Teoria Geral do Direito

Etiologia das normas jurídicas

Resumo:   A norma jurídica tem estrutura peculiar e o mundo jurídico funciona com uma lógica dialética própria. Os elementos componentes das normas e seus diferentes tipos fazem do ordenamento jurídico um sistema completo e capaz de autocomplementar-se.

Palavras-Chave: Norma Jurídica. Teoria Geral do Direito. Filosofia do Direito. Jusnaturalismo. Positivismo.

Abstract: The legal norm has a peculiar structure and the legal world works with its own dialectical logic. The component elements of the rules and their different types make the legal system a complete system capable of self-supplementing.

Keywords: Legal Standard. General Theory of Law. Philosophy of law. Jusnaturalism. Positivism.

No mundo do Direito ressalta-se a norma jurídica e, apesar de tantos esforços teóricos e doutrinários não se consegue divorciar da compreensão do fenômeno jurídico todo edifício normativo sobre o qual se dedica toda a Ciência do Direito. Não obstante o debate sobre se a Ciência do Direito seja verdadeiramente Ciência ou técnica[1].

Ao questionarmos o conhecimento produzido pelo Direito, procuramos saber se seria ciência, técnica ou arte. Ora considerada como scientia, pelo teor teórico, e ora como técnica por sua eminente função prática. Por isso, alguns doutrinadores procuram oferecer uma solução eclética.

Há ainda estudiosos que admitem o caráter científico do direito que jaz dentro da Sociologia, negando-lhe autonomia. Enquanto outros peremptoriamente rejeitam ver qualquer cientificidade ao direito. Lembremos que a cientificidade o Direito é apenas nascido ao fim do século XVIII e início do século XIX e sempre traz várias divergências e críticas.

A teoria do Direito como instituição de Hauriou[2], da França e Santi Romano, da Itália ou do Direito como relação intersubjetiva, conforme bem expôs Kant, não são provas do contrário.

A norma revela que o Direito é organização. Para os institucionalistas, existe o Direito quando há uma organização de uma sociedade ordenada através de uma organização, uma ordem social organizada, enfim, a que Santi Romano chamou de “instituição”.

A noção de organização não se afasta da ideia de distribuição de tarefas, o que implica em distribuição de funções, de formas, de modo que cada membro do grupo concorra, de acordo com suas próprias capacidades e competências, para a realização do fim comum.

Não se trata de mera distribuição de tarefas e sim, de normas de conduta voltada à distribuição dessa mesma divisão de ofícios. Portanto, a organização não poderia ser pré-posta as regras conforme bem aludiu Santi Romano[3], sendo imersa a relação, pois, a ordem social organizada pressupõe normas de conduta que bem a estruturem. Evidenciou ainda Bobbio que a teoria da instituição não excluiu, mas incluiu a teoria normativa do direito.

O mestre de Turim, Santi Romano, a respeito dos relacionistas apontou não existir relação per se ou naturalmente jurídica e que a juridicidade de uma relação jurídica é essencialmente uma relação de polaridade direito-dever e que ter direito, basicamente é estar municiado de poder para executar determinada ação.

O poder que não se compreende senão derivado de uma norma que se contém no ordenamento jurídico. Portanto, ao considerar o Direito como relação não elimina, antes mais prestigia a consideração normativa.

Num aspecto conciliador, veio Bobbio expor que as três teorias a saber: normativista, institucionalista e relacionistas[4] que não se excluem, mas se complementam de forma útil.

Cada uma das teorias da norma coloca em destaque um aspecto da multifacetada experiência jurídica. É a teoria da relação, o aspecto da intersubjetividade; a de instituição, o da organização social; a normativista, o da regularidade.

De fato, a experiência jurídica nos fazer enfrentar as relações entre sujeitos humanos organizados estavelmente em sociedade mediante o uso de regras de conduta[5].

O primado da dimensão normativa não afasta o fato de que os três aspectos complementares, o fundamental é sempre o aspecto normativo.

Kelsen entendeu que o jurista deve caminhar de norma em norma, até a norma hipotética fundamental. Considerou a estrutura lógica da ordem jurídica como piramidal, isto é, o legislador, ao elaborar a lei, está aplicando a norma constitucional e o juiz ao sentenciar, está aplicando a lei.

Atualmente, a maioria dos juristas considera o conceito do direito não pode identificar-se com o de norma, apresentando objeções sinceras à Teoria Pura do Direito de Kelsen, diante do seu caráter fragmentário e da própria insuficiência da concepção normativista-legal diante da complexidade das mudanças sociais.

Contemporaneamente, o Direito é encarado como sendo ciência histórico-cultural e compreensivo-normativa. É uma ciência normativa ética. Afinal, não há como depurar os aspectos fáticos e valorativos na ciência jurídica, eis que são aspectos relevantes da experiência humana que devem ser considerados na argumentação e na fundamentação das decisões judiciais.

Portanto, os elementos normativos, sociológicos e axiológicos são essenciais quer para o entendimento, interpretação e aplicação do Direito. (In: PISKE, Oriana. A Concepção Normativista de Kelsen. Disponível em:  https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2010/a-concepcao-normativista-kelseneana-juiza-oriana-piske#:~:text=Ele%20considera%20a%20estrutura%20l%C3%B3gica,sentenciar%2C%20est%C3%A1%20aplicando%20a%20lei.&text=O%20Direito%2C%20na%20atualidade%2C%20%C3%A9,%C3%89%20uma%20ci%C3%AAncia%20normativa%20%C3%A9tica . Acesso em 01.12.2020.).

Conclui-se que a intersubjetividade e a organização são necessárias condições para a formação da ordem jurídica. O Direito é mais que norma. Haverá formas normativas que se projetam sobre a sociedade, tida como técnica de ordenação da conduta humana conforme as diretrizes de cada cultura.

Carlos Cossio viceja o Direito na seara dos objetos culturais por ser real, já que tem existência no espaço, no tempo, por estar na experiência sensível e, por ser valioso positiva ou negativamente.

Portanto, a norma jurídica é um objeto cultural, engendrado para a ordenação do comportamento humano. Como objeto cultural[6] é fenômeno linguístico que se aplica sobre o corpo social com o fito de alterar as condutas nas relações intersubjetivas, promovendo-as em direção de valores que a sociedade pretende realizar.

A ciência é uma sistematização de conhecimentos, um conjunto de proposições logicamente correlacionadas sobre o comportamento de certos fenômenos que se deseja estudar. Assim, a Ciência é todo um conjunto de atitudes racionais dirigidas ao sistemático conhecimento com objeto limitado, capaz de ser submetido a verificação. Lembremos que tópoi é o juízo que fazemos das palavras. Em grego significa lugar comum. As palavras no Direito é tópoi.

A doutrina da cultura ou dos valores é formulação moderna dos problemas da filosofia e das ciências. Assim, se sustenta que o direito, como a ciência, a arte e os demais fenômenos sociais, pertence ao reino da cultura, ou seja, ao mundo construído pelo homem, através da história. Para os culturalistas[7], o adágio expressivo é: “Homem, conheça a obra de teu espírito”, numa formulação socrática referente ao conhecimento no mundo físico.

A norma é igualmente um fenômeno comunicacional que se instala para a formação do mundo social seguindo os valores destacados por Lourival Vilanova in litteris destacou: “Altera-se o mundo físico mediante em resultados. E altera-se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do direito.”.

