Teoria Geral do Direito

O que vem a ser a ciência jurídica? Definição de Direito ontem e hoje

Resumo: O modesto texto aborda o significado, conceito e finalidade do Direito. E, ainda, aborda os contornos do Direito Contemporâneo.

Palavras-Chave: Teoria Geral do Direito. Conceito de Direito. Finalidade de Direito. Interpretação do Direito. Teoria Pura do Direito.

Résumé: Le texte modeste aborde le sens, le concept et le but de la loi. Et, encore, il aborde les contours du droit contemporain.

Mots-clés: Théorie générale du droit. Notion de droit. Objet de la loi. Interprétation de la loi. Théorie pure du droit.

Na obra intitulada “Teoria Pura do Direito” de autoria de Hans Kelsen desqualificou-se a importância do jusnaturalismo como teoria válida para o Direito e, pretendendo conferir caráter definitivo ao monismo jurídico do Estado, fez deste um alvo perfeito de críticas, principalmente, calcadas nos déficits éticos do pensamento jurídico que assim purificado e com conseguinte desinteresse dos juristas em realizar cientificamente um Direito atrelado aos critérios de legitimidade não apenas formais.

De fato, a obra citada foi um marco do paradigma positivista, não poderia deixar de resultar em uma ciência das normas que atingisse seus objetivos epistemológicos de neutralidade e visando expulsar os juízos de valor e aspectos morais subjetivos.

Com a Teoria Pura do Direito[1] era, portanto, possível galgar a autonomia disciplinar para a ciência jurídica. No princípio do século XX, Kelsen[2] apresentou sua obra e trouxe a concepção de ciência jurídica que procurava promover a depuração alcançando maior objetividade e exatidão. Foi expressiva a ousadia de Kelsen desqualificar a relevância do jusnaturalismo como teoria para o direito e, imprimir caráter definitivo ao monismo jurídico estatal.

A relação entre direito e ciência segundo Kelsen começa logo pela definição do objeto da ciência do direito, que para ele é constituído em primeiro lugar pelas normas jurídicas e também pelo conteúdo dessas normas, isto é, pela conduta humana regulada por estas.

E, enquanto normas reguladoras de conduta, o Direito se traz em ser um sistema de normas em vigência, situando-se no campo da teoria estática do Direito.

Por outro viés, se o objeto do estudo se desloca para a conduta humana regulada como atos de produção, aplicação e observância de certas normas jurídicas, o processo jurídico em sua dinâmica de criação e aplicação, realiza ao que chamamos de teoria dinâmica do Direito.

E, tal dualismo é, apenas, aparente já que a dinâmica se subordina à estática por uma relação de validade formal pois os atos de conduta humana que desencadeiam o movimento do Direito são peculiares ao conteúdo das normas jurídicas e, só nesta medida, é que interessam para o estudo da ciência jurídica.

Segundo Kelsen, a ciência jurídica representa uma interpretação normativa dos fatos: “Descreve as normas jurídicas produzidas através de atos de conduta humana e que hão-de ser aplicadas e observadas também por atos de conduta e, consequentemente, descreve as relações constituídas, através dessas normas, entre os fatos por elas determinados”.

A diferença conceitual entre proposições jurídicas da ciência, que são os juízos hipotéticos que enunciam que, de acordo com o ordenamento, sob certas circunstâncias ali previstas, devem ocorrer certas consequências também previstas por este ordenamento e normas jurídicas, que não são juízos acerca de uma realidade externa, mas sim, mandamentos que encerram comandos, permissões e atribuições de poder ou de competência é então estabelecida pelas funções: descritiva, da ciência e prescritiva, do Direito.

Afinal, é que, para Kelsen, a ciência não produz direito, não possui essa função criadora, pois limitada ao papel de conhecimento do direito produzido pela autoridade jurídica, isto é, por aquele a quem o ordenamento atribui capacidade ou competência para produzir normas jurídicas, na relação entre estática e dinâmica do Direito, que aprendemos como a teoria dogmática das fontes do Direito.

Essa distinção entre ciência jurídica e Direito, Kelsen a situa no plano da validade formal, afastando do campo do Direito as questões relativas à veracidade ou falsidade de seus imperativos de conduta, in litteris:

         “A distinção revela-se no fato de que as proposições normativas formuladas pela ciência jurídica, que descrevem o Direito e que não atribuem a ninguém quaisquer deveres ou direitos, poderem ser verídicas ou inverídicas, ao passo que as normas de dever-ser estabelecidas pela autoridade jurídica – e que atribuem deveres e direitos aos sujeitos jurídicos – não são verídicas ou inverídicas, mas válidas ou inválidas, tal como também os fatos da ordem do ser não são quer verídicos, quer inverídicos, mas apenas existem ou não existem, somente as afirmações sobre esses fatos podendo ser verídicas ou inverídicas”.

A ciência é o conhecimento que explica os fenômenos obedecendo as leis que foram verificadas por métodos experimentais. Portanto, a ciência baseia-se na regularidade, na previsão e no controle de fenômenos que podem ser observados. Toda ciência traduz um modo de conhecer fundamentado em um método, o chamado método científico.

As teorias são constantemente testadas, objetivando sua comprovação ou a substituição por outra teoria que resista à checagem. Enfim, o objetivo da ciência é explicar, descrever e prever os fenômenos a partir do desenvolvimento de procedimentos metodológicos que possam ser constantemente verificados e reproduzidos.

O método começa pela observação do fenômeno, através de sistemática controlada, a verificação de fatos, a elaboração de hipóteses que sejam testáveis ou falseáveis, a produção de implicações, conclusões e previsões e, a realização de experimentos, para produzir novas observações e a análise lógica e, assim, produzir novos fatos e, descobrir se os resultados corroboram com a teoria.

A ciência se opõe ao senso comum, pois não é dotada de rigor ou comprovação, sendo baseado somente em crença. O senso comum traduz apenas um saber subjetivo e, portanto, varia de pessoa para pessoa e de grupo para grupo. Já a tecnologia é conjunto de práticas e conhecimentos de um determinado campo teórico elaborado a partir de um ideal científico.

Pode ser igualmente definida como sendo o estudo e processo de métodos usados para transformação e domínio do meio. Sem dúvida, a ciência vem galgando cada vez maior espaço no século XXI. Mas, é importante afirmar que a ciência não é crença inquestionável, o que a difere, por exemplo da religião.

Pois, a religião se fulcra em um dogma, isto é, numa hipótese incondicional, que deve ser aceita pela fé, toda afirmação científica necessita de ser fundamentada e passível de teste, de forma que qualquer posso, inerentemente ao que acredita ou não, possa acessar as mesmas conclusões ou refutá-las ao analisar a forma como esta fora construída e formulada.

Importante, ainda recordar que a ciência não é argumento de autoridade, fruto de um só pensador, por mais que seja reconhecido, como Sócrates, Platão, Aristóteles e Tales de Mileto ou Pitágoras.

A ciência não é o senso comum, isto é, saberes adquiridos e transmitidos socialmente seja por nossas experiências de vida, que oferecem respostas prontas e acabadas para questões corriqueiras e frequentes do nosso cotidiano.

A história da ciência é composta por uma série de pensadores – muitos deles cujos nomes se perderam ou são pouco lembrados – que, por seus trabalhos, foram fornecendo contribuições para os métodos científicos que utilizamos hoje. Citaremos aqui alguns nomes importantes.

Aristóteles[3], nascido em 384 a.C, em Estagira, na Grécia, Aristóteles foi discípulo de Platão, mas, diferente de seu mestre que focou seus estudos no mundo das ideias, como médico, Aristóteles estava mais interessado no mundo natural.

Desse modo, foi um dos pioneiros a introduzir a observação metódica da natureza, com descrições precisas do que observava. Ao tentar entender as causas dos fenômenos que observava, foi também responsável por introduzir a lógica a ciência.

Galileu[4] mesmo quase dois mil anos depois, em 1564, em Pisa, na Itália, nascia outro grande nome para a ciência. Galileu Galilei, mais do que físico, astrônomo, inventor do telescópio, escritor, entre diversas outras qualidades, foi um dos responsáveis por introduzir ao método de observação de Aristóteles uma característica fundamental, a da experimentação metódica.

Dessa forma, hipóteses derivadas da observação precisariam ser testadas através de experimentos. Diversas teses físicas de Aristóteles, como a de que corpos com maior massa cairiam mais rápido, puderam, com isso, ser provadas falsas.

Newton é uma figura que um ano após de quando morreu Galileu, 1643, nasceu, no Reino Unido, Isaac Newton. Indo além de Galileu, ao estudar os movimentos dos corpos, Newton conseguiu esquematizar suas observações e experimentos em um sistema de equações que montava um quadro de análise a partir do qual poderiam ser tiradas conclusões exatas.

Em sua obra “Princípios Matemáticos de Filosofia Natural” ele cria e demonstra as ferramentas matemáticas que sustentam sua lei da gravitação universal, que serviam tanto para explicar o porquê de objetos caírem quando soltos quanto o movimento de corpos celestes.

Karl Popper[5]

As descobertas e leis de Newton prevaleceram por séculos e contribuíram para visões deterministas (de que a ciência poderia determinar o comportamento de qualquer fenômeno físico) que só viriam a ser desfeitas com nomes como Einstein e Heisenberg, respectivamente, com a Teoria da Relatividade e o Princípio da Incerteza, no século XX, que demonstraram erros na teoria de Newton.

Entre esses séculos, sobretudo no século XIX, predominou um “cientificismo”, ou seja, uma supervalorização da ciência como capaz de determinar qualquer coisa. É num ambiente assim que nasce Karl Popper, na Áustria, em 1902. Popper é o responsável por estabelecer o princípio da falseabilidade, segundo o qual uma teoria só é científica se for possível prová-la falsa. Ou seja, ela deve ser capaz de ser testada.

Enquanto os testes não demonstrarem que ela é falsa, ela pode ser considerada válida. Abandonava-se assim o caráter de infalibilidade da ciência, dominante nos momentos cientificistas.

Thomas Kuhn[6], por sua vez, nascido nos Estados Unidos, em 1922, traz a ideia de paradigmas e revoluções científicas.

Observando atentamente para fatores sociológicos, Kuhn estabelece o progresso da ciência no esquema abaixo, conforme trazido por Alam F. Chalmers no livro “O que é Ciência, afinal?”: pré-ciência – ciência normal – crise-revolução – nova ciência normal – nova crise

A pré-ciência seria uma atividade desorganizada e diversa. Ela se torna estruturada e dirigida quando a comunidade científica se atém a um paradigma. Um paradigma pode ser entendido como relações científicas passadas reconhecidas pela comunidade científica como legítimas para uma prática posterior, como resumido por Nuno Borja Santos, no artigo “A aprendizagem segundo Karl Popper e Thomas Kuhn”.

