Sumário: Introdução, 1 – A Organização dos Estados Americanos e o Pacto de São José da Costa Rica; 2 – A Corte Interamericana de Direitos Humanos e a proteção a família homoafetiva; 3 – Opinião Consultiva 24/2017; 3.1 – Dos conceitos; 3.2 – Da interpretação; 3.3 – Do direito a igualdade; 3.4 – O direito à identidade de gênero e a mudança de nome; 3.5 – Sobre o artigo 54 do Código Civil da Costa Rica; 3.6 – A proteção internacional dos vínculos de casais do mesmo sexo; 4 – Definição de família homoafetiva no Direito brasileiro; 5 – Evolução no Direito Civil; 6 – A proteção a família homoafetiva na constituição federal; 7 – Do casamento e união estável entre pessoas do mesmo sexo; 8 -Entendimento do Supremo Tribunal Federal; 9 – Entraves ainda existentes ao casamento homoafetivo; Conclusão; Referências bibliográficas.
Ao longo da história do Direito no Brasil é constante a falta de observância no que tange aos direitos das pessoas homossexuais. Modificações jurisprudenciais recentes no âmbito do STF tentam cumprir o respeito ao direito de igualdade previsto constitucionalmente. O que de certa forma garante o direito a busca da prestação jurisdicional, mas não lhes garante a proteção necessária; sendo devida a análise dos tratados de direitos humanos e a legislação interna, visando a proteção dos casais homoafetivos diante a sociedade.
Abstract
Throughout the history of law in Brazil, there is a constant lack of observance regarding the rights of homosexual people. Recent jurisprudential changes in the scope of the Supreme Court try to fulfill or respect the constitutionally provided for forecasting right. What guarantees the right to seek jurisdictional guarantees, but does not guarantee the necessary protection; due to the analysis of human rights and internal legislation, the protection of same-sex couples before society.
Palavras-chave: Direito homoafetivo, Corte Interamericana de Direitos Humanos, igualdade, família, homossexuais.
Áreas jurídicas: Direito Internacional, Direito Constitucional do Brasil e Direito Civil do Brasil.
Introdução
Após a promulgação do Pacto de San José da Costa Rica no Brasil, no ano de 1992, o Direito Civil brasileiro passou por importantes modificações em sentido amplo. Porém, cabe destacar a sua importância na proteção dos mais diversos tipos de família existente, sobretudo, na proteção dos casais homoafetivos, que ao longo da história moderna sofreram os mais diversos tipos de discriminação e eram julgados por uma sociedade patriarcal e cristã, que não viam a homossexualidade com bons olhos.
A luta da família afetiva abrange temas como, casamento e união estável entre pessoas do mesmo sexo, adoção de crianças por casais homoafetivos, porém, a lei de adoção brasileira só permitia adotar crianças se o casal estivesse em união estável ou sob o regime de casamento, o que não era possível ser realizado por pessoas do mesmo sexo, devido à previsão no Código Civil que reconhece a união estável entre o homem e a mulher.
Então, em 2013, nasce no Brasil a resolução n.175 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que trata sobre a regulamentação da celebração do casamento civil ou conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Um marco histórico no Direito Homoafetivo [1], atingindo a marca de mais de 15 mil casamentos já realizados, gerando importantes precedentes, jurisprudência e doutrina a tratar sobre a constituição da união homoafetiva tal como da união heteroafetiva, impondo tratamentos iguais, inclusive naquilo que faz parte da área do Direito de Família, tratando sobre a adoção por casais homoafetivos, o casamento, o reconhecimento da união estável, os direitos sucessórios e alimentos.
Todavia, cabe destacar que há tempos é esperado uma mudança legislativa na tentativa de assegurar perante a lei, casamentos homoafetivos, entretanto, pela tardança no sentido de assegurar esses direitos, a mudança foi realizada no âmbito judiciário, sendo necessária a evolução da legislação brasileira em respeito à proteção da instituição familiar destacada na Constituição Federal do Brasil e no Pacto São José da Costa Rica.
1 – A Organização dos Estados Americanos e o Pacto de São José da Costa Rica
A Organização dos Estados Americanos é uma organização internacional regional instituída através do Tratado de Bogotá, na Colômbia, no dia 30 de abril de 1948, entrando em vigor internacional em 13 de dezembro de 1951. Junto com a Carta da OEA, foram assinados, naquela ocasião, o Tratado Americano de Soluções Pacíficas, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, o Convênio Econômico de Bogotá e a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais, sendo que os dois últimos acabaram não vingando por falta das ratificações necessárias para a sua entrada em vigor. [2]
Os Estados fundadores, participantes da criação da OEA em 1948 são: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela [3]. E os novos Estados posteriormente incorporados à Carta, entre 1967 e 1990, foram: Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Canadá, Dominica, Granada, Guiana, Jamaica, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Saint Kitts e Nevis, Suriname e Trinidad e Tobago, perfazendo atualmente 35 Estados.
Um grande avanço da Organização dos Estados Americanos é o Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos, entrou em vigor no ano de 1978 [4], que fortaleceu o sistema de direitos humanos implantado com a Carta da OEA e explicitado pela Declaração Americana, ao atribuir mais efetividade à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que até então funcionava apenas como órgão da OEA. Também pode-se dizer que a Convenção Americana estabeleceu nas Américas um padrão de “ordem pública” relativa a direitos humanos, até então inexistente.
Para a proteção e monitoramento dos direitos que estabelece, a Convenção Americana vem integrada por dois órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como objetivo promover a defesa dos direitos humanos no continente americano [5]. A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um órgão jurisdicional do sistema interamericano que resolve sobre os casos de violação de direitos humanos perpetrados pelos Estados partes da OEA e que tenham ratificado a Convenção Americana. Dessa maneira, a referida corte tem sede na Costa Rica e é composta por sete juízes de nacionalidades diferentes e provenientes dos estados membros da OEA.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos detém uma competência consultiva, referida as disposições legais elencadas na Convenção e das disposições de tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados Americanos [6]. A Corte também tem uma competência contenciosa, de caráter jurisdicional, para julgamento de casos envolvendo os membros da OEA, quando se alega que um dos Estados-partes na Convenção violou algum de seus preceitos. Entretanto, a competência contenciosa da Corte se limita aos estados partes que se submeteram a essa jurisdição.
2 – A Corte Interamericana de Direitos Humanos e a proteção a família homoafetiva
A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem significativa importância na legislação no Direito de Família no Brasil. Sobretudo após a Emenda Constitucional de n.º 45 [7], que acrescenta, dentre outras modificações, o §3º ao artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, impondo o status de norma constitucional aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos.
Mediante esse mecanismo, esses tratados internacionais se equivalem à emenda à Constituição. E desse modo, é visível a força vinculante e a interferência da aplicação e da criação da norma, que deverá sem expor dentro dos limites impostos pela Carta Magna.
E desse modo, é concreta a importância do Pacto de São José da Costa Rica, como criador da CIDH, organismo de interpretação e aplicação do Direito e sobre o dever do Estado de proteger essa instituição e promover a igualdade entre seus integrantes.
Em vista do seu conteúdo, atendo-se ao seu artigo 17, ao tratar da proteção da família. E apresenta de forma clara o dever do Estado, ao se vincular ao tratado, se obrigando a reger e criar mecanismos que possibilite aplicação e o respeito aos direitos assegurados no tratado.
