RESUMO: Um dos problemas atuais relacionados ao meio ambiente diz respeito à
correta destinação dos produtos inaproveitáveis e resíduos sólidos decorrentes
do processo de produção industrial. Nesse sentido, a nova polícia nacional de
resíduos sólidos, decorrente da recene Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010,
previu diversos mecanismos tendentes a minimizar os impactos negativos
provocada pelos consumidores e fabricantes, em virtude do exaurimento da
utilização dos produtos adquiridos. O presente trabalho, desse modo, investiga
a amplitude das medidas instituídas pela nova lei, especialmente no que diz
respeito à responsabilidade dos fabricantes em relação á reciclagem dos
produtos colocados no mercado e descartados pelos consumidores.
PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente. Responsabilidade.
Fabricante. Resíduos sólidos. Poluidor pagador.
ABSTRACT:
One of the current problems related to the environment concerns the proper
disposal of unprofitable products and solid waste resulting from industrial
production process. In this sense, the new national police solid waste
resulting from the indi Law No. 12305 of August 2, 2010, provides several
mechanisms to minimize the negative impacts caused by consumers and
manufacturers, due to the depletion of the use of products purchased. This
paper, thus, investigates the extent of the measures imposed by the new law,
especially as regards the liability of manufacturers for recycling of products
on the market and discarded by consumers.
KEYWORDS:
Environment. Responsability. Manufacturer. Solid waste. Polluter-pays.
Sumário: 1. Introdução. 2. A nova política
nacional de resíduos sólidos e a logística reversa. 3. Conclusões. 4. Referências
1. INTRODUÇÃO
O
direito a um meio ambiente saudável, diante de sua qualidade de direito
fundamental, conforme ensinam ANTUNES (1998, p. 19) e GAVIÃO FILHO (2005, p.
47), é alvo de interesse no que diz respeito à adoção de medidas tendentes a
compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental, nos
termos do disposto no art. 170, inciso VI, da Constituição da República de
1988, dentro da noção de desenvolvimento sustentável.
Algumas
medidas tendentes a minimizar os impactos negativos decorrentes da
imprestabilidade natural de produtos colocados no mercado consumidor foram
implementadas. Exemplo dessa preocupação foi a edição do Decreto nº 5.940, de
26 de outubro de 2006, que instituiu, nos órgãos e entidades da administração
pública federal direta e indireta, a coleta seletiva solidária, com integração
social de cooperativas e associações dos catadores de materiais recicláveis.
No
plano prático, contudo, o referido Decreto não conseguiu impedir alguns
problemas, notadamente no que toca à complexidade de reciclagem de materiais
colocados à disposição do mercado. Assim, pilhas, baterias de celular e
lâmpadas, por exemplo, são produtos que exigem um cuidado especial na
reciclagem.
Apenas
para se ter uma ideia do panorama, de acordo com PINTO (2008). com base em
dados fornecidos pela Associação Brasileira de Importadores de Produtos de
Iluminação – ABILUMI (2008), existiam, no Brasil, em 2008, apenas 10 (dez)
empresas que ofereciam serviço de reciclagem de lâmpadas.
No
caso de lâmpadas fluorescentes, há, no interior dos seus bulbos, vários gases
tóxicos, como o vapor de mercúrio. O mercúrio tem potencial para produzir
graves doenças como transtornos mentais, encefalopatia tóxica crônica,
transtornos da personalidade e neurastenia, apenas para citar alguns exemplo,
indicados pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 1339/GSM, de 18 de novembro de
1999). O processo de reciclagem, desse modo, não é realizado pelas associações
de catadores de materiais reciclados, tendo em vista a dificuldade técnica
relacionada ao tema.
Essa
situação será certamente minimizada com a instituição da Política Nacional dos
Resíduos Sólidos (PNRS), com a promulgação da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de
2010, diante da atribuição de responsabilidade pela reciclagem aos fabricantes
dos correspondentes produtos lançados no mercado, instituindo, legalmente, a
inclusão dos trabalhadores catadores de materiais recicláveis (art. 33, §3º,
III).
2. A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS E A
LOGÍSTICA REVERSA
De
acordo com a doutrina, o princípio do poluidor pagador implica na
responsabilidade dos fabricantes diante de externalidades negativas que podem
ser geradas durante do processo de produção. Segundo DIAS (2009, p. 207) as
externalidades podem ser positivas, também chamada de economia externa, ou
negativa, conhecida por deseconomia externa.
Não
se trata, evidentemente, de permitir a poluição mediante singelo pagamento. De
acordo com FIORILLO (2009, p. 37), a noção do princípio do poluidor pagador
apresenta duas vertentes: a) um caráter preventivo, pela procura na evitação do
dano ambiental; e b) reparação do dano provocado.