Dessa forma, a mecânica de Newton pode ser considerada um paradigma e os cientistas que trabalhavam tendo ela como base praticam o que Kuhn chama de ciência normal. Ao fazê-lo, eles se aprofundarão e realizarão uma série de experimentos. Quando esses experimentos encontram uma série de falsificações, têm-se uma crise naquele paradigma.

Essa crise levará a uma revolução científica, como a Teoria da Relatividade de Einstein[7], por exemplo, que gerará um novo paradigma, no qual se dará uma nova ciência normal, à espera de uma nova crise.

Dessa forma, para Kuhn, se constrói o progresso da ciência. Assim, mesmo que um paradigma se prove falso, sua existência é importante pois só através dela poderão ser feitos estudos aprofundados que concluirão que ele é falso. A ciência é vista, dessa forma, como um constante avanço baseado em tentativa e erro.

São vários os tipos de ciência. Apesar de suas diferenças, todos tentam se adequar a algum tipo de método[8] para sustentar suas afirmações e o sonho de toda nova disciplina é ser reconhecida como científica. Os principais “tipos” de ciência são: ciências humanas, ciências exatas e ciências biológicas.

As ciências humanas, como o próprio nome diz, tratam das relações entre diferentes grupos de pessoas, tentando compreender hábitos, acontecimentos o funcionamento da sociedade, do Sistema Internacional, a política, a história, entre diversos outros fenômenos. São exemplos a História, Filosofia, Sociologia, Economia, Relações Internacionais, Direito, entre outras. Entre as ciências humanas, estão as ciências sociais.

As ciências exatas, por sua vez, são baseadas em raciocínios lógicos sustentados com base em aplicações quantitativas, com a utilização de números, fórmulas, equações, etc. São exemplos a matemática, a química, a física.

Já as ciências biológicas envolvem a aplicação da biologia para o estudo de organismos vivos (espécies, reprodução, sistemas, saúde, etc.). Envolvem toda espécie de organismos vivos, independentemente de seu reino, filo, classe, ordem, família, gênero ou espécie.

As ciências sociais são uma ampla área de estudos voltada a entender a forma de funcionamento, desenvolvimento e organização das sociedades. Nas ciências sociais são estudados todos os aspectos importantes relacionados a uma sociedade: suas origens, processos históricos, funcionamento, aspectos de desenvolvimento, transformações sociais, conflitos, características culturais e hábitos.

A área de Ciências Sociais Aplicadas reúne campos de conhecimento interdisciplinares, voltados para os aspectos sociais das diversas realidades humanas. Ou seja, estão reunidos nessa área cursos que, embora tenham conteúdos diferentes, têm o mesmo objetivo: entender quais são as necessidades da sociedade e, também, quais são as consequências de viver em sociedade.

Em 23 de janeiro de 2008, por meio da Portaria nº 9, o Ministério da Educação (MEC), por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), estabeleceu que este grupo comporta os cursos nas áreas de Administração, Arquitetura e Urbanismo, Ciências Contábeis, Ciência da Informação, Comunicação, Desenho Industrial, Demografia, Direito, Museologia, Planejamento Rural e Urbano e Serviço Social.

Mas essa divisão pode não deixar as coisas muito claras. Por exemplo, em um primeiro olhar, Ciências Contábeis pode parecer se encaixar perfeitamente no campo das Ciências Exatas e não nas Ciências Sociais Aplicadas.

De acordo com o Censo da Educação Superior, em que Administração aparece como o segundo curso mais procurado no país? Pois bem, estamos diante do primeiro colocado: Direito.

Essa é uma das profissões mais tradicionais da história da humanidade e, não por acaso, uma das que mais trazem impactos na sociedade.

Em geral, os estudantes de Direito são engajados com questões sociais e políticas, Direitos Humanos e resolução de conflitos. Depois da formação, o campo de atuação é amplo e envolve um plano de carreira: advocacia, procuradoria, consultoria, defensoria pública, magistratura, diplomacia, entre muitas outras.

Cada uma dessas profissões tem suas particularidades, mas, em geral, as carreiras do Direito compartilham algumas funções em comum, como: resolução de disputas legais; aplicação e auditoria do cumprimento de leis; intermediação em relações jurídicas; condução de investigações sobre infrações da lei; elaboração de inquéritos e processos e, etc.

Em resumo, o profissional está sempre em busca de fazer valer a ordem prevista na Constituição Federal Brasileira e em legislações de órgãos e instituições. Por ser uma área tão ampla e necessária, há oportunidades de atuação na iniciativa privada, na pública e no terceiro setor.

Algumas das matérias da faculdade de Direito são: Direito Civil; Direito Penal; Direito Trabalhista; Direito da Tecnologia da Informação; Direito Constitucional; Direito Ambiental e Sustentável; Psicologia e Relações Humanas; Resolução Simulada de Conflitos.

O estudante precisa de uma formação extensa — com a duração de 5 (cinco) anos — para ter contato com todas as áreas do Direito e preparar-se para prestar a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que é a porta de entrada para o mercado de trabalho.

A ciência do direito, também denominada de dogmática jurídica, é a principal dentre as ciências jurídicas. Em sentido amplo, refere-se ao estudo do direito visando sua aplicação e, em sentido estrito, à operação do direito com sentido tecnológico, tendo em vista o problema da decidibilidade[9].

A ciência jurídica in stricto sensu[10] é normalmente associada ao positivismo jurídico, que a partir de uma distinção entre fato e valor, teria buscado excluir ou pelo menos mitigar a influência da moral dos valores no direito. E, nesse sentido, a ciência do direito estaria  baseada num fenômeno objetivo e observável e não valores relativos e subjetivos.

Em tempo, convém frisar que a ciência do direito é distinta da filosofia do direito, da teoria geral do direito e da doutrina jurídica disciplinas que, apesar de todo rigor metodológico, não dependem da observação, verificação e falseabilidade com explanações fundamentadas em uma teoria científica, como é o caso da ciência do direito.

Segundo a lição de Tércio Sampaio Ferraz Junior, o vocábulo “ciência” não é unívoco, apesar de designar um tipo específico de conhecimento, porém, não existe um critério único que determine sua extensão, natureza e características devido ao fato de existirem vários critérios possuidores de diversos fundamentos filosóficos que extrapolam a prática científica.

Recentemente, destaquei em um texto de minha autoria intitulado “A morte de Deus e o Direito como muleta metafísica”. Disponível em:  https://letrasdopensamento.com.br/autor/gisele-leite-articulista/artigo/a-morte-de-deus-e-o-direito-como-muleta-metafisica que o Direito é uma muleta metafísica[11] como tantas outras ciências normativas e, quiçá, como Ciência Social Aplicada. As memoriais disputas sobre tal termo restam mesmo ligadas à metodologia.

O Direito pretende estabelecer a ordem e o justo. Para dar conta desse anseio, ele está amparado em princípios que não escapam daquilo que Nietzsche entenderia também como muleta metafísica: a liberdade, a igualdade, a vida e etc.

A plurivalência do vocábulo “direito” comporta numerosas expressões conceituais. E, em razão da generalização vocabular, ou porque falte-nos maior capacidade de abstração para formular um conceito tão abrangente capaz de abrigar todo fenômeno jurídico nas suas causas mais antigas, na sua expressão pura, na coercibilidade da norma, e na sujeição do indivíduo e do Estado, ao seu imperativo, é mesmo difícil encontrar uma sintética fórmula que dê a exata noção do direito, independentemente de qualquer restrição.

Del Vecchio[12] apontou que as manifestações jurídicas ordinárias são facilmente perceptíveis. Portanto, a ideia abstrata do direito nos direciona ao conceito cultural, e sua extremação, com os conceitos afins, a fixação de elementos essenciais, que ainda não encontram uma formulação imediata.

O palpável e perceptível fenômeno jurídico é patente principalmente ante a ideia de sua negação que corresponde à ofensa, à contrariedade ou distorção, onde jaz vivaz a ideia de direito.

Ressalte-se que os demasiadamente influenciados pelo positivismo o confundem com a lei, mas pecam pelo excesso, e Cícero há mais de dois milênios já vislumbrava que quando havia um furto ou assassínio, se tornassem justos em razão de o legislador, num gesto, o permitir como norma de comportamento.

Porém, não foram mais felizes os historicistas, os normativistas, os finalistas e os sociólogos do direito que trouxe contaminadas concepções dos prejuízos decorrentes da visão unilateral sobre o direito.

Enfim, diante tantas ilustres pensadores e doutrinadores tais como Kant, Ihering, Regelberger ou Levy-Ullman, Kelsen, Del Vecchio, Savigny ou Radbruch, todos foram impotentes em consagrar uma noção capaz de consagrar receptividade pacífica e aceita por todos.

Caio Mário da Silva Pereira, grande doutrinador brasileiro, apontou de forma mais sintética que direito é o princípio de adequação do homem à vida social. E, está na lei, como exteriorização do comando do Estado, mas também, integra-se na consciência do indivíduo que pauta sua conduta pelo espiritualismo do seu elevado grau de moralidade, está no anseio de justiça, como ideal eterno do homem, está imanente na necessidade de contenção para a coexistência.

O direito positivo num acepção geométrica, pode-se enxergar a vida jurídica de certo povo, numa certa época, e verificar que a normação da coexistência social, em certo momento histórico, se encontra submetida às regras dirigidas à vontade de todos. E, não importa se é um momento contemporâneo ou pretérito. Dá-se o nome de direito positivo o que se define como sendo conjunto de princípios que pautam a vida social de determinado povo em determinada época. Assim, encontramos o direito positivo de Roma, da Inglaterra, da Alemanha e do Brasil.

E, não importa se escrito ou não escrito (consuetudinário). O direito positivo, na boa síntese de Henri Capitant[13], é o que está em vigor num povo determinado e compreende toda a disciplina da conduta, inclui todas as leis votadas pelo poder competente, bem como os regulamentos, as disposições normativas de qualquer espécie. Ligado ao conceito de vigência, o direito positivo fixa nesta o fundamento de sua existência. Portanto, é contingente e variável.

Já o Direito natural em contraposição ao direito positivo, surge a ideia sobre a qual se manifestam as correntes filosóficas e as escolas em divergência, reduzindo-o, ou tentando fazê-lo, às suas dimensões sectárias.

