Direito Administrativo

A aquisição de bens móveis e imóveis por entidades do terceiro setor no âmbito das parcerias voluntárias

Gustavo Henrique Carvalho Schiefler[1]

Helena Leticia Ayala[2]

 

 A celebração de parcerias voluntárias entre entidades do terceiro setor e a Administração Pública brasileira é uma realidade contemporânea. É possível afirmar que a Administração Pública adotou o repasse de recursos às entidades sem fins lucrativos como um modelo de fomentar a participação e receber a colaboração das Organizações da Sociedade Civil.

 

Em sua grande maioria, essas parcerias voluntárias envolvem o repasse de recursos públicos às entidades sem fins lucrativos, com o propósito de que sejam empregados na execução do objeto pactuado, que podem ou não envolver aquisições de bens móveis e imóveis.

 

A finalidade deste artigo é a apresentação das possibilidades de aquisição de bens com recursos recebidos no âmbito dessas parcerias. Essa problemática se apresentada em virtude de que, na prática, diversos Municípios apresentam ao parceiro privado a necessidade de que tais bens sejam revertidos ao patrimônio público ou que já sejam adquiridos na qualidade de bens públicos.

 

 

Registre-se ainda que algumas vezes a orientação proveniente do ente público à entidade do terceiro setor é no sentido de que haja a locação dos bens, em vez da aquisição. É o tema sobre o qual se passa a expor.

 

I. A POSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO DE BENS MEDIANTE A PREVISÃO NO PROGRAMA DE TRABALHO VINCULADO AO TERMO DE PARCERIA

As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) são disciplinadas pela Lei Federal nº 9.790/1999, que dispõe sobre a qualificação dessas entidades e disciplina o Termo de Parceria. Este instrumento formaliza o vínculo entre a Administração Pública e a OSCIP, com o objetivo de promover o fomento e a execução de atividades de interesse público em regime de cooperação entre o ente público e a entidade do terceiro setor.

 

A análise do parágrafo 2º do artigo 10 da Lei Federal n º 9.790/1999 é essencial para a correta compreensão do regime jurídico que envolve essas parcerias. Interessa neste momento destacar o inciso I deste dispositivo, segundo o qual “a especificação do programa de trabalho proposta pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público” é uma cláusula essencial do Termo de Parceria, assim como o inciso IV, que exige a “previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu cumprimento, estipulando item por item as categorias contábeis usadas pela organização e o detalhamento das remunerações e benefícios de pessoal a serem pagos, com recursos oriundos ou vinculados ao Termo de Parceria, a seus diretores, empregados e consultores.”

 

O programa de trabalho mencionado no dispositivo acima nada mais é do que o projeto detalhado que a OSCIP apresenta por ocasião do chamamento público e, por meio dele, se compromete a executar o seu conteúdo. Este programa de trabalho, muitas vezes denominado simplesmente por “plano de trabalho”, deve conter o objeto da proposta, as metas a serem alcançadas, os indicadores de avaliação de desempenho, o cronograma de execução e de desembolso, a previsão de receitas e despesas, além de outras informações pertinentes, como a justificativa técnica do projeto e a metodologia de trabalho. O programa de trabalho é parte integrante do Termo de Parceria e deve necessariamente expressar os quesitos determinados pela Lei Federal nº 9.790/1999.

 

Perceba-se que um dos componentes do programa de trabalho é justamente a previsão de receitas e despesas para a execução da parceria. Diante dessa exigência obrigatória, uma primeira conclusão reside na imprescindibilidade de que toda despesa necessária à execução do Termo de Parceria conste do plano de trabalho.

 

Em outras palavras, a OSCIP está vinculada ao teor do seu programa de trabalho, o que significa que somente poderá realizar as despesas que lá estão previstas. A aprovação do programa de trabalho pelo ente público representa o aval necessário para que a entidade utilize os recursos recebidos no âmbito da parceria para aqueles fins. Assim sendo, a aquisição de bens no âmbito dos termos de parceria somente poderá ocorrer quando houver previsão no programa de trabalho apresentado pela OSCIP.

