The Spanish Golden Age
El Siglo de Oro Español
Benigno Núñez Novo[1]
RESUMO: Este artigo tem por objetivo de forma sucinta fazer uma análise histórica sobre o período que se entendeu como o Século de Ouro Espanhol. A Espanha se transformou no polo econômico e cultural da Europa e também do mundo, com um prestígio irrefutável.
PALAVRAS-CHAVE: Século; Ouro; Espanhol.
ABSTRACT: This article aims to succinctly make a historical analysis of the period that was understood as the Spanish Golden Age. Spain has become the economic and cultural hub of Europe and the world, with irrefutable prestige.
KEYWORDS: Century; Gold; Spanish.
RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo hacer de forma sucinta un análisis histórico del período que se entendió como Siglo de Oro Español. España se ha convertido en el polo económico y cultural de Europa y del mundo, con un prestigio irrefutable.
PALABRAS CLAVE: Siglo; Oro; Español.
INTRODUÇÃO
O Século de Ouro Espanhol consistiu em um momento de intensa produção artística na Espanha, entre os séculos XVI e XVII. As atividades artísticas produzidas entre 1550 e 1650 marcaram o chamado Siglo de Oro ou Século de Ouro Espanhol. Coube a Espanha organizar a defesa da Europa contra o Império Otomano. Ao período que vai do Renascimento, no século XVI, até o surgimento do Barroco, no século XVII, e que pode ser demarcado por dois eventos, a publicação da Gramática Castelhana de Nebrija em 1492 e a morte de Calderón de La Barca em 1681, damos o nome de Século de Ouro.
Esta pesquisa é bibliográfica e histórica justifica-se pela extrema relevância do período chamado Século de Ouro Espanhol para o mundo.
DESENVOLVIMENTO
O Siglo de Oro ou Idade de Ouro Espanhola foi um período de florescimento das artes e da literatura na Espanha da dinastia dos Habsburgos ou os Habsburgos. É um período sem datas definidas, geralmente mais de um século apesar do nome, cujo início se daria após a Reconquista Espanhola, por volta de 1492, e termina por volta de 1681, ano da morte de Pedro Calderón de la Barca.
O termo “Idade de Ouro” Foi idealizado por Luis José Velázquez, Marquês de Valdeflores, que foi um erudito e antiquário do século XVIII. Ele o usou pela primeira vez em seu escritório Origens da poesia castelhana de 1754, embora com isso se referisse exclusivamente ao século XVI. O termo seria posteriormente resgatado e usado para denominar todo o período dos séculos XVI e XVII.
Normalmente é considerado a publicação do Gramática castelhana de Nebrija em 1492, bem como a chegada de Colombo ao Novo Mundo ou o fim da Reconquista Espanhola, como os acontecimentos que iniciam o período da Idade de Ouro. Da mesma maneira, a assinatura do Tratado dos Pirenéus entre Espanha e França em 1659, e a morte do autor Pedro Calderón de la Barca em 1681, são os acontecimentos que a põem fim.
São quatro módulos: União Ibérica, Defesa do Império, Cultura Espanhola e Arte Espanhola. A época é conhecida como o Período de Ouro da arte espanhola, beneficiada pela pujança econômica do país com o ouro colonial. Graças ao auxílio militar mútuo, a Espanha participou de importantes batalhas em território brasileiro.
A União Ibérica, que ocorreu entre 1580 e 1640, foi a unificação das Coroas espanhola e portuguesa a partir da crise sucessória do trono português. Essa crise de sucessão decretou o fim da Dinastia de Avis e coroou o rei Filipe II, da Espanha, como rei tanto de Portugal quanto da Espanha.
Castela tornou-se o reino dominante na Península Ibérica por causa de sua jurisdição sobre o império ultramarino nas Américas e nas Filipinas. A estrutura do império foi estabelecida sob os Habsburgos espanhóis (1516-1700) e sob os monarcas Bourbon espanhóis, o império foi trazido sob maior controle e aumentou suas receitas das Índias. A autoridade da coroa nas Índias foi ampliada pela concessão papal de poderes de patronato, o que deu-lhe poder na esfera religiosa. Um elemento importante na formação do império espanhol foi a união dinástica entre Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão, conhecidos como os Reis Católicos, que iniciaram a coesão política, religiosa e social, mas não a unificação política. Os reinos ibéricos mantiveram suas identidades políticas, com administração e configurações jurídicas particulares.
Em 1580, quando Filipe II da Espanha sucedeu ao trono de Portugal (como Filipe I), ele estabeleceu o Conselho de Portugal, que supervisionava Portugal e seu império e “preservava suas próprias leis, instituições e sistema monetário, e unidos apenas em compartilhar com o soberano comum”. A União Ibérica permaneceu em vigor até 1640, quando Portugal derrubou o domínio dos Habsburgos e restabeleceu a independência sob a Casa de Bragança. Sob Filipe II, a Espanha, em vez do império dos Habsburgos, foi identificada como a nação mais poderosa do mundo, superando facilmente a França e a Inglaterra. Além disso, apesar da repressão de outros Estados europeus, a Espanha manteve sua posição de domínio com aparente facilidade. O Tratado de Cateau-Cambrésis (1559) confirmou a herança de Filipe II na Itália (o Mezzogiorno e o Ducado de Milão). As reivindicações espanholas sobre Nápoles e Sicília, no sul da Itália, remontam à presença aragonesa no século XV. Após a paz alcançada em 1559, não haveria revoltas napolitanas contra o domínio espanhol até 1647. O Ducado de Milão permaneceu formalmente parte do Sacro Império Romano, mas o título de Duque de Milão foi entregue ao rei da Espanha. A morte do imperador otomano Suleimão, o Magnífico, em 1566, e a vitória naval sobre o Império Otomano na Batalha de Lepanto, em 1571, deram à Espanha uma reivindicação de ser a maior potência não apenas na Europa, mas também no mundo.
