IMPOSITION OF GOODS REGIME TO SEPTUAGENARIES: DIGNITY OF THE HUMAN PERSON?
Izabella Noronha Gonçalves[1]
Edmilson Araujo Rodrigues[2]
RESUMO
A imposição ao regime obrigatório de separação de bens, aos septuagenários, determinado pelo artigo 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002 (CC/02) representa uma inviabilidade de escolha, usando a idade como base seletiva. Busca-se entender o instituto e avaliar sua inconstitucionalidade, perante a violação do princípio da dignidade da pessoa humana, e também de demais princípios garantidos pelo texto constitucional, como o da liberdade e da igualdade. E com base em um breve estudo sobre os demais regimes de bens presentes no CC/02, para contextualizar e entender melhor a imposição sobre os maiores de 70 (setenta) anos. Em relação à metodologia, tratará de um estudo perspectivado no procedimento bibliográfico tendo como fonte de pesquisa: doutrinas, artigos científicos, legislação pertinente ao tema, como também base de dados eletrônicos. Quanto à abordagem da pesquisa, será qualitativa e de cunho exploratório cujo intento é uma maior afinidade com o tema em estudo, buscando trazer uma reflexão sobre a relativização da autonomia da vontade aos maiores de 70 (setenta) anos em relação ao vínculo matrimonial em respeito à dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Autonomia de Vontade. Separação Obrigatória de Bens.
ABSTRACT
The imposition of the mandatory regime for the separation of assets for septuagenarians, determined by article 1,641, item II, of the Civil Code of 2002 (CC / 02) represents an infeasibility of choice, using age as a selective basis. The aim is to understand the institute and evaluate its unconstitutionality, in view of the violation of the principle of human dignity, and also of other principles guaranteed by the constitutional text, such as freedom and equality. And based on a brief study on the other property regimes present in CC / 02, to contextualize and better understand the imposition on those over 70 (seventy) years old. In relation to the methodology, it will deal with a study envisaged in the bibliographic procedure having as source of research: doctrines, scientific articles, legislation pertinent to the theme, as well as an electronic database. As for the research approach, it will be qualitative and exploratory in nature, whose intention is a greater affinity with the subject under study, seeking to bring a reflection on the relativization of the autonomy of the will to those over 70 (seventy) years in relation to the matrimonial bond in respect to the dignity of the human person.
Keywords: Dignity of the Human Person. Autonomy of Will. Mandatory Separation of Goods.
1 INTRODUÇÃO
A determinação do regime de separação obrigatória de bens aos maiores de setenta anos, cujo fundamento está disposto no artigo 1.641, inciso II, do CC/02, constitui a inquietação da pesquisa. Nesse itinerário, será discutido sobre sua inconstitucionalidade, com base nos princípios da dignidade humana, da igualdade, da liberdade de escolha ao regime de bens do casal.
Historicamente, o matrimônio era a única forma de constituir família. O regime que vigorava era o da comunhão universal de bens até o ano de 1977, quando surgiu a Lei do Divórcio n. 6.515/77.
Como destacara Dias (2011, p. 218): “O casamento era indissolúvel, levando a uma união plena de vida e de patrimônio. O regime legal era o da comunhão universal de bens, fazendo surgir o que se chama de mancomunhão[3] […] ”.
Nesse mesmo itinerário, havia também o regime dotal, onde os bens da esposa eram entregues ao marido, que os administrava, e colocavam seus rendimentos para responsabilidades, encargos do lar, como dotes, mas caiu em desuso (DIAS, 2011, p.218). Com a Lei n. 6.515/77, o regime legal passou a ser o da comunhão parcial.
É importante destacar que o CC/02, excluiu o regime dotal, não fazendo qualquer menção a ele, e inseriu o regime da participação final nos aquestos, distinguindo-o da comunhão parcial de bens (DINIZ, 2017, p. 203).
O regime obrigatório de separação de bens é imposto pelo artigo 1.641 do CC/02. E a imposição aos septuagenários está presente em seu inciso II. Diante disso, será tratado sobre cada regime de bens presente no CC/02.