 

 

Em relação à previsão de aquisição de bens, destaque-se o posicionamento de Ana Carolina Henrique Siqueira Lara, no sentido de que a previsão da aquisição desses bens permite a correta composição dos valores a serem repassados e é parte estrutural da parceria proposta pela OSCIP. Leia-se:

 

Neste momento, quando do ajuste de receitas e despesas que serão detalhadas por categorias contábeis, a aquisição de bens será prevista, juntamente com sua despesa correspondente. Esta previsão comporá o valor final que será repassado. É como se a aquisição dos bens previstos fosse uma das atividades necessárias à boa execução do projeto acordado na parceria. Tais atividades são tidas como “ações estruturantes” essenciais à entidade, para melhor execução do objeto.[3] (grifou-se)

 

Registre-se, ainda, que existe uma margem de discricionariedade na elaboração do programa de trabalho por parte da OSCIP, que pode e deve detalhar as suas despesas previstas para a execução do termo de parceria, inclusive com a eventual indicação detalhada dos bens que serão adquiridos com os custos indiretos.

 

Este esclarecimento é importante porque muitas vezes o edital de chamamento público é acompanhado de modelos de planilhas para a indicação das futuras despesas do termo de parceria. Esta planilha, contudo, via de regra, deve ser utilizada somente para a etapa de comparação das propostas, em que os valores ofertados por cada entidade são confrontados. Ou seja, isto não significa que a entidade deva se restringir a apresentar esta planilha, pois, em verdade, no seu programa de trabalho, mais completo, é que deverá constar todo o detalhamento dessas despesas.

 

Assim, por exemplo, enquanto a planilha de preços a ser apresentada por ocasião da proposta de preços exige somente o preenchimento do valor previsto para cobrir os “custos indiretos”, o programa de trabalho apresentará uma decomposição desses custos indiretos o mais pormenorizada possível, contendo os valores previstos para custeamento de bens móveis (ar-condicionado, mobiliário, equipamentos de informática, financiamento de veículos), serviços de terceiros (contabilidade, assessoria jurídica, limpeza), dentre outros.

 

Caso o programa de trabalho não contenha o detalhamento dos bens e serviços que serão custeados com os recursos provenientes do termo de parceria, a legalidade desta aquisição resta comprometida.

 

Diante disso, tem-se que a aquisição de bens com recursos do Termo de Parceria deve constar do programa de trabalho apresentado pela OSCIP, sendo certo que para a hipótese de não haver essa previsão inicial, é possível que seja estabelecida por meio de Termo Aditivo ao ajuste original.

 

Em relação à locação de bens, não há dúvidas de que esta possibilidade pode ser aventada no programa de trabalho. Em verdade, haverá de ser realizada uma análise do custo/benefício entre a aquisição ou a locação de bens, considerando-se, inclusive, a destinação final do bem em caso de aquisição. Em regra, como é a OSCIP quem elabora o programa de trabalho, a sugestão entre locação ou aquisição ficará sob sua responsabilidade. Contudo, como a Administração Pública é responsável pela aprovação deste documento, nada impede sejam realizados os devidos ajustes – como, por exemplo, a substituição de uma previsão de aquisição de bem móvel por locação deste mesmo bem – para que a parceria efetivamente atinja os seus objetivos.

 

II. A DESTINAÇÃO FINAL DOS BENS ADQUIRIDOS COM RECURSOS PROVENIENTES DO TERMO DE PARCERIA

Como visto, é perfeitamente possível que durante a execução do termo de parceria sejam adquiridos bens e serviços necessários ao cumprimento da finalidade da parceria estabelecida.

 

A dúvida que persiste diz respeito à destinação final dos bens adquiridos por meio de recursos repassados no âmbito do Termo de Parceria: os bens devem ser revertidos ao ente público ou permanecer como patrimônio da OSCIP?

 

A respeito da identificação sobre qual o regime jurídico dos bens adquiridos durante a execução da parceria, destaque-se a doutrina de Floriano de Azevedo Marques Neto ao tratar dos bens das Organizações Sociais, cujo conteúdo é aplicável também às OSCIPs.