É fato que se costuma afirmar que o direito positivo se opõe ao direito natural, aquele representando o regime de vida social corrente, este o conjunto de princípios ideais preexistentes e dominantes. Enquanto o direito positivo é nacional e contingente. Ao passo que o direito natural é universal e eterno.

Em verdade, não há contraposição ou antinomia, pois que, se um é fonte de inspiração de outro, não exprimem ideias antagônicas, mas, ao revés, tendem a uma convergência ideológica, ou, ao menos, devem procurá-la, o direito positivo amparando-se na sujeição ao direito natural que a regra realize o ideal e, o direito natural inspirando o direito positivo para que este se aproxime progressivamente da perfeição.

Ainda na Antiguidade Clássica, os filósofos pré-socráticos já sustentavam a existência de princípios eternos e imutáveis geradores da noção de justiça, que seria por isso mesmo eterna e imutável.

Embora os romanos fossem menos dados à tanta especulação filosófica, nem por isso, deixaram de admitir a eternidade do ius naturale que não era limitado a uma concepção abstrata, porém, considerado como inspiração da tendência que sempre se viu, no sentido da crescente humanização dos princípios jurídicos, dentro da evolução histórica do direito romano.

Com advento do cristianismo, os doutores da Igreja[14] retomaram a noção de direito natural, de origem divina e desenvolveram a dualidade de princípios, uns constituindo a ordem eterna e, outros a ordem humana que Santo Tomás de Aquino, em suas deduções, expôs quando enumerou três espécies de leis, a saber: a lex alterna, que governa o mundo e é inacessível ao comum dos mortais; a lex naturalis que é perceptível pela razão do homem, porém ditada pela expressão divina; e a lex humana que tende à perfeição na medida em que se aproxima da lex naturalis. (In: Summa Theologiae, Prima Secundae, Quaestio, 91).

No século XVI, Hugo Grócio[15] sustentou que em oposição ao direito positivo, imperfeito e transitório, havia o direito ideal e eterno, impregnado na consciência humana e gerado pela razão, criou a chamada Escola de Direito Natural, que se estendeu por toda a Europa, conquistando muitos pensadores para o qual o direito natural é paradigma da lei mutável e humana e, por essa razão, as leis não possuem base na vontade do legislador, que é apenas seu intérprete ou veículo da lei natural.

Em combate ao jusnaturalismo, veio a Escola Histórica[16] que se opôs a ideia de um direito que seja universal e eterno, pois que o fenômeno jurídico como produto do meio social não tem origem sobrenatural nem emerge da razão humana. Ao revés, elaborado em consequência de fatores históricos e peculiares a cada nação, está em permanente processo de evolução e aperfeiçoamento.

Era adversária igualmente do direito natural é a Escola Positivista, que se expandiu muito no século XIX e que não enxerga senão a realidade concreta do direito positivo que seria suficiente então para explicar e preencher o jurídico, uma vez que o direito não é mais do que o legislado, ou complexo de normas elaboradas pelo Estado, sem qualquer sujeição a uma ordem superior ou imanente, e sem se cogitar de sua justiça, pois que o fundamento do direito é a força, e seu objeto a realização do anseio de segurança.

No século XX, retoma a ideia jusnaturalista seus foros de predominância, renascendo no movimento neotomista, na ideia neokantiana, na expressão contraditória de Rudolf Stammler, que afirma a existência de um direito natural de conteúdo variável. E, na técnica de François Gény[17], a que não é estranha a ideia  paranaturalista do donné, em contraposição ao construit, resultante este da técnica, na submissão do direito positivo à regra moral de Georges Ripert.

O jusnaturalismo viu-se revigorado a partir da segunda metade do século XX – após a Segunda Guerra Mundial, frente a necessidade de reincorporar valores antes esquecidos, mas que se mostraram imprescindíveis para a proteção do ser humano em face das arbitrariedades perpetradas por regimes totalitários.

Na França, Michel Villey (1914-1988) assume uma postura crítica à modernidade e procura voltar às origens de nossa civilização, resgatando noções jusnaturalistas da Antiguidade. John Finnis (1940) talvez seja o jusnaturalista mais influente do presente. Em sua visão, os seres humanos, ao agir, identificam seus fins e somente depois buscam meios razoáveis para obtê-los.

Tais fins e tais meios deveriam ser limitados pelo direito. Os fins deveriam ser estabelecidos entre os bens humanos básicos e os meios deveriam ser limitados pelas exigências da justiça e do bem comum.

Ludwig Enneccerus[18] assinalou que no caso de insubordinação do direito positivo ao direito ideal ou à justiça absoluta, caberá ao legislador corrigir a falha pela derrogação da lei má, mas não ao juiz recusar-lhes a aplicação em nome da justiça ideal.

Enfim, o direito natural é a expressão destes critérios de justo absoluto e de direito ideal. Certo que há na norma jurídica um princípio moral, porém, a coincidência não é absoluta.

Quando o devedor invoca a prescrição para deixar de pagar, vale-se de faculdade assegurada na ordem jurídica, com a qual foge ao cumprimento da obrigação e, deixa de restituir ao credor o que lhe cabe. O direito disciplina a alegação, mas a ação do devedor, juridicamente incensurável, não satisfaz às exigências da moral.

Distingue-se, portanto, o conceito de liceidade a de moralidade, afirmando-se que a submissão à norma jurídica nem sempre implica a aprovação da regra moral, o que as fontes já assinalavam pelas palavras de Paulo: “non omne quod licet honestum est” (nem tudo o que é lícito é honrado.).

E quando no Livro I do Digesto[19], vem definindo o conteúdo da norma jurídica através de Ulpiano: “honeste vivere, neminem laedere, suum  cuique tribuere” (“viver honradamente, não fazer mal a ninguém, dar a cada um o que é seu”), o que se enunciam simultaneamente conceitos fundamentais de moral. 

Outro exemplo, é quando se fulmina o ato viciado de dolo ou fraude, quando impõe a responsabilidade do que voluntariamente torna impossível a prestação, quando agrava o dever de indenizar em quem aliena, o que não lhe pertence, o direito dá satisfação à moral, imprimindo maior rigor ao preceito, em função da moralidade da ação.

A determinação do objeto de conhecimento[20] é, em sua gênese, a coisa descircuntacializada pela atividade teorética J. M. Vilanova, em sua obra “Filosofia del derecho y fenomenologia existencial, Buenos Aires Coperadora de Derecho y Ciencias Sociales, p. 22, ao se referir ao sujeito cognoscente desprende de todo intramundo da circunstância em que se dava: a atividade teorética implica em desprendimento de todo interesse circunstancial, pretendendo uma mera contemplação.

Esclarece o doutrinador, que o objeto é o cogitatum de algum ato de consciência (cognitio) e como se trata de conhecimento, o cogito apropriado modo que o objeto será aquilo que o sujeito pensante fala quando julga.

O objeto é aquilo que a ciência tende ou ela conhece.

Questiona-se qual é o ponto capital em torno do qual desenvolve o jurista o seu estudo? Outro questionamento: qual é o objeto da jurisprudência? É o conhecimento do direito, mas na verdade, é a concretização da norma jurídica abstrato que redunda no julgamento e na interpretação.

Para que o jurista possa conhecer o direito, que se determine escrupulosamente o objeto, qual seja a essência do direito. Nessa reflexão, de caráter ontológico é que se poderá conhecer o direito.

Direito é realidade da vida social e não da natureza física ou do mero psiquismo dos seres humanos. O Direito não existiria sem a sociedade. A sociedade não é só de pessoas, mas também de coisas produzidas pelo trabalho. Ao homem não seria dado produzir se não fosse dotado de qualidades biopsíquicas que o singularizam.

O conceito da ciência do direito jamais poderá determiná-lo. A definição essencial do direito é tarefa que ultrapassa a sua competência. É problema jusfilosófico pois a questão do ser do direito constitui campo próprio dos questionamentos da ontologia jurídica[21].

O grande busilis consiste em encontrar uma definição única, concisa e universal que abranja em que se pode apresentar o direito e que, assinalando as essências que fazem dele tema de realidades diversas das demais, purifique-o de notas contingentes, que velam por sua verdadeira natureza.

Segundo Miguel Reale, o direito é a ordenação ética coercível, heterônoma e bilateral atributiva das relações sociais, na medida do bem comum. Sua definição, portanto, apresenta a soma das características gerais e distintivas das normas éticas. “O Direito é a norma das ações humanas na vida social, estabelecida por uma organização soberana e imposta coativamente à observância de todos”, segundo Ruggiero e Maroi, em Istituzioni di diritto privato, 8 ed., Milão, 1955, v.1, § 2º.

Miguel Reale, em Lições Preliminares de Direito, afirma que “aos olhos do homem comum o Direito é a lei e ordem, isto é, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros”. O direito, assim, é um conjunto de normas éticas (uma “ordenação ética”).

A teoria do “mínimo ético”[22] consiste em dizer que o Direito representa o mínimo de moral imposto para que a sociedade possa sobreviver. Como nem todas as pessoas levam em consideração a moralidade de um ato ao praticá-lo, ou seja, sempre existe um violador da moral, surge então a figura do direito, como instrumento de imposição das normas de forma mais rigorosa.

Para a concepção normativista, o direito essencialmente como norma, surgem várias perspectivas de estudo. Em primeiro lugar, há a perspectiva científica, a da ciência do direito, conjunto de conhecimentos ordenados segundo princípios e, dotado de método próprio.

Ocupa-se da estrutura do direito, de suas normas, institutos, conceitos e categorias, material com que trabalha toda a doutrina jurídica no processo de análise, interpretação e aplicação de regras e normas. Em segundo lugar, há a perspectiva sociológica, da sociologia do direito que estudo a relação existente entre direito e sociedade, preocupando-se com a eficácia e as funções das normas jurídicas, propriamente, com a análise sociológica de sistemas jurídicos, o que lhe permite apreciar o sistema em sua totalidade e em relação ao seu contexto. Interessa-se, sobretudo, pelo que o direito deve ser. Em terceiro lugar há a perspectiva filosófica que se ocupa dos fundamentos da ordem jurídica, ou seja, os valores que lhes dão sustentação e legitimidade, e dos quais, os mais importantes são a justiça, a segurança e o bem comum.

A justiça é tida como especial valor a realizar e, ainda, na perspectiva histórica que permite conhecer a gênese e a evolução das instituições jurídicas, matéria que é objeto de estudo da história do direito. E, estuda, particularmente como o direito se formou, ao longo dos séculos.