Sob a batuta de Paulo de Barros Carvalho apontando que com Kelsen, podemos concluir que ali onde houver direito, haverá normas jurídicas. A que poderíamos ousadamente acrescentar: “e onde houver normas jurídicas, haverá certamente, uma linguagem em tais normais se manifestem”.

Tem-se a linguagem como um conjunto ou sistema de sons, ou melhor de hábitos produzidos mediante os órgãos correspondentes com o propósito de servir de comunicação entre as pessoas, isto é, com o propósito de influir em seus atos, decisões e pensamentos.

É um sistema de signos entendidos como unidades de análise do sistema linguístico que se constrói para a comunicação inter-humana.

O signo é um suporte físico que se associa a um significado e a uma significação para aplicarmos a terminologia de Husserl. Refere-se a algo do mudo exterior ou interior, da existência concreta ou imaginária atual ou passada, que é seu significado e suscita em nossa mente uma noção, ideia ou conceito a que chamamos de significação.

Aliás, é conveniente recordar que Charles Pierce e Charles Morris distinguem três planos de investigação dos sistemas sígnicos, a saber: o sintático, em que se estudam as relações dos signos entre si, isto é, signo com signo; o semântico em que o foco é a indagação é o vínculo do signo (suporte fático) com a realidade que ele exprime; e o pragmático, no qual se examina a relação do signo com os usuários da linguagem (emissor e destinatário).

A linguagem como sistema comunicacional, isto é, como sistema voltado ao propósito de influir sobre os atos, decisões e pensamentos das pessoas.

A intenção que move o emissor, da mensagem determina a função da linguagem empregada. Existe um leque de variadas influências que podem ser perseguidas pelo emissor, mas toda essa variedade farta de funções pode classificar-se em grandes grupos e reduzir-se, basicamente, as três funções primárias, a saber: a função descritiva, função expressiva de situações subjetivas e a função prescritiva de condutas.

A função descritiva torna a linguagem tendente a informar o destinatário acerca de situações objetivas ou subjetivas que ocorrem no mundo existencial.

Já a função expressiva quando animado o emissor do propósito de manifestar seus sentimentos ou emoções; a função prescritiva é quando se trata das expressões que emprega uma pessoa para provocar em outra certos comportamentos ou para influir em sua vontade.

A classificação se orienta pelo animus prevalente ou imediato do emissor da vontade, pois toda e qualquer manifestação linguística, desde a mais simples como às mais complicadas raramente encerram uma única função.

Não há como estabelecer correspondência entre as funções que cumpre a linguagem na comunicação humana e a forma de organização das palavras.

A forma se refere à frase, à palavra ou a combinação de palavras com que manifestamos nosso pensamento, e pode ser, grosso modo, declarativa, interrogativa, exclamativa e imperativa.

A forma se infere no plano sintático dos signos; à determinação do animus do emissor não se prescinde de uma investigação dos planos semântico e pragmático.

Com a posse desse substrato conceitual, chega-se a compreensão do valor medular para um pouco sem tribulações na dimensão normativa composta basicamente de enunciado e proposição[8].

Enunciado é produto da enunciação, a atividade psicofísica de verbalizar juízos. Os enunciados como sendo um conjunto de fonemas ou grafemas que, obedecendo as regras gramaticais de determinado idioma, consubstancia a mensagem expedida pelo sujeito emissor para ser recebida pelo destinatário, no contexto da comunicação.

A proposição é o conteúdo significativo que o enunciado exprime. Trata-se da expressão oral ou gráfica, o suporte físico, reside no plano das significações.

A recíproca também é verdadeira, porquanto, muitas vezes, de um único enunciado podemos suscitar duas ou mais proposições, o que indica ambiguidade.

É preciso se afastar do conceito de proposição vinda da concepção primitiva que lhe emprestava a Lógica Clássica[9], como sendo expressão verbal de um juízo, para então identificá-lo como sendo, a noção mesma do juízo, isto é, uma relação conceitual entre conceitos.

Se o Direito é essencialmente uma ciência normativa e a estrutura lógica de toda preposição jurídica é um dever ser, o valor fundamental que o orienta, basicamente afirmar-se-ia que: a sentença deve ser justa; a lei deve ser justa; a obrigação e a indenização devem ser justas; o salário e o preço devem ser justo.

Já asseverou Del Vecchio que: “A noção de justo é a pedra angular de todo edifício jurídico”. A justiça, como o direito, não é mera técnica de igualdade, da utilidade ou da ordem social. Mais do que isso, é virtude da convivência humana. E, significa, fundamentalmente, uma atitude subjetiva de respeito à dignidade de todos os homens.

Também se afasta também a concepção restritiva que nesta enxergava o conteúdo significativo de feição descritiva, apenas. Esclarece Paulo de Barros que a redução se explica por motivos históricos, já que a linguagem descritiva foi pioneira e intensamente estudada.

Atualmente, se pode cogitar de proposições expressivas e prescritivas. O enunciado colhe-se a forma da linguagem, da proposição e da função.

O binômio enunciado-proposição é corolário da dualidade existencial própria de objetos culturais, este que se revelam por uma base material ou suporte sempre agregado a um significado, a expressão particular de um ou mais valores.

O ordenamento jurídico como um organismo objetivado em linguagem, manifesta-se sempre em três planos, a saber: o das formulações literais, o de suas significações isoladas e o das normas jurídicas.

No plano das formulações literais que é composto pelos enunciados de Direito Positivo, pelo conjunto das letras, palavras, frases, períodos e parágrafos graficamente manifestados nos documentos produzidos pelos órgãos criadores do Direito.

No plano das significações isoladas dos enunciados são compostos pelas proposições formuladas a partir da leitura dos enunciados dotados de sentido.

Já em terceiro nível e, só é conquistado a partir da trilha aberta nos planos inferiores. Onde o intérprete promove a contextualização dos conteúdos obtidos no percurso gerativo, com a finalidade de produzir unidades dotadas de sentido deôntico.

Só então a norma jurídica propriamente dita aflora, a partir de leitura dos enunciados e da articulação de suas significações isoladas. Conclui-se que a norma jurídica surge como fruto de um esquema de interpretação realizado pelo homem para construir o sentido deôntico dos enunciados do suporte físico do texto do Direito positivo. Eis o apogeu da missão hermenêutica[10].

É, pois, a norma jurídica produto de uma interpretação par excellence sistemática. Portanto, toda a interpretação de uma norma tem de tomar em consideração a cadeia de significados, o contexto e a sede sistemática da norma, a sua função no contexto da regulamentação em causa.

Daí, a demonstração do peso da sistematização para além da ordenação das regras, com significado para a própria obtenção do Direito, para a própria construção da norma jurídica do qual tão bem se ocupou Canaris.

A norma resultará do esforço de contextualização dos conteúdos obtidos no percurso do processo de construção normativa, a findar com a produção de uma unidade completa de sentido para mensagem deôntica.

A norma segundo Paulo de Barros Carvalho, a expressão mínima irredutível de significação do deôntico. Em resumo, não há como confundir a disposição legal, o enunciado e sua significação isoladamente considerada com a norma jurídica, que tem status de proposição.

O enunciado é o revestimento verbal, o suporte físico, que se pode verter em estruturas gramaticais variadas sendo a matéria-prima para o intérprete.

Segundo o mestre Riccardo Guastini conclui: “interpretare é non giá conoscere, norme puó solo designare (noncerto l’interpretazione, ma piuttosto) la constatazione, la descricione, il rilevamento di uma o piú interpretazioni (altrui)[11]. In DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2005.

