Mudanças na lei
J. A. Almeida Paiva *
No dia 7/6/02 a Revista Consultor Jurídico publicou um artigo que escrevemos informando aos interessados que o novo Código Civil 2002 reduziu os prazos para usucapir bens imóveis, assim como apresentamos algumas sugestões aos proprietários para defesa de seus direitos. No dia 15/10/02, a mesma revista publicou outro artigo no qual sustentamos e justificamos que o novo CC 2002 entrará em vigor no dia 11/01/03.
Hoje vamos procurar interpretar e exemplificar algumas hipóteses sobre aplicação de prazos reduzidos, que poderão ocorrer após a entrada em vigor do CC 2002, esclarecendo como serão feitos os cálculos para saber se e quando serão aplicados os novos prazos reduzidos pelo CC 2002, bem como colocar nossa posição sobre a redução da idade para se adquirir a maioridade.
Principais prazos reduzidos no CC 2002.
Em linhas gerais as principais alterações quanto à redução de prazos, introduzidas no ordenamento jurídico pelo novo Código Civil 2002, são as seguintes:
a) os arts. 205 e 206 do CC 2002 tratam dos prazos de prescrição que eram normados nos arts. 177 e 178 do CC 1916, sendo relevante consignar que o prazo para prescrever a propositura de ações pessoais foi reduzido de 20 (vinte) para 10 (dez) anos.
b) o art. 1.238 do CC 2002 reduziu o prazo do usucapião extraordinário de 20 (vinte) para 15 (quinze) anos;
c) o art. 1.242 do CC 2002 reduziu o prazo do usucapião ordinário de 10 (dez) e 15 (quinze) anos, para 5 (cinco) e 10 (dez) anos, nas circunstâncias que condiciona como pressupostos.
d) além das hipóteses acima enunciadas, muitos outros prazos foram alterados no novo CC 2002, tais como: art. 26, que trata da sucessão provisória; art. 37, da sucessão definitiva; art. 180, validade do negócio jurídico do menor relativamente capaz; arts. 513 a 516 sobre preempção e preferência; o art. 1.276 reduziu de 10 (dez) para 3 (três) anos o prazo para arrecadação de bem vago abandonado; art. 1.379 e seu parágrafo único mantiveram em 10 (dez) anos o prazo para usucapir a servidão aparente e em 20 (vinte) a servidão sem título, desaparecendo a distinção de ser entre presentes ou ausentes (era de 15 anos no CC 1916); o art.1.574 reduziu de 2 (dois) para 1 (um) ano o prazo para separação judicial consensual; o art.1.983 reduziu de 1(um) ano para cento e oitenta dias o prazo para o testamenteiro prestar contas, se o testador não houver concedido prazo maior.
Há prazos fixados no CC 1916 que foram mantidos no CC 2002 (v.g. CC 2002: 616, 1.614 etc ) e há casos nos quais o CC 1916 não fixava prazo, mas o CC 2002 passou a determiná-lo (v.g.:CC 2002: 1.539, parágrafo 2º; 1.859; 1.909 etc).
Agora vamos examinar como o artigo 2.028 será aplicado na redução de prazos no novo Código.
Interpretando o art. 2028 do novo Código Civil
O art. 2.028 (CC 2002) tem a seguinte redação: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”.
Esta é a regra geral que será aplicada a todos os casos, ressalvadas as hipóteses dos artigos 2.029 e 2.030.
O artigo 2.028 norma que a partir da entrada em vigor do CC 2002 os prazos previstos no CC 1916 continuarão em vigor, mesmo que reduzidos pelo CC 2002, mas impõe uma condicionante, qual seja, o fato de já ter transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada (CC 1916), preservando as situações temporais que já estiverem consolidadas, ou prestes a tal.
Temos que o artigo 2.028 prevê duas hipóteses, segundo o prazo previsto no CC 1916 já tenha ou não ultrapassado a sua metade, podendo assim serem explicitadas:
a) se, ao entrar vigor o novo Código Civil, já tiver transcorrido mais da metade do prazo previsto no Código atual (1916), o prazo que foi reduzido pelo CC 2002 não será aplicado, mas prevalecerá o prazo do CC 1916; e
b) se ainda não houver transcorrido a metade do prazo previsto no Código Civil 1916, o prazo a ser aplicado será o do CC 2002.
Vamos exemplificar para melhor entender, tomando por base um imóvel usucapiendo, v.g. o imóvel “n” que pelo artigo 550 do CC 1916 será usucapido no prazo de 20 (vinte) anos e pelo artigo 1.242 do novo CC 2002 referido prazo será reduzido para 15 (quinze) anos.
Para aplicar o artigo 2.028 o primeiro passo será encontrar a metade do prazo previsto no código atual (1916), que no exemplo acima de usucapião extraordinário é de 10 anos.