“A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado. ” No tópico 1 do referido artigo, diante disto o Estado Brasileiro se vincula com dever de proteção da família. O que também encontra o seu devido respaldo na Constituição Federal (artigo 226, caput, Constituição Federal da República Federativa do Brasil). Logo, a proteção devida não se restringe a instituição heteroafetiva e logicamente também a família homoafetiva.
3 – Opinião Consultiva 24/2017
Todos os Estados membros da Organização dos Estados Americanos têm o direito de obter opinião consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Assim, em 24 de novembro de 2017 foi emitido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos o Parecer Consultivo 24/2017. A opinião foi pedida pelo Governo da Costa Rica, versando sobre a identidade de gênero, igualdade e não discriminação. A finalidade do parecer era a manifestação da Corte em relação aos artigos 1°, 11.2, 18, 24, observando a compatibilidade com o artigo 54 do Código Civil da Costa Rica, para a alteração do nome através da identidade de gênero, assim, os referidos artigos exemplificam:
“Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos
1.Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
2.Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.
Artigo 11. Proteção da honra e da dignidade
2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.
Artigo 18. Direito ao nome
Toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse direito, mediante nomes fictícios, se for necessário.
Artigo 24. Igualdade perante a lei
Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei. “
O art. 54 do Código Civil da Costa Rica estabelece o seguinte: “Todo costarriquenho inscrito no Registro Civil pode mudar seu nome com a autorização do Tribunal, o que será feito mediante os procedimentos da jurisdição voluntária promovida para esse fim. ” [8]
O Governo da Costa Rica formulou à Corte às seguintes perguntas:
1. “Levando em consideração que a identidade de gênero é uma categoria protegida pelos artigos 1° e 24 da CADH, além do estabelecido nos artigos 11.2 e 18 da Convenção, esta proteção e a CADH contemplam a obrigação do Estado de reconhecer e facilitar a mudança de nome das pessoas, de acordo com a identidade de gênero de cada uma?”
2. “Caso a resposta à consulta anterior for afirmativa, poderia considerar-se contrário à CADH que a pessoa interessada em modificar seu nome próprio possa ter acesso apenas a um processo judicial sem que exista um procedimento para tanto em via administrativa? ”
3. “Poderia ser entendido que o artigo 54 do Código Civil da Costa Rica deve ser interpretado, de acordo com a CADH, no sentido de que as pessoas que desejem mudar seu nome próprio a partir de sua identidade de gênero não estão obrigadas a submeter-se ao processo judicial ali contemplado, mas que o Estado deve prover a estas pessoas um trâmite administrativo gratuito, rápido e acessível para exercer esse direito humano? ”
4. “Tomando em consideração que a não discriminação por motivos de orientação sexual é uma categoria protegida pelos artigos 1 e 24 da CADH, além do estabelecido no artigo 11.2 da Convenção, essa proteção e a CADH implicam que o Estado deve reconhecer todos os direitos patrimoniais que se derivam de um vínculo entre pessoas do mesmo sexo? ”
5. “Caso a resposta anterior seja afirmativa, é necessária a existência de uma figura jurídica que regulamente os vínculos entre pessoas do mesmo sexo para que o Estado reconheça todos os direitos patrimoniais que se derivam desta relação? ” [9]
Dessa forma, a Corte salientou que na análise das questões são utilizados conceitos e definições sobre os quais não há acordo entre os organismos nacionais e internacionais. Portanto, a análise do caso está sujeita a uma dinâmica conceitual onde há de modo frequente uma mudança temporal, por isso a avaliação deve ser realizada de maneira delicada. A Corte citou os seguintes conceitos, que são tomados por fontes orgânicas internacionais:
3.1 – Dos conceitos
“Sexo: em sentido estrito, o termo sexo se refere às diferenças biológicas entre homens e mulheres, suas características fisiológicas, a soma das características biológicas que definem o espectro das pessoas como mulheres e homens ou à construção biológica que se refere às características genéticas, hormonais, anatômicas e fisiológicas em cuja base uma pessoa é classificada como masculina ou feminina no nascimento. Nesse sentido, uma vez que este termo apenas estabelece subdivisões entre homens e mulheres, não reconhece a existência de outras categorias que não se encaixam dentro do binário mulher/homem.
Sexo atribuído no nascimento: essa ideia transcende o conceito de sexo como masculino ou feminino e está associada à determinação do sexo como uma construção social. A atribuição de sexo não é um fato biológico inato; em vez disso, o sexo é atribuído no nascimento com base na percepção que os outros têm dos órgãos genitais. A maioria das pessoas é facilmente classificada, mas algumas pessoas não se encaixam no binário mulher/homem.
Sistema binário do gênero/sexo: modelo social e cultural dominante na cultura ocidental que “considera que gênero e sexo englobam duas, e apenas duas, categorias rígidas, a saber, masculino/homem e feminino/mulher. Esse sistema ou modelo exclui aqueles que não se enquadram nas duas categorias (como as pessoas trans ou intersexuais).
Intersexualidade: todas as situações nas quais a anatomia sexual da pessoa não se ajusta fisicamente aos padrões culturalmente definidos para o corpo feminino ou masculino. Uma pessoa intersexual nasce com uma anatomia sexual, órgãos reprodutivos ou padrões cromossômicos que não se encaixam na definição típica de homem ou mulher. Isso pode ser aparente no nascimento ou se tornar assim ao longo dos anos. Uma pessoa intersexual pode ser identificada como homem ou como mulher ou como nenhuma das duas. A condição intersexual não é a orientação sexual ou identidade de gênero: pessoas intersexuais experimentam a mesma gama de orientações sexuais e identidades de gênero que as pessoas que não são.
Gênero: refere-se às identidades, funções e atributos socialmente construídos de mulheres e homens e do significado social e cultural atribuído a estas diferenças biológicas.
Identidade de gênero: a identidade de gênero é a experiência interna e individual do gênero como cada pessoa a sente, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no momento do nascimento, incluindo a experiência pessoal do corpo (o que poderia envolver – ou não – a modificação da aparência ou da função corporal através de meios médicos, cirúrgicos ou outros, desde que seja escolhido livremente) e outras expressões de gênero, incluindo o vestuário, o modo de falar e maneirismos. A identidade de gênero é um conceito amplo que cria espaço para a autoidentificação, e que se refere à experiência que uma pessoa tem de seu próprio gênero. Assim, a identidade de gênero e sua expressão também assumem várias formas, algumas pessoas não se identificam como homens, nem mulheres, ou se identificam como ambos.
Expressão de gênero: entende-se como a manifestação externa do gênero de uma pessoa, por meio da sua aparência física, que pode incluir o modo de vestir, penteado, uso de artigos cosméticos, ou por meio de maneirismos, modo de falar, padrões de comportamento pessoal, comportamento ou interação social, nomes ou referências pessoais, entre outros. A expressão de gênero de uma pessoa pode ou não corresponder à sua identidade de gênero autopercebida.