O doutrinador italiano estuda a teoria realista[12] da intepretação jurídica desenvolvida particularmente pelo teórico do direito Riccardo Guastini. O autor italiano é um dos principais representantes da escola de filosofia analítica do direito produzida na Itália e é atualmente um dos mais influentes pesquisadores da interpretação jurídica na ciência do direito europeia.

Guastini propõe uma teoria realista da interpretação jurídica, que se apresenta basicamente como uma teoria cética sobre a atividade interpretativa no âmbito do direito. In: GUASTINI, Riccardo. Teoria e dogmatica delle fonti. Milano: Giuffré Editore, 1998.

As normas são entidades necessariamente hauridas da implicitude dos textos, de tal arte que não há propriamente cogitar em existência de normas explícitas. A norma jurídica que viceja no plano das significações, é, pois, uma proposição.

A proposição é um extrato de linguagem que tem função descritiva ou prescritiva, não se restringindo, como antes, à linguagem usada na função exclusivamente descritiva.

Kelsen, por sua vez, utilizou a palavra “proposição” restritivamente, aludindo como sendo o conteúdo dos enunciados descritivos da Ciência do Direito. A redução é justificável por motivos históricos, já que a linguagem descritiva foi pioneira.

Atualmente, a literatura se refere, abertamente às proposições descritivas e prescritivas, segundo as funções a que se propõem imediatamente a realizar.

Sem embargo de o legislador recorrer aos discursos descritivos ou evocativos para reforçar os seus preceitos, a norma é uma proposição prescritiva porque dirigida a influir na vontade dos destinatários, orientando-os em direção aos valores que a sociedade almeja realizar.

Ao alterar os comportamentos humanos nas relações intersubjetivas, aperfeiçoando-os aos valores que a sociedade almeja prestigiar, essa, a função da norma, o elemento finalístico do Direito.

Cumpre fazer a distinção entre as características entre as proposições descritivas e prescritivas. Com Norberto Bobbio, pode-se resumir em três pontos, a saber: a) em relação à função; b) em relação ao comportamento do destinatário; c) em relação ao critério de valoração.

As proposições descritivas tendem à informação já as prescritivas visam a modificação do comportamento dos destinatários. Não que as proposições descritivas também não possam influir sobre o comportamento alheio.

Mas, a influência da informação sobre o comportamento do destinatário é sempre indireta, ao passo que a influência da prescrição é imediata.

Santi Romano com apoio de Hare aduziu que a prova da aceitação de uma informação é a crença, pois somente, pode-se cogitar em consentimento do destinatário quando este crê que a proposição é verdadeira.

O respeito do critério de valoração, cumpre notar que as proposições prescritivas estão expostas ao “valor de verdade” podem ser verdadeiras ou falsas, mas a verdade e a falsidade são atributos que as proposições prescritivas não conotam.

Os critérios de valoração com base em que aceitamos ou refutamos uma prescrição são outros: uma proposição prescritiva pode ser justa ou injusta, válida ou invalidade, mas não pode ser verdadeira ou falsa.

Dentro do âmbito das proposições prescritivas colhe-se sem grandes dissensões, mas o campo das prescrições é gênero próprio que denota variada gama de normas de feição diversa.

O mundo do normativo é enormemente vário e múltiplo; as normas jurídicas, observou Bobbio argutamente, não passam de uma parte da experiência normativa. E, não há consenso em torno da diferença entre as normas jurídicas e outros tipos de norma, sobre a diferença específica que conota a juridicidade de uma proposição normativa.

Percebe-se a absoluta inadequação de um critério puramente formal para identificar o traço peculiar das prescrições jurídicas.

Relatou Bobbio em exame de teorias que identificam certo traço do conteúdo das normas jurídicas, a diferença específica que as aparta das outras figuras que compõem a classe comum do gênero próximo das proposições normativas, como as que identificam a particularidade no fim perseguido pelas normas jurídicas, no sujeito que estabelece a norma, nos valores que as normas jurídicas se propõem a realizar, ou ainda, na feição do destinatário. Tais adjetivações são integrativas e, toda disputa sobre a superioridade de um ou de outro é estéril.

Quanto aos elementos com os quais tradicionalmente são as normas jurídicas, caracterizadas quais sejam: a bilateralidade, a sua generalidade e abstração.

Pela bilateralidade se pode distinguir o Direito da oral, mas não serve para distinguir o Direito das chamadas normas de trato social, tais como as regras de etiqueta e de cortesia, as quais tendem, como as normas jurídicas, a regular as relações sociais dos indivíduos e, por isso, têm igualmente como conteúdo as relações intersubjetivas.

A generalidade e a abstração não determinam a norma jurídica, pois o Direito não consiste apenas em normas gerais e abstratas, mas inclui normas individuais e concretas, único indivíduo em uma situação irrepetível e, convém apenas a um caso concreto particular, e só podem ser aplicados apenas uma vez.

Possuem essa distinção o lançamento tributário, as sentenças e as decisões dos Tribunais, contratos que a despeito da individualidade e concretude merecem e nomen de normas jurídicas.

Desta forma, as normas gerais se dirigem à classe de pessoas. Que se contrapõem as normas individuais, que têm por destinatário um indivíduo particular; classe de ações ou uma ação tipo, se contrapõem as normas concretas que voltam para uma ação singular.

Outro critério diferenciador da norma jurídica é a resposta à violação. A norma prescreve o que deve ser e, aquilo nem sempre corresponde ao que é. Se a ação real não corresponde à ação prescrita, afirma-se que a norma foi violada.

Diferentemente, no caso de lei científica, cuja violação lhe compromete a correção. E o contraste é sanado agindo sobre a lei, modificando-a, a violação lhe compromete a correção e o contraste é sanado agindo sobre a lei, modificando-a, a violação da norma não lhe compromete a validade e o contraste é sando agindo sore a ação desconforme, procurando fazer com que a ação não ocorra, ou pelo menos, tentando eliminar suas consequências.

Essa ação que se cumpre sobre a conduta não conforme para anulá-la, ou pelo menos para neutralizar suas consequências, é precisamente o que se convencionou chamar sanção[13] (que é o expediente através do qual se buscam em um sistema normativo, salvaguardar a lei da erosão de ações contrárias).

A resposta à violação das regras será externa porque infringida pelo grupo social ao infrator, e institucionalizada, isto é, o grupo social, além de regular os comportamentos dos destinatários, regula também a reação dos comportamentos contrários.

Pois, a norma jurídica quando a proposição prescritiva cuja violação tem por consequência uma resposta externa e institucionalizada. Assim, se confirma a intuição de Kelsen a propósito de estar a reação à desobediência, consistente em uma medida de coerção decretada pela ordem e socialmente organizada, o atributo peculiar que o Direito conota.

A norma jurídica não expressa uma única proposição senão duas. Há uma composição dúplice, constando de duas proposições normativas, duas normas jurídicas enlaçadas constituem uma só norma jurídica completa. A primeira proposição prevê o nascimento de uma relação deôntica, prescritiva de direitos e deveres entre os sujeitos que enlaça e deflagrada da verificação dos fatos nesta delineados.

A segunda proposição preceitua a sanção como sendo resposta externa e institucionalizada, ato coativo por parte de um órgão do Estado, no pressuposto do descumprimento do estatuído na norma anterior.

Cabe sublinhar que os destinatários dessas normas são diversos, a saber: a primeira que determina o comportamento que evita a sanção, dirige-se ao cidadão em geral e, a segunda, impositiva das consequências sancionadoras, volta-se para os órgãos estatais credenciados para a imposição da sanção.

