O Casamento Inexistente
Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa De Souza *
Porto Alegre, 06 de março de 2007.
PALAVRAS CHAVES: O CASAMENTO INEXISTENTE
DIREITO CIVIL. O CASAMENTO INEXISTENTE. CONCEITO. REQUISITOS. EFEITOS JURÍDICOS.
O Código Civil, tanto o de 1916 quanto o de 2002, não oferece subsídios para a determinação da noção de inexistência dos atos jurídicos, pois adota as teorias de nulidade e anulabilidade. No Direito de Família não há referência expressa ao instituto.
A doutrina pátria tem feito considerações importantes, reconhecendo a existência desse instituto, inclusive no direito matrimonial. Muitos doutrinadores aceitam a categoria dos atos inexistentes. Contudo, existe setor da doutrina que nega sua relevância jurídica.
ORLANDO GOMES diz que a teoria da inexistência do casamento foi uma construção doutrinária, destinada a explicar situações nas quais não se justificava tecnicamente a aplicação da teoria das nulidades. Ainda, afirma que tais casamentos diferem dos nulos, porque nulos são os que reúnem os elementos necessários à sua constituição, mas defeituosos.
Os atos inexistentes são os que não chegam a se formar, por faltar-lhes uma condição necessária à existência jurídica. As três hipóteses de inexistência do casamento são tão óbvias que desnecessária se torna a sua transcrição no texto legal.
A classificação de três pressupostos de existência do casamento aparece na obra de ZACHARIAE e não é unanimemente aceita pela doutrina pátria. Não ocorrendo alguma dessas hipóteses, temos como inexistente o casamento.
A) A celebração perante a autoridade legalmente investida de poderes:
O casamento deve ser celebrado perante a pessoa por quem a lei de organização judiciária atribua esse direito. No Estado do Rio Grande do Sul, é atribuído ao juiz de paz essa função.[1] Se o casamento não for celebrado por essa pessoa, o casamento será inexistente.
B) O consentimento manifestado na forma da lei pelos nubentes:
Será inexistente o casamento quando faltar a vontade de um dos nubentes para a celebração desse contrato. Isso pode ocorrer quando faltar a declaração de vontade, quando ocorrer a coação absoluta, ou, ainda, quando a vontade não for exteriorizada. Essa consentimento pode ser expresso através de procuração.
C) diferença de sexo dos nubentes:
Afirma LAMARTINE: “É que os Códigos, ao pensarem o negócio jurídico típico que é o casamento, pensam-no a partir de um modelo que pressupõe a diversidade de sexos.”
O Novo Código Civil (NCC), quando fala do casamento, aponta:
“Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.”
“Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar…”
A união de pessoas do mesmo sexo não pode ser considerada casamento, porquanto o casamento pressupõe diferença de sexo. A igualdade de sexo poderia ser enquadrada como algum outro instituto jurídico, não configurando o em apreço. Maria Berenice Dias denomina como união homoafetiva o relacionamento duradouro e efetivo dentre pessoas de mesmo sexo.
Não obstante, alguns juristas entendem que o pressuposto da celebração absorve o requisito do consentimento. Outros crêem ser necessária apenas a celebração e que a igualdade de sexos ensejaria a nulidade.
Assevera ANTÔNIO CHAVES na obra Lições de Direito de Família: “Demonstra Planiol que inexistente é o ato a que falta um elemento essencial à sua formação, de modo que não se possa conceber esta sem a existência daquele. O ato é ineficaz por si mesmo, independentemente de qualquer declaração judicial, competindo a todo juiz reconhecê-lo ainda mesmo ex-officio; mas isto não é um caso de nulidade diz Planiol, porque não se pode anular um ato que não existe. O ato nulo, ao contrário, é aquele que ‘reúne todos os elementos necessários à sua existência, mas que é ferido de eficácia por infringir um preceito da lei’.
PEREIRA COELHO, na obra Curso de Direito de Família, alude: “Quanto ao regime da inexistência basta dizer que O CASAMENTO INEXISTENTE NÃO PRODUZ EFEITOS – nem mesmo putativos-, e que a inexistência do casamento pode ser invocada a todo tempo, e por qualquer interessado, independentemente de declaração judicial.”