Pela filosofia do direito, tem-se ainda a perspectiva metodológica, com crescente relevância do estudo dos processos de aplicação e de realização do direito. A metodologia jurídica não como disciplina autônoma, mas como proposta de reflexão filosófica sobre o processo de realização do direito, não procura somente definir as técnicas ou estabelecer as regras instrumentais para aplicá-lo, mas também refletir sobre este de modo crítico, vendo-o mais como prática social e prudencial do que como conjunto de regras vigentes em determinada sociedade.

O direito é um pensamento que se destina a resolver problemas práticos, configurando-se mais como ciência da decisão do que como ciência do conhecimento. Estuda como o direito se realiza.

O direito como produto histórico e, ipso facto, cultural, resulta de processo de institucionalização de práticas e de comportamentos típicos, de órgãos e critérios de decisão, que a sociedade e o Estado estabelecem, para o fim de dirimirem os conflitos de interesses, previsíveis e tipificados.

Conforme destacou Miguel Reale, o direito surge quando os jurisconsultos romanos, com sabedoria empírica, quase intuitiva, vislumbraram na sociedade “tipos de conduta” e criaram, como visão antecipada dos comportamentos prováveis, os estupendos modelos jurídicos do direito romano.

Tais modelos jurídicos funcionam como diretivas para a ação, fins ou valores a realizar, formalizam-se em estruturas jurídicas compreendendo as normas, os institutos, as instituições, os conceitos, enfim, todos os elementos que, de natureza essencialmente técnica formal, ajudam a construir o sistema de direito.

Quanto as funções do direito, principalmente em face da sociedade contemporânea, trata-se de problema teórico da sociologia do direito. E, nesta perspectiva, enfatiza-se a dimensão social do direito, que focaliza a relação entre este e a sociedade, suas recíprocas influências e modificações.

Considera-se, portanto, a função, a tarefa como sendo um conjunto de fazeres que o direito desempenha, ou pode desempenhar, na sociedade humana. A noção de função exprime o conjunto de tarefas que se espera realizar com o direito, de acordo com os objetivos e propósitos de ação dos sujeitos jurídicos, que formulam, aplicam ou se utilizam do direito na sua experiência de vida em sociedade.

Entre as principais funções do direito seriam as resolver conflitos de interesses, as de regulamentar e orientar a vida em sociedade e as legitimar o poder político e jurídico. Assim, o direito, revela-se em ser instrumento de integração e de equilíbrio, oferecendo ou impondo regras de comportamento para a decisão que o caso concreto sugere.

O direito não é uma ordem de paz, mas de conflitos. E, nesse particular, são importantes a mediação e a conciliação como métodos alternativos de solução de conflitos de interesses.

Dentre as várias funções que podem se atribuir ao direito, destaca-se, especial a importância do direito civil, a de resolução de conflitos de resolução privada, quer pelos meios formais de procedimento judicial, quer por meio de mecanismos alternativos e informais, tal como a mediação, conciliação e arbitragem.

Dá-se a mediação quando as partes aceitam ou solicitam a intervenção de terceiro neutro, não se obrigando a acatar sua opinião, a arbitragem quando as partes elegem livremente um árbitro, obrigando-se, previamente, a aceitar a sua decisão.

A vivência social que tanto interessa ao direito é chamada de experiência jurídica, sendo a de conflitos de interesses quando o direito é chamado a disciplinar no exercício de uma das suas mais importantes funções, a de resolver os referidos problemas, visando garantir a realização dos ideais humanos, de ordem, justiça e bem comum.

Lembremos que as normas jurídicas não são proposições neutras, desvinculadas de razões, motivos, contextos ou finalidades que lhes justificam a criação. Toda técnica jurídica é tida como conjunto de processos de realização do direito e, modela-se ao projeto político-filosófico a serviço da justiça. Tal projeto visa a realização de objetivos que a sociedade considera fundamentais e que, por traduzirem uma escolha entre diversas opções, exprimem-se por meio de valores que constituem a ética da comunidade.

O fundamento da norma jurídica ou do sistema de direito são, portanto, os valores, as ideias básicas que apresentam como qualidades ideais de bens e, que por isso mesmo, determinam os modos de comportamento individual e social e os subordinando a um sistema de normas cujo cumprimento permite ou destina-se à realização de tais valores.

O direito é instrumento de controle social constituído de normas que representam a escolha que o legislador faz entre diversos valores, como resposta às necessidades de solução de conflitos ou de organização social. Portanto, o direito é, assim, uma realidade cultural e histórica que somente se compreende com a referência e o conhecimento dos valores que constituem a sua finalidade e a razão de ser.

Com razão, nos ensinou Bobbio que o jurista que não for capaz de ultrapassar o direito positivo é capaz de estabelecer o que é juridicamente válido (problema de validade), porém, não é capaz de reconhecer o que vale como direito (problema do valor do direito). A única via para compreender o direito como ideia de justiça é a de abandonar o terreno empírico, ascendendo ao fundamento do direito que são os valores.

Os valores jurídicos podem ser classificados conforme seu grau de importância, em valores jurídicos fundamentais[23], valores jurídicos consecutivos e valores jurídicos instrumentais. E, a Constituição Federal do Brasil de 1988 já enuncia logo em seu preâmbulo que os valores que presidiram à sua elaboração: “(…) a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça. (…)”.

Os valores jurídicos fundamentais são aqueles de que depende todo o sistema jurídico. E, os valores jurídicos consecutivos são os que se configuram como efeito imediato da realização de valores fundamentais. Os mais importantes são a liberdade, a igualdade, a paz social de grande relevância para o direito civil e direito penal.

Os valores jurídicos instrumentais são os que traduzem em meios, processos e procedimentos para a realização dos valores anteriores. Seu objetivo é possibilitar que se concretizem e consistem nas chamadas garantias constitucionais[24] e nos procedimentos judiciais que estão à disposição dos cidadãos.

Enfocarei prioritariamente a justiça que é um valor jurídico fundamental e sua definição unitária é difícil. Desde os filósofos gregos passando por Sócrates, Platão, Aristóteles, pelos juristas romanos, pelos grandes mestres do Direito natural e pelas modernas teorias jurídicas, uma definição precisa e exata jamais fora possível.

A justiça é valor cultural e como standard é produto histórico e relativo conforme o momento histórico e os povos que a estabelecem. Em priscas eras, ainda na cultura grega, a ideia de justiça pressupunha conformidade e igualdade, já na cultura hebraica-cristã, a obediência à lei de Deus; na cultura romana, uma ordem de paz através de contínuo confronto com a noção de autoridade.

Ulpiano afirmava que justitita est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi, a justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um, o que é seu. É um virtude, uma atitude dos homens no seu relacionamento social.

Antes de tudo, representa a preocupação com a igualdade, o que pressupõe a escorreita aplicação das regas e normas de direito, evitando-se o arbítrio, e com a proporcionalidade, ou seja, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, mas na proporção de sua desigualdade e de acordo com seus méritos.

O problema central, consiste, todavia, em determinar o devido, o justo meio, dando-se a cada um de acordo com seu trabalho e a utilidade social do que produz. É possível visualizar duas espécies de justiça, uma geral que é a conformidade do comportamento humano com a lei moral e, uma particular, que se manifesta nas relações da pessoa com os demais membros da sociedade.

Aristóteles distinguia a justiça particular em três espécies, a saber: a comutativa, a distributiva e a legal. A primeira visa a igualdade entre os sujeitos, a equivalência entre as prestações, o equilíbrio patrimonial entre as partes da relação jurídica. É a justiça dos contratos, de vida particular.

A justiça distributiva consiste, por sua vez, em repartir proporcionalmente entre os membros da comunidade as vantagens sociais e os encargos comuns e, adota o princípio da proporcionalidade, o que significa aduzir, a cada um conforme, sua necessidade.

A justiça legal ou geral é a justiça nas relações dos sujeitos com a autoridade, que se traduz na submissão à ordem jurídica vigente. A justiça comutativa representa o ideal do cidadão, já a distributiva corresponde ao ideal do governante e, a justiça legal ao ideal do cidadão enquanto pessoa.

A dinâmica e a complexidade das relações e do processo de desenvolvimento econômico, político e social veio a exigir do direito, um sentido de harmonizar os interesses individuais e coletivos, fez surgir outra modalidade de justiça. A chamada justiça social que foi revelada em doutrina da Igreja e visa estabelecer conexão entre a consciência moral e a consciência social da coletividade, exigindo que a ordem jurídica se mantenha ligada à ordem moral.

Defende a luta contra os privilégios e exalta a preservação da dignidade humana, no sentido de fazer com que cada um contribua para o desenvolvimento, em todos os seus aspectos, da comunidade.

A fundamentação dos valores da justiça social[25] exerce assim uma função corretora do individualismo, equilibrando a atividade e os interesses dos mais variados setores sociais.

A justiça social não surge como uma virtude, mas sim, como uma tomada de consciência do conceito do bem comum, em uma perspectiva do direito como instrumento de controle, mudança e promoção social[26].

É por força da justiça social que há a legislação especial de proteção do consumidor, de locação de imóveis urbanos, a da reforma agrária, da política agrícola e, etc.

A crítica de Friedrich Hayek à Justiça Social que concebeu a justiça social como uma expressão desprovida de sentido, apesar de possuir uma aura sacra. Além de ser um pleonasmo (pois justiça é fenômeno social). Hayek também diz que o uso de “justiça” no termo é apenas porque trata-se de uma palavra eficiente e atraente.

Para ele, os defensores da expressão promovem uma ideia de distribuição de riquezas ou bens que não apresentam um consenso: quando se considera como critério para tal as virtudes ou o mérito, nasce a necessidade de se determinar o que constitui o merecimento. Se distribuir pela necessidade, seria um ato de caridade, e isto seria inviável se não fosse orientado por regras formais. Se for pela igualdade, sem considerar as diferenças, todos os indivíduos seriam tratados como iguais.

Hayek analisou a Justiça Social no mesmo sentido da expressão justiça distributiva, porque, segundo ele, atualmente as duas são empregadas como equivalentes[27].

Para Hayek, a justiça social, por vezes, a justiça econômica, por se tratar sempre de redistribuição de renda, passou a ser considerada algo que as ações da sociedade ou o tratamento dado pela sociedade aos indivíduos e grupos, deveriam ter.

As críticas de Hayek se concentram principalmente em seu livro Direito, legislação e liberdade. Conforme o autor, a vinculação do termo ao tratamento dado pela sociedade aos indivíduos com base em ‘merecimento’ cria um distanciamento com a justiça pura e simples, além de mostrar um vácuo no conceito – discorre Hayek (1985, p. 99), in litteris:

       Para Hayek, justiça social é uma miragem, algo inatingível, e a busca por esse ideal destruirá o único “clima em que os valores morais tradicionais podem florescer, ou seja, a liberdade individual.” (HAYEK, 1985, p.103).