Essa estrutura dúplice da norma jurídica completa tem suscitado muitos trabalhos de construção jurídica e geralmente essas normas que compõem bimembridade da norma jurídica completa são nominadas por norma primária e norma secundária.

No entanto, nem sempre o emprego dessa terminologia vem inspirado por critérios uniformes, revelando Bobbio a existência de pelo menos três critérios para o uso dessas adjetivações, a saber: critério temporal, hierárquico e funcional.

O critério temporal orienta o emprego da terminologia segundo a ordem intelectual de compreensão dos contornos da norma jurídica completa. Não se compreende a imposição da sanção sem prévia afronta da relação jurídica pressuposta.

São, então, primárias as normas jurídicas que estabelecem o que deve e o que não deve fazer, as que determinam as condutas juridicamente devidas;

As normas secundárias, são as que preveem as consequências sancionadoras para o caso de afronta ao estatuído na norma jurídica primária.

Bobbio lembrando que no Direito Constitucional as duas expressões: normas primárias e secundárias que são usualmente usadas noutra acepção, para distinguir as regras que na hierarquia das fontes, estão em condições de superioridade ou da inferioridade.

Conclui-se que a terminologia considera um critério nitidamente hierárquico. Segundo o critério funcional oriundo da obra de Kelsen, traz a lume o traço distintivo do Direito, que é a coação.

Kelsen, considerado o mestre da Escola de Viena inverteu as adjetivações com as quais a doutrina tradicional se ocupa das normas componentes da estrutura normativa completa e designa como secundária, a norma que prevê o nascimento de uma relação jurídica de direito material e como primária a norma que surgirá do desacato ao estatuído na norma secundária.

Elege-se, ainda, o critério temporal para a classificação de normas jurídicas primárias e secundárias, conforme lecionam Lourival Vilanova e Norberto Bobbio.

A norma primária que Kelsen designou coo secundária não configura somente o expediente técnico para expor o Direito, então rigorosamente supérflua, como pareceu a Kelsen.

Nos artigos do Código Civil há normas primárias. Cabe sustentar que a juridicidade de uma norma depende do fato do comportamento contrário do previsto. Implicar as consequências atribuídas pela norma secundária, quando a juridicidade de uma norma singular se identifica com a sua validade, depende exclusivamente pertencer a um ordenamento jurídico.

Ao depois, se é verdade que o ordenamento jurídico é dotado de eficácia reforçada (são estabelecidas pessoas encarregadas de efetuar a execução da sanção).

A norma conta também com a eficácia simples, ou seja, voltadas aos cidadãos, e que portanto, são aquelas normas que por serem voltadas aos cidadãos são ditas primárias; e afirmar que essas normas não são jurídicas significaria sustentar que a juridicidade de uma norma depende do fato do comportamento contrário do previsto implicar as consequências atribuídas pela norma secundária, quando a juridicidade de uma norma singular identificar-se com a sua validade, depende exclusivamente de pertencer a um ordenamento jurídico.

Ao depois, se é verdade que ordenamento jurídico é um ordenamento com eficácia reforçada (são estabelecidas pessoas encarregadas de efetuar a execução de sanção).

O caráter dúplice da norma jurídica de acordo com Lourival Vilanova que estabelece que na norma primária, realizada a hipótese fática, isto é, dado um fato sobre o qual ela incide, sobrevém, pela causalidade que o ordenamento instituiu, o efeito, a relação jurídica com sujeitos em posições ativa e passiva, com pretensões e deveres (…).

Na segunda (norma secundária), a hipótese fática, o pressuposto é o não-cumprimento, a inobservância do dever de prestar positivo ou negativo que funciona como fato jurídico (…) fundante de outra, pretensão, a de exigir coativamente perante órgão estatal a efetivação do dever constituído na norma primária.

Nas palavras de Vilanova, a norma primária é oriunda de normas de direito material e norma secundária que é oriunda de norma de direito processual objetivo compõem a bimembridade da norma jurídica: a primária sem a secundária desjuridiciza-se; a secundária sem a primária, reduz-se a instrumento, meio, sem fim material, a adjetivo,, sem o suporte do substantivo.

Trata-se de corte simplificado da composição dual da norma jurídica completa. Num exame mais profundo do campo normativo revela que normas que prescrevem providências sancionatórias sem que essas respostas sejam necessariamente aplicadas por meio de atividade jurisdicional.

É o caso das sanções administrativas, das cláusulas penais concebidas para reforçar a eficácia dos deveres jurídicos contemplados em outras normas primárias. Essas normas estatuem sanções extrajudiciais são também normas primárias e o doutrinador Paulo de Barros Carvalho, valendo-se do léxico cunhado por Eurico Di Santi, designa como normas sancionatórias[14].

Com Porchat de Assis podemos encontrar no ordenamento jurídico duas espécies de normas primárias. A primeira, já mencionada, que prescreve um dever jurídico, se acontecer o fato previsto em seu antecedente; e uma segunda, que tem pressuposto fático o descumprimento de deveres ou obrigações e com consequente aplicação de uma providência sancionatória, sem a força coercitiva da prestação jurisdicional.

A doutrina egológica[15] concebe a norma jurídica completa como uma disjunção proposicional que reúne na mesma estrutura lógica, por meio da disjuntiva “ou” duas proposições de “dever ser” que, a exemplo de Hans Kelsen são designadas segundo um critério funcional.

A primeira que pode ser equiparada à norma primária (a que Kelsen originalmente designou como secundária). Carlos Cossio designou como endonorma e a segunda, paralela à norma secundária (norma primária de Kelsen) o que Cossio chamou de perinorma[16].

A norma jurídica completa há de ser disjuntiva para referir à possibilidade das duas situações, a saber: pretensões e sanção.

Trata-se de norma única e, não de duas normas que abrange os dois juízos condicionais em que consistiam a norma primária e a norma secundária de Kelsen.

Maria Helena Diniz apud Machado Neto[17] afirma que: “Dado um fato atemporal deve ser prestação pelo sujeito obrigado face ao sujeito pretensor, ou, dada a não-prestação do dever ser, a sanção pelo funcionário obrigado face à comunidade pretensora, eis o enunciado completo da caracterização egológica da norma”.

Cossio pôs em destaque a relevância da norma primária ou endonorma que não poderia ser relegado ao mero papel de recurso de linguagem conforme fazia Kelsen. Não se poderia considerar autêntica unicamente a norma secundária (chamada por Kelsen de norma primária), pois há conduta sem interferência subjetiva tanto na violação como na aplicação da sanção, como na adesão espontânea dos destinatários da norma primária.

Ao depois, a regra numa sociedade é o acatamento espontâneo de deveres jurídicos; a aplicação das sanções é medida excepcional. Portanto, a endonorma não é mero recurso linguístico de sentido puramente didático, mas figura de igual magnitude à da norma secundária, tendo também sentido ontológico.

A norma jurídica completa há de ser disjuntiva enlaçada pelo “ou” para referir-se à possibilidade de duas situações, a saber: a pretensão e a sanção. Assim, a fórmula de Kelsen fora enriquecida por Cossio[18] ao mostrar que a estrutura do juízo disjuntivo e ao distinguir entre a perinorma, que é a parte da norma que estabelece do dever, da sanção e a endonorma que contém o dever de realizar aquela conduta cuja omissão ou contravenção constitui o suposto para a sanção.