A regra imposta aos maiores de 70 anosfere a princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, como traz Tartuce (2016, p. 1.256) ao entender que: “É manifestamente inconstitucional, malferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República (artigo 1°, inciso III, da CF/1988) ”.
Nesse sentido, importa sobretudo destacar que o princípio da dignidade da pessoa humana tem como preceito a proteção e efetivação de todos os direitos do cidadão. Não sendo razoável que uma regra de cunho civil tenha poderes de contrariar e rechaçar um princípio constitucional.
Desafia também ao princípio da igualdade, da isonomia, onde todos devem ser tratados com igualdade. Previsto no artigo 5° da CRFB/88, em seu caput: “Art. 5º todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL,1988, grifo nosso).
Existe a ideia, do mesmo modo, de que o princípio da liberdade individual estaria prejudicado, visto que esse princípio traz a garantia de ser livre sem a total interferência do Estado sobre suas ações. Nesse diapasão, segundo Lenza (2017) o respeito à liberdade individual é uma perspectiva de absenteísmo estatal.
O matrimônio ainda hoje no Brasil é a maneira mais comum de formação do vínculo familiar. Quanto à autonomia da vontade, percebe-se que esse é o momento em que o casal tem a possibilidade de escolha em relação ao vínculo jurídico da relação familiar a ser concretizada. Para esse contrato se constituir é necessário decidir sobre o regime de bens que irá se estabelecer.
Nunca é demais lembrar que a imposição não deixa qualquer margem para exceções, nem possibilidades de adequações conforme a mudança social, conforme Primo (2012) a norma tem de ser analisada diante dos novos contornos da sociedade, como o aumento da expectativa de vida, a possibilidade de contrair matrimônio mais de uma vez, antes de considerar a presunção de incapacidade.
Percebe-se, nesse caminhar, que o legislador atendera parcamente as lições sobreditas, ao introduzir uma adaptação mais recente da lei, que foi a alteração do inciso II, do artigo 1.641 do CC/02, em que a Lei n. 12.344/2010, alterou a idade de 60 (sessenta) anos para 70 (setenta) anos, que segundo Diniz (2017, p. 213) foi ante a elevação da expectativa de vida do povo brasileiro.
Diante do sobredito, nota-se a relevância do tema que poderá contribuir sobremaneira para esse instituto do Direito Civil. Se for considerada a possibilidade de alterações no Código e formas de mudanças relativas a esse assunto de muita importância para a autonomia da vontade.
Há também, muita significância para os septuagenários. Desvincular-se desse entrave, possibilita o direito ao exercício à dignidade que estará disponível a todos os nubentes. Estando exercendo o direito de liberdade e dignidade, igualmente a todos os outros nubentes. Privar uma pessoa de algo, somente pelo fato da idade avançada, seria um preconceito e um desrespeito, o considerando incapaz.
Consigna aduzir que a pesquisa tem relevância para a sociedade, em específico para o grupo dos idosos com idade superior a 70 anos que desejam contrair matrimônio. Restando destacar, por conseguinte que a norma traz implicações e privações em suas relações conjugais.
O intento da pesquisa é demonstrar a inconstitucionalidade do instituto, pois fere princípios importantes, como à dignidade da pessoa humana, à liberdade e à igualdade. E quais as possíveis possibilidades de se resolver a situação.
2 REGIME DE BENS
Com a entrada em vigor do CC/02, houve a revogação dos regimes de bens históricos e passou a vigorar apenas algumas opções para aqueles que vão contrair as núpcias, sendo elas; regime da comunhão parcial de bens, regime da comunhão universal de bens, regime de separação (convencional ou obrigatória de bens) e a participação final nos aquestos.
O regime de comunhão parcial de bens começa a ser o regime legal de bens do casamento desde a Lei do Divórcio n. 6.515/77, escolhido também pelo CC/02, em destaque ao artigo 1.640, que traz o seguinte:
Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas (BRASIL, 2002).
Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2017) o regime de comunhão parcial é um dos mais importantes e mais escolhidos, seja pelo fato dos casais não quererem decidir sobre patrimônio ou por não terem patrimônio suficiente para qualquer tipo de possível preocupação futura com divisões.
Por isso acaba não constituindo pacto antenupcial[4] para escolha de regime especial. Tendo então a comunhão parcial tanto por vontade própria ou por se enquadrar em previsão expressa em lei, como supracitado, em casos de ausência de convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz.
Consigna pontuar que o sobredito regime é compreendido por Maluf C. e Maluf A. (2013) como aquele em que os bens dos cônjuges antes do casamento não se comunicam, ou seja, são os bens particulares adquiridos individualmente antes do casamento, e em caso de dissolução matrimonial não será objeto de partilha.
Nesse mesmo itinerário, vale ressaltar, que apenas os bens adquiridos de forma onerosa na vigência do casamento que iram comunicar-se, os demais não, como os recebidos gratuitamente por doação ou herança, os bens de uso pessoal e profissional, as pensões e outras rendas semelhantes, entre alguns outros especificados no CC/02.
O regime de comunhão universal de bens, sempre presente na história do casamento, era antes considerado como o regime legal, até a Lei do Divórcio n. 6.515/77, que passou a ser o regime legal o da comunhão parcial, como dito anteriormente.
A universalidade dos bens, quer dizer que os bens dos cônjuges vão todos se comunicar. Os anteriores, com os da constância do casamento, se unindo. Conforme traz o seguinte artigo do CC/02:
Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte (BRASIL, 2002).
Existe, porém, exceções de comunicações dos bens, no regime de comunhão universal, elencadas no artigo 1.668 do CC/02, entre elas os bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade; os bens gravados de fideicomisso[5]; as dívidas anteriores ao casamento, salvo se reverterem em proveito comum; os bens de uso pessoal e instrumentos de profissão; as pensões, entre outros explícitos na norma.
Nunca é demais ponderar que para Gagliano e Pamplona Filho (2017), essas exceções existem para se ter uma proteção maior em relação aos interesses da família. Porém, para se adequar ao dito regime é importante à convenção do pacto antenupcial no Cartório Notarial e seu respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Ao tratar sobre o regime de bens, destaca-se também sobre o regime de separação convencional de bens, compreende-se por um regime que também tem acompanhado o pacto antenupcial, e está previsto nos artigos 1.687 e 1.688 do CC/02.
Nesse mesmo diapasão, o regime de separação, os bens dos cônjuges não comunicam, nem os anteriores nem os posteriores ao casamento, mas as partes precisam manifestar seu interesse e também registrar o pacto junto ao Cartório de Registro de Imóveis. Essa formalidade é requisito primordial para possibilitar a geração dos efeitos desejados pelos nubentes.
Consigna ponderar que o regime da participação final nos aquestos, que veio após a extinção do regime dotal[6] já tratado alhures, sendo uma inovação no CC/02, previsto nos artigos 1.672 a 1.686 do CC/02.
O regime de participação final nos aquestos é compreendido por Maluf C. e Maluf A. (2013) como aquele em que os bens dos cônjuges, que possuíam antes do casamento e os que foram adquiridos após, permanecem próprio de cada um, de forma parecida com o que ocorre no regime de separação de bens.
Porém, no caso de dissolução do casamento, os bens adquiridos durante sua constância, a título oneroso, serão partilhados em comum, excluindo os demais e os adquiridos anterior ao casamento.
Apesar de ser um regime de certa forma misto, se as partes pactuarem pelo referido regime, será necessário também escritura de pacto antenupcial, feita pelos nubentes, e o indispensável registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis da jurisdição dos nubentes.
Todos os regimes de bens acima descritos são escolhidos pelos nubentes, ou conforme visto no artigo 1.640, do CC/02, nos casos em que não opção pela escolha a lei os classificará como pertencentes ao regime legal, ou seja, o de separação parcial de bens. (BRASIL, 2002).