Nesse
sentido, mostra-se razoável pensar que aquele que coloca em risco o meio
ambiente durante o processo de produção por ele adotado deve se responsabilizar
pelos custos decorrentes da necessária proteção, revelando-se, nessa ótica, sua
dimensão preventiva.
Sendo
assim, mostrou-se extremamente salutar a medida preconizada no art. 30 da
citada Lei nº 12.305/2010, que institui responsabilidade compartilhada de
fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes pelos produtos
colocados no mercado:
“Art. 30. É instituída a responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a ser implementada de forma
individualizada e encadeada, abrangendo os fabricantes, importadores,
distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos serviços
públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, consoante as
atribuições e procedimentos previstos nesta Seção.”
Vê-se,
portanto, que aquele que coloca produtos no mercado (fabricante, importador,
distribuidor e comerciante) deve ter responsabilidade solidária pela
recuperação desses produtos após o descarte pelo consumidor, promovendo a sua
correta destinação, dentro de um contexto de lógica reversa, como previu o art.
33 da citada Lei:
“Art. 33. São obrigados a estruturar e
implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o
uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana
e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores
e comerciantes de:”
A
referida lógica abrange agrotóxicos (inciso I), pilhas e baterias (inciso II),
pneus (inciso III), óleos lubrificantes (inciso IV), lâmpadas fluorescentes, de
vapor de sódio e mercúrio e de luz mista (inciso V) e produtos
eletroeletrônicos e seus componentes (inciso VI).
A
logística reversa é uma técnica que prioriza a utilização de rejeitos para
reintroduzi-los no ciclo de vida produtiva (inciso XII do art. 3º da Lei nº
12.305/10). Nesse sentido, apresenta-se interessante economicamente ao próprio
fabricante, uma vez que pode reaproveitar componentes e materiais que seriam
perdidos com o fim da vida útil dos produtos colocados no mercado.
A
ideia básica reside no fato de que o fabricante (ou importador/comerciante e
produtor) detém mais conhecimento técnico para promover, adequadamente, o
recolhimento e tratamento dos produtos inservíveis.
Referida
técnica, contudo, não é nova. No âmbito do mercado automobilístico atende pelo
nome de recall, sendo nessa hipótese, determinada pela responsabilidade por
eventual produção de dano e pelas vantagens competitivas daí decorrentes,
dentro de um contexto de pós-venda aos consumidores.
A
inovação real se deu no campo da preservação ambiental. A aplaudida preocupação
do legislador, portanto, iluminou a determinação atribuída aos fabricantes dos
produtos introduzidos no mercado de realização de medidas para recuperá-los a
fim de promover a devida destinação ambiental, evitando-se o perigo potencial
de acúmulo na natureza. No caso dos incisos V e VI do referido art. 33 da Lei
nº 12.305/2010, contudo, deverá ser adotada uma implementação progressiva,
estabelecida em regulamento, nos termos do art. 56 (ainda não editado).
É
preciso cuidado, contudo, para que os locais de retorno desses produtos, em
especial para as lâmpadas que contém mercúrio na sua composição, possuam a
adequada proteção, sob pena de transferir o problema da inalação dos vapores de
mercúrio para outros locais, não resolvendo o problema.
O
assunto já foi alvo de preocupação da Secretaria de Vigilância da Saúde do
Ministério da Saúde, conforme Parecer Técnico nº 83/DSAST/SVS/MS/2010, como
restou ali apurado:
“Não há dados e informações sobre a
paulatina liberação de gases de mercúrio a partir de lâmpadas usadas e
inservíveis inteiras, mas com o vácuo rompido, sendo possível que o
armazenamento dessas lâmpadas em ambiente não arejado possa elevar a
concentração de gases contendo mercúrio na atmosfera e consequentemente
representar risco adicional de exposição dos trabalhadores ao mercúrio.”
Registre-se
que as medidas impostas pela Lei nº 12.305/2010 ajustam-se perfeitamente ao
objetivo específico previsto no art. 4º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de
1981, no que se refere à “compatibilização do desenvolvimento econômico
social com a preservação do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”.
No
caso de não observância das disposições protetivas contidas na citada Lei nº
12.305/2010, foi prevista responsabilidade nos campos civil e criminal.
No
âmbito civil, prescreveu-se a responsabilização objetiva (art. 51 da Lei nº
12.305/10). Na seara penal, destaca-se que foi incluído o inciso I ao §1º do
art. 56 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que prevê a caracterização
de crime, punido com pena de reclusão de 1 a 4 anos, e multa para quem
“abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em
desacordo com as normas ambientais ou de segurança” ou “manipula,
acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação
final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou
regulamento”.
No
caso de a prática decorrer de medida adotada ou omitida por pessoa jurídica,
não cabe a aplicação da pena restritiva de liberdade, porém se mostra
plenamente aplicável a pena de multa, além das sanções administrativas
correspondentes, previstas no art. 8º da Lei nº 9.605/98:
“Art. 8º As penas restritivas de direito são:
I – prestação de serviços à comunidade;
II – interdição temporária de direitos;
III – suspensão parcial ou total de atividades;
IV – prestação pecuniária;
V – recolhimento domiciliar.”