A fórmula de Kelsen foi enriquecida por Carlos Cossio ao mostrar a estrutura do juízo disjuntivo e distingue entre perinorma (que é a parte que estabelece do dever da sanção) e da endonorma (que contém o dever de realizar aquela conduta cuja omissão ou contravenção constitui o suposto para a sanção).

Cossio, portanto, incorpora, com seus dois termos endonorma[19] e perinorma) unidos pela disjunção “ou”, ilícito sem expulsar como já sabemos, o lícito, representando os dois modos de ser da conduta em face da norma: conduta permitida (endonorma) e a conduta proibida e sancionada (perinorma).

Paulo de Barros Carvalho valendo-se do magistério de Romero y Pucciarelli colheu que os juízos podem ser categóricos, hipotéticos ou disjuntivos.

No juízo categórico, a enunciação não está submetida a nenhuma condição. Será hipotético, quando a enunciação se formula condicionalmente, submetida a uma hipótese, a uma situação que não asseguramos senão supomos: “Se chover, não irei à praia”.

Os juízos disjuntivos assim como os hipotéticos são juízos condicionais; porém enquanto juízo hipotético[20] o condicionante é uma situação externa ao juízo propriamente dito, no juízo disjuntivo a condição funciona como dentro da proposição.

Nos juízos disjuntivos[21] há dois ou mais predicados que se excluem mutuamente, de tal forma que somente um deles, pode ser verdadeiro. Este triângulo é equilátero, isósceles ou escaleno.

Se a norma jurídica completa revela uma dúplice composição, composta por uma norma primária e outra secundária. Internamente, normas primárias e secundárias denotam duas proposições: um antecedente, descritor de determinado fato, a qual se associa em consequente, prescritor de uma relação jurídica que abarca dois sujeitos de direito.

Tais proposições intranormativas (antecedente e consequente) cumprem papel assemelhado ao da prótase e ao apótose na composição do juízo hipotético. A prótase pode ser conceituada como conjunto de critérios para identificação de fato que, acontecido, determina a incidência de certa consequência prevista na apótose. Por sua vez, esta é o conjunto de critérios para a determinação de certa consequência, imputada à realização do fato previsto na prótase.

Toda e qualquer norma jurídica, seja primária ou secundária, exibe uma composição sintática consistente. Se ocorre um fato F qualquer (antecedente) então o sujeito S deve fazer ou não fazer, ou pode omitir a conduta C ante outro sujeito S (consequente).

Exemplo: a norma que comanda o inquilino ao pagamento do aluguel, que é norma primária, exibe a seguinte estrutura: “se se dá o negócio jurídico de locação, então o inquilino deve prestar aluguel ante o locador”.

Destaca Paulo de Barros Carvalho que foi mérito de Kelsen a visualização de proposições jurídicos como juízos hipotéticos e não categóricos como até então sustentara a doutrina tradicional.

Se normas jurídicas consubstanciariam exclusivamente, um ato coativo condicionado ou, em outros termos, amarrariam uma relação de dever ser, uma situação de fato condicionante a uma consequência jurídica condicionada (sanção).

Para Kelsen, a forma lógica de proposição normativa é a de um juízo hipotético para Cossio, a de um juízo disjuntivo. Lourival Vilanova observa in litteris: “considerando-se bem a teoria egológica[22], ela não recusa a estrutura hipotética, pois na fórmula: dado A deve-ser B, ou dado não-B deve ser S , encontra-se a relação ascendente para consequente, característica da conexão hipótese/tese (ou prótase/apódase).

Foi principalmente a partir dessas proposições e, em torno destas desenvolveram-se amplos estudos sobre a estrutura lógica da norma jurídica. Dentre os autores que se têm ocupado do tema como: Kafmann, Schreier, Kalinowski, Bobbio, Garcia Maynes, Berto Copello, Delia e Chave, M. Eugenia Urquijo e Ricardo Guibourg. E, no Brasil temos Machado Neto, Lourival Vilanova, Miguel Reale, Maria Helena Diniz, Paulo de Barros Carvalho, Marco Aurélio Greco, L. Fernando Coelho.

Realmente, a disjunção de Cossio está no enlace das duas proposições normativas, na conexão a endonorma e da perinorma. A estrutura interna de cada um desses membros da norma jurídica completa logicamente de uma proposição antecedente e de uma proposição consequente.

Tornou-se célebre e clássica a distinção exposta por Kelsen a respeito das ordens das leis naturais[23] e das leis jurídicas. Nas primeiras e que também podem ser formuladas como juízos hipotéticos, a relação entre o antecedente e a consequência é determinada por um nexo de causalidade: ligam-se dois fatos mediante uma relação de causa e efeito.

Nas normas jurídicas, condição e consequência são enlaçadas por um processo de imputação lógica: sob certos pressupostos fixados pela ordem jurídica, deve efetivar-se dada consequência pela mesma ordem jurídica estabelecida[24].

A lei natural diz: Se A é B, também é (ou será); a lei jurídica, se A é, B deve ser.

Nas palavras de Bobbio enquanto o nexo que une A e B em uma lei científica é um nexo de causalidade, no sentido que A é a causa de B no sentido de que A é a causa de B, e B é efeito do A, o nexo que une A e B em uma lei jurídica é um A e B em uma lei jurídica, é um nexo, como disse Kelsen, de imputação, no sentido em que a consequência B não é efeito da condição A, mas é imputada a A por um fato humano, mais precisamente por uma norma.

Então, a consequência na lei natural decorre de um fato voluntário, enquanto na norma jurídica a consequência é deflagrada por um ato de imputação, que é uma deliberação voluntária.

Kelsen, ao consagrar o princípio gnosiológico da imputação construiu a lógica do dever ser contrapondo-a à logica do ser. Esta é a da natureza e tem como pressuposto a constância causal e como conectivo de suas proposições o verbo “ser”.

Se a água for aquecida para além de certa temperatura (antecedente), então ocorrerá a ebulição da água (consequente). Aquela, a do ambiente normativo tem como pressuposto a imputação lógica e como característica de suas proposições a expressão “deve ser”. Se ocorrer um ato ilícito (antecedente), então “deve ser “a obrigação do ofensor prestar indenização ao lesado (consequente).

Visualiza-se, então, nas proposições normativas não apenas um, senão dois functores ou conectivos deôntico. Afora o conectivo intraproposicional, que se modalizado em um dos três possível modais deôntico (O, V e P) no interior da proposição consequente, há outro que aflora do nexo entre hipótese e consequência e, bem por isso, por enlaçar duas proposições que compõem a estrutura dual interna da norma jurídica primária ou secundária, é designado como deve ser interproposicional.

Este functor deôntico não cumpre função outra afora conectar as proposições antecedente e consequente, realizando a implicação lógica e, assim não experimenta nenhuma modalização, ou seja, não assume os modos “obrigatório”, “proibido” ou “permitido”. É axiologicamente neutro.

As normas jurídicas revelam internamente uma composição sintática constante, uma estrutura lógica à maneira dos juízos hipotéticos que, formalizada.

O pensamento de Cossio[25] valoriza sobremaneira a liberdade do agente diante do comando expresso pela norma, chegando a negar o caráter imperativo da regra jurídica.

O homem é livre para não cumprir a endonorma, a prestação, sendo então sujeitado a uma sanção aplicada pelo órgão competente. A norma é um juízo que diz algo a respeito da conduta em sua liberdade.