Friedrich Hayek alega que a expressão ‘justiça social’ não é ingênua, de boa vontade para com os menos afortunados, mas sim uma “insinuação desonesta de que se tem o dever de concordar com uma exigência feita por algum grupo de pressão incapaz de justificá-la concretamente.”

Conclui Hayek[28], no livro Direito, legislação e liberdade, sobre justiça social:

         “Para que o debate político seja honesto, é necessário que as pessoas reconheçam que a expressão é desonrosa, do ponto de vista intelectual, símbolo da demagogia ou do jornalismo barato, que pensadores responsáveis deviam envergonhar-se de usar, pois, uma vez reconhecida sua vacuidade, empregá-la seria desonesto.”. (In: HAYEK, Friedrich von. Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia política. São Paulo: Visão, 1985).

Em artigo de minha lavra intitulado “Direito Contemporâneo e Principiologia Jurídica, disponível em:  https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/direito-contemporaneo-e-a-principiologia-juridica destaquei que:

“A luta do Direito timbrada pelo humanismo procura valorar a sobrevivência dos princípios em relação às normas. O Direito está além da prescrição e nem se resume na norma em sua dimensão coercitiva.

Não basta apenas cumpri-la para garantir seu cumprimento e a convivência pacífica, há um suntuoso aparato de instrumentos dotados de força suficiente e com poderes capazes de viabilizar o pacto social”.

Kelsen ressaltou em sua Teoria Pura do Direito que a concepção do Direito como ordem coativa da conduta humana se subsume num entendimento de ordem racionalista.

O Direito contém normas que se encontram graduadas em escalões dentro de uma pirâmide hierárquica. Desta forma, uma norma depende da outra e, assim, a norma fundante é a que dá origem e fundada e, esta, por sua vez, passa a ser fundante relativamente à norma inferior e, assim, sucessivamente.

De modo quando no neoconstitucionalismo que esquadrinha um Estado que prima pela garantia de direitos fundamentais-sociais, os legados da modernidade não se harmonizam com este novo modelo estatal, de Direito e de processo.

O Direito precisa atender com eficiência às necessidades da sociedade complexa e de risco, a qual pertence. O Direito precisa disciplinar a presente modernidade líquida conforme a dicção de Zygmunt Bauman.

Lembremos que o Direito Processual desde a época medieval fora marcado pela inquisitoriedade, uma herança indelével da Santa Inquisição, de onde se tinha a persecução penal, caracteriza-se pela busca verdade, de maneira que esta é imposta antecipadamente. O que infelizmente delegou alguns aspectos presentes no processo penal moderno.

A inquisitoriedade como paradigma moderno racionalista reverencia a verdade como imutável e eterna, não afetada pelo transcurso do tempo e nem mesmo pelas mudanças sociais e históricas.

Enfim, o conceito de Direito produzido pela modernidade estava assentado no que fora teoricamente positivismo jurídico. E, com as transformações ocorridas na sociedade e, também na teoria do direito, o paradigma jurídico contemporâneo se traz pelo trinômio composto por moral, princípios e discricionariedade.

Portanto, há o predomínio da utilização de princípios, de pela incorporação da moral ao Direito; e conceito de direito parece ganhar nova resposta, criada, a partir do chamado pós-positivismo.

O pós-positivismo é considerado pela eclosão de diversas construções teóricas que pretendiam romper com a visão positivista de Direito. E, assim, a teoria de Ronald Dworkin através de seu conceito interpretativo de Direito, reconhece a moral da comunidade política com a instituidora do Direito, bem como relevante missão dos princípios no fechamento da aplicação dos direitos, elementos que conformam a sua tesse da possibilidade de uma única resposta correta.

Também Neil MacCormick, com sua proposta de reconciliação entre o caráter argumentativo do Direito e o Estado Democrático de Direito, trouxe o reconhecimento de freio fundamental no processo de argumentação jurídica, que é a conformação da argumentação às condições de racionalidade e razoabilidade que se aplicam a todos tipos de razão prática.

Cumpre ainda lembrar de Jürgen Habermas, ou até de Niklas Luhmann, que, com as particularidades e a sofisticação de suas teorias, por vias diversas, trazem ao Direito a questão da comunicação.

Apesar de todos estes doutrinadores, em sentido amplo, considerados pós-positivistas, não é esse movimento que se pretende explorar. E, colocar o problema pois há a pretensa tentativa de mudança paradigmática no Direito operada a partir de uma relação consequencial (se quiser, causal) entre o trinômio moral, princípios e discricionariedade.

E, este pós-positivismo é próprio de grande parte das teses neoconstitucionalistas, que inauguraram novo modo de pensar o Direito.

Todavia, especialmente observando o fenômeno jurídico brasileiro, é possível identificar um núcleo comum a todas essas novas teorias. Sem dúvida alguma, no paradigma jurídico contemporâneo, este núcleo comum traz a marca do trinômio moral-princípios-discricionariedade.

Apenas para ilustrar o que foi referido acima, veja-se, por exemplo, o posicionamento de Susanna Pozzolo a respeito da questão da moral. Para a autora, a constituição, axiologicamente concebida, retoma a ligação entre direito e moral, o que conduz a uma interpretação do direito vinculada a valorações éticas. Como consequência, a interpretação moral da constituição possui uma dupla face: ao mesmo tempo em que concretiza a justiça substancial, “vuelve al derecho incierto” através da “elección de los valores que se creen prevalentes”

Assim, dando continuidade, apesar de alertar para o perigo da formação de um “governo de juízes”, Pozzolo entende a leitura moral da constituição como equivalente à realização de uma “reflexão moral individual” do julgador no processo decisório.

Pode-se então afirmar que a incorporação da moral ao direito produz elasticidade interpretativa, que, ao fim, acaba afirmando a discricionariedade judicial, por meio da eleição de valores.

E, com relação aos princípios, a situação não é diferente e, para Prieto Sanchís, a diferença entre a interpretação da constituição e a de uma lei é quantitativa, porque, considerando que a constituição é formada por princípios, eles aumentam as possibilidades interpretativas, ou seja, as zonas de penumbra. E, para Sanchís, os princípios: a) possuem elasticidade interpretativa; b) quando não positivas no texto constitucional, aparem como standards débeis simples razões para decidir; c) são aplicados com a ajuda de critérios por este chamados de valores extrajurídicos.

Ainda sobre os princípios, Paolo Comanducci, por sua vez, afirma que as Constituições do novo constitucionalismo tendem a potenciar politicamente os juízos.

No seu entendimento, a positivação de princípios e sua aplicação na resolução de casos concretos através da ponderação, sem que haja a fixação de hierarquia entre estes, gera a atribuição de juízos constitucionais com margem ampla de discricionariedade e que convive com colegisladores. Ou seja, os princípios constitucionais abrem espaços para o livre-arbítrio do julgador, ao ponto de torná-los constituintes.

Quanto ao tema da discricionariedade judicial está presente nesta nova tendência, sendo relevante Gustavo Zagrebelsky. E, para o juristas italiano, sua ideia de constituição viva, cuja atualização não depende apenas de reformas, mas de uma contextualização, está vinculada à discricionariedade. Isso porque, em sua concepção, o poder discricionário dos juízes é inevitável, ou, nas palavras do doutrinador, irremontable.

A respeito dos posicionamentos de Susanna Pozzolo, Prieto Sanchís, Paolo Comanducci e Gustavo Zagrebelsky, é necessário que sejam feitas pelo menos três observações. Primeira, que eles demonstram o quanto o tema da moral e, principalmente, dos princípios estão interligados com a discricionariedade decisória, são inclusive, os motivos pelos quais é possível se afirmar uma elasticidade interpretativa que conduz a uma questão de discricionariedade, eleição, escolha.

Segunda, que eles estão inseridos no contexto da construção de novo paradigma, isto é, a incorporação e da moral ao Direito e o reconhecimento da discricionariedade dos juízes são concebidos como elementos inéditos rupturais para a teoria do Direito, que inauguram uma nova tradição jurídica. Terceira, que eles são representantes de uma vasta doutrina que influenciou diretamente o sistema jurídico brasileiro.

Na contemporaneidade, o paradigma jurídico é marcado pelo predomínio dos princípios, o que atinge os âmbitos da aplicação, da teoria, e inclusive, da produção (legislativa) do direito, com a incorporação e criação, na dogmática jurídica, de novos princípios.

Para comprovar esta afirmação basta observar que: a) na esfera legislativa, o CPC incluiu em seu bojo numerosa quantidade de novos princípios, como o da razoabilidade, da eficiência, da confidencialidade, da alternatividade, do sorteio, dentre outros; b) na esfera jurisdicional, a não aplicação pelo Superior Tribunal de Justiça, do artigo 212 do CPP, que estabelece que, no inquérito, as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida, que sucumbe em face da primazia dada ao chamado princípio do prejuízo; e, c) na esfera doutrinária, a numerosa quantidade de novos princípios que são teoricamente criados.

No mesmo sentido dos princípios, também não houve outro período em que mais tenha se defendido a liberdade do juiz no julgamento da causa ou a possibilidade de que decida com base em critérios

extrajurídicos, tais como seus sentimentos. Nunca antes, houve tanta evidência a polêmica acesa ativismo e a judicialização da política. Ainda, parece ser atributo deste período o reconhecimento de uma centralidade da jurisdição, caracterização por um forte papel de última palavra na determinação do conteúdo do direito.

Enfim, por que obedecemos ao Direito? E, qual a relação verdadeira entre Direito e moral? É um Direito apenas mero sistema formado por regras. Por meio de tais questionamentos é possível para

Herbert Hart e seu respectivo positivismo são os principais aspectos pelos quais versa a questão, ao longo dos tempos, pois, para muitos doutrinadores, o que é mesmo o Direito?

Eis que há três perspectivas a serem consideradas, mas partem do eixo apresentado por Hart. No fundo a questão da obediência do Direito é também uma pergunta por sua validade, o que nos remete aos seus fundamentos, e retoma a polêmica sobre a moral e o conteúdo do Direito, ou seja, de se saber se este apenas se constitui de um sistema de regras.

Os três enfoques formam uma só teoria compondo o denominado positivismo jurídico moderado de Hart. Primeiramente, o conceito do doutrinador não exclui completamente o conteúdo moral do Direito, como tradicionalmente se caracterizou o positivismo jurídico.

E, pode ser atribuído a Hart, e sua obra, que enfrentou veemente o realismo jurídico de Oliver Wendel e Holmes, e, assim, se o direito não é aquilo que os tribunais dizem o que é, então, a questão da discricionariedade judicial fica, no mínimo, suavizada.