Transgênero ou pessoa trans: quando a identidade ou expressão de gênero de uma pessoa é diferente daquela que normalmente está associada ao sexo atribuído no nascimento. As pessoas trans constroem sua identidade independentemente do tratamento médico ou intervenções cirúrgicas. O termo trans é um termo “guardachuva” usado para descrever as diferentes variantes da identidade de gênero, cujo denominador comum é a não conformidade entre o sexo atribuído ao nascimento da pessoa e a identidade de gênero tradicionalmente atribuída a ela. Uma pessoa transgênero ou trans pode se identificar com os conceitos de homem, mulher, homem trans, mulher trans e pessoa não binária, ou com outros termos como hijra, terceiro gênero, biespiritual, travesti, fa’afafine, queer, transpinoy, muxé, waria e meti. A identidade de gênero é um conceito diferente da orientação sexual.
Pessoa Transexual: as pessoas transexuais se sentem e concebem a si mesmas como pertencentes ao gênero oposto àquele social e culturalmente atribuído ao seu sexo biológico e optam por uma intervenção médica – hormonal, cirúrgica ou ambas – para adaptar sua aparência físico-biológica à sua realidade psíquica, espiritual e social.
Pessoa Travesti: em termos gerais, pode-se dizer que as pessoas travestis são aquelas que manifestam uma expressão de gênero – de forma permanente ou transitória – mediante o uso de roupas e atitudes do gênero oposto àquele social e culturalmente associado ao sexo atribuído no nascimento. Isso pode incluir a modificação ou não do seu corpo.
Pessoa Cisgênero: quando a identidade de gênero da pessoa corresponde ao sexo atribuído no nascimento.
Orientação Sexual: Refere-se à atração emocional, afetiva e sexual por pessoas de um gênero diferente do seu, ou de seu próprio gênero, ou de mais de um gênero, bem como relações íntimas e/ou sexuais com estas pessoas. A orientação sexual é um conceito amplo que cria espaço para a autoidentificação. Além disso, pode variar ao longo de um continuum, incluindo a atração exclusiva e não exclusiva pelo mesmo sexo ou pelo sexo oposto. Todas as pessoas têm uma orientação sexual, a qual é inerente à identidade da pessoa.
Homossexualidade: Refere-se à atração emocional, afetiva e sexual por pessoas do mesmo gênero, bem como as relações íntimas e sexuais com estas pessoas. Os termos homossexuais e lésbicas se encontram relacionados a essa acepção.
Pessoa Heterossexual: mulheres que se sentem emocional, afetiva e sexualmente atraídas por homens; ou homens que se sentem emocional, afetiva e sexualmente atraídos por mulheres.
Lésbica: é uma mulher atraída emocional, afetiva e sexualmente de forma duradoura por outras mulheres.
Gay: muitas vezes é usado para descrever um homem que se sente emocional, afetiva e sexualmente atraído por outros homens, embora o termo possa ser usado para descrever tanto os homens gays quanto as mulheres lésbicas.
Homofobia e transfobia: a homofobia é um medo, um ódio ou uma aversão irracional em relação a pessoas lésbicas, gays ou bissexuais; a transfobia denota medo, ódio ou aversão irracional em relação às pessoas trans. Uma vez que o termo “homofobia” é amplamente conhecido, às vezes é usado globalmente para se referir ao medo, ao ódio e à aversão às pessoas LGBTI em geral.
Lesbofobia: é um medo, um ódio ou uma aversão irracional em relação às pessoas lésbicas.
Bissexual: Pessoa que se sente emocional, afetiva e sexualmente atraída por pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente. O termo bissexual tende a ser interpretado e aplicado de forma inconsistente, muitas vezes com um entendimento muito restrito. A bissexualidade não implica atração pelos dois sexos ao mesmo tempo, nem deve implicar a atração por igual ou o mesmo número de relações com os dois sexos. A bissexualidade é uma identidade única, que precisa ser analisada por direito próprio.
Cisnormatividade: ideia ou expectativa de acordo com a qual, todas as pessoas são cisgênero e que as pessoas que receberam sexo masculino ao nascer sempre crescem para ser homens e aquelas que receberam sexo feminino no nascimento sempre crescem para ser mulheres.
Heterormatividade: tendência cultural em favor das relações heterossexuais, que são consideradas normais, naturais e ideais e são preferidas em relação ao mesmo sexo ou ao mesmo gênero. Este conceito apela a regras legais, religiosas, sociais e culturais que obrigam as pessoas a agir de acordo com os padrões heterossexuais dominantes e predominantes.
LGBTI: Lésbica, Gay, Bissexual, Trans ou Transgênero e Intersexual. O acrônimo LGBTI é usado para descrever os vários grupos de pessoas que não estão em conformidade com as noções convencionais ou tradicionais de papéis de gênero masculino e feminino. Nesta sigla, em particular, a Corte lembra que a terminologia relacionada a estes grupos humanos não é fixa e evolui rapidamente, e que existem outras formulações diversas que incluem pessoas Assexuadas, Queers, Travestis, Transsexuais, entre outros. Além disso, diferentes termos podem ser usados em diferentes culturas para descrever pessoas do mesmo sexo que fazem sexo e que se auto identificam ou exibem identidades de gênero não binárias (como, entre outros, hijra, meti, lala, skesana, motsoalle, mithli, kuchu, kawein, queer, muxé, fa’afafine, fakaleiti, hamjensgara ou dois espíritos). Não obstante o acima exposto, se a Corte não decidir quais as siglas, os termos e as definições representam a forma mais precisa e justa para as populações analisadas, apenas para os propósitos deste parecer e, como tem feito em casos anteriores, também como tem sido a prática da Assembleia Geral da OEA, esta sigla será utilizada de forma indistinta, sem que isso implique ignorar outras expressões de expressão de gênero, identidade de gênero ou orientação sexual. ” [10]
Com base nos referidos conceitos, é possível entender e analisar melhor a situação a qual se encontram os casais homossexuais. A CIDH abordou sobre a preocupação Conselho de Direitos Humanos da ONU em relação aos atos violentos praticados contra a comunidade em todas as regiões do mundo. É possível observar que a sociedade heteronormativa enxerga os homossexuais como algo diferente, o que tende a gerar a homofobia. Muitas das vezes essas sociedades são compostas boa parte por religiosos que discriminam o grupo LGBTI por não aceitarem a evolução natural da sociedade, querendo assim permanecer no sistema patriarcal.
Cabe destacar que não só a violência física é praticada contra esse grupo. A violência moral, ocorre no dia a dia, com a exclusão dos grupos por parte da sociedade, seja na escola, trabalho ou em casa. Dessa forma, a Corte destacou que os LGBTI sofrem discriminação inclusive por parte do Estado, que tipifica como crime a homossexualidade. Foi ressaltado pela Corte que esse tipo de conduta foi considerado por vários órgãos internacionais como contrária ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. Em razão dos fatos expostos, a CIDH cita que o Estado do Brasil [11]criou um Conselho Nacional de Combate à Discriminação, subordinado à Secretaria de Direitos Humanos, cujo objetivo é formular e propor “diretrizes para a ação governamental a nível nacional para combater a discriminação e promover a defesa dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.
3.2 – Da interpretação
Para a interpretação do parecer a Corte se baseia na aplicação da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e na Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados. Assim, o objeto e finalidade da CIDH é a proteção dos direitos fundamentais dos seres humanos, dessa forma, a Convenção Americana prevê as diretrizes de interpretação em seu artigo 29:
“Artigo 29. Normas de interpretação
Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:
a) permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;
b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;
c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; e
d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.”