Nunca é demais aduzir que, a lei prevê uma hipótese em que a escolha é vinculada ao desiderato da própria norma. Dentro dessa quadra de raciocínio, havendo enquadramento dessa situação previamente descrita na lei, não haverá, pois, escolha. E ademais, o regime ora abordado está previsto no artigo 1.641 do CC/02.
É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial (BRASIL, 2002, grifo nosso).
É como o próprio artigo trata o regime de separação obrigatória de bens ou regime de separação legal, que restringe a autonomia da vontade, não permite outra possibilidade de analogia aos nubentes.
Nesse regime, os bens anteriores e posteriores ao casamento não se comunicam. Sua diferença com o convencional está em relação à imposição da lei. Nesse diapasão, percebe-se que a lei trouxe a ideia de proteção patrimonial, para que terceiros com má-fé, não atinjam o patrimônio dos mais frágeis.
Tal imposição feita por lei, não é de total apoio, principalmente relacionado à limitação imposta aos septuagenários, que contraria os princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a liberdade, Chaves e Rosenvald (2009), obtemperam que:
Ora, promovendo a exegese da referida intervenção estatal na esfera de interesses privados, é fácil concluir que, a partir da valorização da pessoa humana e de suas garantias constitucionais, a regra legal se põe em rota direta de colisão com os princípios da igualdade substancial, da liberdade e da própria dignidade humana (CHAVES; ROSENVALD, 2009, p. 221).
É importante destacar que a seção subsequente irá tratar sobre os princípios constitucionais familiares, que é posto em conflito com a norma existente, ou seja, os princípios constitucionais.
3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A imposição feita pela lei aos septuagenários rechaça os princípios constitucionais e viola normas basilares do Direito de Família. Nesse sentido, percebe-se que os estudos devem levar em consideração princípios maiores inclusos nos fundamentos da República, tendo como referência o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Consigna nesse itinerário aduzir que Dias (2016, p. 47), em relação ao princípio alhures, entende ser esse o princípio maior, “o mais universal de todos”, um “macroprincípio”, de onde se propagam os demais princípios como: o da liberdade, o da autonomia privada, o da igualdade, o da solidariedade, e os demais princípios éticos.
É considerado por Gagliano e Pamplona Filho (2017), como um princípio que foi a maior conquista do Direito brasileiro nos últimos anos. Com presenças remotas na história é imposto claramente pela CRFB/88, como valor fundamental, servindo de base para o ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse itinerário, Dias (2016) assevera que o princípio da Dignidade da Pessoa Humana: “[…] não representa apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para sua ação positiva. O Estado […] tem […] o dever de abster-se de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, […]” (DIAS, 2016, p. 48).
A essência ou aplicação a esse princípio é difícil de captar, com tantas amplitudes, torna-se difícil conceituá-lo. Para Barroso, (2010) no plano abstrato, poucas ideias se equiparam a ela na capacidade de ganhar adesão unânime.
Com esse entendimento, Kappler (2016) entende necessária a investigação do tema, pois a Dignidade da Pessoa Humana está expressa na CRFB/88, e não pode ser utilizada de qualquer forma pelo intérprete. Sendo assim, devemos nos ater a importância deste princípio constitucional e como é aplicado.
Nesse percurso Gagliano e Pamplona Filho (2017), entendem que a Dignidade da Pessoa Humana: “[…] mais do que garantir a simples sobrevivência, esse princípio assegura o direito de se viver plenamente, sem quaisquer intervenções espúrias – estatais ou particulares […]” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 80).
Podendo não outro princípio se não a este explicar melhor a inconstitucionalidade da imposição aos maiores de 70 anos. Fere ao princípio por violar o direito de escolha, de liberdade, não existe respeito as suas vontades.
Nesse itinerário, outro princípio importante é o da igualdade, que representa um avanço muito importante para o direito. A ideia central sempre foi a igualdade entre todos os seres, na busca de concretizar esse princípio nas relações humanas, de forma justa e solidária e não apenas deixá-lo formalizado em um texto de lei. Sair do plano abstrato para uma aplicação direta e imediata.
Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2017), a beleza deste princípio é que tem uma característica conceitual indeterminada, permitido, portanto a sua aplicação em diversas setores de convivência humana. Deveria, então, ser clara sua aplicação diante as relações sociais.
A CRFB/88 prevê como seu fundamento do artigo 5°, caput, que “Todos são iguais perante a lei […]”, portanto, não existe distinção ou desigualdade perante as normas, não sendo então, plausível que uma norma civil, estabeleça diferenças entre idades, relativizando a capacidade dos maiores de 70 (setenta) anos. E malferindo ao princípio constitucional.
O CC/02 ao disciplinar a regra aos septuagenários, além de ferir a princípios constitucionais, colocaria privilégios a certas faixas etárias, além de tomar uma posição discriminatória em relação aos idosos na faixa etária sobredita. Compartilhando com o pensamento relacionado de outrora, Dias (2016), observa que:
O princípio da igualdade não vincula somente o legislador. O intérprete também tem de observar suas regras. Assim como a lei não pode conter normas que arbitrariamente estabeleçam privilégios, o juiz não deve aplicar a lei de modo a gerar desigualdades. Em nome do princípio da igualdade, é necessário assegurar direitos a quem a lei ignora. Preconceitos e posturas discriminatórias, que tornam silenciosos os legisladores, não podem levar o juiz a se calar (DIAS, 2016, p. 51, grifo nosso).
Nesse itinerário, entende-se que cabe tanto ao legislador como ao aplicador da norma, agir com proteção ao princípio da igualdade. Portanto, aos septuagenários cabe o direito de requerer a proteção contra a desigualdade a eles atribuída.
Exigir que seja amplamente aplicado o princípio da igualdade, em suas relações pessoais, principalmente ao contrair matrimônio. Nunca é demais destacar que o respeito ao susodito princípio representa uma proteção ao princípio da liberdade.
É conceituado, o princípio da liberdade, por Sarmento (2005), como um princípio fundamental, que é de suma importância para garantir a proteção da dignidade da pessoa humana. É onde o indivíduo atua sem interferência do Estado nas relações pessoais, agi por si mesmo, com autonomia e independência.
Portanto, para conseguir alcançar o princípio da liberdade é importante que se tenha a igualdade, para que os dois princípios possam estar juntos nas relações, pois, a autonomia e a independência dependem da igualdade. Não é, então, um princípio isolado.
Baseado na ideia de que o indivíduo é livre nas relações pessoais, não poderia o Estado interferir na escolha do regime de bens do casal. Considerando o exposto, Dias (2016), declara que: “Exatamente, por afrontar ao princípio da liberdade, é inconstitucional a imposição coacta do regime de separação de bens aos maiores de 70 anos (CC 1.641 II), (DIAS, 2016, p. 50, grifo do autor) ”.
Não se deve relativizar a violação de princípios, pois, eles possuem força, e não são inferiores as normas, devendo, portanto, serem respeitados, Barroso (2001) complementa a respeito disso: “ […] as normas constitucionais em particular, enquadram-se em duas grandes categorias diversas: os princípios e as regras. As regras contêm relato mais objetivo. Já os princípios têm maior teor de abstração. Inexiste hierarquia entre ambas […] (BARROSO, 2001, p. 31). ”
Nesse ensejo, entende-se necessária uma análise sobre a imposição aos septuagenários, buscando possíveis soluções ao tema, para garantir a proteção aos princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Igualdade e da Liberdade.
Não apenas como proteção aos princípios, mas também para acabar com a discriminação aos maiores de 70 (setenta) anos. Portanto, é importante entender como a norma do artigo 1.641 do CC/02 é imposta, por isso, será feito o estudo do artigo na próxima seção.
4 A IMPOSIÇÃO DE REGIME DE BENS AOS SEPTUAGENÁRIOS
Para melhor compreensão sobre o tema, é necessário analisar o disposto na norma, que está presente no CC/02, no artigo 1.641, no inciso II, por isso novamente cita-se o referido artigo:
É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial (BRASIL, 2002, grifo nosso).