O Império Espanhol nas Américas foi formado após a conquista de grandes extensões de terra, começando com Cristóvão Colombo nas ilhas do Caribe. No início do século XVI, conquistou e incorporou os impérios Asteca e Inca, mantendo as elites indígenas leais à Coroa espanhola e convertendo-as ao cristianismo como intermediários entre suas comunidades e o governo real. Após um curto período de delegação da autoridade nas Américas, a Coroa reivindicou o controle sobre esses territórios e estabeleceu o Conselho das Índias para supervisionar o governo de lá. Alguns estudiosos consideram o período inicial da conquista espanhola como o mais marcante caso de genocídio na história da humanidade. O número de mortos pode ter atingido cerca de 70 milhões de povos indígenas (de 80 milhões) neste período. No entanto, outros estudiosos acreditam que a grande maioria das mortes indígenas se deve à baixa capacidade imunológica das populações nativas em resistir a doenças exógenas. Muitas tribos nativas e suas culturas foram totalmente eliminadas pela epidemia de doenças. O saque dos impérios das Américas pelos conquistadores espanhóis permitiu que a Espanha financiasse a perseguição religiosa na Europa por mais de um século. As guerras espanholas de conquista incluíram a devastação de grande parte dos Países Baixos e uma tentativa desastrosa de invadir a Inglaterra protestante.
A estrutura de governança de seu império ultramarino foi significativamente reformada no final do século XVIII pelos monarcas Bourbon. Embora a Coroa tentasse manter seu império como um sistema econômico fechado sob o domínio dos Habsburgos, a Espanha era incapaz de abastecer as Índias com bens de consumo suficientes para atender à demanda, de modo que os comerciantes estrangeiros de Gênova, França, Inglaterra, Alemanha e Países Baixos dominavam o comércio, com prata das minas do Peru, Bolívia e México fluindo para outras partes da Europa. A guilda mercante de Sevilha (e mais tarde Cadiz) serviu como intermediária no comércio. O monopólio comercial da Coroa foi quebrado no início do século XVII.
A invasão napoleônica da Península Ibérica precipitou as Guerras Hispano-Americanas de Independência (1808-1826), que resultaram na perda de suas mais valiosas colônias. Em suas antigas colônias nas Américas, o espanhol é a língua dominante e o catolicismo romano a religião principal, permanecendo como legados culturais do Império Espanhol.
A Idade de Ouro foi caracterizada por uma tendência à popularização do conhecimento humanístico, que fortaleceu os gêneros da sátira e da comédia popular, que teve sua correspondência no romance picaresco e, sobretudo, no romance polifônico cuja semente representa o Dom Quixote de Cervantes.
Música, pintura e escultura também foram tendências importantes alimentadas pelo gosto maneirista por o exagero das formas e a abundância do conteúdo (de onde vem o uso da palavra hoje barroco, isto é, ornamentado), bem como estilos arquitetônicos anti-classicistas.
A literatura da Idade de Ouro atingiu um esplendor único na história literária universal, graças a várias tendências:
O romance picaresco. Protagonizada por malandros, ou seja, jovens pobres e tortuosos que ganhavam a vida aproveitando-se dos outros e de sua engenhosidade. Será um modelo arquetípico importante na literatura mundial.
Poesia ascética e mística. De raízes católicas, nas quais os poetas exploraram poeticamente sua vocação religiosa.
A sátira. Tanto na poesia quanto na narrativa e na dramaturgia, a sátira e a zombaria do classicismo solene foram centrais para o imaginário literário da Idade de Ouro.
A comédia. O teatro foi um dos grandes vencedores da Idade de Ouro, com mais de 400 obras compostas por grandes nomes que ficariam na história universal das letras.
Os grandes autores da Idade de Ouro Espanhola foram:
Miguel de Cervantes. Escritor de Dom Quixote, bem como o Romances exemplares e outras formas de narrativa que seriam centrais e fundamentais para a literatura mundial da Europa.
Luis de Góngora. Poeta e dramaturgo, cuja tendência estética dentro da poesia seria conhecida como culteranismo ou gongorismo.
São João da Cruz. Poeta místico, religioso de profissão, reformador da Ordem de Nossa Senhora do Carmelo e da Ordem dos Carmelitas Descalços. Desde 1952 é o padroeiro dos poetas de língua espanhola.
Santa Teresa de Jesus. Religiosa e co-fundadora da ordem dos Carmelitas Descalços, é considerada, junto com San Juan de la Cruz, o ápice da poesia mística espanhola.
Francisco de Quevedo. Um dos autores fundamentais da literatura espanhola e autor de poesia, narrativa e dramaturgia.
Tirso de Molina. Dramaturgo, poeta e contador de histórias, religioso mercediano, é considerado um dos três grandes nomes da dramaturgia barroca espanhola.
Pedro Calderón de la Barca. Segundo dos três grandes dramaturgos da Idade de Ouro, ele é o autor do famoso A vida é um sonho, foi também sacerdote da ordem de Santiago.
Lope de Vega. O terceiro da trindade de grandes dramaturgos da Idade de Ouro e um dos autores mais prolíficos da literatura mundial. Renovou as fórmulas do teatro para a época e foi autor de mais de 3.000 sonetos, três romances, quatro romances curtos e uma epopeia.
José Antonio Maravall (1965), no clássico Antiguos y modernos, vê nos Séculos de Ouro uma evolução do conceito mimético entre os eruditos: em um primeiro momento buscava-se imitar os antigos. Em um segundo momento, a emulação se transformou no objetivo ideal, para finalmente buscar-se a superação dos antigos. Isto posto, veremos como as primeiras décadas do XVI se viram apegadas à ideia de imitação/ emulação, algo que só seria superado ao longo do XVII, principalmente após 1610, com o processo de superação que Lope de Vega protagonizou na comédia e Luís de Góngora na poesia.