MacCormick afirma que uma das principais características do positivismo é negação de elo conceitual necessário entre o Direito e moral. Portanto tem a negação de que o Direito seja essencialmente um caráter moral em sua fundação. Apresentou Hart, tese diferenciada e apontou inevitável superposição entre o Direito e moral.

Reconhece nitidamente que o Direito possa a ser influenciado pela moral, entretanto, ressalta que isso não ocorre necessariamente. Isto é, ele não nega a possibilidade de ligação entre direito e moral, mas apenas afirma que dessa relação não depende a validade das regras jurídicos. Portanto, não existe uma obrigação moral de obedecer à lei.

Mas, qual seria o lugar da moral para o doutrinador Hart? Enfim, tanto a moral como o Direito compartilham um conteúdo mínimo de Direito Natural e, existe um mínimo naturalmente necessário para que exista estabilidade social. E, afinal, aqueles que têm o desejo de sobreviver devem participar das ordenações sociais.

E, são estas regras essenciais ao convívio harmônio humano que também fazem parte de um código moral, de modo, que as regras jurídicas básicas sã também, de quase todos os pontos de vista, regras morais básicas.

É preciso lembrar, neste ponto, que, para Hart, o sistema jurídico é um sistema composto por regras – primárias e secundárias. As primárias são aquelas que impõem deveres e obrigações; as secundárias são as que concedem poderes (em uma linguagem mais simples, são regras procedimentais, de competência). Ambas, são regras sociais, que “devem sua origem e existência exclusivamente

às práticas sociais humanas” e, portanto, seu cumprimento não se traduz em uma exigências de obediência moral.

Onde fica, então, a validade deste sistema de regras? O que torna as regras primárias e secundárias Direito? Para responder a estas perguntas, Hart cria a regra de reconhecimento: uma regra secundária que estabelece critérios para que as demais sejam válidas.

Uma regra que quem “impõe deveres sobre aqueles que exercem o poder público e oficial, especialmente o poder de julgar”. E é aqui que, novamente, entra a questão da moral, pois, em resposta à crítica de Dworkin, no posfácio de sua obra, Hart afirma que “a norma [regra] de reconhecimento pode incorporar, como critério de validade jurídica, a obediência a princípios morais ou valores substantivos”.

Hart desenvolve uma noção forte de sistema de regras. Isso é resultado de sua insurgência contra o realismo jurídico, que preconizava o papel dos tribunais na determinação do conceito de Direito, como já demonstrado pelo posicionamento de Oliver Wendell Holmes.

Com isso, preconizava um conceito de Direito que não dependesse exclusivamente do entendimento dos juízes, mas que reconhecesse a importância das regras, pois, para ele, um jogo de beisebol cujas regras fossem desconsideradas ou ignoradas por decisão do árbitro seria qualquer outro tipo de jogo – o jogo do árbitro, talvez – menos o jogo de beisebol.

Apesar disso, desta defesa “das regras do jogo”, Hart admite que as regras que constituem o Direito possuem uma textura aberta. Isto é, para o autor, todas as regras possuem um núcleo rígido de significado e uma zona de incerteza, que ele denomina de zona de penumbra. Na decisão judicial, o juiz (ou o tribunal), em face dessa zona de incerteza, tem o poder de escolha.

Se fosse possível resumir Herbert Hart e seu conceito de direito, poderiam ser feitas as seguintes anotações:

a) que o Direito é um sistema de regras;

b) que este sistema de regras não possui uma necessária relação com a moral;

c) que o Direito possui uma textura aberta;

d) que, diante desta textura aberta, a moral abre as possibilidades interpretativas, pela numerosidade de princípios morais existentes; e) que a textura aberta exige escolha dos órgãos jurisdicionais; e f) que esta escolha não significa desconsiderar as regras do jogo.

Enfim, concluo que há mesmo uma superação do positivismo jurídico através do neopositivismo ou pós-positivismo que efetiva uma ruptura com o original positivismo jurídico. É inegável que a relação consequencialista no trinômio moral, princípios e discricionariedade. Com essa era principiológica vai-se além do que inicialmente propôs o positivismo, pois a ponderação prevalece e anuncia maior progresso para a concretização de direitos.

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[1] A Teoria Pura do Direito desenvolvida por Kelsen reduz a expressão do Direito à norma jurídica. Kelsen criou uma teoria que se refere somente ao Direito Positivo, desprezando os juízos axiológicos, rejeitando a ideia jusnaturalista, combatendo a metafísica, compreendendo o Direito como estrutura normativa. O direito se preocupa com o “dever ser” e não com o “ser” (fatos), a interpretação vai regulamentar o que dever ser e o ser que é o aplicado somente se ele se enquadrar no dever ser. A norma prevê de forma abstrata que dever ser a atitude então se há enquadramento haverá fundamento.

[2] Kelsen deixou claro que esta obra não se trata de teoria do direito puro, mas sim da teoria pura do direito, descreve cientificamente o Direito, qual possui um objeto: o Direito Positivo, estudando as estruturas que se constrói o Direito Positivo. A teoria identifica o estudo da validade, da vigência, da eficácia voltada para a norma jurídica, busca o funcionamento e o maquinismo descrevendo os múltiplos sentidos da interpretação da norma. Hans Kelsen, pensador do direito, fez parte do movimento do positivismo jurídico foi mais um na corrente do juspositivismo ou positivismo jurídico e para entendê-lo temos que entender essa corrente que vai anivelar a ciência jurídica, o estudo do direito enquanto ciência independente, trouxe autonomia para o direito como ciência e só é possível ter autonomia quando ela tem um objeto próprio, com princípios próprios.

[3] Aristóteles: o homem é um ser social porque é um animal que precisa dos outros membros da espécie.

Não é à toa que precisamos voltar para a Grécia, pois quem nos dará essa lição é Aristóteles. Para ele, o homem precisa de outras pessoas porque é um ser carente. Assim, precisa de outras pessoas para se sentir pleno e feliz. De acordo com o filósofo, é possível dividir as espécies animais em diferentes grupos. São eles: as gregárias (koinonia), as solitárias (monadika), aquelas que são propensas a uma vida sociável (politika), e aquelas que vivem de maneira esparsa (sporadika). Nessa conjuntura, o ser humano pertence aos três primeiros grupos. Ainda que algumas pessoas prefiram um certo isolamento, ninguém vive bem absolutamente sozinho. Além disso, só seria possível manifestar a maior grandeza humana na convivência. Estamos aqui falando da linguagem, pois apesar de existir linguagens animais, nenhuma outra espécie consegue falar.

[4] O processo de Galileu Galilei (em italiano: Il processo a Galileo Galilei) foi uma sequência de eventos, começando em torno de 1610, culminando com o julgamento e condenação de Galileu Galilei pela Inquisição Católica Romana em 1633 por sua defesa do heliocentrismo. Em 24 de fevereiro os qualificadores entregaram seu relatório unânime: a proposição de que o Sol está parado no centro do universo é “tola e absurda na filosofia e formalmente herética, pois contradiz explicitamente em muitos lugares o sentido da Sagrada Escritura”; a proposição de que a Terra se move e não está no centro do universo “recebe o mesmo julgamento na filosofia, e em relação à verdade teológica é pelo menos errônea na fé”. O documento original do relatório foi amplamente disponível em 2014. No entanto, os amigos de Galileu, Giovanni Francesco Sagredo e Castelli, relataram que havia rumores de que Galileu tinha sido forçado a retratar-se e fazer penitência. Para proteger seu bom nome, Galileu solicitou uma carta de Belarmino esclarecendo a verdade do assunto. Esta carta assumiu grande importância em 1633, assim como a questão de saber se Galileu tinha sido ordenado a não “manter ou defender” as ideias copernicanas (o que teria permitido o seu tratamento hipotético) ou não ensiná-las de forma alguma. Se a Inquisição tivesse emitido a ordem de não ensinar o heliocentrismo, teria ignorado a posição de Belarmino. No final, Galileu não persuadiu a Igreja a permanecer fora da controvérsia, mas viu o heliocentrismo declarado como formalmente falso. Por conseguinte, foi categorizado como herético pelos Qualificadores, uma vez que contradizia o significado literal das Escrituras, embora essa posição não fosse vinculativa para a Igreja.

[5] O princípio de verificabilidade dos pensadores do Círculo de Viena foi um dos principais pontos combatidos por Popper. Para ele, uma proposição poderia ser considerada verdadeira ou falsa não a partir de sua verificabilidade, e sim da sua refutabilidade (ou falseabilidade). A observação científica, segundo ele, é sempre orientada previamente por uma teoria a ser comprovada, ou seja, a ciência que se baseia no método indutivo seleciona os fenômenos que serão investigados para a comprovação de algo que já se supõe. Por essa razão, o critério de verificabilidade nem sempre será válido. O princípio proposto por Popper, em vez de buscar a verificação de experiências empíricas que confirmassem uma teoria, buscava fatos particulares que, depois de verificados, refutariam a hipótese. Assim, em vez de se preocupar em provar que uma teoria era verdadeira, ele se preocupava em provar que ela era falsa. Quando a teoria resiste à refutação pela experiência, pode ser considerada comprovada. Com o princípio da falseabilidade, Popper estabeleceu o momento da crítica de uma teoria como o ponto em que é possível considerá-la científica. As teorias que não oferecem possibilidade de serem refutadas por meio da experiência devem ser consideradas como mitos, não como ciência. Dizer que uma teoria científica deve ser falseável empiricamente significa dizer que uma teoria científica deve oferecer possibilidade de refutação – e, se refutadas, não devem ser consideradas.

[6] Thomas Kuhn, em oposição a Popper, que pensava que a ciência progrediria por meio de refutações, forjou o conceito de “paradigma”. No entanto, o que ele pretendia dizer com “paradigma” não tem um sentido único em sua obra, A Estrutura das Revoluções Científicas: nela constam vinte e dois significados diferentes. Tal pluralidade de sentidos levou-o a escrever um “posfácio”, em 1969, no qual admitia dois sentidos. Em uma definição simples, para Kuhn, a ciência desenvolver-se-ia pela criação e abandono de paradigmas, modelos consensuais adotados pela comunidade científica de uma época. Depois do estabelecimento de um paradigma, haveria um período histórico em que os cientistas desenvolveriam as noções e problemas a partir do paradigma adotado. Esse período foi chamado por ele de “Ciência Normal”, período no qual se acumulam descobertas, um período de estabilidade de opiniões a respeito de pontos fundamentais. Quando o paradigma é questionado, surge um momento de crise; no entanto, o paradigma ainda não é abandonado. Os cientistas mobilizam seus esforços para resolver as anomalias. Chega-se a um ponto, porém, em que não é mais possível resolver tais anomalias e isso leva a uma revolução científica, momento no qual desponta um novo paradigma. Esse paradigma não é superior ao anterior, apenas atende mais as necessidades do período histórico em que os cientistas estão inseridos.