É
preciso, contudo, que se atente para a possibilidade de referidas medidas se
revelarem inócuas. Seria o caso, por exemplo, de pessoa jurídica que, após ser
sancionada, se restabelece no mercado com outro nome e razão social,
apresentando-se livre para renovar a prática nociva ao meio ambiente, com a
mesma composição societária. O sancionamento, nessa hipótese, deveria envolver,
também, os componentes do quadro societário.
A
nova política, por outro lado, contribui para a diminuição dos lixões que
proliferam nas grandes cidades, favorecendo, locais que são, no mais das vezes,
propícios para a disseminação de doenças, além de ser foco de ambiente perigoso
para o trabalho infantil.
A
Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
(2000) identificou a grave realidade experimentada nesses locais:
“Um dos aspectos sociais mais degradantes
nos serviços de limpeza urbana é a catação de recicláveis nos aterros e lixões,
onde pessoas de todas as idades, misturadas ao lixo, entre animais e máquinas,
e em condições de insalubridade e risco, lutam pela sobrevivência.”
Naquela
época, apenas oito milhões de moradores, do total de cento e sessenta e nove
milhões e quinhentos mil moradores, em oito por cento dos Municípios
brasileiros, participavam de programas de reciclagem (IBGE, 2000. p. 61).
A
realidade com a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos, sem sombra de
dúvida, contribui para a melhoria desse número, sempre com o objetivo de
possibilitar o desenvolvimento econômico em harmonia com a preservação
ambiental.
Sem
dúvida alguma, a Política Nacional de Resíduos Sólidos revela-se um marco no
direito ambiental brasileiro e servirá de estímulo e inspiração para outros
países.
3. CONCLUSÕES
A
Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei nº 12.305/2010,
representa um marco da preservação ambiental, na medida em que disciplina a
destinação de produtos descartados pelos consumidores, atribuindo o seu retorno
aos respectivos fabricantes, dentro da denominada lógica reversa.
A
disciplina constante da PNRS prevê, de forma inteligente, a atribuição aos
fabricantes de responsabilidade pelo retorno de produtos descartados pelos
consumidores.
A
norma prevê sanções de natureza criminal, ao se alterar a redação do inciso I
do §1º do art. 56 da Lei nº 9.605/98, com fixação de pena de restrição de
liberdade (de 1 a 4 anos) e multa. A dúvida que se levanta diz respeito á
aplicação da sanção a pessoas jurídicas, não suficientemente esclarecida no
texto legal.
A
inovação legislativa é merecedora de aplausos, na medida em que promove uma
verdadeira mudança no paradigma da responsabilidade pelos danos, em potencial,
provocados por produtos descartados pelos consumidores.
4. REFERÊNCIAS
1. BRASIL. Decreto nº 5.940, de 26 de outubro de 2006. Institui a separação dos
resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades da administração
pública federal direta e indireta, na fonte geradora, e a sua destinação às
associações e cooperativas dos catadores de materiais recicláveis, e dá outras
providências.
2. ______. Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saneamento Básico. 2000. Disponível
em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pnsb/pnsb.pdf.
Acesso em 14.10.2010.
3. ______. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de
1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos
de formulação e aplicação, e dá outras providências
4. ______. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as
sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao
meio ambiente, e dá outras providências
5. ______. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de
2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei nº 9.605,
de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências.
6. ______. Ministério da Saúde. Parecer Técnico
nº 83/2010/DSAST/SVS/MS/2010. Disponível em:
http://www.mma.gov.br/port/conama/processos/0E732C8D/ParTec_83.pdf.
Acesso em 14.10.2010.
7. ______. Ministério da Saúde. Portaria nº
1339/GSM, de 18 de novembro de 1999. Diário Oficial da União, edição de
19.11.1999, seção I, página 21.
8. ANTUNES. Paulo de Bessa. Direito Ambiental.
2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.
9. DIAS, Gilka da Mata. Cidade Sustentável.
Natal: Ed. do Autor, 2009.
10. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de
Direito Ambiental Brasileiro. 10ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2009.
11. GAVIÃO FILHO. Anízio Pires. Direito
Fundamental ao Ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
12. PINTO, Mônica. Reciclagem de lâmpadas
fluorescentes esbarra na legislação
sobre transporte do produto. Junho/2008.
Disponível em:
http://www.abilumi.org.br/abilumi/index.php?option=com_content&task=view&id=
6576&Itemid=34. Acesso em 14.10.2010.
Adrian Soares Amorim de Freitas – Servidor
público. Pós graduado em Ministério Público, Direito e Cidadania. Pós Graduado
em Direito e Processo Eleitoral