É incluído no artigo 29 o princípio pro persona, o que implica que nenhuma disposição desse tratado pode ser interpretada no sentido de limitar o exercício de qualquer direito ou liberdade. [12]
3.3 – Do direito a igualdade
A Corte observou que a igualdade que é inseparável da dignidade essencial da pessoa, não estava sendo preservada, por considerar um determinado grupo superior, ao tratá-lo com privilégio, ou, de modo inverso, ao tratá-lo com hostilidade ou qualquer forma de discriminação. A jurisprudência da CIDH indicou ainda que diante da evolução do Direito Internacional, o princípio da igualdade entrou no domínio do ius cogens, que trata a base jurídica da ordem pública nacional e internacional e permeia todo o ordenamento jurídico. A Convenção Interamericana não tem um conceito exato de “discriminação”, dessa maneira, a Corte destaca que utiliza de parâmetros internacionais como o artigo 1.1 da Convenção Interamericana contra Todas as Formas de Discriminação e Intolerância e o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Assim, a discriminação pode ser definida como “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em certos motivos, como raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra índole, origem nacional ou social, propriedade, nascimento ou qualquer outra condição social e que tenham por objeto ou por resultado anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, dos direitos humanos e liberdades fundamentais de todas as pessoas.” [13] No entanto, é destacado que nem todas as diferenças no tratamento serão consideradas discriminatórias, mas apenas as condutas que não tenham motivos razoáveis, ou seja, quando perseguem um fim ilegítimo e não existe relação razoável de proporcionalidade entre os meios utilizados e a finalidade almejada. [14]
Em consonância com o artigo 1.1 da Convenção Interamericana, a corte especificou que o artigo não constitui uma lista taxativa e limitativa, mas meramente enunciativa. Logo, a redação do artigo deixa os critérios abertos com a inclusão do termo “outra condição social” para incorporar outras categorias que não foram citadas de modo explícito. Em virtude disso, se faz necessária a escolha da hermenêutica mais favorável à proteção dos direitos da pessoa humana, de acordo com a aplicação do princípio pro persona.
Sobre a orientação sexual, a corte afirmou que a orientação sexual, a identidade de gênero e a expressão de gênero estão protegidas pelo artigo 1.1 da Convenção. Desse modo, os tratados de direitos humanos são instrumentos vivos, cuja interpretação deve acompanhar a evolução dos tempos e das condições das condições de vida atuais. A interpretação se torna evolutiva consequente com as regras gerais estabelecidas no artigo 29 da Convenção Interamericana.
Nesse sentido, em razão da a expressão “qualquer condição social”, elencada no artigo 1.1, deve sempre ser escolhida a alternativa mais favorável para a tutela dos direitos protegidos pelo referido tratado, de acordo com o princípio pro homine. Assim, a redação do referido artigo deixa os critérios abertos com a inclusão da formulação “outra condição social”, para incorporar, assim, outras categorias que não foram explicitamente indicadas. A expressão “qualquer outra condição social” do artigo 1.1. da Convenção deve ser interpretada pela Corte, consequentemente, na perspectiva da opção mais favorável para a pessoa e da evolução dos direitos fundamentais no direito internacional contemporâneo. [15]
3.4 – O direito à identidade de gênero e a mudança de nome
A Corte Interamericana trata sobre a preservação da dignidade da pessoa humana como um dos valores fundamentais para a existência do ser humano. Logo, se trata de um direito inerente aos atributos da pessoa, sendo um direito humano fundamental oponível erga omnes como expressão de um interesse coletivo da comunidade internacional como um todo, onde a Corte não admite a derrogação nem suspensão desse direito.
A CIDH especificou que a proteção do direito à vida privada não se limita ao direito à privacidade, uma vez que cobre uma série de fatores relacionados à dignidade da pessoa, incluindo, por exemplo, a capacidade de desenvolver sua própria personalidade, aspirações, determinar sua identidade e definir suas relações pessoais. O conceito de vida privada engloba aspectos da identidade física e social, incluindo o direito à autonomia pessoal, o desenvolvimento pessoal e o direito de estabelecer e desenvolver relações com outros seres humanos e com o mundo exterior. Da mesma forma, a vida privada inclui a forma como a pessoa se vê e como ela decide se projetar para com os outros, sendo esta condição indispensável para o livre desenvolvimento da personalidade. [16]
Em relação ao direito à identidade, a Corte indicou que pode ser conceitualizado, em geral, como o conjunto de atributos e características que permitem a individualização da pessoa na sociedade e que, nesse sentido, inclui vários direitos de acordo com o sujeito de direitos em questão e as circunstâncias do caso, podendo ser afetado por inúmeras situações ou contextos que podem ocorrer desde a infância até a idade adulta. Mesmo sem a especificidade do direito à identidade na Convenção, no entanto, inclui outros direitos que o compõem. Por consequência, o direito à identidade não pode ser reduzido, confundido ou subordinado a um ou outro dos direitos que inclui, nem à somatória dos mesmos. [17]
Dessa forma, a identidade de gênero e sexual está conectada ao conceito de liberdade e à possibilidade de todo ser humano se autodeterminar e escolher livremente as opções e circunstâncias que dão sentido à sua existência, de acordo com suas próprias convicções, bem como o direito à proteção da vida privada. Portanto, a vida afetiva com o cônjuge ou companheiro permanente, dentro do qual, logicamente, se encontram as relações sexuais, é um dos principais aspectos desse âmbito o círculo de intimidade, que está dentro do âmbito da vida privada. [18]
A Opinião Consultiva destacou a identidade de gênero como “a experiência interna e individual do gênero como cada pessoa sente, o que pode corresponder ou não ao sexo atribuído no momento do nascimento. O que precede também leva à experiência pessoal do corpo e outras expressões de gênero, como são a vestimenta e o modo de falar (supra, par. 32.f). Nesta linha, para esta Corte, o reconhecimento da identidade de gênero está necessariamente ligado à ideia de que sexo e gênero devem ser percebidos como parte de uma construção de identidade que é o resultado da decisão livre e autônoma de cada pessoa, sem ter que estar sujeita à sua genitalidade. “ [19]
Isto posto, a Corte trata “o nome como atributo da personalidade é uma expressão da individualidade e tem como finalidade afirmar a identidade de uma pessoa ante a sociedade e nas atuações perante o Estado. Com isso se procura garantir que cada pessoa possua um sinal único e singular frente aos demais, com o qual possa se identificar e se reconhecer como tal. Se trata de um direito fundamental inerente a todas as pessoas pelo simples fato de sua existência. Além disso, esta Corte indicou que o direito ao nome reconhecido no artigo 18 da Convenção e também em diversos instrumentos internacionais, constitui um elemento básico e indispensável da identidade de cada pessoa, sem o qual não pode ser reconhecido pela sociedade nem registrado ante o Estado. ” [20]
É perceptível que a mudança de nome é necessária para a materialização da identidade de gênero, que se configura diante da personalidade do ser humano, diante de tudo vivenciado legitimando a aplicação da mudança. Assim, a identidade de gênero está conceituada como uma liberdade de autodeterminação que se faz necessária para a inserção em sociedade. Assim sendo, a resposta à primeira pergunta apresentada pela Costa Rica sobre a proteção oferecida pelos artigos 11.2, 18 e 24 em relação ao artigo 1.1 da Convenção para o reconhecimento da identidade de gênero foi a seguinte:
“A mudança de nome, a adequação da imagem, assim como a retificação à menção do sexo ou gênero, nos registros e nos documentos de identidade, para que estes estejam de acordo com a identidade de gênero autopercebida, é um direito protegido pelo artigo 18 (direito ao nome), mas também pelos artigos 3° (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 7.1 (direito à liberdade) e 11.2 (direito à vida privada), todos da Convenção Americana. Consequentemente, em conformidade com a obrigação de respeitar e garantir os direitos sem discriminação (artigos 1.1 e 24 da Convenção) , e com o dever de adotar as disposições de direito interno (artigo 2° da Convenção) , os Estados estão obrigados a reconhecer, regular e estabelecer os procedimentos adequados para tais fins.