Durante a Idade de Ouro, as cidades espanholas mais importantes, palco de florescimento artístico e cultural, foram Sevilha, Madrid, Toledo, Valência, Valladolid e Saragoça.
Ciência também recebeu um impulso considerável durante a Idade de Ouro, apesar da forte tradição católica e inquisitorial da cultura espanhola, que muitas vezes representava um atraso conservador em relação ao resto da Europa.
A utilização do conhecimento herdado dos árabes, bem como a troca de mercadorias com o Novo Mundo, interessou-se por física, química, farmacologia e medicina.
Pintores de gostos Diego Velásquez (pertencente ao Barroco), o “Greco” Doménikos Theotokópoulos (pertencente ao Maneirismo) liderou um movimento pictórico extremamente importante na Espanha da Idade de Ouro.
Além das grandes obras artísticas que esse período legou à humanidade, são creditados com a fundação da Real Academia Espanhola (graças aos estudos filológicos de Antonio de Nebrija), a disseminação do humanismo coube, especialmente, à figura de Antonio de Nebrija (1444-1522). Educado em Bolonha, dominava com perfeição o latim clássico e o grego. Foi professor nas Universidades de Salamanca, Alcalá e Sevilha. Publicou, em 1481, a Gramática Latina, seguida pela Arte de La Gramática Castellana (1492); ambos se constituem, nos mais importantes livros didáticos daquela época e foram considerados como inovadores da linguagem europeia.
Logo após a conquista da América, os espanhóis começaram a fundar universidades em seus territórios, numa clara postura de colonização e não somente manutenção de uma feitoria comercial. A primeira delas foi criada em Santo Domingo, na Ilha de Hispaniola (atual República Dominicana), tendo recebido o estatuto de universidade plena pela bula In apostolatus culmine, do Papa Paulo III, em 1538, e era composta pelos cursos de medicina, direito, teologia e artes. Várias outras foram fundadas ainda no século XVI na América espanhola, como as do México, de Lima e de Quito. Santo Domingo chegou a ter uma segunda universidade quinhentista, a de Santiago de la Paz, fundada em 1558. No século XVII outras surgiram por todo o território da coroa espanhola na América, às quais se juntaram várias outras no século seguinte. Ao cabo de pouco mais de dois séculos e meio a Espanha havia fundado na América cerca de 24 universidades, muitas das quais ainda existentes. Nem todas as universidades coloniais, porém, tinham o mesmo grau de desenvolvimento ou importância, ou mesmo de respeitabilidade. Algumas, todavia, vieram a tornar-se importantes centros de ensino e erudição.
A Escola de Salamanca foi uma escola de pensamento econômico em várias áreas que teve lugar no Renascimento do século XVI, através de um grupo de teólogos e juristas.
Juan Luis Vives (1493-1509) nasceu em Valência, estudou na Universidad del Sena, a princípio, a lógica escolástica, mas, gradualmente, foi se inclinando em favor do humanismo. Seu diálogo, Sapiens, reflete uma certa decepção pelos saberes transmitidos nas Universidades. O humanista valenciano estudou na França, Bélgica e Inglaterra, entre 1523 e 1525, chegou até a ter aulas com Erasmo. Com a morte de Nebrija, em 1522, a Universidade de Alcalá de Henares propôs a Vives a Cátedra de Latinidad, que ficara vaga. Não se sabe bem o motivo, mas o convite foi recusado.
Vives foi um severo crítico das instituições de ensino por onde passou, expressou este descontentamento, principalmente, em De disciplinis (1531); De ratione dicendi (1534) e De anima de vita (1538). Ao longo de sua obra foi apresentando propostas para uma forma alternativa de saber, o qual pudesse trazer maior proveito à humanidade e permitisse o avanço do conhecimento humano, anestesiado pelo escolasticismo.
Em De concordia et discordia (1529), Vives tenta convencer seus contemporâneos inclusive o Imperador de que a concórdia congregou o gênero humano, fundou as cidades e lhes permitiu crescer e conservar-se; descobriu as artes úteis para a vida, para a obtenção de riquezas e o cultivo dos talentos.
A influência de Vives é assimilada pelos pensadores pertencentes às ordens: dominicana, franciscana, agostiniana e jesuítica. São seus principais componentes: Francisco de Vitoria (1492-1546), Domingo de Soto (1496-1560), Juan Ginés de Sepúlveda (1490-1573), Martín de Azpilcueta (1492-1586), Francisco Suárez (1548-1617), Luis de Molina (1535-1600), Diego de Cavarrubias Leyva (1512-1577), entre outros.
O frade dominicano Francisco de Vitória (1486-1546) é considerado o fundador do direito internacional moderno, da Escola de Salamanca e sua maior referência. Foi, além de filósofo, teólogo e jurista. O teólogo espanhol dedicou-se à defesa dos direitos dos índios do Novo Mundo e à limitação das causas que justificam a guerra.
Francisco de Vitória parece ter nascido em Vitória, província basca de Álava, por volta de 1486. Ingressou no convento de São Pablo, no ano de 1505, aos 14 anos de idade, onde realizou seus estudos de Humanidades e começou os de Artes ou filosofia. Permaneceu estudando no convento de São Pablo até o ano de 1508, quando vai continuar seus estudos em Paris. No período que passou em São Pablo, entretanto, precisa-se destacar seu contato com as línguas grega e latina, nos estudos de Gramática, visto ser este convento, de maneira profunda, comprometido com a excelência da educação e com a renovação das condições de ensino. É importante tomar nota que no ano de 1504, houveram grandes mudanças nas orientações de ensino, para garantir maior excelência, ao que Vitória, desde a mocidade, já se encontrava exposto a um ambiente de renovação e transformações, com consideráveis elementos para sua formação e futura atuação teológica. Basta citar, por exemplo, que Vitória, era conhecedor da língua grega, com registros, já em Salamanca, de opiniões e observações suas sobre tradições, bem como consultas aos originais em grego para preparação de suas aulas e palestras. Ordenou-se dominicano e estudou teologia na Universidade de Paris, onde lecionou.
