizadas vítimas do trânsito.
Enfim, no final do ano de 2008, mais uma vez o Governo Federal atentou contra o seguro obrigatório (DPVAT), especialmente com relação à indenização para o caso de invalidez permanente, por meio da MP 451, de 15.12.2008.
A triste novidade é que, antes dessa MP 451, a Lei 6.194/74 dizia apenas que o valor da indenização para invalidez permanente seria de “até R$ 13.500,00”, mas com a citada mudança, passou a determinar que o cálculo da indenização será vinculado a uma tabela criada para graduar a invalidez.
Antes dessa alteração legislativa as seguradoras já alegavam que o valor indenizatório deveria ser conforme uma tabela constante em resolução emitida pela Susep, porém vários tribunais deste país já tinham fixado entendimento de que referida tabela carecia de legalidade e, por isso, não poderia ser utilizado como forma de cálculo da indenização pecuniária a ser paga.
Dessa maneira, basicamente duas vertentes de entendimento se sobressaem. Alguns julgadores simplesmente afastam a aplicação da tal “tabela de invalidez” e condenam a seguradora a pagar a indenização no valor integral, enquanto outros interpretam que a expressão “até” significa a possibilidade de arbitrar o valor indenizatório com base na efetiva invalidez verificada em perícia médica judicial.
Entretanto, ao se verificar detidamente a tabela de invalidez constante da MP 451, pode-se notar que, ao tentar engessar o julgador, a mesma incorreu em severas injustiças que, certamente, serão mais uma vez afastadas pelo Poder Judiciário.
A maior das injustiças dessa nova tabela de invalidez é por conta das gritantes distâncias que poderão surgir entre a “invalidez tabelada” – proposta pela MP 451 – e a invalidez real, efetiva.
Imagine-se o caso, por exemplo, de um motorista profissional que tem uma de suas mãos severamente afetada por um acidente de trânsito, tornando-o totalmente inválido para o desempenho de sua profissão habitual, a qual, às vezes, é exercida há anos. Seguindo-se os critérios da referida tabela, somente fará jus ao recebimento de 35% do valor indenizatório (70% x 50%), ou seja, a R$ 4.725,00, num caso em que sua invalidez real, efetiva, é de 100%.
Ora, esse é apenas um dos inúmeros exemplos que poderiam ser citados e que demonstram que, ao invés de tentar engessar os Magistrados, deveria a MP 451 ter apenas deixado claro que o valor deveria ser sempre proporcional à invalidez a ser apurada em perícia médica oficial.
Mas, da forma como foi feita pelo Governo, caso os Magistrados apliquem cegamente a tabela de invalidez proposta pela MP 451 estarão sepultando o caráter social do seguro DPVAT, colocando as vítimas do trânsito numa situação muito inferior a dos beneficiários de seguros contratados.
Diz-se isso porque no próprio site da SUSEP encontra-se a informação de que a tabela para cálculo da invalidez, utilizada nos seguros contratados, apresenta apenas os percentuais mínimos, não estando as seguradoras obrigadas a segui-los, mas apenas a respeitarem-nos como piso.
A Tabela para Cálculo da Indenização em Caso de Invalidez Permanente apresenta os percentuais mínimos sobre a importância segurada por órgão ou membro lesado a serem considerados nas condições gerais dos seguros que possuam a garantia de invalidez por acidente, que por sua vez devem ser submetidas à SUSEP, para análise e arquivamento, antecipadamente à comercialização.[1] (destacamos)
O que a Susep pretende com a não determinação de uma regra rígida para as seguradoras no tocante aos cálculos de invalidez, é que as mesmas encontrem um valor razoável e justo que estejam de acordo com a real invalidez apresentada por seus clientes e consumidores.
Infelizmente, o que a experiência mostra é que nem isso as seguradoras fazem, pois em sua maioria acabam por simplesmente reproduzir a tabela da Susep, e o que era para ser o mínimo aceitável, acabou virando a regra, tamanho o afã pelo lucro.
Assim, a fim de evitar esses abusos, nos casos envolvendo seguros contratados, o Poder Judiciário tem reiteradas vezes se manifestado no sentido de afastar as tabelas alegadas pelas seguradoras e fixar o valor indenizatório de acordo com a invalidez real e efetiva apurada em perícia médica judicial.
Portanto, esperamos que o Judiciário tenha com o seguro DPVAT o mesmo entendimento que tem externado no casos dos seguros contratados, ou seja, que haja o arbitramento da indenização securitária devida pela invalidez permanente com base em perícia médica judicial. Ressalve-se que essa perícia deverá ser realizada não com os critérios indicados pela tabela de invalidez da MP 451, ou com qualquer outra tabela pré-fixada pela Susep, mas sim avaliando a efetiva e real invalidez da vítima para seu trabalho habitualmente exercido.
Acreditamos que somente dessa maneira será concretizada a verdadeira Justiça Social, com fidelidade ao objetivo almejado pelos idealizadores do Seguro Obrigatório DPVAT, que foi a criação de um seguro de caráter estritamente social, o que significa que todas as suas interpretações e preocupações deverão ser para atingir a máxima proteção e garantia das vítimas do trânsito, e não ser alvo apenas de medidas legislativas confessadamente tendenciosas a minimizar sua importância e alcance, como, infelizmente, tem acontecido.
* (Advogado, sócio do escritório Lima, Pegolo & Brito Advocacia S/S [limapegoloebrito.com.br], Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Uniderp, Especialista em Direito Constitucional pelo IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público e Pós-Graduando em Direito Processual Civil pelo IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual).
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