Referências

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[1] Técnica   Jurídica   que é conjunto   de   procedimentos   para   tornar   prática   e   eficaz   as   normas   para   aplicar   o   direito diante do fato concreto a) a) de   elaboração   – utilizado   pelo   poder   legislativo   no   processo   de   criação   da   norma; b) De interpretação – a   técnica da   interpretação   é necessária para   o   direito no sentido   de tornar claro, entender as leis para poder aplicá-las ante um fato concreto; c) De aplicação – para poder aplicar as leis é preciso, primeiro, interpretá-las. Subsunção (LICC).

[2] As instituições representam, no direito como na história, a categoria da duração, da continuidade e do real; a operação de sua fundação constitui o fundamento jurídico da sociedade e do Estado. Assim, a teoria jurídica da instituição, que cinge de perto a realidade histórica, levou tempo para se organizar. Essa tese só encontrou seu verdadeiro assento depois que o terreno foi aplainado pela querela do contrato social e pela querela do aspecto objetivo e subjetivo. Aliás, Rousseau já havia previsto que as instituições sociais existentes eram viciadas posto que fundadas na força pura e que era preciso renová-las por meio do contrato social, traduzido como um instrumento de livre consentimento. As instituições são fundadas em razão do poder, mas este cede lugar a uma forma de consentimento; se a pressão que ele exerce não for até a violência, o assentimento dado pelo súdito é válido juridicamente. In: HAURIOU, Maurice. A Teoria da Instituição e da Fundação. Ensaio de Vitalismo Social. Tradução de José Ignácio Coelho Mendes Neto. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2009.

[3] SANTI ROMANO, O. Ordenamento Jurídico. Tradução Arno Dal Ri Jr. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008. Há uma insuficiência endêmica da concepção do direito objetivo como norma. Afinal, o ordenamento jurídica não é a soma de várias partes, mas uma unidade em si, não artificial ou obtida através de um procedimento de abstração, mas concreta e efetiva. Trata-se de um sistema de normas logicamente concatenadas entre si, não obstante formar-se aos pedaços e possui imperfeições.

[4] A fim de se obter uma sinergia entre as teorias relacionista e instrumentalista do processo, onde a novidade oferecida por Cândido Dinamarco não está tanto em que o processo seja o instrumento de uma jurisdição (atividade do juiz) criadora do direito, mas na enunciação de seus escopos metajurídicos, quais sejam o econômico, o social e o político. (Processo e jurisdição no Estado Democrático de Direito: reconstrução da jurisdição a partir do direito processual democrático, p. 44). In: CINTRA, Antonio Carlos; GRINOVER, Ada P.; DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 14.ed. São Paulo: Malheiros, 1998). Aliás, distintamente dos relacionistas, que consideram o processo um mero aspecto formal do processo. Fazzalari aduziu in litteris: “a partir do género procedimento é permitido identificar o tipo de processo “se” o procedimento inclui a contraparte […]. Ou seja, o processo é sempre reconhecível, mesmo que os poderes dos ‘contraditores’ sejam reduzidos, são alcançadas posições simetricamente iguais entre eles”. In: FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, p. 29, Padova: Cedam, 1975, tradução minha.)

[5] As regras são comandos aplicáveis em um campo de incidência específico, com elementos próximos ao direito comum, capazes de investir um indivíduo na titularidade de direitos subjetivos, os quais, por uma questão de segurança jurídica, tem de estar previamente estabelecidos dentro do ordenamento vigente, por meio dos atos legislativos aptos a inovar, no sentido de criar direitos, diretamente correlacionados a deveres que lhes são inerentes.

[6] Entende-se por cultura tudo que o ser humano acrescenta às coisas com a intenção de aperfeiçoá-las E, abrange tudo que é construído pelo homem em razão de sistema de valores. O espírito humano projeta-se sobre a natureza, dando-lhe uma nova dimensão o que seja valor. Cultura é a natureza transformada e ordenada pela pessoa humana com o escopo de atender aos seus interesses. É o complexo de adaptações e ajustamentos feitos pelo homem que as coisas sirvam aos fins humanos.

[7] O culturalismo jurídico enfatiza os valores do direito, sendo que alguns desses valores assumem maior importância sob o influxo de conteúdos ideológicos em diferentes épocas e conforme a problemática social de cada tempo e lugar. Quatro são as direções principais das teorias culturais do direitos: a concepção raciovitalista de Lask, a concepção tridimensional de Reale e egológica de Carlos Cossio.

[8] A proposição é um juízo revelador da norma jurídica, consistindo esta num imperativo geral, abstrato, bilateral e coativo. A generalidade consiste em ter a norma várias pessoas como destinatárias, quer sejam todos os indivíduos da sociedade (norma geral), quer um grupo em particular (norma especial), mas obrigando todos os indivíduos deste grupo. Os sistemas jurídicos modernos repugnam dispositivos normativos não revestidos de generalidade, atributivos de direitos ou privilégios a indivíduos ou grupos em particular.

[9] A lógica clássica é considerada o núcleo da lógica dedutiva. É o chamamos atualmente de cálculo de predicados de primeira ordem com ou sem igualdade e de alguns de seus subsistemas. Há três principais princípios que regem a Lógica Clássica, a saber: o da identidade, o da contradição e do terceiro excluído.

Princípio de identidade: Um ser é sempre idêntico a si mesmo: A é A. Se substituirmos A por Maria, por exemplo, fica: Maria é Maria; Princípio da não-contradição: É impossível ser e não ser ao mesmo tempo, ou um mesmo ente ser também o seu oposto. É impossível que A seja A e não-A, ao mesmo tempo. Ou, seguindo o exemplo anterior: é impossível que Maria seja Maria e não seja Maria; Princípio do terceiro excluído, ou terceiro excluso: Nas proposições (sujeito e predicado), só existem duas opções, ou é afirmativa ou negativa: A é x ou A é não-x. Maria é professora ou Maria não é professora. Não existe uma terceira possibilidade. Na contemporaneidade, Gottlob Frege revolucionou a lógica ao misturar elementos matemáticos e linguísticos para o entendimento de enunciados e ao distinguir as noções de sentido e referente. Isso possibilitou o aprofundamento na programação, o que, por sua vez, forneceu bases para a criação da informática e dos computadores. Outros filósofos, como os alemães Ludwig Wittgenstein e Rudolf Carnap e o britânico Bertrand Russell, dedicaram-se a estudar as relações entre a lógica e a linguagem, aprofundando os estudos da chamada filosofia analítica da linguagem.