Em 1523 voltou à Espanha, ensinou em Valladolid e três anos depois assumiu a cátedra de teologia da Universidade de Salamanca, que ocupou até morrer. Vitória tentou conciliar as ideias humanistas com a doutrina escolástica de santo Tomás de Aquino. Nenhuma de suas aulas se conservou a não ser em anotações de alunos, mas há um número expressivo de recapitulações e resumos do curso do ano.
No verão de 1526 com o início do processo de sucessão da principal cátedra de teologia da Universidade de Salamanca, maior posto teológico de toda a Espanha, em função da morte do seu até então ocupante, Pedro de León. Essa cadeira era ocupada por dominicanos há mais de um século e a Ordem, interessada em manter a mesma, deveria indicar seu melhor nome para a sucessão. O primeiro e principal nome era o de Diego de Astudillo, mas a Ordem indicou Francisco de Vitória, que entrou numa disputa difícil para contra o principal candidato, Pedro Margallo, catedrático de filosofia moral em Salamanca. Difícil, pois, a eleição se fazia por meio de votação entre os membros da Universidade, na qual Vitória não era ainda tão conhecido como o professor residente. Entretanto, tal foi a impressão que causou durante os exercícios de sucessão, com sua habilidade e conhecimentos, que venceu com vantagem confortável a eleição e se tornou catedrático de Prima, da Faculdade de Teologia de Salamanca, realizando o juramento dos estatutos em 21 de setembro de 1526.
As ideias basilares de Vitoria são, em sua essência, três: a) a configuração da ordem mundial como sociedade natural de Estados soberanos; b) a teorização de uma série de direitos naturais dos povos e dos Estados; c) a reformulação da doutrina cristã da “guerra justa”, redefinida como sanção jurídica às iniuriae (ofensas) sofridas.
A atividade de Vitória em Salamanca proporcionou uma série de mudanças que trataram de colocar ambos no mapa do pensamento europeu. Dentre elas, temos a introdução, já corrente em Paris e em boa parte das Universidades europeias, da Summa, como livro base para os estudos teológicos, em adição às Sentenças, em um processo de substituição do texto base, iniciado por Vitória, mas que só seria institucionalizado definitivamente em 1561, por conta de formalidades decorrentes das constituições da Universidade. Sua atividade, assim, se estende por vinte anos, explicando seguidamente a Summa, de Tomás de Aquino, na formação de um vultuoso grupo de discípulos que viriam a assumir, nos anos seguintes, as cadeiras da Universidade e ocupar cargos importantes na estrutura eclesiástica.
As famosas Relecciones, proferidas anualmente por Vitória, segundo determinação das constituições da Universidade para todos os catedráticos. Vitória, ao longo de seu magistério, proferiu quinze Relecciones, conferindo grandeza até então inédita ao evento universitário. Suas demais contribuições para a Universidade estão na renovação da biblioteca, da qual Vitória foi encarregado da seleção e compra de obras para a Faculdade; participação no comitê encarregado de montar uma imprensa para a Universidade; dentre outros trabalhos.
Na discussão dos temas mais candentes da época, Vitória questionou a legitimidade da conquista espanhola da América, que não se justificava pelo paganismo dos nativos. Mesmo que a conquista protegesse inocentes de práticas como o canibalismo ou sacrifícios humanos, o rei da Espanha, ou qualquer outro soberano, deveria garantir tratamento justo e igualitário a indígenas e colonos, pois todos eram seus súditos, com direitos iguais. O papa não tinha o direito de dar a monarcas europeus domínio sobre povos primitivos; o máximo que podia fazer era designar esferas para o trabalho missionário. Os pagãos tinham o direito à propriedade e a ter dirigentes próprios, já que não eram irracionais.
Nos estudos sobre o direito de guerra, concluiu que ela só é admissível em legítima defesa e para corrigir um erro muito grave. Em qualquer caso, deve sempre ser precedida por esforços de conciliação e arbitragem. Sua obra constituiu uma reelaboração do jus gentium, ou “direito das nações”, pela afirmação de princípios éticos universais e de igualdade entre os povos. Francisco de Vitória morreu em Salamanca em 12 de agosto de 1546.
Diego de Cavarrubias y Leyva (1512 – 1557) é considerado o primeiro teórico da política imperial da Espanha. Nasceu em Toledo, estudou cultura clássica em Salamanca com o helenista Fernando Nuñes de Toledo y Guzmán, também conhecido como El Pinciano, cujas obras sobre Sêneca, Plínio e Columela levaram seu nome por toda a Europa. Diego Cavarrubias estuda legislação canônica com Martin de Azpilcueta. Frequentou as classes de Francisco de Vitoria. Foi catedrático de Cânones na Universidade de Salamanca. Felipe II o nomeia visitador da Universidade salmantina. Participa do Concílio de Trento e chega à suprema magistratura de Castilha. A obra de Cavarrubias, vista na sua totalidade, tem um alto sentido humanista, concebe o direito como uma suprema manifestação da atividade humana. A característica fundamental de seu espírito renascentista é a nacionalização de sua ciência: a criação de um sistema jurídico sobre uma estrutura ibérica, sem perder, contudo, o sentido de universalidade. Cultiva as ideias de soberania de Vitoria, e, desde 1550, é considerado a autoridade máxima em direito de toda a Espanha e um dos melhores intérpretes do Século de Ouro Espanhol. Sua obra mais conhecida é Variarum resolutiorum, que reúne o conjunto de Cátedra enriquecido com a experiência judicial.