[7] A teoria da relatividade geral de Albert Einstein, publicada em 1915, revolucionou completamente a compreensão da ciência sobre o universo. Ela só foi confirmada pela primeira vez em 1919, com um experimento feito durante um eclipse total do Sol em Sobral, no Ceará, e na Ilha de Príncipe, no arquipélago de São Tomé e Príncipe. Até o início do século 20, a Física era regida pelas leis de Isaac Newton. O físico e matemático inglês dizia que a gravidade era uma força causada pela massa dos objetos e fazia com que eles fossem atraídos um em direção ao outro. O objeto com mais massa atrai mais intensamente. Por isso, nos mantemos sobre o chão na Terra. Ela nos atrai para o seu centro. Por isso também os planetas se movem ao redor do Sol. Mas imagine que o Sol, de repente, desaparecesse por completo. Segundo a teoria de Newton, os planetas do Sistema Solar sairiam instantaneamente de suas órbitas, já que não haveria mais a força de gravidade do Sol atraindo-os. Para ele, a gravidade era uma força de ação imediata, independente da distância entre os corpos. Mas Einstein encontrou um problema: segundo seus cálculos, a luz era a coisa mais rápida do Universo. Nenhum corpo com massa alcançava uma velocidade superior à da luz. Nem a gravidade. Nos dez anos que passou pensando nisso, entre 1905 e 1915, o físico alemão criou a teoria da relatividade geral. Ele imaginou as três dimensões do espaço e a dimensão do tempo juntas, como uma espécie de tecido que nos rodeia e que é deformado pela presença dos corpos celestes massivos, como os planetas e estrelas. Essas deformações criam o que nós sentimos como força de gravidade Então a Terra e os outros planetas permanecem em órbita não porque o Sol simplesmente os atrai, como pensava Newton. Para Einstein, isso acontece porque o Sol é uma estrela tão massiva que os outros corpos seguem a curvatura que ela gera no tecido do espaço-tempo. A relatividade geral permitiu explicar desde o nascimento do Universo até a órbita dos planetas e os buracos negros. Até hoje, algumas de suas previsões são testadas e confirmadas pelos cientistas, que se surpreendem com a precisão das ideias do físico alemão. Por causa dela, ele se tornou uma das figuras mais icônicas da ciência mundial.

[8] Método, é uma palavra derivada do grego, significando literalmente, “caminho pelo qual”, e podemos dizer que é o meio para atingir um fim. A partir do pensamento moderno, contudo, perseguindo-se a objetividade no conhecimento, caracterizou-se a ciência tão somente pelo método empírico, isto é, o conhecimento constatável e experienciado positivamente pelos sentidos, de maneira que apenas as ciências naturais, aquelas que estudam a natureza, como a física, a química e a biologia, podiam ser consideradas ciências. É o chamado Cientismo, onde as ciências humanas, ou ciências do espírito, como eram chamadas, não tinham lugar e, por isso, não podiam ser levadas a sério como ciência.

[9] A decidibilidade é, portanto, a adequação da norma prevista à situação fática. É o instrumento de exteriorização prática do Direito. Observa Tércio Sampaio Ferraz Jr., que, nessa adequação, a Ciência do Direito se apoia em variados modelos interpretativos. O primeiro modelo, denominado de analítico, vê essa questão da decidibilidade, como sendo uma adequação do sistema normativo de regras com uma situação fática de um ser humano dotado de necessidades. É uma possibilidade de decisão com caráter organizatório. Se apoia na unidade do sistema, tendo como objetivo máximo a justiça (ideal guia do Direito) e neutralizando assim influências políticas e econômicas nessa adequação. É um modelo preocupado, sobretudo, com a validade da norma vigente. Segundo Maria Helena Diniz, essa validade deve ser analisada sob dois aspectos: fática e ideal. Enquanto a primeira se refere à efetividade da norma, à coerção pelo Estado nas incidências comportamentais previstas, a segunda observa a situação em que está presente um conflito argumentativo (doutrinário). Outro modelo teórico usado nessa adequação é o denominado hermenêutico. Enxerga na decibilidade uma problemática entorno da relevância significativa do comportamento humano. Todo agir do ser humano é dotado de significações, e cabe a Ciência do Direito, sua interpretação. Esse método torna todos os conflitos decidíveis, uma vez que minimiza suas contradições ao ordenamento. É uma interpretação extensiva do texto legal, presente em lacunas jurídicas ou antinomias. Observa o valor resguardado pela norma (voluntas legis).

[10] O Direito é um fenômeno decorrente da própria natureza do ser humano, dadas as suas condições existenciais como animal político, como disse Aristóteles, de maneira que a convivência é baseada na limitação de liberdades, como observou Kant. Para este, há uma clara distinção entre o imperativo categórico e o imperativo hipotético, sendo que o primeiro, fundado na autonomia, é a ação por princípio, por autoconvencimento, da necessidade de preservar determinados valores, ao passo que o segundo funciona quando o primeiro falha e, fundado na heteronomia, é a ação por consequência, por determinação de normas extrínsecas à consciência, ou seja, por causa de normas dadas pela sociedade.

[11] Aliás, a expressão “muletas metafísicas” é uma metáfora que aponta para um corpo fraco que se apoia sobre algo para mitigar seu sofrimento. É justamente o que impede a evolução da humanidade, porque ao invés de a pessoa viver a vida como ela é, vive-se apenas pensando num mundo que não existe. A muleta metafísica é conceito marcante do pensamento de Nietzsche, pois compreende todas as verdades que sustentam os comportamentos do mundo real em função de um mundo ideal. Trata-se de verdades que se apresentam para solucionar o problema da insegurança e da fragilidade e, que, por derradeiro, subtraem o homem do mundo da vida (efêmero) e o projeta em um mundo eterno (estático).

[12] Giorgio Del Vecchio foi professor de Direito da Real Universidade de Roma. (1878-1970) Foi importante filósofo jurídico italiano do início do século XX. Entre outros, influenciou as teorias de Norberto Bobbio, é famoso por seu livro “Justiça”. Entre os maiores intérpretes do neocantantismo italiano, Giorgio Del Vecchio, como seus colegas alemães, criticou o positivismo filosófico, afirmando que o conceito de direito não poderia ser derivado da observação de fenômenos jurídicos. Nesse sentido, ele entrou na disputa entre filosofia, teoria geral e a sociologia do direito que estava em fúria na Alemanha, redefinindo a filosofia do direito. Em particular, ele atribuiu a ela três tarefas: uma tarefa lógica que consistiria na elaboração do conceito de direito; uma tarefa fenomenológica, consistindo no estudo do direito como um fenômeno social; uma tarefa deontológica, que consiste em “buscar e avaliar a justiça, isto é, o direito como deveria ser”

[13] Henri Capitant (1865-1937). Foi professor e notável professor de Direito em Grenoble (1891) e na Faculdade de Direito de Paris (1908). Suas várias obras de direito tiveram um efeito duradouro na educação jurídica francesa, incluindo a Introdução à l’etude du droit civil (1898), Cours élémentaire de droit civil (1914-16) com Ambroise Colin, Questions de droit civil (1933) e Grands arrêts de la jurisprudence civile (1934). Henri Capitant considera a distinção entre direito real e direito obrigacional “a espinha dorsal do direito privado”. Por isso, a melhor técnica para se conceituar o direito real é compará-lo e distingui-lo do direito obrigacional.

[14] Doutor da Igreja é aquele cristão ou aquela cristã que se distinguiu por notório saber teológico em qualquer época da história. O conceito de Doutor da Igreja difere do de Padre da Igreja, pois Padre da Igreja é somente aquele que contribuiu para a reta formulação dos artigos da fé até o século VII no Ocidente e até o século VIII no Oriente. Há Padres da Igreja que são Doutores. Assim os quatro maiores Padres latinos (S. Ambrósio, S. Agostinho, S. Jerônimo e S. Gregório Magno) e os quatro maiores Padres gregos (S. Atanásio, S. Basílio, S. Gregório de Nazianzo e S. João Crisóstomo). Interessante é notar que nenhum mártir foi proclamado doutor da Igreja (tal poderia ter sido o caso de S. Cipriano de Cartago, vigoroso defensor da unidade da Igreja), e não o foi porque o martírio é con­siderado o maior título de glória, que não necessita de algum comple­mento para enaltecer a figura do cristão. No século XVI a Igreja renunciou à nota da antiguidade e pas­sou a designar como Doutores figuras de épocas mais recentes. A primeira proclamação neste sentido foi feita pelo Papa S. Pio V, aos 11/4/1567, em favor de S. Tomás de Aquino (+ 1274). Outras procla­mações ocorreram posteriormente, como se depreende da lista publicada a seguir.

[15] Hugo Grotius, Hugo de Groot, Huig de Groot ou Hugo Grócio (Delft, 10 de abril de 1583 – Rostock, 28 de agosto de 1645) foi um jurista a serviço da República dos Países Baixos. É considerado o fundador, junto com Francisco de Vitória e Alberico Gentili, do Direito internacional, baseando-se no Direito natural. Foi também filósofo, dramaturgo, poeta e um grande nome da apologética cristã. Em 1618, após um inesperado golpe de Estado calvinista, foi preso com van Oldenbarnevelt e Rombout Hoogerbeets (pensionário de Leyden) em nome dos novos Estados Gerais. Havia apoiado o parlamento holandês e van Oldenbarnevelt em sua disputa com Maurício de Nassau, e com a ascensão deste último, acabou preso. Em 1619, um tribunal especial de 24 juízes julgou os prisioneiros políticos, sentenciando à morte Van Oldenbarnevelt (executado em 13 de maio de 1619) e Grócio e Hoogerbeets à prisão perpétua no castelo de Loevestein. Em 1620, um segundo julgamento declarou Grócio culpado de traição (laesa majestas). Vendo-se perdido, empreende, com ajuda de sua mulher, uma fuga espetacular, escondendo-se numa arca de livros, e escapa para Amsterdam; de lá, segue para Paris.