Se no dia 11/01/03 a posse ad usucapionem exercida no imóvel já tiver mais de 10 (dez) anos, para que se adquira o direito ao usucapião do dito imóvel “n”, aplica-se o prazo do art. 550 do CC 1916, isto é, 20 (vinte) anos, que será o lapso temporal necessário para se adquirir o usucapião na referida área.
Todavia, se no dia 11/01/03 a posse ad usucapionem no imóvel “n” ainda não tiver atingido a metade do prazo previsto no artigo 550 do CC 1916, isto é, não tiver transcorrido sequer o período de 10 (dez) anos (metade do prazo previsto no CC 1916), o prazo para usucapir o imóvel será o do artigo 1.242 do novo CC 2002, isto é, 15 (quinze) anos.
Com relação ao usucapião extraordinário do art. 550 (CC 1916) é oportuno registrar que o parágrafo único do art. 1.238 (CC 2002) reduziu ainda mais o prazo do caput do art. 1.238 (15 anos) para 10 (dez) anos, “se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”; nesta hipótese vai ser aplicado o art. 2.029 do CC 2002.
Este norma intertemporal incide também em todos os prazos prescricionais e decadenciais, aplicando-se também a todos os demais casos de redução de prazo previstos no novo Código Civil, e que não foram especificamente tratados nos artigos 2.029 e 2.030.
Vamos a mais um exemplo: atualmente o prazo do usucapião ordinário (CC 1916, art. 551 ) é de 10 (dez) anos entre presentes e 15 (quinze) entre ausentes e pelo art. 1.242 (CC 2002) foi fixado em (10) anos sem o pressuposto de se tratar de posse entre presentes ou ausentes.
Assim, o posseiro que no dia 11/01/03, tiver, v.g., 10 (dez) anos e um dia de posse contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, além dos demais requisitos legais sobre determinado imóvel poderá requerer o usucapião.
Se a posse for entre ausentes, condição abolida pelo CC 2002, podemos afirmar que o prazo que no atual CC 1916 é de 15 (quinze) anos, foi reduzido para 10 (dez), aplicando-se então a esta hipótese a regra do art. 2.028.
Todavia, norma o parágrafo único do art. 1.242, que “será de 5 (cinco) anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimento de interesse social e econômico”; nesta hipótese, a exemplo do que ocorreu com o parágrafo único do art. 1.238, será aplicada a regra do art. 2.029 do CC 2002
Interpretando os artigos 2.029 e 2.030 do CC 2.002
Os arts. 2.029 e 2.030 tratam especificamente das hipóteses de usucapião normado no parágrafo único do art. 1.238 (usucapião extraordinário de imóvel usado como moradia habitual pelo possuidor, que nele haja realizado obras ou serviços de caráter produtivo);
parágrafo único do art. 1.242 (usucapião ordinário, quando o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base em registro cartorário, posteriormente cancelado desde que os possuidores nele tenham estabelecido a sua moradia, ou realizado investimento de interesse social e econômico) e parágrafo 4º, do art. 1.228 quando o “imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.”
É uma norma de caráter transitório porque tem prazo certo para sua aplicação nas três hipóteses acima enunciadas.
Ocorrendo uma das 3 (três) situações acima o prazo reduzido pelo CC 2002, será acrescido de 2 (dois) anos, qualquer que seja o prazo transcorrido na vigência do Código Civil de 1916, mas isto valerá até 11/01/05.
Nas hipóteses dos prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238; no parágrafo único do art. 1.242; e no parágrafo 4º, do art. 1.228, os prazos serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do CC 1916, mas esta regra valerá somente até 11/01/05.
Entendemos que o legislador não foi feliz na adoção dos critérios de contagem de prazo no CC 2002, pois o Código de 1916 poderá ainda estar em vigor por muito tempo; seria melhor que o legislador, em todos os casos de redução de prazo no CC 2002 tivesse estabelecido uma data certa para sua entrada em vigor, evitando que se tenha de fazer “contas” para cada caso individual.
Por exemplo, poderia ter normado que todos os prazos reduzidos pelo novo Código, nos artigos tais e tais, somente entrariam em vigor no dia 1º de janeiro de 2004, 2005 etc, mas nunca estabelecer um critério que vai permitir durante muitos e muitos anos, a aplicação do código de 1916 concomitantemente com o CC 2002, com graves problemas de interpretação; por isso já existem mais de 800 emendas no Congresso Nacional propondo alterações no CC 2002.