Fernando Vázquez de Menchaca (1512-1569) deixa um legado inestimável de doutrina jurídica, especialmente no âmbito do direito das gentes. Nascido em Valladolid, em 1512, onde inicia seus estudos de direito civil e canônico, transfere-se mais tarde para Salamanca e obtém ali o título de Doutor, em 1548. Menchaca é enviado, por Felipe II, ao Concílio de Trento, justamente quando este entrava na sua terceira fase de conferências e sessões. A doutrina internacional de Vázquez de Menchaga está exposta em sua obra Controversiarum illustrium libre tres. Nas “Controvérsias” se estudam as mais variadas questões concernentes a matérias de direito político, internacional, civil e romano. Menchaca pertence à escola internacional espanhola do século XVI, naquilo que ela tem de específico e inconfundível, como, por exemplo, seu amor à verdade e a sua preocupação com a justiça objetiva.
Martín de Azpilcueta (1492 – 1586) também conhecido como Doctor Navarro, estuda filosofia, teologia e direito na Universidade de Alcalá. Dá continuidade aos seus estudos jurídicos na Universidade de Tolosa, que era o centro de estudos jurídicos mais célebre que existia na França. Considerou-se sempre um discípulo de Vitoria. Vê em Felipe II a realização mais exata do pensamento espanhol. Em seu Enquiridión, publicado em 1550 que obteve mais de cinquenta edições deixa em fórmulas concisas os princípios de sua teoria política e as consequências de sua análise histórica.
Domingo de Soto (1507-1519) foi quem expôs de forma mais sistemática a filosofia da escola neoclássica espanhola do século XVI. Nasceu em Segovia e cursou humanidades em Paris, onde foi discípulo de Vitoria. Volta à Espanha, é promovido à Cátedra de teologia em Salamanca e publica: Sumulas (1523); Dialectica (1543); Comentário sobre os físicos (1545). É enviado pelo Imperador Carlos V, ao Concílio de Trento (1545), em substituição a Vitoria. Para Domingo de Soto, a ordem jurídica se assenta sobre três pontos, a saber: a pessoa humana, o poder político e a sociedade universal. Entretanto o fundamento desta ordem está na primeira relação transcendental de superior a súdito, do homem a Deus, a justiça absoluta. Assim, a ordem jurídica atribui unidade e consistência à ordem humana e realiza a sua função histórica.
Sobre este esquema jurídico, um dos mais brilhantes entre os professores de Salamanca, durante o Século de Ouro, traça as linhas do pensamento espanhol. Toda a sua teoria de guerra é mais concretamente a teorização da conquista da América pela Espanha, descobre a função universal do poder político e dos direitos da comunidade internacional. É com Domingo de Soto que o pensamento de Salamanca entra em uma fase de sistematização lógica, promovendo um equilíbrio entre Renascimento e Escolaticismo que já vinha sendo realizado simultaneamente nas obras de Vitoria, Cavarrubias e Azpilcueta.
Melchior Cano (1509-1560) discípulo predileto de Francisco de Vitoria, esteve em Salamanca entre 1527 e 1531. Em 1543, ganha a Cátedra de Prima de Teologia na Universidade Complutense, que abandona mais tarde, para suceder seu mestre em Salamanca. Foi a Trento a mando de Carlos V que, para premiar seus serviços, o envia como bispo para as Ilhas Canárias. Quando consultado, por Felipe II, sobre os direitos do Rei Católico à coroa de Portugal, Cano se mostra favorável e aponta meios a serem postos em execução para possuí-la e conservá-la.
Exorta às armas em defesa da honra e da justiça; defende claramente o conceito de uma guerra preventiva; propõe os meios lícitos de luta; ensaia um bloqueio econômico e desenha um modelo de reformas eclesiásticas transcendentais; como a indenização de guerra e a garantia de paz. Nisso não se reconhece a mínima intenção de proposta de separação entre a Igreja e Estado significa o triunfo da paz e da justiça sobre todos os demais ideais. Implica em dizer-se que os poderes soberanos e autônomos podem impor a paz por si mesmos. É o primeiro sintoma da soberania do poder político contra a universalidade do papado e do império. Toda a atividade política de Melchior Cano corresponde a um sistema de princípios. Suas Relecciones e suas leituras sobre a Suma de Santo Tomás, em Valladolid, Alcalá e Salamanca, constituem um dos primeiros monumentos sobre a justiça e o direito, comparável às Relecciones de Vitoria e aos Tratados de Domingo de Soto. Encerram, segundo Heredía, o sistema mais perfeito sobre direito internacional e ciência do Estado.
Ao teorizar sobre a política da Espanha na América e expor a teoria da guerra justa, Cano define o conceito de Comunidade Internacional, sua garantia no direito das gentes, que concebe essencialmente positivo, como a expressão fiel da vontade dos povos a serviço da paz e da civilização. Esboça uma carta de direitos humanos sobre a igualdade de todos os homens e a liberdade de todos os povos. Frente à tese escravista levanta outra, a da liberdade.
Francisco Suárez (1548–1617) é o intelectual mais importante da Companhia de Jesus. Um filósofo, teólogo e jurista espanhol, conhecido por revitalizar a filosofia dos séculos XVI e XVII, e provocar uma ruptura nos modelos teóricos vigentes adequando–os aos novos tempos. Suárez, junto a nomes como os de Luís de Molina, Domingo de Soto , Francisco de Vitória , Juan de Mariana, Martin de Azpilcueta, José de Aguilar, Diego de Avendaño, José de Acosta, entre outros, é a grande referência da chamada Segunda Escolástica, isto é, aquela investigação filosófica e teológica desenvolvida em torno das universidades ibéricas da época, como Salamanca, Évora, Coimbra, e ibero–americanas, como San Marcos (Lima) e San Antonio Abad del Cusco, que, nos séculos XVI e XVII, revitalizam os saberes que até então eram conduzidos dentro da tradição moldada por Tomás de Aquino, Duns Scotus e outros escolásticos medievais.