C. Sobre o procedimento de pedido de adequação dos dados de identidade de acordo com a identidade de gênero autopercebida. ” [21]
A Corte destacou que embora os Estados tenham a possibilidade de determinar, de acordo com a realidade jurídica e social nacional, os procedimentos mais adequados para cumprir com os requisitos para um procedimento de retificação do nome, o procedimento que melhor se adapta aos requisitos estabelecidos nesta opinião é aquele que é de natureza materialmente administrativa ou cartorial, dado que o processo de natureza jurisdicional pode, eventualmente, incorrer, em alguns Estados, em formalidades e atrasos excessivos que se observam nos trâmites dessa natureza. Desse modo, um trâmite de natureza jurisdicional para obter uma autorização para que se possa efetivamente materializar a expressão de um direito dessas características representaria uma limitação excessiva para o requerente e não seria apropriado uma vez que deve ser um procedimento materialmente administrativo, seja em sede judicial, ou em sede administrativa. De acordo com o que foi afirmado pela Corte, a resposta à segunda pergunta foi:
“Os Estados têm a possibilidade de estabelecer e decidir sobre o procedimento mais apropriado de acordo com as características de cada contexto e sua legislação nacional, os trâmites ou procedimentos para mudança de nome, adequação de imagem e retificação da referência ao sexo ou gênero, nos registros e nos documentos de identidade para que estejam de acordo com a identidade de gênero autopercebida, independentemente de sua natureza jurisdicional ou materialmente administrativa, 335 devendo cumprir os requisitos indicados nesta opinião, a saber: a) deve estar focado na adequação integral da identidade de gênero autopercebida; b) deve estar baseado unicamente no consentimento livre e informado do solicitante, sem que se exijam requisitos como as certificações médicas e/ou psicológicas ou outros que possam resultar não razoáveis ou patologizantes; c) deve ser confidencial. Além disso, mudanças, correções ou adequações nos registros e em documentos de identidade não devem fazer menção às mudanças que decorreram da alteração para se adequar à identidade de gênero; d) devem ser expeditos, e na medida do possível, gratuitos, e e) não devem exigir a certificação de operações cirúrgicas e/ou hormonais.
Dado que a Corte observa que os procedimentos de natureza materialmente administrativos ou cartoriais são os que melhor se ajustam e se adequam a estes requisitos, os Estados podem fornecer paralelamente um canal administrativo, que possibilite a escolha da pessoa. ” [22]
3.5 – Sobre o artigo 54 do Código Civil da Costa Rica
A Costa Rica solicitou a CIDH para opinar sobre a aplicação do artigo 54 do Código Civil da República da Costa Rica às pessoas que desejem optar por uma mudança de nome com base em sua identidade de gênero, com os artigos 11.2, 18 e 24, em relação ao artigo 1.1 da Convenção. O Estado da Costa Rica proferiu a pergunta “Pode-se entender que o artigo 54 do Código Civil da Costa Rica deve ser interpretado de acordo com a CADH no sentido de que as pessoas que desejem mudar seu nome a partir de sua identidade de gênero não estão obrigadas a submeter-se ao processo jurisdicional ali contemplado, mas sim que o Estado deve prover-lhes um trâmite administrativo gratuito, rápido e acessível para exercer esse direito humano? ” [23]
O artigo 54 do Código Civil da Costa Rica estabelece que “todo costarriquenho inscrito no Registro Civil pode mudar seu nome com a autorização do Tribunal, o que será feito pelos procedimentos da jurisdição voluntária promovida para esse fim.”, noutro giro, o artigo 55 do Código Civil estabelece que “uma vez que o pedido de mudança tenha sido apresentado, o Tribunal ordenará a publicação de um decreto no Diário da República concedendo 15 dias para apresentação de oposições” e o artigo 56 do Código Civil afirma que “em qualquer pedido de alteração ou modificação de nome será ouvido pelo Ministério Público e, antes de resolver o precedente, o Tribunal solicitará um informe de boa conduta anterior e de antecedentes criminais do requerente. Também informará ao Ministério da Segurança Pública. ” [24]
A Corte destacou que embora o pedido tratasse sobre o artigo 54, a regra da mudança de nome está conectada com os artigos 55 e 56, da mesma norma, pois os artigos especificam as modalidades do procedimento. Dessa forma, a CIDH considerou que a resposta à terceira pergunta formulada pelo Estado da Costa Rica é a seguinte:
“O artigo 54 do Código Civil da Costa Rica, em sua redação atual, estaria de acordo com as disposições da Convenção Americana unicamente se o mesmo é interpretado, seja em sede judicial ou regulamentado administrativamente, no sentido de que o procedimento que esta norma estabelece possa garantir que as pessoas que desejem mudar seus dados de identidade para que sejam conformes à sua identidade de gênero autopercebida, seja um trâmite materialmente administrativo, que cumpra com os seguintes aspectos:
a) deve estar focado na adequação integral da identidade de gênero autopercebida; b) deve ser baseado unicamente no consentimento livre e informado do solicitante sem que se exijam requisitos como as certificações médicas e/ou psicológicas ou outros que possam resultar não razoáveis ou patologizantes; c) deve ser confidencial. Além disso, mudanças, correções ou adequações nos registros e documentos de identidade não devem fazer menção que decorreram de alteração para se adequar à identidade de gênero; d) devem ser expeditos e devem, na medida do possível, gratuitos; e e) não devem exigir as certificações de intervenções cirúrgicas e/ou tratamentos hormonais.
Em consequência, em virtude do controle de convencionalidade, o artigo 54 do Código Civil da Costa Rica deve ser interpretado de acordo com os padrões previamente estabelecidos para que as pessoas que desejem adequar integralmente os registros e/ou os documentos de identidade à sua identidade de gênero autopercebida, possam gozar efetivamente desse direito humano reconhecido nos artigos 3°, 7°, 11.2, 13 e 18 da Convenção Americana.
