A cobrança pelo uso de faixas de domínio de rodovias para passagem de linhas de transmissão pelas empresas transmissoras e distribuidoras de energia elétrica continua a gerar disputas judiciais, em que pese a maciça jurisprudência e doutrina serem contrárias à essa prática. Para se entender porque isso acontece é importante observar que os serviços de transmissão e distribuição de energia elétrica se dão através de concessões, permissões ou autorizações, cujos objetos são exatamente a interligação das unidades geradoras de energia ao Sistema Integrado Nacional (SIN), por meio de linha de transmissão, até determinada subestação, e posterior distribuição ao consumidor.
Sendo assim, para cumprimento dos contratos de concessão, permissão ou autorização, as empresas transmissoras e distribuidoras precisam construir e instalar suas linhas de transmissão de acordo com o traçado estipulado no projeto aprovado pelo Poder Concedente. Quando a passagem das linhas de transmissão se dá em bens de particulares, instituem-se servidões, através de declarações de utilidade pública, e as transmissoras e distribuidoras, seguindo o disposto na Constituição Federal e no Decreto-Lei n° 3.365/41 (Lei de Desapropriação), indenizam o proprietário/posseiro.
A clareza da regra e sua aplicação junto ao ente privado, não é a mesma quando a passagem da linha de transmissão se dá em bens públicos que são administrados por outras concessionárias, permissionárias ou autorizatárias. Para regular a passagem de linha de transmissão por esses bens, comumente é assinado um Termo de Permissão de Uso, tendo como objeto a permissão de uso e utilização de determinadas faixas de domínio. Em contrapartida a essa permissão de uso, as concessionárias, permissionárias ou autorizatárias das faixas de domínio incluem em seus Termos de Permissão de Uso um valor a ser pago pelas transmissoras e distribuidoras de energia.
Note-se que estamos falando de dois serviços que têm como função primordial o interesse e utilidades públicas, sendo certo que a Constituição Federal ao determinar que os serviços de energia elétrica são de competência da União, elevou-os a serviços de interesse nacional, tendo, estes, prioridade sobre os interesses locais.
E isso é muito importante porque esta cobrança pelo uso das faixas de domínio poderia inviabilizar a instalação das linhas de transmissão, tendo em vista que geraria um aumento significativo nos custos. E, necessário frisar, o interesse da coletividade e a função social sempre devem prevalecer sobre eventual auferição de lucro.
Tanto é assim que o Decreto nº 24.643/1934 (Código de Águas), em seu artigo 151, prevê que as concessionárias, permissionárias ou autorizatárias do setor elétrico, terão o direito de constituir servidões administrativas, inclusive sobre bens públicos. Esse artigo foi posteriormente regulamentado pelo Decreto nº. 84.398/1980, que dispõe exatamente sobre a ocupação de faixas de domínio de rodovias e de terrenos de domínio público e a travessia de hidrovias, rodovias e ferrovias, por linhas de transmissão e distribuição. Neste decreto fica expresso que as autorizações para ocupação serão dadas por prazo indeterminado e sem ônus.
Nesse sentido, frente a milhares de processos, os Tribunais Superiores reconheceram que as empresas transmissoras e distribuidoras de energia estão autorizadas a ocupar as faixas de domínio de rodovias sem ônus. A cobrança feita pelas concessionárias, permissionárias ou autorizatárias de uso de faixa de domínio das rodovias não encontra respaldo legal, sendo, portanto, nula cláusula incluída nos Termos de Permissão de Uso. Mas, nem a doutrina, nem a jurisprudência, têm sido capazes de frear a judicialização do tema.
Por Olivia Freitas, especialista em energia do Franco Advogados