Enquanto Suárez é comumente elogiado por sua exposição abrangente, exaustiva e sistemática de mais ou menos todo o conhecimento filosófico até seu tempo, esta abrangência não compromete a profundidade, o poder e a originalidade de suas próprias ideias. Trabalhou em uma grande variedade de campos que vão desde a metafísica, a teoria do conhecimento e a teologia até a filosofia mais prática, incluindo a filosofia política e do direito. Em todas essas áreas, ele fez contribuições cuja influência é tão presente que dificilmente as identificamos. Vale destacar que figuras tão diferentes entre si, histórica e filosoficamente, como Leibniz, Grotius, Pufendorf, Schopenhauer e Heidegger, encontraram motivo para citá–lo como fonte de inspiração e influência.
Suárez enfrenta os problemas concretos da transição entre uma ordem medieval e a moderna, uma ordem política e religiosa particularmente perturbada por debates, conflitos, guerras, tréguas e renovadas hostilidades entre povos europeus, entre confissões cristãs, e em guerras civis marcadas por perseguições dos Tribunais da Inquisição , dos Parlamentos e das Coroas, sem falar dos desafios teóricos decorrentes do contato com o ‘Novo Mundo’, com todas as diferenças culturais e ideológicas que significou para dentro e para fora da península ibérica. O século XVII encontra instalada na Europa uma desordem política e uma confusão intelectual, porque nem as confissões religiosas, nem as ideologias nacionais conseguiam dar conta desta nova realidade de descobrimentos. Se faz necessária uma nova fundamentação filosófica, teológica e política que só a erudição deste jesuíta foi capaz de fazer. A obra de Suárez será a elaboração mais completa e sistemática do seu tempo, e a sua influência foi tal que ainda hoje resulta controvertida.
As principais obras de Francisco Suárez: A primeira publicação foi impressa em 1590 em Alcalá, Commentariorum ac Dispuationum em Tertiam Partem Divi Thomae Tomus Primus, mais conhecido pelo título De Verbo Incarnato. Suárez tenta superar a oposição existente entre escotistas e tomistas em relação à questão da encarnação. Ele concorda com Santo Tomás de Aquino ao revelar que a maioria das passagens das Escrituras atribuem a causa da encarnação de Cristo à vontade de redimir o homem do pecado, mas também acrescenta que a Bíblia considera a encarnação como a manifestação plena da glória divina; sua realização histórica não pode, portanto, depender do pecado do homem.
A Inovação de Suarez é o abandono do comentário por um tratamento científico e pedagógico, que supôs uma verdadeira renovação no trabalho de ensino e pesquisa escolar, e de eco universal até os dias atuais.
De mysteriis vitae Christi (1592) é uma continuação dos comentários de De Incarnatione sobre a terceira parte da Summa Theologiae de Santo Tomás de Aquino, expondo as questões 27 a 59. A intenção de Suárez nesta publicação era dupla: uma acadêmica e outra pastoral, planejada para o benefício dos estudiosos e como um auxílio para aqueles que eram responsáveis ??pela pregação da palavra de Deus. Dividido em 58 disputas, nas quais as primeiras 33 tratam de questões sistemáticas relacionadas à santidade da Virgem Maria: sua santificação, virgindade, casamento, purificação, mérito, graça, morte e a gloriosa assunção. Como resultado deste trabalho, Suárez foi considerado o fundador de uma mariologia sistemática. Embora Suárez mostre grande respeito por São Tomás, ele não hesita em se opor a algumas questões, como, por exemplo, a preservação de Maria do pecado original através da Imaculada Conceição.
Disputas metafísicas (1595) foram as deficiências encontradas no ensino de teologia que o motivaram a se dedicar à filosofia (prólogo ad lectorem). Ele precisava de uma base metafísica básica em sua visão teológica, o que o fez parar na Tertia pars de la Summa Teológica de Santo Tomás para iniciar um grande projeto. Trabalho de 2.000 páginas, escrito em um ano, em dois volumes. O primeiro deles cobre as disputas 1-37, e o segundo de 38 a 54. Ele trata de: ser, suas propriedades, suas causas, divisão da entidade em infinito e finito, estudo da entidade de Deus infinito, relação de essência e existência em Deus e na criatura, divisão da entidade finita criada, substância e acidentes, entidade da razão. Quase todos os escritores gregos, árabes, patrísticos e escolásticos são citados. Entre os mais citados estão Aristóteles, Tomás de Aquino, Duns Soto e Cajeta. Eles refletem o gênero literário medieval por excelência, chamado quaestio disputata. O esforço de Suárez resultou em uma obra-prima arquitetônica que cobriu todos os campos da metafísica.
Opuscula (1599) A polêmica teológico-filosófica, conhecida por De auxiliis há muito tempo, enfrentou jesuítas e dominicanos, tratou do papel da liberdade humana em relação à graça divina. Para os jesuítas, a doutrina dos dominicanos deixava pouco espaço para a liberdade humana; para os dominicanos, a doutrina jesuíta não fazia justiça à graça divina. Esta polêmica se intensificou de tal forma que o Papa Clemente VIII teve que intervir criando uma comissão, a Congregatio de Auxiliis em 1597 para resolver esta disputa; as conversas foram tão violentas que o próprio Clemente teve que dirigir os debates sem poder concluí-los em a hora de sua morte. O Papa Paulo V teve que resolver a controvérsia (1607), permitindo que os dominicanos e os jesuítas defendessem suas respectivas posições: que a defesa de cada uma das posições não fosse rotulada de herética.
Francisco Suárez conhecia muito bem essas posições, e especialmente do jesuíta Molina e do dominicano Bañez, de como conciliar predestinação e graça com liberdade. Ele mesmo havia escrito e ensinado sobre esses tópicos. Em 1599, ele publicou 6 tratados de teologia, ou Opuscula. A obra já era conhecida antes de sua publicação pelo general jesuíta Cláudio Aquaviva, Clemente VIII a consultou quando foi publicada em Roma. Ele defende uma modificação da posição de Molina.