[10] A norma tem gênese no processo político-eleitoral de debate e discussão parlamentar, no qual os representantes do povo vão escolher quais os valores que devem ser tutelados e ter prelazia para a garantia e a manutenção da paz social, diante dos fatos sociais, sendo representada graficamente por meio de leis escritas, as quais são dotadas de proteção jurídica, o que lhe garante obediência e observância obrigatória por todos os indivíduos que vivem em sociedade. Conforme magistério consagrado de Hans Kelsen, a norma jurídica deve ser analisada sob diversos planos de estudo, o qual passa-se a discorrer, de forma sintética. a) existência: trata-se da verificação se a norma ingressou no ordenamento jurídico, adquirindo vigência, mediante a obediência do devido processo legislativo para tanto; b) validade: cuida-se de verificar se a norma em vigor encontra-se procedimentalmente compatível (análise formal) e com conteúdo consonante (análise material), dentro do ordenamento jurídico vigente, com a norma que lhe é hierarquicamente superior. Segundo o escalonamento de normas proposto pelo catedrático austríaco susomencionado, a norma jurídica que goza de prelazia sobre as demais é a constituição, sendo seguida pelos atos legislativos produzidos pelo parlamento (Poder Constituído Legislativo) e, estes, pelos atos administrativos produzidos pela administração pública (Poder Constituído Executivo); c) eficácia: é a qualidade e a aptidão da norma para produção de seus regulares efeitos jurídicos, no sentido de criar vínculos obrigacionais entre os indivíduos, gerando direitos e deveres entre estes; d) efetividade: trata-se da aceitação da norma no meio social em que ela produzirá seus regulares efeitos jurídicos, traduzindo-se na receptividade desta com seu consequente acolhimento entre os indivíduos; e) aplicabilidade: é a delimitação do campo de incidência da norma jurídica, no sentido de se circunscrever quais são os segmentos da sociedade que se encontram sob a égide da mesma, isto é, que se encontram sobre o império de sua observância cogente; f) revogação: é a retirada da norma do ordenamento jurídico, operando efeitos no campo da existência. Observe-se que somente uma norma de igual hierarquia é capaz de revogar outra, retirando-lhe do campo de existência; g) declaração de inconstitucionalidade: traduz-se no reconhecimento de incompatibilidade formal (procedimento) e/ou material (conteúdo) de uma norma em face daquela que lhe é hierarquicamente superior e lhe outorga validade. Assim, uma vez declarada inconstitucional determinado ato legislativo, constata-se que este não possui fundamento de validade que o torne apto à produção de seus regulares efeitos jurídicos. Por sua vez, as normas se dividem em duas espécies, os princípios e as regras, conforme se passa a estudar.

[11] Interpretar já não é saber, as normas só podem designar (não a interpretação, mas sim) a constatação, descrição, detecção de uma ou mais interpretações (de outras)”. Riccardo Guastini é professor emérito de Filosofia do Direito na Universidade de Gênova e diretor do Instituto Tarello de Filosofia do Direito no Departamento de Jurisprudência da mesma universidade. É codiretor das revistas “Analisi e diritto“, “Ragion pratica” e “Materiali per la storia della cultura giuridica“. Seu campo de pesquisa está implantado, entre outros tópicos, na análise de linguagem normativa, conceitos jurídicos fundamentais, a estrutura dos sistemas jurídicos e as técnicas de argumentação e interpretação legal. Entre seus trabalhos mais recentes estão: Le fonti del diritto. Fondamenti teorici (2010), Interpretare e argomentare (2011), Distinguendo ancora (2013) y Discutendo (2017).

[12] As teorias realistas abordadas serão o realismo jurídico italiano de Riccardo Guastini, também chamado de realismo genovês, e o realismo jurídico brasileiro, contido na chamada Teoria do Humanismo Realista. A escolha de ambas as perspectivas teóricas não somente repousa na originalidade deste estudo, quanto se destaca a aposta em dois fatores centrais: ambas as concepções correspondem a visões de realismo jurídico contemporâneo, sendo que ambas trazem fortes contribuições no plano da discussão sobre a linguagem jurídica e os textos jurídicos. O primeiro traço a se constatar é a relevância que os estudos de linguagem têm para a sua arquitetura interna, dentro da grande tendência na Filosofia e Teoria Geral do Direito, de reconhecer que o aprimoramento da linguagem técnica é o que confere maior certeza e precisão à Ciência do Direito, como observa Antonio Enrique Pérez Luño Sabendo-se que a linguagem define o conjunto das práticas discursivas do Direito, é que a questão da interpretação assumirá uma relevância central em sua configuração.

[13] A sanção integra o conceito de Direito e tem lugar na estrutura da norma jurídica. A sanção é uma consequência de uma atitude perante o Direito. Em face de sua existência jurídica, há três condutas possíveis: a) a normal, ou o cumprimento voluntário do preceito normativo; b) a anormal, ou sua inobservância; e c) a sobrenormal, ou a adesão a um mais, que ultrapassa o ordinariamente estabelecido para todos. No primeiro caso, a possibilidade de sancionamento fica de todo afastada, por ser haver consumado de modo regular o dever-ser da prestação. Nos outros casos, ou não houve realização alguma, ou ela foi além do comumente exigido.

[14] Interessante enfocar o mito de Sísifo. Conta-se que Sísifo era o mais astuto dos homens e, chegou até mesmo enganar Tânatos, atando-o aos grilhões de forma que o deus da morte não fosse buscá-lo, e assim, não pode mais ceifar vidas por certo tempo. Tânatos acabou sendo libertado por Ares e, Sísifo então fora arrastado para o inframundo. Mas, tinha ainda um último ardil que era antes de baixar aos infernos, combinou com sua mulher que não fizesse o sacrifício cerimonial aos mortos. E, então, lamuriosos Sìsifo acabou por convencer Hades a permitir seu regresso ao mundo superior, concessão jamais feita a qualquer mortal. Sìsifo disse a Hades que voltaria ao inferno se o deus do inframundo lhe desse a rogada oportunidade de lá sair apenas para poder castigar sua relapsa esposa. E, o que fez Sísifo depois de liberto? O que toda pessoa sagaz faria, ou seja, fugiu. E, por vários anos viveu, até que com a ajuda de Hermes, fora novamente capturado e obrigado a retornar ao inferno. E, foi finalmente condenado a arrastar uma pedra, encosta acima, a qual sempre rolava para baixo antes que o cume fosse atingido, de modo que o trabalho sempre recomeçava. A punição, além de terna, continha um adicional de vingança, requintada, já que se considerada o mais inteligente dos mortais, recebeu Sìsifo o ais fastidioso e inútil dos castigos por haver desdenhado dos deuses. Embora Sísifo tenha sido devolvido aos infernos, o que diminuiu as consequências de seus atos, o rigor do castigo prosseguia já que nada mais poderia fazer para reverter a ilicitude de seu comportamento. Um morto havia escapado de Hades, alterando a ordem cósmica, e a pena aplicada a Sísifo, por maior que fosse, jamais seria capaz de reverter tal fato. A transgressão de Sísifo fora punida através da penas imposta à Sísifo que seria mero paliativo. O referido mito serve para ilustrar a pouca eficácia das sanções. Enfim, a sanção jurídica não tem escopo principal infringir castigo ou pena aos infratores, conforme ocorrera no passado através das vinganças privadas, por exemplo, nada mais o justifica.

[15] A teoria egológica atribui à norma a finalidade de enunciar, como devendo-ser, uma conduta, ou melhor, de representar uma conduta em seu dever-ser. Cossio demonstrou, através de argumentos de ordem diversa, que a tese imperativista não é a correta interpretação do Direito.

[16] A endonorma prevê, como hipótese normativa, um fato ou ato da vida social, e atribui a ele uma consequência que deve ser respeitada. Assim, caso o ato previsto ocorra, surge um novo comportamento como permitido, proibido ou obrigatório. Podemos representá-la com a fórmula já utilizada: Se A, deve ser B (sendo A a hipótese e B a consequência) A perinorma é o componente da norma que reforça a consequência da endonorma. Ela pode reforçar essa consequência por meio de uma punição, que será chamada de sanção penal ou negativa, ou de um prêmio, que será chamado de sanção premial ou positiva.

Caso a perinorma estabeleça uma sanção penal, sua hipótese corresponde à conduta oposta daquela prevista na consequência da endonorma e sua consequência, que deve ser aplicada, é uma punição. Pode ser representada assim: Se não B, deve ser SPe.