O Estado da Costa Rica, com o propósito de garantir, da maneira mais efetiva, a proteção dos direitos humanos, poderá expedir um regramento mediante o qual incorpore os padrões antes mencionados do procedimento de natureza materialmente administrativa, que possa prover de forma paralela, em conformidade com o indicado nos parágrafos anteriores da presente opinião (supra, parágrafo 160). ” [25]
3.6 – A proteção internacional dos vínculos de casais do mesmo sexo
O Tribunal destacou, maneira preliminar, que a representação da Costa Rica, em seu pedido de Parecer Consultivo, não explicitou a qual vínculo entre pessoas do mesmo sexo se referia. Não obstante, a Corte observa que, na pergunta formulada, o Estado faz alusão ao artigo 11.2 da Convenção, o qual protege as pessoas, inter alia, de ingerências arbitrárias à vida privada e familiar.
Da mesma forma, a Corte salientou que existe uma lista em expansão de direitos, benefícios e responsabilidades dos quais os casais do mesmo sexo poderiam ser titulares. Estes aspectos incluem impostos, heranças e direitos de propriedade, regras de sucessão sem testamento, privilégio do cônjuge no direito processual probatório, autoridade para tomar decisões médicas, os direitos e benefícios dos sobreviventes, certidões de nascimento e morte, normas de ética profissional, restrições financeiras em temas eleitorais benefícios de compensação trabalhista, seguro de saúde e custódia dos filhos. Tudo isso, a juízo do Tribunal, deve ser assegurado sem discriminação alguma às famílias conformadas por casais do mesmo sexo. Assim, o Tribunal estabeleceu a proteção aos direitos direitos civis e políticos, econômicos ou sociais, assim como outros internacionalmente reconhecidos. A proteção se estende àqueles direitos e obrigações estabelecidos pelas legislações nacionais de cada Estado, que surgem dos vínculos familiares de casais heterossexuais. Diante do exposto, a resposta à quarta pergunta realizada pela Costa Rica foi concluída pela Corte, que obteve o seguinte entendimento:
“A Convenção Americana protege, em virtude do direito à proteção da vida privada e familiar (artigo 11.2) assim como o direito à proteção da família (artigo 17), o vínculo familiar que pode derivar de uma relação de um casal do mesmo sexo. A Corte também estima que devam ser protegidos, sem discriminação alguma, com respeito aos casais entre pessoas heterossexuais, de acordo com o direito à igualdade e à não discriminação (artigos 1.1 e 24), todos os direitos patrimoniais que derivam do vínculo familiar protegido entre pessoas do mesmo sexo. Sem prejuízo do anterior, a obrigação internacional dos Estados transcende as questões vinculadas unicamente aos direitos patrimoniais e se projeta em todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, assim como aos direitos e obrigações reconhecidos no direito interno de cada Estado que surgem dos vínculos familiares de casais heterossexuais (supra, parágrafo 198).
B. Os mecanismos pelos quais o Estado poderia proteger as famílias diversas” [26]
O Tribunal entendeu que do princípio da dignidade humana deriva da plena autonomia do indivíduo para escolher com quem quer manter um vínculo permanente e marital, seja natural (união de fato), ou solene (matrimônio). Esta escolha, livre e autônoma, constitui parte da dignidade de cada pessoa e é intrínseca aos aspectos mais íntimos e importantes de sua identidade e projeto de vida (artigos 7.1 e 11.2). Além disso, a Corte considera que, desde que exista uma vontade de se relacionar de maneira permanente e formar uma família, existe um vínculo que merece igualdade de direitos e proteção independentemente da orientação sexual de seus contraentes (artigos 11.2 e 17).
Assim é possível que alguns Estados superem dificuldades institucionais para adequar sua legislação interna e estender o direito de acesso à instituição matrimonial às pessoas do mesmo sexo, em especial quando mediam formas rígidas de reforma legislativa, suscetíveis de impor um trâmite não isento de dificuldades políticas e passos que requerem certo tempo, por se tratar de uma evolução jurídica, judicial ou legislativa. A Corte afirmou que os Estados que ainda não garantem às pessoas do mesmo sexo seu direito de acesso ao matrimônio, estão igualmente obrigados a não violar as normas que proíbem a discriminação dessas pessoas, devendo, portanto, garantir-lhes os mesmos direitos derivados do matrimônio, no entendimento de que sempre se trata de uma situação transitória. Portanto, a resposta à quinta pergunta, foi proferida pela referida Corte como:
“Os Estados devem garantir o acesso a todas as figuras já existentes nos ordenamentos jurídicos internos, para assegurar a proteção de todos os direitos das famílias formadas por casais do mesmo sexo, sem discriminação com respeito às que estão constituídas por casais heterossexuais. Para isso, poderia ser necessário que os Estados modifiquem as figuras existentes por meio de medidas legislativas, judiciais ou administrativas, para ampliá-las aos casais constituídos por pessoas do mesmo sexo. Os Estados que tiverem dificuldades institucionais para adequar as figuras existentes, transitoriamente, e enquanto promovem estas reformas de boa-fé, têm da mesma maneira o dever de garantir aos casais constituídos por pessoas do mesmo sexo, igualdade e paridade de direitos em relação àquelas de sexos diferentes, sem discriminação alguma.” [27]
Realizando uma análise do parecer consultivo, a Corte define que o Estado é o garantidor da proteção da livre expressão de gênero, que é entendida como parte da dignidade da pessoa humana, contribuindo para a sua formação como pessoa, dessa forma, não devem haver discriminações, deve ser garantido assim, um tratamento igual, de acordo com o princípio da isonomia. Portanto, é observado que o direito não se trata de uma ciência exata, mudando conforme o tempo, em razão disso, é necessária a adequação das normas e princípios de Direito Internacional. Logo, a proteção se estende aos benefícios e responsabilidades dos quais os casais do mesmo sexo poderiam ser titulares, tratando assim de um procedimento que visa resguardar bens materiais estabelecidos por uma união homoafetiva. O artigo 54 do Código Civil da Costa Rica está portanto, de acordo com a Convenção Interamericana e deve ser garantido um trâmite materialmente administrativo, que cumpra com os aspectos estabelecidos no parecer.
4 – Definição de família homoafetiva no Direito brasileiro
Foi perceptível ao longo dos tempos a diminuição dos laços entre o Estado e a igreja e isso ocasionou uma profunda evolução da sociedade. Assim, começaram a surgir novas formas de família, é possível citar como exemplo as famílias formadas por pessoas vindas de outros relacionamentos, o que antes era inaceitável pela igreja. Desse modo, o Estado antes não se preocupava em estabelecer uma definição de família, pois ela se configurava com o casamento. Esse tipo de falha excluiu durante muito tempo o conceito de família afetiva no âmbito jurídico, o que acarretou na exclusão do grupo LGBTI e também a negação de direitos para qualquer família que não se encontrasse nos padrões normativos. [28]
É imperioso então, o abarcamento a todos os tipos de família existentes, necessitando o conceito de família pautar-se no conceito de que são todos os relacionamentos que se baseiam no vínculo de afetividade, não dependendo de sua formação. Resta claro então que é o envolvimento emocional que leva a subtrair um relacionamento do âmbito do direito obrigacional, cujo núcleo é a vontade, para inseri-lo no direito das famílias, que tem como componente estruturante o sentimento do amor que une as almas e embaraça patrimônios, gera responsabilidades e empenhos mútuos. Esse é o divisor em meio ao direito obrigacional e o familiar: os interesses têm por substrato exclusivamente a vontade, enquanto a linha diferenciadora do direito da família é o afeto. A família é uma aliança social fundada essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da família patriarcal, que cumpria funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas.