A questão da maioridade que passou de 21 para 18 anos
Os arts. 4º e 5º que tratam, respectivamente, da incapacidade relativa e cessação da menoridade, não são alcançados pela regra do art. 2.038 do novo Código Civil 2002, que trata da redução de prazo.
a) o art. 4º considera como relativamente incapazes para certos atos da vida civil os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos. Pelo código de 1916, o limite é 21 anos, o que vale dizer que houve uma redução no limite da idade de 21 para 18 anos;
b) o art. 5º norma: “a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”; pelo Código Civil de 1916 a menoridade cessa aos 21 anos, idade esta que a partir de 11-01-2003 passará a ser de 18 anos.
Aqui não temos uma questão de redução de prazo, período de tempo compreendido entre dois termos, ou conceituado por Elcir Castello Branco, como “o lapso de tempo necessário à prática de um ou mais atos”.(I)
Segundo Caio Mário, “a aptidão oriunda da personalidade, para adquirir os direitos na vida civil, dá-se o nome de capacidade de direito.”(II)
Todo ser humano é dotado de personalidade jurídica, com aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, doutrina Caio Mário; segundo o mestre, “aliada à idéia de personalidade, a ordem jurídica reconhece ao indivíduo a capacidade para a aquisição dos direitos e para exercê-los por si mesmo, diretamente, ou por intermédio, ou com assistência de outrem.”(III)
De uma maneira geral podemos dizer que a qualificação da pessoa na sociedade, quanto à idade, hábil a produzir efeitos de direito, é determinada pelo seu estado, que pode ser de incapacidade absoluta até os 16 anos (CC 2002, art. 3, I), incapacidade relativa dos 16 aos 18 anos (CC 2002, art. 4º, I) e finalmente aquele que adquire o exercício pleno de seus direitos, tornando-se plenamente capaz para todos os atos da vida civil, cessando assim a menoridade aos 18 (dezoito) anos completos (CC 2002, art. 5º).
Por isso a regra relacionada à capacidade diz respeito ao instituto do estado da pessoa, noção próxima à da personalidade, que a qualifica na sociedade, habilitando-a à prática de determinados atos da vida civil.
A questão da idade também determina a responsabilidade penal, restrições ao regime de casamento, direito de votar e ser votado, alistamento militar, capacidade para celebrar contrato de trabalho etc.
Doutrina Washington de Barros Monteiro que para se chegar à noção de capacidade, primeiramente precisamos partir da acepção jurídica do termo pessoa, que “considera como todo ente físico ou moral, suscetível de direito e obrigações, sinônimo de sujeito de direito ou sujeito de relação jurídica”. (IV)
Liga-se à pessoa a idéia de personalidade, que exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações(V); os direitos da personalidade são direitos comuns da existência, porque são simples permissões dadas pela norma jurídica, a cada pessoa, de defender um bem que a natureza lhe deu, de maneira primordial e direta”; (VI) trata-se de direito absoluto, intransmissível, indisponível, irrenunciável, ilimitado, imprescindível, impenhorável e inexpropriavel. (VII)
Maria Helena Diniz doutrina que a personalidade tem sua medida na capacidade, que é reconhecida, num sentido de universalidade”.(VIII)
Com tais pressupostos e considerações, a idade limite para se fixar a incapacidade e capacidade plena das pessoas, não pode ser inserida no instituto dos prazos.
Assim, no dia 11/01/03(IX) atingirá a maioridade civil toda pessoa que já tiver completado 18 (dezoito) anos e ainda não tenha feito 21(vinte e um) anos, bem como a partir de 11/01/2003 toda pessoa que completar 18 (dezoito) anos de idade, irá adquirir a maioridade civil ficando apta a todos os atos da vida civil.
Notas de rodapé:
I- Cf. Enciclopédia Saraiva do Direito, vol, 59, pág. 477
II-CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil, 19ª Ed. Forense, 2000, vol. I, pág. 162.
III- Idem, pág. 161.
IV- Curso de Direito Civil, São Paulo, Saraiva, 1968, vol. I, p.59 e 59)
V- CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil, 5ª ed., RJ, Forense, 1977, vol. I, p. 198; CLOVIS BEVILÁQUA, Comentários ao Código Civil, § 3º, p. 67; MARIA HELENA DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 8ª ed. Saraiva, 1991, 1º vol. Pág. 82.
VI- G, TELLES JR, Direito Subjetivo, in Enciclopédia Saraiva do Direito,V. 28, pág. 315/6.
VII- ORLANDO GOMES, Introdução ao Direito Civil, 3ª ed. RJ, Forense, 1971, p.143
VIII- Curso de Direito Civil Brasileiro, 8ª ed. Saraiva, 1991, pág. 87.
IX- Cf. nosso Artigo sobre o dia em que o CC 2002 entrará em vigor, publicado na Revista Consultor Jurídico, 15-10-02
* Advogado e Professor. Website: http://www.almeidapaiva.adv.br
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.