 

 

Segundo o autor, o regime jurídico dos bens adquiridos durante a execução da parceria é de direito privado, pois se incorporam ao patrimônio da entidade, transformando-os, consequentemente, em bens de natureza privada. Leia-se:

Um pouco mais complicado é o regime dos bens adquiridos pela OS direta e especificamente para aplicação nas atividades de interesse geral que lhe foram transferidas pelo Contrato de Gestão. Estes bens, pelo critério subjetivo, incorporar-se-iam ao patrimônio da OS e, portanto, integrariam o domínio de ente privado, sendo bens privados. O regime da Lei nº 9.637/98 não parece indicar que seja possível considerar esses bens também como públicos, mesmo pelo critério funcional. Primeiro, porque a referida norma faz referência ao instituto da reversão estritamente para os bens originalmente públicos que sejam objeto da permissão de uso (artigo 16, § 2º). É bem verdade que a lei prevê (artigo 10) a hipótese de bloqueio de todos os bens da OS e que após o “término da ação” os bens sequestrados permaneçam sobre gestão e depósito do Poder Público, que deverá “velar pela continuidade das atividades sociais da entidade”.

Contudo, não vemos nesta disposição o suficiente para defluir a incidência de um regime publicista sobre os bens das OSs. Primeiro porque a hipótese fática justificadora da aplicação do artigo 10 está adstrita à existência de irregularidade, malversação, enriquecimento ilícito de dirigentes ou dano ao patrimônio público. Ou seja, não decorre de um regime específico de afetação a uma atividade de interesse geral (imprescindibilidade para a prestação). Depois, porque a lei se refere não à transferência dos bens para o domínio da União, mas apenas a que esta seja depositária e gestora dos bens em benefício das atividades das OSs (e não necessariamente da atividade pública que lhe fora transferida), enquanto durar a ação interposta para apurar as responsabilidades.

Temos, então, que os bens que sejam objeto no âmbito de contratos de gestão com OSs de permissão de uso (bens originariamente públicos destinados às OSs) seguem sendo públicos, enquanto os demais bens, mesmo que adquiridos para aplicação nas atividades objeto do Contrato de Gestão – a menos que deste conste cláusula expressa -, não podem ser considerados bens públicos, nem pelo critério funcional, muito menos pelo critério subjetivo.[4][grifou-se]

Ressalte-se que, embora a lei faça referência expressa à reversão apenas sobre os bens originariamente públicos, não há nada que impeça seja estabelecido consensualmente a reversão ao patrimônio público dos bens adquiridos durante a execução da parceria.

 

No que diz respeito à natureza jurídica dos bens adquiridos pelas OSCIPs, o autor pontua que a incidência do regime público é mais incidente, em razão de uma peculiaridade afeita aos bens imóveis. Leia-se:

Contrariamente ao que ocorre com relação às OSs, porém, a Lei nº 9.790/99 prevê uma maior incidência do regime público sobre os bens das OSCIPs.

Assim é que bens imóveis por ela adquiridos, bens subjetivamente privados, com recursos do Termo de Parceria, haverão de ser gravados por cláusula de inalienabilidade, característica própria dos bens públicos. É o que determina o artigo 15 da lei.

[…]

Temos, então, que embora sob o prisma subjetivo os bens das OSCIPs sejam tratados como bens privados, há regras na Lei nº 9.790/99 que preveem a incidência de normas próprias do regime de bens públicos sem, contudo, atribuir propriedade pública sobre estes bens, mesmo após desfeito o Termo de Parceria. A nota peculiar aqui é que este regime toca bens das OSCIPs não pelo prisma funcional da afetação (seu emprego em atividade de interesse coletivo), mas pela origem do recurso utilizado para aquisição do bem (quando imóvel). O que não deixa de ser uma aplicação indireta da concepção funcional, pois se os recursos públicos foram carreados para a OSCIP, o pressuposto é que eles se voltaram a uma finalidade específica de interesse público objeto da parceria travada com a entidade adrede qualificada.[5]

Considerando-se a finalidade da lei, e, especificamente, do dispositivo que determina o gravame de inalienabilidade, também não há nada que impeça a extensão desta cláusula a bens móveis, prática que se coaduna com o propósito de vincular os bens adquiridos à finalidade específica de interesse público.

 

Como solução, registre-se a possibilidade de adoção do entendimento de Ana Carolina Henrique Siqueira Lara. A autora, ao analisar a lei mineira que dispõe sobre as OSCIPs, Lei Estadual nº 14.870/2003[6], identifica que há um silêncio em relação à destinação final dos bens móveis adquiridos na constância do Termo de Parceria. Assim, conclui que o instrumento da parceria deve estabelecer o destino desses bens após a extinção da avença. Veja-se:

 

Neste caso, os bens adquiridos, apesar de serem com recurso público, são, inicialmente, de titularidade da OSCIP e, por isso, incorporam-se ao patrimônio dela.