Em razão disso, não é entendível a razão a qual a Constituição emprestou, de modo expresso, juridicidade somente às uniões estáveis entre um homem e uma mulher. Ora, a nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode-se deixar de conferir status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição (1.º III) consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa. Não há nenhuma diferença, portanto, entre a família homoafetiva e a heterossexual. Assim, descabe estigmatizar a orientação homossexual de alguém, já que negar a realidade não soluciona as questões que emergem quando do rompimento dessas uniões. [29]
5 – Evolução no Direito Civil
Após a promulgação do Pacto de San José da Costa Rica, em 1992, a legislação brasileira teve grande evolução, e com isso, podemos ver grandes mudanças no Direito Civil, como a alteração no Código Civil de 2002 [30], que eliminou qualquer forma de distinção entre filhos nascidos fora e dentro do casamento, que age em extrema concordância com artigo 17 do Pacto, o reconhecimento na ADPF 132 que equipara a união estável homoafetiva com a heteroafetiva, utilizando-se como base o parecer consultivo OC 24/2017 realizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Assim, a referida Opinião Consultiva fala sobre a não discriminação de casais do mesmo sexo, e cita sobre a proteção da corte nos mais diversos tipos de família existentes, como ocorre com a nova Lei de Adoção (Lei 12.010/2009), onde surge um novo conceito de família, onde “Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”.
6 – A proteção a família homoafetiva na constituição federal
A criação da Constituição Federal de 1988 [31] representou grande avanço nos direitos e garantias fundamentais, direitos como dignidade da pessoa humana e da isonomia representam tal evolução. Porém, apesar de todos os direitos e garantias para o ser humano como um todo, nenhuma norma reguladora trata expressamente sobre a proteção dos direitos homoafetivos, ou sequer prevê a discriminação por orientação sexual. Entretanto, apesar do legislador não ter garantido diretamente a proteção das parelhas de mesmo sexo, existem dispositivos legais que garantem a efetividade da proteção dos direitos humanos, e que, de maneira consequente, protegem também os casais homossexuais.
A dignidade da pessoa humana, presente no artigo 1°, III, CF, estabelece a proteção do ser humano diante de qualquer forma de discriminação, sem qualquer taxatividade, estabelecendo assim a proteção contra a discriminação contra homossexuais. Além disso, o princípio da isonomia, é observado no no artigo 5° da CF:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…”
O presente artigo estabelece que todos são iguais perante a lei, tratando assim, também, da não distinção entre casais homoafetivos e casais heteroafetivos, os quais recebiam tratamento diferenciado no procedimento de união estável, pois a própria Constituição Federal estabelece, a união estável apenas entre o homem e a mulher, e por isso, durante anos, muitos parlamentares tentaram impedir o casamento homoafetivo.
Dessa forma, Sarlet [32] preceitua sobre a proteção sobre todos os direitos fundamentais, onde se inclui o princípio da isonomia, como reconhecimento da pessoa humana:
“A dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões, muito embora – importa repisar – nem todos os direitos fundamentais (pelo menos não no que diz com os direitos expressamente positivados na Constituição Federal de 1988) tenham um fundamento direto na dignidade da pessoa humana. Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade, o que nos remete à controvérsia em torno da afirmação de que ter dignidade equivale apenas a ter direitos (e/ou ser sujeito de direitos), pois mesmo em se admitindo que onde houver direitos, pelo menos de acordo com o que sustenta parte da doutrina, consiste no fato de que as pessoas são titulares de direitos humanos em função de sua inerente dignidade”
Ademais, a Constituição Federal, em seu artigo 3°, diz em seu inciso IV que “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. ”. Portanto, além das garantias citadas acima, a CF prevê também a não discriminação por quaisquer formas de discriminação, o que incluiria, também, a não realização do casamento homoafetivo.
7 – Do casamento e união estável entre pessoas do mesmo sexo
O casamento, que no Direito brasileiro é entendido como instituto do direito civil, onde estabelece a união voluntária de duas pessoas com o intuito de estabelecer uma família, sendo assim, o Código Civil atual não prevê nenhuma forma de exclusão ou discriminação por sexo para que seja realizado o casamento. Porém, por sua vez, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §3, em uma grande evolução no direito de família brasileiro, reconheceu a união estável entre o homem e a mulher, realizando assim, uma revolução no conceito de união e família no ordenamento jurídico.
Entretanto, a limitação da união estável apenas entre o homem e a mulher mostrava que, apesar da grande evolução realizada, o sistema jurídico brasileiro não poderia recepcionar ou aceitar possíveis casamentos realizados entre pessoas do mesmo sexo. Deste modo, durante décadas, esse dispositivo legal foi utilizado como motivo para a não aceitação de casamentos homo afetivos.
Diante disso, as presentes normas demonstram clara evolução do direito brasileiro na recepção do instituto do casamento e da união estável, pois, ao analisar a época da promulgação das legislações citadas, podemos observar que a Constituição Federal foi criada em 1988, época em que, apesar de grandes conquistas e avanços de direitos e garantias essenciais, ainda existia forte influência da igreja na sociedade e a pressão para a não aceitação da união homossexual e a existência de um modelo de família padronizado.
8 -Entendimento do Supremo Tribunal Federal
A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 132 e Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.4277, foram julgadas em conjunto pela Suprema Corte do Brasil no ano de 2011, e representam o início ao reconhecimento da união homoafetiva dentro do sistema jurídico do país. E serviram como fundamento para a resolução de n. 175 do CNJ que resolve que é “vedado às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. ”
Os referidos julgamentos em crítica ao artigo 1.723 do Código Civil, previa de forma expressa o reconhecimento da união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. O que louvou durante muitos anos a impossibilidade de configuração de união estável entre pessoas do mesmo sexo, em vista de uma aplicação literal da norma, impondo um positivismo desrazoável, sem conceder espaço para uma hermenêutica constitucional. Sem a análise dos princípios insculpidos na Constituição Federal e no Pacto São José da Costa Rica, tal como o Direito à liberdade pessoal, Direito de Igualdade e Dignidade da pessoa humana. De forma que a aplicação da norma infraconstitucional deve estar em conformidade com a constituição. [33]
Diante deste cenário, é que foram propostas as referidas Ações, visando o respeito ao preceito fundamental do Direito à Igualdade e a inconstitucionalidade o artigo 1.723 do Código Civil.