Outrossim, a ausência de efeitos do casamento inexistente é absoluta. A própria presunção de paternidade deixa de ocorrer no casamento inexistente. O casamento inexistente é o nada (nihil est) e o nada não pode ser regulado pela lei.
Ademais, PONTES DE MIRANDA adverte que contra o casamento inexistente não ocorre qualquer prescrição ou prazo preclusivo, ao contrário do que dispõe o artigo 208 do Código Civil de 1916 com relação ao casamento nulo.
Na jurisprudência, é digno de citar a apelação cível n° 590001350, ocasião em que a 6° Câmara do TJRS, por maioria, declarou a inexistência do casamento realizado entre V.R. e M.N.. E.N., fazendo-se passar por V.R., casou-se com M.N.. O casamento é inexistente analisando-se sobre a ótica do V.R., que não soube que casou, e morreu sem conhecer o que se passara. O juiz de 1° grau havia declarado anulável o casamento. “Estou encarando o problema pela perspectiva da inexistência do casamento por absoluta falta de consentimento de V.R., porque este não compareceu, e, a considerar-se que este casamento existe e é válido, o resultado que teríamos é que V.R. teria casado sem saber que casou. … a verdade é que o casamento não existiu, porque o outro nubente não expressou o consentimento, uma vez que nem sequer estava presente. .. Entretanto, quando se trata de nulidade absoluta ou de inexistência de ato jurídico, o juiz não fica absolutamente limitado pelos termos do pedido.”
Isso posto, infere-se que a doutrina do casamento inexistente, em que pese não vier contemplada expressamente no Texto legal, é extremamente pertinente e correta. Um ato que não existiu não pode passar a ter conseqüências jurídicas.
Dessarte, entende-se correta a divisão da existência do casamento nas três modalidades clássicas criadas por ZACHARIAE, ou seja, para a existência do casamento percebe-se necessária a diferença de sexo dos nubentes, a livre manifestação do consentimento e a celebração realizada perante autoridade legalmente investida de poderes para tanto.
BIBLIOGRAFIA:
BEVILAQUA, Clóvis. Direito de Família. Recife: Livraria Contemporânea, 1905, 2ª ed.
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, 2ª ed.
CHAVES, Antônio. Lições de Direito de Família. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1974, v.1 e 3.
GOMES, Orlando. Direito de Família. Rio de Janeiro, Forense, 1981, 4ª ed.
HUC, Théophile. Code Civil. Paris: Pichon, 1892, v.2.
LYRA, José Lamartine Corrêa de Oliveira e MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de Direito de
Família. Curitiba: Juruá, 1998.
OLIVEIRA, José Lopes de, Curso de Direito Civil. São Paulo: Sugestões Literárias, 1980, v.5.
TAPAI, Giselle de Melo Braga (org.). Novo Código Civil. São Paulo: RT, 2002.
CURRÍCULO RESUMIDO
DANIEL BARBOSA LIMA FARIA CORRÊA DE SOUZA
*Procurador do Município de São Leopoldo-RS (1º colocado no concurso); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UNP) em convênio com a Faculdade Damásio de Jesus; Especializando em Direito Tributário pela Universidade Potiguar (UNP) em convênio com a Faculdade Damásio de Jesus; Diplomado no Curso Anual Preparatório para os Concursos de Ingresso às Carreiras Jurídicas do Professor Damásio – 2006 e 2007; Diplomado no Curso Preparatório à Carreira do Ministério Público – ESMP (Fundação Escola Superior do Ministério Público – RS); Bacharel em Direito pela PUC-RS; Consultor Jurídico do Município de Gravataí/RS (2006); Assessor Jurídico do Ministério Público/RS (2004/2006); Estagiário de Direito do Ministério Público/RS (1999/2003); Autor do livro RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL: REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004, em co-autoria com a Drª. Letícia Barbosa Lima de Souza, Editora Núria Fabris; Página pessoal: http://www.fariacorrea.com
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[1] No Estado do Paraná competentes para a celebração do casamento são os Juizes de Direito, enquanto que no Rio de Janeiro e em São Paulo competentes para a solenidade são os Juizes do Registro Civil, e em outros Estados competente para isto é o Juiz de Paz.