A lei mineira, entretanto, não dispõe sobre a destinação destes bens ao final do termo de parceria.

Por existir esta abertura na lei, adota-se a prática de pactuar a destinação dos bens no momento de celebração da parceria.

Nesse sentido, se o bem adquirido for imóvel, a OSCIP além de ter, por força de lei, um bem afetado com cláusula de inalienabilidade deve acordar com o órgão parceiro a destinação deste bem. O mesmo ocorre com os bens móveis, as partes deverão estabelecer sua destinação no instrumento de parceria, preocupando-se com a preservação da finalidade pública destes bens.

Certo é que, caso o bem móvel ou imóvel seja destinado à entidade, fará parte do ativo imobilizado da mesma, e, portanto, do seu patrimônio. Caso a destinação prevista seja ao Órgão Estatal Parceiro, a OSCIP parceira deverá transferir o bem ao Estado.[7]

 

Diante disso, em não havendo pactuação expressa sobre os bens adquiridos com recursos públicos provenientes do Termo de Parceria firmado entre o Poder Público e a OSCIP, estes devem permanecer com a OSCIP. No entanto, é possível que seja pactuada a reversão desses bens ao poder público, assim como que eles sejam adquiridos com cláusula de inalienabilidade.

 

Ou seja, o ordenamento jurídico brasileiro não determina que os bens adquiridos no âmbito dos Termos de Parceria sejam revertidos ao patrimônio público ao final de sua vigência. A princípio, esses bens têm natureza privada e não se qualificam como bens públicos. No entanto, não há nada que impeça, caso seja o interesse da Administração Pública e da entidade parceira, que esses bens sejam revertidos ao final da avença, devendo constar esta previsão no respectivo Termo de Parceria.

 

 

III. A REGULAMENTAÇÃO PREVISTA PELA LEI FEDERAL Nº 13.019/2014

A Lei Federal nº 13.019/2014, conquanto ainda não tenha entrado em vigor, regulamentou as questões aqui versadas e tratou de consolidar o entendimento ora exposado.

No que diz respeito ao plano de trabalho, dada a sua importância, a nova lei tratou de indicar expressamente que este se trata de documento integrante e indissociável da parceria estabelecida, seja por meio de termo de colaboração ou termo de fomento. Leia-se o inciso I do parágrafo único do artigo 42:

 

Art. 42.

Parágrafo Único. Constarão como anexos do instrumento de parceria:

I – o plano de trabalho, que dele é parte integrante e indissociável; […]

 

Ainda em relação ao plano de trabalho, a referida lei designou uma seção específica (Seção VII do Capítulo II) para disciplinar todos os itens necessários à sua composição. Dentre tais condições, a Lei Federal nº 13.019/2014 assentou a necessidade de indicação do “plano de aplicação dos recursos” que serão empregados na execução da parceria[8]. Reafirmou-se, portanto, a imprescindibilidade de que toda despesa necessária à execução do Termo de Parceria conste do plano de trabalho.

 

Com relação às despesas, a nova lei também indicou em seção específica (Capítulo III, Seção III) o tratamento a ser dados àquelas decorrentes da parceria, tendo vedado, dentre outras hipóteses, a utilização de recursos para finalidade diversa da estabelecida no plano de trabalho, mesmo que em caráter emergencial (artigo 45[9]).

 

A questão dos custos indiretos também foi esclarecida pela Lei Federal nº 13.019/2014. O artigo 47 estabeleceu que o “plano de trabalho poderá incluir o pagamento de custos indiretos necessários à execução do objeto, em proporção nunca superior a 15% (quinze por cento) do valor total da parceria, desde que tais custos sejam decorrentes exclusivamente de sua realização”. Para tanto, deverá haver: a) demonstração de necessidade e proporcionalidade ao cumprimento do objeto; b) demonstração de vinculação entre a realização do objeto e os custos adicionais, como também a proporcionalidade entre o valor pago e o percentual de custo aprovado para a execução do objeto; e c) demonstração de que os custos indiretos não sejam pagos por meio outros instrumentos de parcerias.