Objetivo que fora alcançado, com a procedência de ambas as ações, em análise conforme a constituição ao prever que, nas palavras do Relator Ministro Ayres Britto: “Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. ” [34]
9 – Entraves ainda existentes ao casamento homoafetivo
Em contrapartida, o Brasil vive uma realidade complicada com relação à proteção aos casais homoafetivos. Visto que embora exista o entendimento jurídico sobre o tema e a resolução administrativa do CNJ. A regulamentação deste direito apresenta um entendimento do STF, embora com força vinculante, ainda é motivo de críticas e descumprimentos 3. por não está formalizado mediante uma lei criada pelo Poder Legislativo, sendo que aguardar essa análise levaria a não concretização desse direito fundamental. [35]
Isso ocorre, pois o Legislativo é formado em sua grande maioria por congressistas religiosos, a famosa “bancada religiosa” que cresce cada vez mais [36]. Ademais, segundo um estudo apresentado pela Conectas Direitos Humanos, afirma que: “dez propostas em tramitação na Câmara dos Deputados são incompatíveis com os direitos dos homossexuais e garantias fundamentais constitucionais. Entre elas, seis impossibilitam a equiparação das relações homoafetivas ao casamento ou à entidade familiar. ” 4. Bem como o procedimento em curso com objetivo de declarar inconstitucional a possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo (ADI 4966 STF). [38]
O que representa o principal entrave à proteção dos casais homoafetivos, que infelizmente não pode contar com o Congresso Federal para regulamentar o direito a igualdade entre os casais homoafetivos e heteroafetivos. Já que existem membros de importantes instituições que se recusam a realização desse casamento, é visível em alguns estados que membros do Ministério Público se posicionam contrários às uniões homoafetivas. [39]
Conclusão
Após a promulgação do Pacto de San José da Costa Rica no Brasil houveram relevantes modificações jurídicas no Direito da América Latina. De modo a impor uma evolução na proteção dos Direitos Humanos, seguindo a lógica internacional do pós Segunda Guerra Mundial. Nesse diapasão, a análise no que tange aos direitos da família homoafetiva tornou-se imprescindível para a manutenção do direito de Igualdade entre os cidadãos, bem como para a proteção das minorias e respeito a dignidade da pessoa humana.
A realidade mundial, caminha para uma evolução e aceitação de todas relações afetivas e dos indivíduos dentro da sua liberdade de expressão e de autodeterminação. O que infelizmente ainda não é aceito por todos, em vista da forte influência religiosa em alguns países. No entanto, recentes julgados e pareceres apresentados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos demonstram uma evolução e o reconhecimento da união homoafetiva e a sua correlação a união heteroafetiva.
Respeito a dignidade, a honra, ao nome e a igualdade, foram princípios basilares para o entendimento da Opinião Consultiva proferida pela Corte, de modo a não restringir a proteção apresentada no Pacto de San José da Costa Rica somente aos casais heteroafetivos. E sim buscando a ampliação dessa proteção aos casais homoafetivos, visto que deve prevalece a igualdade entre essas instituições familiares. O que de fato não poderia existir diante da interpretação do Pacto que não deve permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista. Logo a interpretação da família deve analisada como um todo maior, englobando todas as formas de família.
Da mesma forma, a Corte salientou que existe uma lista em expansão de direitos, benefícios e responsabilidades dos quais os casais do mesmo sexo poderiam ser titulares. Estes aspectos incluem impostos, heranças e direitos de propriedade, regras de sucessão sem testamento, privilégio do cônjuge no direito processual probatório, autoridade para tomar decisões médicas, os direitos e benefícios dos sobreviventes, certidões de nascimento e morte, normas de ética profissional, restrições financeiras em temas eleitorais benefícios de compensação trabalhista, seguro de saúde e custódia dos filhos. Tudo isso, a juízo do Tribunal, deve ser assegurado sem discriminação alguma às famílias conformadas por casais do mesmo sexo.
Ao longo te toda essa evolução jurídica apresentada pelo Pacto de San José da Costa Rica, o Poder Legislativo no Brasil não deu muita importância para o assunto. De modo que até os dias atuais inexiste legislação alguma que verse sobre Direito Homoafetivo, ou proteção a família homoafetiva, tampouco com relação ao combate a homofobia. O que representa uma grave omissão da legislação do país. No entanto, o avanço no país veio por intermédio do Poder Judiciário, não mediante ativismo judicial, mas sim mediante a interpretação da Constituição Federal o que também engloba o Pacto de San José da Costa Rica.
O que levou ao Supremo Tribunal Federal, em análise quanto a constitucionalidade da proibição da união estável e o casamento de pessoas do mesmo sexo, tal como previa o Código Civil que afirmava somente a união entre homem e mulher, fazendo uma exclusão quanto aos homossexuais. O que vai de encontro com todas as previsões expostas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Desse modo o STF, em controle de constitucionalidade, julgou por fazer uma análise conforme a Constituição Federal para, em respeito ao direito de igualde e dignidade da pessoa humana, dispor a possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
No entanto, o país ainda apresenta muitos entraves à união homoafetiva, mesmo diante da determinação apresentada pelo Conselho Nacional de Justiça, ainda existem cartórios que se negam a realização do casamento ou união estável. De modo a restringir os direitos dessa população que, infelizmente, ainda sobre com o preconceito da população. É inegável o avanço que o Pacto de San José da Costa Rica representa na evolução do Direito Homossexual como um todo, principalmente com relação a proteção da família homoafetiva. Noutro giro, torna-se imprescindível que os países sigam esse entendimento em prol da proteção dos Direitos Humanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
[1] https://www.cnj.jus.br/lei-sobre-casamento-entre-pessoas-do-mesmo-sexo-completa-4-anos/
[2] (Curso De Direito Internacional Público – 12ª Ed. 2019. Autor: Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Pág 969).
[3] (Curso De Direito Internacional Público – 12ª Ed. 2019. Autor: Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Pág 973).
[4] (Curso De Direito Internacional Público – 12ª Ed. 2019. Autor: Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Pág 1339).
[5] (Curso De Direito Internacional Público – 12ª Ed. 2019. Autor: Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Pág Pág 1349).
[6] (Curso De Direito Internacional Público – 12ª Ed. 2019. Autor: Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Pág Pág 1350).
[7] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=393561
[8] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 4)
[9] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 4-5)
[10] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 15-21)
[11] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 26)
[12] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 29)
[13] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 31)
[14] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 33)
[15] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 34)
[16] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 41)
[17] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 42)
[18] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 43)
[19] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 44)
[20] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 48)
[21] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 51)
[22] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 55)
[23] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 65)
[24] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 56)
[25] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 67)
[26] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 74)
[27] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 80)
[28] (Manual De Direito Das Famílias – 11ª Ed. 2016. DIAS, Maria Berenice. Pág 231)
[29] (Manual De Direito Das Famílias – 11ª Ed. 2016. DIAS, Maria Berenice. (Pág 238)
[30] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
[31] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[32](SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 2 eds. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. 392 p.)
[33] https://www.conjur.com.br/2019-out-03/senso-incomum-literalista-voluntarista-diante-caes-plataforma
[34] http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633
[35] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=239066
[36] https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/renovada-bancada-evangelica-chega-com-mais-forca-no-proximo-congresso/
[37] https://www.conectas.org/noticias/casamento-igualitario-nenhum-passo-atras
[38] https://www.conectas.org/noticias/casamento-igualitario-nenhum-passo-atras
[39] https://www.cnj.jus.br/lei-sobre-casamento-entre-pessoas-do-mesmo-sexo-completa-4-anos/
Autores:
Pedro Vitor Serodio de Abreu: Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá, auxiliar jurídico no escritório CAS Assessoria Jurídica, curso em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas e Negociação pela Universidade Estadual do Maranhão.
Matheus Rodrigues dos Santos: Acadêmico em Direito pela Universidade Estácio de Sá, 10º período, auxiliar jurídico na área do Direito Reais, Família, Sucessões, Consumidor e Previdenciário no escritório CAS Assessoria Jurídica, formado em conciliação e suas técnicas pela Escola de Administração Judiciária- ESAJ.