[17] Machado Neto, professor baiano, foi o adepto do pensamento filosófico-jurídico do mestre argentino. Apesar de vinculado à concepção jusfilosófica de Miguel Reale, com a sua “tridimensionalidade”, Machado Neto se mostrou vulnerável ao jus-egologismo de Cóssio, que apresenta pontos de contato com a concepção realeana, por intermédio do fenomenologismo husserliano e do normativismo kelseniano. Em 1960, reconhecia e proclamava que “se a posição egológica pôde esquivar-se a todas as contradições do normativismo, pode, ainda mais, resolver certas questões que até aqui tinham sido a “pedra no sapato do jurista”. Tais são as questões das mudanças de jurisprudência, do desuso da lei e da sentença contra legem. Por menos que o normativismo possa convenientemente explicar essas questões, esses fatos, eles são constantes da experiência jurídica, que uma teoria da ciência do direito possa explicar, dar razão. É isso que consegue explicar o egologismo, quando considera a ciência do direito como ciência dos objetos reais, por ter por objeto a conduta em interferência intersubjetiva. Em 1963, o professor baiano ratificou o juízo anterior, nestes termos que são considerados categóricos: “Desejando interpretar juridicamente uma conduta, o intérprete há de referi-la à norma jurídica, a conduta funcionando, aqui, como substrato – um substrato egológico, porque um momento da vida humana, do ego individual – e a norma como o sentido juridico da faculdade, prestação, ilícito ou sanção, que a conduta exibirá.

[18] A formulação de Carlos Cossio é, realmente, mais ampla. A norma jurídica completa tem dois membros chamados de endonorma (conceituação da prestação) e perinorma (conceituação da sanção) não só para terminar com o caos das designações de norma primária e secundária. Assim, dado o fato X, deve ser a prestação (endonorma) ou dada a não prestação, deve ser a sanção (perinorma). Exemplificando: Dado que José é eleitor, José deve votar (endonorma) ou dado que José não votou, deve ser-lhe aplicada a multa (perinorma).

[19] A endonorma representa a licitude; a perinorma, a ilicitude. Para Arnaldo Vasconcelos, estudando a teoria egológica, a coação está fora do fenômeno jurídico. Constitui a coação um ato político de uso do poder na execução forçada da sanção. Através desse ato busca-se recompor o direito violado.

[20] Para o elaborador da Teoria Pura do Direito, a norma e seu juízo hipotético somente serão completos e bastantes em si se contiverem uma cominação de sanção, pois do contrário vão estar na dependência de uma norma sancionatória que lhe complete o sentido, dando-lhe efetividade. Assim, distingue Kelsen entre normas autônomas e normas dependentes. Norma autônoma é aquela que prescreve sanção a um comportamento estatuído, por ela ou por outra regra. Dependente é a norma que estatui um comportamento, sem prescrever sanção, ficando na dependência da norma sancionadora. Por exemplo, a norma constitucional que assegura a todos o direito à vida, não obstante seu nível hierárquico supremo, é dependente, ligada às normas que disciplinam sanção, principalmente aquelas do Código Penal. Todavia, o pensamento de Kelsen, neste particular, não pode ser aceito sem restrições.

[21] O juízo hipotético disjuntivo compõe-se de dois juízos hipotéticos ligados pelo disjuntivo “ou”. Ao enunciado do cumprimento da norma (“Dado fato deve-ser prestação”) Carlos Cossio denominou endonorma. O juízo do descumprimento (“Dada a não prestação deve-ser sanção”) foi chamado perinorma. Perinorma e endonorma correspondem aos conceitos de normas autônomas e normas dependentes em Hans Kelsen, com a vantagem de estarem reunidos num mesmo juízo lógico. Deste modo da norma contida no artigo 129 do Código Penal : “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena ? detenção, de 3 meses a 1 ano”, formularíamos o seguinte juízo hipotético disjuntivo: ” A integridade corporal ou a saúde deve ser respeitada; ou, se não o foi, deve ser aplicada uma pena de detenção de 3 meses a 1 ano”.

[22] Na concepção de Carlos Cóssio com base nas premissas de que a conduta jurídica é perceptível, é justificável e é projetável, a teoria egológica atribui à norma a simples finalidade de enunciar, como devendo ser uma conduta, de representar uma conduta em seu dever-ser. O conceito de imperatividade, apesar de tradicional e largamente difundido, não consegue realizar tal propósito. Cossio demonstrou, através de argumentos diversos, que a tese imperativista não passa de falsa interpretação do problema normativo.

[23] Se, então, a lei natural é descoberta pela razão a partir das “inclinações fundamentais da natureza humana… Absolutas, imutáveis e de validade universal para todos os tempos e lugares, “segue-se que a lei natural fornece um conjunto objetivo de normas éticas que guiam as ações humanas em qualquer tempo ou lugar. A lei natural é, em sua essência, uma ética profundamente “radical”, pois ela expõe o status quo existente, que pode violar gravemente a lei natural, à impiedosa e inflexível luz da razão. No campo da política ou da ação estatal, a lei natural fornece ao homem um conjunto de normas que pode ser radicalmente crítico às leis positivas atualmente impostas pelo estado. Neste momento, precisamos destacar apenas que a própria existência de uma lei natural sujeita à descoberta pela razão é uma ameaça potencialmente poderosa ao status quo bem como uma reprovação permanente da soberania de costumes cegamente tradicionais ou à vontade arbitrária do aparato estatal. Na verdade, os princípios legais de qualquer sociedade podem ser estabelecidos de três maneiras diferentes: (a) seguindo-se os costumes tradicionais da tribo ou comunidade; (b) obedecendo-se à vontade arbitrária e ad hoc daqueles que governam o aparato estatal; ou (c) utilizando a razão humana para descobrir a lei natural — resumindo, por conformidade subordinada aos costumes, por capricho arbitrário ou pelo uso da razão humana.

[24] O conceito de juridicidade pode revestir as quatro formulações seguintes: 1. A juridicidade envolve a essência lógico-formal do Direito, sem pertinência a seu conteúdo histórico-axiológico; 2. O Direito é sistema de coordenação entre as partes, e não de subordinação de uma pela outra; 3. Ao gênero Direito pertence tanto o Direito Positivo, como o Natural; 4. a bilateralidade atributiva decorre de intersubjetividade ínsita na natureza do homem, a responder por sua condição primordial de ser que só alcança afirmar-se no reino da liberdade.

[25] Para Cossio uma norma é uma significação. A conduta em sua liberdade, que se fenominaliza na vida do homem, não pode ser objeto de conhecimento conceptual. O pensamento cossiano fez escola na Argentina, representado por Enrique Aftalión, Fernando García Olano, José Vilanova, para quem “o direito não é norma, mas conduta normatizada. Em outros termos, as normas não são um complexo de significações transcendentes com relação às condutas humanas, mas estão dentro dessas condutas, a que configuram ou conformam com sua significação jurídica. O direito, como objeto real a estudar, não é a regulação da conduta, mas a conduta regulada. É errôneo identificar o direito com a lei ou mesmo sobrepor esta àquele; a lei não é toda a experiência jurídica – posto que esta seja conduta –, mas apenas parte dela; é o ingrediente conceitual ou esquema interpretativo, com que se há de conceituar, interpretar e compreender o sentido valioso de dita experiência.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Etiologia das normas jurídicas. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/teoria-geral-do-direito/etiologia-das-normas-juridicas/ Acesso em: 21 nov. 2024