 

Mencione-se, ainda, que a Lei Federal nº 13.019/2014 previu que os custos indiretos proporcionais incluirão despesas de internet, transporte, aluguel, telefone, remuneração de serviços contábeis e de assessoria jurídica e proibiu, expressamente, a inclusão de despesas com auditoria externa contratada nos custos indiretos da organização social. Leia-se o artigo 47:

 

Art. 47. O plano de trabalho poderá incluir o pagamento de custos indiretos necessários à execução do objeto, em proporção nunca superior a 15% (quinze por cento) do valor total da parceria, desde que tais custos sejam decorrentes exclusivamente de sua realização e que:

I – sejam necessários e proporcionais ao cumprimento do objeto;

II – fique demonstrada, no plano de trabalho, a vinculação entre a realização do objeto e os custos adicionais pagos, bem como a proporcionalidade entre o valor pago e o percentual de custo aprovado para a execução do objeto;

III – tais custos proporcionais não sejam pagos por qualquer outro instrumento de parceria.

§ 1º Os custos indiretos proporcionais de que trata este artigo podem incluir despesas de internet, transporte, aluguel e telefone, bem como remunerações de serviços contábeis e de assessoria jurídica, nos termos do caput, sempre que tenham por objeto o plano de trabalho pactuado com a administração pública.

§ 2º Despesas com auditoria externa contratada pela organização da sociedade civil, mesmo que relacionadas com a execução do termo de fomento e/ou de colaboração, não podem ser incluídas nos custos indiretos de que trata o caput deste artigo.

 

No que diz respeito à aquisição de bens, a Lei Federal nº 13.019/2014 definiu como bens remanescentes os “equipamentos e materiais permanentes adquiridos com recursos da parceria, necessários à consecução do objeto, mas que a ele não se incorporam” (inciso XIII do artigo 2º). Veja-se que a referida lei não deixa dúvidas de que tais bens não pertencem à Administração Pública e, que, consequentemente, não se incorporam automaticamente ao seu patrimônio.

 

 

Destaque-se que a lei também traz um indicativo de que, regra geral, os bens remanescentes, adquiridos com recursos das parcerias voluntárias, devem permanecer com a entidade. No entanto, esses bens não poderão ser alienados e deverão ser revertidos à Administração Pública por ocasião de uma eventual extinção da organização da sociedade civil. É o que dispõe o parágrafo 5º do artigo 35 da Lei Federal nº 13.019/2014:

 

Art. 35 […] § 5º Caso a organização da sociedade civil adquira equipamentos e materiais permanentes com recursos provenientes da celebração da parceria, o bem será gravado com cláusula de inalienabilidade, e ela deverá formalizar promessa de transferência da propriedade à administração pública, na hipótese de sua extinção.

 

De toda sorte, o artigo 36 da referida lei[10] indicou a obrigação da estipulação do destino a ser dado aos bens adquiridos com recursos decorrentes da parceria. Mais adiante, especificamente no inciso X do artigo 42, o legislador reforçou essa necessidade, repetindo a obrigatoriedade ao estabelecer como cláusula essencial dos Termos de Colaboração ou Fomento a previsão “da titularidade dos bens e direitos remanescentes na data da conclusão ou extinção da parceria e que, em razão dessa, houverem sido adquiridos, produzidos ou transformados com recursos repassados pela administração pública”.

 

Em síntese, portanto, tem-se que o novo regime jurídico das parcerias voluntárias estabelece a possibilidade de aquisição de bens com os recursos repassados pela Administração Pública e de que esses bens permaneçam sob o patrimônio da entidade após o término da parceria. O instrumento (Termo de Colaboração ou Termo de Fomento) é que definirá a destinação desses bens. No entanto, caso os bens permaneçam com a organização da sociedade civil, exige-se que sejam gravados com cláusula de inalienabilidade e que, acaso haja a extinção da entidade, esses sejam revertidos à Administração Pública.

 

 

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, entende-se que pode haver a aquisição de bens com recursos provenientes das parcerias voluntárias, desde que haja previsão expressa no programa de trabalho e que esta aquisição represente uma medida de atendimento ao interesse público e aos objetivos da parceria – o que deve ser avaliado pela Administração Pública.