Como se pode observar, o artigo alhures apresenta o regime de separação obrigatória de bens, em um rol de três hipóteses, impondo de modo “genérico” aos demais, e sendo específico aos idosos acima de 70 (setenta) anos.
Em relação ao inciso II, tal intervenção Estatal é justificada pela proteção patrimonial, que conforme Diniz (2017, p. 213), diz: “Se se impõe, por lei, o regime de separação para evitar que o casamento se dê por interesse econômico ”.
O Estado brasileiro entende que por atingir certa faixa etária, a pessoa começa a ser emocionalmente mais frágil, alvo de fácil persuasão, ou de manobras para golpes, no entanto, há inexistência de qualquer tipo de legislação que relativize a capacidade do idoso.
Deve-se compreender que a idade por si só não torna ninguém incapaz, e que conforme Gagliano e Pamplona Filho (2017) se existe algum receio do idoso ser vítima de golpe, por vulnerabilidade explicada por uma enfermidade ou deficiência mental, que se instaure procedimento de interdição e não uma restrição de direitos por conta da sua idade.
Nunca é demais asseverar que o fato de que nem todos os idosos possuem um patrimônio vasto, que cause necessária preocupação. Não se pode afirmar também que os casamentos somente irão ocorrer com uma pessoa mais jovem.
A redação original do inciso II, do artigo 1.641 CC/02, trazia uma idade inferior, constava: “II- da pessoa maior de 60 (sessenta) anos”, diferente da redação apresentada hoje. Alterado pela Lei n. 12.344/10, para a idade de 70 (setenta) anos, que continua vigente, aplicando a imposição aos septuagenários desde dezembro de 2010.
A alteração ocorreu levando-se em conta a elevação da expectativa de vida dos brasileiros. Porém ascender a idade não muda em nada o fato de atingir princípios constitucionais basilares, principalmente o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Nesse sentido, percebe-se que a pessoa com idade de 60 (sessenta) ou 70 (setenta) anos, tem possibilitado de exercer diversas atividades, ou profissões, inclusive políticas, Gagliano e Pamplona Filho (2017), compartilham de mesma ideia:
Aliás, com 60 anos (como era o limite original do dispositivo), 70 anos (na atual redação) ou mais idade ainda, a pessoa pode presidir a República. Pode integrar a Câmara de Deputados. O Senado Federal. Poderia, ainda, no limite etário original de 60 anos, compor a mais alta Corte brasileira, na condição de Ministro! E não poderia escolher livremente o seu regime de bens? Não podemos tentar encontrar razão onde ela simplesmente não existe (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 327).
Percebe-se, portanto, que a limitação apenas na relação matrimonial, não é conveniente, sendo a imposição aos septuagenários estabelecida de forma inconstitucional, discriminatória ao idoso. A norma imposta deveria ser flexível em certas situações.
Ferir princípios constitucionais, afrontar o Estatuto do Idoso, e tratar o septuagenário com incapacidade, deveria ser primordial a busca por flexibilizações ou a revogação do inciso II, do artigo 1.641 do CC/02, diante disso Tartuce (2016), cita:
Dois projetos de leis que propõem a revogação do comando merecem destaque. O primeiro, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, é o Estatuto das Famílias, proposto pelo IBDFAM[7]. O segundo, no Senado Federal, o PL 209/2006, de autoria do Senador José Maranhão, está amparado no parecer da Professora Silmara Juny Chinellato, Titular da USP. Mesmo de lege ferenda, entendemos que a norma deve ser considerada como ineficaz no momento, o que inclui a alteração legislativa que, repise-se, não resolve o problema do preconceito contra o idoso (TARTUCE, 2016, p. 1.257).