Por legibus (1612) obra Tractatus de legibus ac Deo legislatore foi publicada em 1612. De legibus é um tratado abrangente e sistemático sobre a lei e todos os seus derivados: divinos ou eternos, naturais, internacionais e positivos ou humanos. Dividido em 10 livros Suárez explica, em um sentido amplo, que a lei é a norma e a medida dos bons procedimentos que se voltam para o melhor e para longe dos menos bons. Afasta-se de Tomás de Aquino, no qual a lei (divina, natural ou humana) é sempre uma característica das ideias divinas.
Parte da razão divina e associa a lei à liberdade. A lei eterna pertence aos decretos do livre arbítrio, e toda lei é um efeito da lei eterna, que dirige todas as partes do universo para um bem comum.
O Jus gentium ou lei das nações está a meio caminho entre a lei natural e a lei humana positiva. Distinguir entre direito natural e direito internacional baseado no costume. Os seres humanos têm um caráter social natural, dado por Deus, que inclui a habilidade de fazer leis. Ele refuta a teoria patriarcal de governo e o direito divino dos reis. A autoridade do Estado não é de origem divina, mas humana, portanto, sua natureza é escolhida pelas pessoas envolvidas e seu poder legislativo natural é dado ao governante.
Defensio fidei (1613) foi uma obra encomendada diretamente pelo Papa Paulo V em que Suarez defendia a teoria do poder indireto do pontífice nos assuntos temporais (ao mesmo tempo contrário à ideia de que os reis recebiam sua soberania diretamente de Deus) e considerada legítima a proteção dos cidadãos contra um príncipe que se tornou tirano. O texto foi queimado publicamente em Londres por ordem de Jacobo I, e também em Paris pelo zelo dos monarquistas galicanos. Dois anos depois de escrever este artigo, aposentou-se como professor em Coimbra. Durante o século XVII, algumas de suas obras apareceram postumamente, entre as quais estão os escritos que tratam da liberdade do homem. O alcance extraordinário de seu pensamento foi mantido vivo por quase dois séculos na maioria das universidades europeias, bem como nos sistemas filosóficos de muitos pensadores importantes.
Luis de Molina (1535-1600) há controvérsias quanto ao início do trabalho acadêmico de Luis de Molina, porém, segundo Copleston, o jesuíta leciona teologia, por vários anos, na Universidade de Évora, em Portugal seu trabalho Concordia liberi arbotrii cum gracie donis, divina praescientia, providencia, praedistinatione et reprobatione, é publicado em Lisboa, em 1589. Molina, também conhecido como o “bom jesuíta”, assim como Suárez, vive a Espanha do final do século XVI.
Iribarne refere-se à figura de uma “Espanha cansada”, à época de Molina, que perde lentamente a sua hegemonia e cede espaço a um sistema de equilíbrio. É o tempo da dispersão política da Europa em Estados soberanos.
A Escolástica Tardia (o período dos pós-escolásticos) começou no séc. XIV e se caracterizou pela separação definitiva entre a Filosofia e a Teologia. A Teologia manteve-se em vigor na escola franciscana, representada por Escoto e Occam e a Filosofia concentrou-se no empírico, no particular e no sensível. A Escolástica conheceu então um notável florescimento na Espanha e em Portugal, comandado pelas ordens dominicana e jesuíta, orientadas para a nova interpretação que se fez da teoria de São Tomás na Itália, especialmente por Santo Antonino de Florença e São Bernardino de Siena. O dominicano Francisco de Vitória fundou uma escola em Salamanca, em que se formaram notáveis teólogos tomistas que, juntamente com os jesuítas de Coimbra e Francisco Suárez, em polêmica com o escotismo e o nominalismo, defenderam uma síntese escolástica tradicional, porém de acordo com as novas tendências de pensamento da época.
O século XVI foi um período extremamente turbulento na história da civilização ocidental. Turbulento por agitações nos mais diversos campos da cultura humana, tais como na religião, com os movimentos das reformas protestantes, contrarreforma ou reforma católica, que proporcionaram intenso debate nas bases religiosas, fundantes da então cristandade europeia; conflitos entre a vontade papal e dos reis, que se refletiu em agitações políticas das mais diversas, a exemplo dos embates envolvendo a dinastia Tudor, na Inglaterra; a descoberta de um novo mundo, a saber, as terras ameríndias no atlântico, que proporcionaram o desafio da expansão de uma visão de mundo e das relações sociais e econômicas; o renascimento das culturas clássicas, juntamente com o final da gestação do que teríamos por cultura moderna; dentre outras coisas mais.
A Escola de Salamanca, Escola espanhola de Paz, ou a Escola espanhola de direito internacional, como também Escola espanhola de moral econômica, ou de Renascimento teológico salamanquense do século XVI, etc. Qualquer uma destas denominações é correta, na medida em que corresponde à verdade histórica contemplada como história dos efeitos, ou seja, ao conjunto das diversas soluções que o numeroso e heterogêneo grupo de pensadores, adscritos às diversas cátedras de Salamanca, ou antes, educados nesses bancos do Estudo Geral por mestre e discípulos, apresentaram aos problemas que lhes foi demandando sua época. É um eixo que podemos estabelecer desde o começo da docência vitoriana até meados do século XVII, dois séculos que coincidem historicamente com o predomínio da instituição monárquica espanhola, no primeiro século, e do papado agasalhado pela Companhia de Jesus, no século seguinte. Desta maneira, a Escola de Salamanca abandona sua forma circular perfeita para converter-se numa semente comum da qual brota o pensamento moderno hispano-americano.