 

No âmbito de eventuais termos de parcerias atualmente em execução, que não prevejam a aquisição de bens no seu programa de trabalho, acredita-se que a celebração de termo aditivo se revela a medida pertinente para garantir a legalidade da aquisição. O objetivo do termo aditivo, será, nestes casos, o de complementar o programa de trabalho com a inclusão dos bens ou serviços que serão custeados, por exemplo, a título de custos indiretos. Ainda, caso seja o interesse, o termo aditivo poderá conter a previsão de que os bens adquiridos serão gravados com cláusula de inalienabilidade, como se bens imóveis fossem, por sua importância para o interesse público, nos termos do artigo 15 da Lei Federal nº 9.790/199, cuja interpretação pode ser estendida às aquisições de bens móveis, ou do próprio parágrafo 5º do artigo 35 da Lei Federal nº 13.019/2014.

 

Igualmente, é possível que o termo aditivo ao programa de trabalho preveja a cláusula de reversão desses bens ao patrimônio público, a fim de que o ente público continue a gozar dos benefícios e da utilidade desses bens após a extinção da avença. A depender do contexto, esta medida pode representar uma consonância com o princípio da economicidade e da eficiência, que norteia os dispêndios públicos.

 

 

É possível, também, ainda que não obrigatório para os Termos de Parceria, que haja a formalização de promessa de transferência da propriedade desses bens à Administração Pública em caso de extinção da OSCIP, tal como previsto pela Lei Federal nº 13.019/2014.

 

 

Registre-se, ademais, que a compra dos bens e a contratação dos serviços deve sempre seguir o regulamento próprio aprovado pela OSCIP, nos termos do artigo 14 da Lei Federal nº 9.790/1999, que regulamenta as suas contratações em geral.



[1] Coordenador Jurídico do escritório Justino de Oliveira Advogados. Doutorando em Direito do Estado pela USP. Mestre e bacharel em Direito pela UFSC.

[2] Gerente do Núcleo do Terceiro Setor do escritório Justino de Oliveira Advogados. Pós-graduada em Direito Público pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil.

[3] LARA, Ana Carolina Henrique Siqueira. O instrumento do Termo de Parceria nas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) de Minas Gerais. Revista de Direito do Terceiro Setor RDTS, Belo Horizonte, ano 2, n. 3, p.-, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=53683>. Acesso em: 15 jul. 2014.

[4] MARQUES, Floriano de Azevedo. Bens Públicos: Função social e exploração econômica. O regime jurídico das utilidades públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 195-196.

[5] Ob. cit. p. 198-199.

[6] Dispõe sobre a qualificação de pessoa jurídica de direito privado como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP – e dá outras providências. Publicada em 17/12/2003.

[7] LARA, Ana Carolina Henrique Siqueira. O instrumento do Termo de Parceria nas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) de Minas Gerais. Revista de Direito do Terceiro Setor RDTS, Belo Horizonte, ano 2, n. 3, p.-, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=53683>. Acesso em: 15 jul. 2014.

[8] Art. 22. Deverá constar do plano de trabalho, sem prejuízo da modalidade de parceria adotada:

[…]

VI – plano de aplicação dos recursos a serem desembolsados pela administração pública;

[9] Art. 45. As parcerias deverão ser executadas com estrita observância das cláusulas pactuadas, sendo vedado:

[…]

V – utilizar, ainda que em caráter emergencial, recursos para finalidade diversa da estabelecida no plano de trabalho;

[10] Art. 36. Será obrigatória a estipulação do destino a ser dado aos bens remanescentes da parceria.

Parágrafo único. Os bens remanescentes adquiridos com recursos transferidos poderão, a critério do administrador público, ser doados quando, após a consecução do objeto, não forem necessários para assegurar a continuidade do objeto pactuado, observado o disposto no respectivo termo e na legislação vigente.

Como citar e referenciar este artigo:
SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho; AYALA, Helena Leticia. A aquisição de bens móveis e imóveis por entidades do terceiro setor no âmbito das parcerias voluntárias. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/a-aquisicao-de-bens-moveis-e-imoveis-por-entidades-do-terceiro-setor-no-ambito-das-parcerias-voluntarias/ Acesso em: 22 nov. 2024
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