A revogação da norma não parece ser a solução de último caso, já que a ideia é compartilhada, já foi até mesmo tentada como supracitado. E como norma, diante do estudo, entendida como inconstitucional, parece ser a melhor solução. Portanto, chega-se à conclusão final, da análise da imposição do regime de bens aos septuagenários.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nunca é demais destacar que o regime de separação obrigatória de bens, diverge dos outros regimes, tanto por sua característica de “imposição”, como ao rol a quem é aplicado, e a inclusão de pacto antenupcial.
Durante o estudo, foi abordado a respeito dos regimes de bens, que são disponíveis à escolha daqueles que iram contrair matrimonio, e o regime obrigatório, que é imposto. Também se demonstrou os princípios constitucionais, principalmente o da Dignidade da Pessoa Humana, que com a imposição é desagravado.
Entende-se, portanto, que a determinação de regime de bens aos septuagenários, pode sim ser declarada inconstitucional, pelo fato de ferir os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade. Contrariando os preceitos constitucionais.
Além de se afetar o ordenamento jurídico, a norma inconstitucional fere também a sentimentos humanos e cria discriminações, estendendo a incapacidade a pessoas ativas e com pleno discernimento. Com isso, buscam-se soluções à aplicação da norma, desde sua flexibilização a sua revogação.
A norma poderia ser flexibilizada com a possibilidade de comprovação em relação de bens patrimoniais volumosos, de não existência de herdeiros, de longo tempo afetivo, de desejo expresso de se somar riquezas. Buscando formas de entender ou de ajudar a minoria que se sente excluída.
No entanto, não existindo possibilidade de flexibilização, ou apesar de flexível continuar sendo aplicada de forma discriminatória, ou declarada a inconstitucionalidade, a opção correta seria a revogação total do inciso II, do artigo 1.641, CC/02. Que inclusive já foi objeto de proposta.
O objetivo do presente estudo era analisar a imposição do regime de separação obrigatória de bens aos septuagenários e sua inconstitucionalidade. Analisar, atentando a violação dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade e principalmente sobre a dignidade da pessoa humana.
A análise feita sobre a inquietação da pesquisa, compreende que uma norma de cunho civil não deveria ser capaz de contrariar os princípios tão importantes. Nem permitir tanta interferência do Estado nas relações pessoais.
Nesse sentido, percebeu-se que o Estado deve abster-se de práticas atentatórias à Dignidade da Pessoa Humana. Com isso buscou-se uma reflexão para a declaração de inconstitucionalidade e a revogação de tal norma do ordenamento jurídico brasileiro.
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TARTUCE, F. Manual de Direito Civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016.
[1] Egressa do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE. E mail: bellangboc@hotmail.com
[2] Professor do Centro de Pesquisa Funorte. Estudante regular do programa de curso para doutorado em direito constitucional da Facultad de Derecho de la Universidad de Buenos Aires – UBA (2019). Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino – UMSA. E mail: edmilson.rodrigues@funorte.edu.br.
[3] A mancomunhão – propriedade a duas mãos – gera o condomínio de todos os bens, de forma igualitária, não importando a origem do patrimônio e a época da sua aquisição (DIAS, 2011, p.218).
[4] Pacto Antenupcial é um contrato matrimonial, estabelecido pelo CC/02, através de Escritura Pública, durante o processo de habilitação do casamento, em que os nubentes podem, livremente, estipularem o que quiserem sobre o regime de bens, com eficácia a partir do casamento. A ausência do pacto antenupcial implica na incidência do regime da comunhão parcial de bens (DIAS,2011, p.233).
[5] O fideicomisso é uma forma de substituição testamentária em que um primeiro herdeiro (fiduciário) pode ser substituído por outro (fideicomissário). Quando o bem estiver com o fiduciário (1º herdeiro) haverá incomunicabilidade, pois, a sua propriedade é resolúvel, protegendo-se o direito do fideicomissário (2º herdeiro), (TARTUCE, 2016, p. 1271).
[6] O regime dotal era aquele, onde os bens da esposa, eram entregues ao marido, que os administrava totalmente, e colocavam seus rendimentos para responsabilidades, encargos do lar, como dotes (DIAS, 2011, p. 218).
[7] Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/. Acesso em: 17 maio 2019.