A Escola de Salamanca contribuiu para as áreas do direito, filosofia, economia, estudos culturais, dentre outros campos, a definição da mesma está ligada ao estudo da teologia, como ponto de partida para todas as outras questões. O interesse principal dos autores que podem ser considerados seus membros estava no ensino da teologia, diante de um cenário de crise e decadência da metodologia escolástica tradicional, dotados espírito reformista, de afirmação da teologia como aspecto prático capaz de lidar com as importantes questões presentes no século XVI, marca um ciclo de cultura definitivo para o desenvolvimento da cultura e do pensamento político espanhol, propriamente dito. Quatro professores definem este período: Francisco de Vitoria, Diego de Cavarrubias, Domingo de Soto e Martin de Azpilcueta.
A Escola de Salamanca pode ser dividia em dois grandes períodos, que são, Primeira e Segunda Escolas de Salamanca. A Primeira Escola tem seu início com a chegada de Francisco de Vitória, em 1526, na primeira cátedra de teologia da Universidade. Os autores mais destacados desse período, além do próprio Vitória, são: Melchor Cano, Domingos de Soto, Juan Gil de Nava, Pedro Sotomayor, Juan de Peña e Mancio de Corpus Christi, compreendendo o período histórico que vai de 1526, com a chegada de Vitória, até 1575, com o fim do magistério de Mancio na primeira cátedra de teologia. A Segunda Escola, se estende pelos magistérios de Juan de Guevara, Bartolomé de Medina e Domingo Báñez, no período histórico de 1565 a 1604 (PLANS, 2000, p. 170-83).
Essa distinção é pertinente em vista dos desenvolvimentos apresentados em cada momento. Na Primeira Escola, como explica Plans (2000, p. 170-83), temos uma fidelidade maior à liberdade de pesquisa e interessada na renovação da teologia, com a figura central de Vitória e seus discípulos; enquanto na Segunda Escola, fazem-se presentes dissenções teóricas com a clara divisão entre uma linha que permanece fiel aos métodos e ensinamentos de Vitória e uma outra linha, que chega a se tornar bastante evidente no magistério de Báñez, com menor atenção aos estudos humanistas, apresentação de visão mais estrita do tomismo e maior inclinação especulativa.
É na Espanha seiscentista especificamente na Escola de Salamanca que podemos perceber uma recepção particular dos ideais humanistas, que influenciam diretamente na caracterização e produção epocal do espaço salmantino. Valenzuela-Vermehren (2013, p. 107-11), fornece as informações principais para a caracterização da Escola salmantina e sua apropriação do humanismo.
A apropriação da obra de Aquino marca também uma série de mudanças estilísticas. Francisco de Vitória realiza o questionamento do princípio da ancestor autoritas, sob o argumento de que todas as fontes humanas são falíveis, o que o leva a citar em suas obras, juntamente com os textos de autoridade, obras de autores contemporâneos a ele (VALENZUELA-VERMEHREN, 2013, p. 103-6).
A ideia de que a humanidade pertence a um único gênero, o qual, para Vitória, estaria ligado ao direito natural e abaixo deste ao jus gentium, que por vontade do criador está disponível a todos os indivíduos, podendo por todos ser compreendido e posicionado acima de qualquer direito positivo dos povos. o pensamento do mestre salmantino com a tradição política católica, que não se furta todavia a uma ousadia metodológica de pensar a renovação desta tradição para responder aos problemas do mundo conturbado do século XVI, que se representa de maneira clara com a apropriação do humanismo e o destaque dado para a obra de Tomás de Aquino.
Vitória tem destaque no seu posicionamento enérgico e corajoso contra muitos dos abusos cometidos pelos colonizadores. Entretanto, não podemos esquecer que seu direcionamento ético-normativo para a conduta dos europeus, serve aos interesses evangelizadores da religião cristã católica, que por si só já representa uma força poderosa de colonização, que não passa ilesa da violência necessariamente envolvida nesse processo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A unificação que se transformou a Espanha foi paralela ao início das grandes navegações, que levou Cristóvão Colombo a descobrir as Américas e as riquezas trazidas por essa região, que levaram a Espanha a vivenciar seu apogeu logo no período inicial de sua formação como país. Após essa descoberta e também de um novo trajeto para as Índias, a Espanha se transformou no polo econômico e cultural da Europa e também do mundo, com um prestígio irrefutável. A língua espanhola era a mais desejada de se aprender, como reflexo de sua importância para o mundo naquele período.
A cultura ganhou um espaço até então inédito para a região, patrocinada pelo ouro das Américas que incentivou pintores, escultores, escritores, músicos e arquitetos, inspirados no Renascimento. Além de trazer as ideias filosóficas dos iluministas e trazer à tona cientistas da matemática, física, medicina, farmacologia, psicologia e filosofia.
A Escola de Salamanca foi uma escola de pensamento econômico em várias áreas que teve lugar no Renascimento do século XVI, através de um grupo de teólogos e juristas, eles são bem conhecidos por seu pensamento econômico liberal e por seus estudos sobre os problemas econômicos gerados na Espanha após o descobrimento da América. As obras centrais de Francisco de Vitória e demais pensadores de Salamanca são de suma importância para fundamentação filosófica dos direitos humanos no mundo contemporâneo. O direito das gentes, a primeira gramática em espanhol, o calendário gregoriano e as bases do direito internacional moderno surgem da Universidade de Salamanca.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARAVALL, José Antonio. Antiguos y modernos. Madri: Alianza Editorial, 1965.
PLANS, Juan Belda. La Escuela de Salamanca: y la renovación de la teología em el siglo XVI. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2000.
RUIZ RAMÓN, F. Historia del Teatro Español: desde sus orígenes hasta 1900. Madrid: Cátedra, 2000.
VERMEHREN, Luis Valenzuela. Vitoria, Humanism, and the School of Salamanca in Early Sixteenth-Century Spain: a heuristic overview. In: Logos, 16, 2, Primavera, 2013, p. 99-125.
[1] Pós-doutorando em direitos humanos, direitos sociais e direitos difusos pela Universidad de Salamanca, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: benignonovo@hotmail.com