[16] A Escola Histórica do Direito foi uma escola de pensamento jurídico – precursora do positivismo normativista que apareceria com a Jurisprudência dos conceitos – que surgiu nos territórios alemães no início do século XIX e exerceu forte influência em todos os países de tradição romano-germânica. A escola histórica do direito foi desenvolvida pelos jusfilósofos alemães Gustav Hugo, Friedrich Carl Savigny (seu maior corifeu) e Georg Friedrich Puchta. Os três defenderam, em seus estudos, a investigação do Direito sob o prisma histórico, utilizando-se na interpretação e aplicação do mesmo o método histórico. Na concepção historicista, o Direito não emana do Estado, ou seja, não é representado pela lei ou jurisprudência, mas advém do povo, que o concebe espontaneamente, na forma de costume. Eis que o costume era visto como a manifestação genuína do povo, para qual o direito é direcionado. Nesse viés, o Direito reduz-se ao direito consuetudinário.

[17] Numa época quando se ensinava o Código Civil Francês de 1804 nas cadeiras de direito civil, Gény escolheu um método de interpretação independente da vontade do legislador, entendendo que tal vontade não prevalecia ao longo dos anos. No seu “Método de Interpretação e Fontes em Direito Privado Positivo: Ensaio Crítico”, publicado em 1899, ele procura demonstrar que não é necessário procurar na lei mais soluções além das que estão contidas em sua fórmula e que, sobretudo, o costume, a tradição doutrinária e a livre investigação científica forneciam ou criavam o complemento de um direito positivo que não era vinculado artificialmente à lei. Em Ciência e Técnica em Direito Privado Positivo, publicado entre 1914 e 1924, Gény procura descobrir a exata fonte de onde brotam os princípios e as regras, ou seja, o direito em si, e a atingir pelas vozes combinadas do conhecimento e da ação. Segundo ele, a ciência se serve de todos os procedimentos do conhecimento e se aplica ao dado. Sociologia, economia, linguística, filosofia e teologia figuraram entre as fontes da livre investigação científica.

[18] Enneccerus também atuou politicamente. Ele foi um dos nacional-liberais influenciados pela fundação do Império Alemão. De 1882 a 1898 ele foi membro do governo representando o distrito eleitoral de Kassel 3 (cidade de Kassel) na câmara dos deputados Prussiana, e foi um parlamentar ativo. De 1887 a 1890 e de 1893 a 1898, ele também foi representante do Grão-Ducado de Oldenburg 1 (Oldenburg Principado de Lubeck – Birkenfeld) no Reichstag. Envolveu-se na redação do Código Civil Alemão (BGB) em 1896, já no final do processo.

[19] O Digesto (do latim digerere, que significa pôr em ordem) ou Pandectas (do grego pandékoma, que significa “recolho tudo”), é uma compilação de fragmentos de jurisconsultos clássicos. Escrito em latim e grego (daí a dupla denominação), é a obra mais completa que a Codificação Justinianéia tem e ofereceu maiores dificuldades em sua elaboração. Realizada a compilação das leges (constituições imperiais), era necessário resolver um problema com relação aos iura (direito contido nas obras dos jurisconsultos clássicos), que não tinham sido ainda compilados. Havia entre os jurisconsultos antigos uma série de controvérsias a solucionar. Para isso, Justiniano expediu 50 constituições (as Quinquaginata Decisiones). É provável que durante a elaboração delas surgisse a ideia da compilação dos iura. O Digesto diferenciava-se do Código por não ter havido anteriormente trabalho do mesmo gênero. A massa da jurisprudência era enorme, frequentemente difícil de ser encontrada. Havia muitos autores, com pontos de vista diversos, por vezes antagônicos. A tarefa parecia ciclópica, e era temerário juntar todo esse amálgama de opiniões num trabalho homogêneo. Para o término desse projeto grandioso, previu Justiniano prazo mínimo de dez anos. No entanto, sob a presidência de Triboniano, a comissão de 16 membros, depois de compulsar cerca de 1 625 livros (com três milhões de linhas), extratando 39 jurisconsultos, concluiu o trabalho em apenas três anos. Era o Código de doutrinas seletas, Codex enucleati iuris, oficialmente denominado Digesto (Digesta) ou Pandectas (Pandectae), o qual foi promulgado em 15 de dezembro de 533, para entrar em vigor daí a 15 dias. A obra é composta de 50 livros, subdivididos em aproximadamente 1 500 títulos, segundo ao assunto. Sob cada um dos títulos figuram fragmentos de obras de mais de quarenta jurisconsultos romanos do período clássico, de Quinto Múcio Cévola, que morreu no ano 82, a Hermogeniano e Carísio (dos séculos III e IV). As Pandectas constituíam uma suma do direito romano, em que inovações úteis se misturavam a decisões clássicas. Restritas, na prática, ao Império Bizantino, só no século XI foram descobertas pelo Ocidente. A comparação dos manuscritos existentes no Código de Justiniano foi o primeiro passo para o renascimento do direito, que teve como centro a Universidade de Bolonha. Quase todos os direitos modernos decorrem do direito romano e das Pandectas.

[20] Na Antiguidade Clássica, o direito (jus) era fenômeno de ordem sagrada, em Roma, essa ideia foi transmitida por meio de tradições, delineando sua expansão na forma de império. Assim, o Direito é forma cultural sagrada, era um exercício de uma atividade ética, a prudência, virtude moral do equilíbrio e da ponderação dos atos de julgar. E, nesse quadro a prudência ganhou importância especial, sendo qualificada como Jurisprudentia.

[21] A ontologia jurídica, então, é a parte da Filosofia do Direito que tem, entre outras funções, a de determinar o conteúdo do direito, fazendo conhecer seu objeto e por fim possibilitando a determinação de seu conceito e posterior definição. A palavra “ontologia” vem do grego, em que a partícula on vem do particípio que significa “o que é”, “o ente”, dando origem ao termo ontos. A indagação inicial, sugerida pela etimologia, busca investigar o que é o ente. Discutir o tema da ontologia jurídica, pois, requer certos esclarecimentos de sentido de emprego do respectivo termo. Para tanto, há uma incursão pela análise de certos marcos que, a princípio, não seriam rigidamente fixáveis, mas que, em virtude da necessidade de se realizarem estudos com bases sólidas, requerem uma estipulação de “tipos ideais” para efetivar tal mister. Tais tipos ideais, por conseguinte, podem não corresponder com total exatidão aos fenômenos da realidade; todavia, são formas de observar os fenômenos a partir de standards que, mesmo não totalmente exatos, são necessários para a tentativa de análise da vida social.

[22] Uma das teorias apresentadas é chamada de “Teoria do Mínimo Ético”, que correlaciona esses dois itens indispensáveis à vida em sociedade, demostrando como o Direito representa o mínimo de Moral, declarada obrigatória para que a sociedade possa se ordenar de forma pacífica e, por vezes, se justifica, na necessidade social de suprir uma lacuna exposta pela falta de capacidade que o indivíduo apresenta de guiar-se por uma razão prática. É apresentado como questão de controvérsia a que nem tudo que é moral é legal, nem tudo que é legal é moral. A teoria do mínimo ético foi desenvolvida pelo jurista Georg Jellinek (1851-1911) e aperfeiçoada por Jeremy Bentham (1748-1823). Essa teoria consiste na ideia de que todas as normas jurídicas são normas morais. Desse modo, considera-se que as normas morais mais relevantes para a sociedade são transformadas, pelo Estado, em normas jurídicas. Assim o direito representa apenas o mínimo de preceitos morais necessários para que a sociedade possa viver em harmonia.

[23] Direitos fundamentais são aqueles inerentes à proteção do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Elencados na Constituição Federal, possuem a mesma finalidade que os direitos humanos. A diferença se dá no plano em que são instituídos: se os direitos declaram, as garantias fundamentais asseguram. Os direitos fundamentais são aqueles essenciais ao ser humano. Há certa confusão entre eles e os direitos humanos. Por isso, importa saber: direitos fundamentais estão positivados no ordenamento constitucional de uma nação, já os direitos humanos estão além das fronteiras, supranacionais, independentemente de positivação constitucional. José Afonso da Silva utiliza o termo “direitos fundamentais do homem” para tratar desses direitos. Para se respeitar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, segundo o autor, é necessário que esses direitos sejam prerrogativas que o direito positivo concretize. Podemos dizer que estes são os direitos básicos individuais, coletivos, sociais e políticos presentes na Constituição.

[24] Ou seja, as garantias fundamentais defendem os direitos consagrados pelo nosso ordenamento jurídico, mas que não estão sendo respeitadas. Como exemplo das garantias temos os remédios constitucionais elencados no art. 5º, que são eles: a ação popular, o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, o mandado de segurança coletivo e o mandado de injunção. Garantias em face da proteção de grupos minoritários são meios de defesa, uma maneira de precaução para que estes se mantenham “armados” constitucionalmente, e possam efetivar direitos os quais constituem liberdades civis e políticas. A Constituição de 1988 inovou com um debate, em um momento histórico entre individualistas e coletivistas, através da positivação de direitos fundamentais sobre natureza individual e não individual. Com esta discussão, chegou-se à pesquisa e pensamento cultural com a positivação dos direitos culturais, voltados para o reconhecimento de diferenças como elemento de realização do princípio da igualdade. Bonavides coloca que garantias constitucionais são garantias individuais não havendo distinção de significados no emprego de ambas, pois elas concretizam os direitos no sentido de protegê-los. Garantias individuais são normas constitucionais as quais asseguram a todos os cidadãos seus direitos individuais e dão a estes direitos a sanção vinda da lei constitucional (2010). O que procura- se com a pesquisa aqui desenvolvida é mencionar as garantias individuas dentro de grupos identificáveis, no sentido de caracterizar e proteger sua cultura determinada. Neste sentido há de se cogitar em um relacionamento com os direitos fundamentais, e no que se referem a direitos individuais as garantias constitucionais são uma espécie de escudo contra os desvios de poder do Estado.

[25] Justiça social é uma construção moral e política baseada na igualdade de direitos e na solidariedade coletiva. Em termos de desenvolvimento, a justiça social é vista como o cruzamento entre o pilar econômico e o pilar social. O conceito surge em meados do século XIX, referido às situações de desigualdade social, e define a busca de equilíbrio entre partes desiguais, por meio da criação de proteções (ou desigualdades de sinais contrários), a favor dos mais fracos. Para ilustrar o conceito, diz-se que, enquanto a justiça tradicional é cega, a justiça social deve tirar a venda para ver a realidade e compensar as desigualdades que nela se produzem. No mesmo sentido, diz-se que, enquanto a chamada justiça comutativa é a que se aplica aos iguais, a justiça social corresponderia à justiça distributiva, aplicando-se aos desiguais. O mais importante teórico contemporâneo da justiça distributiva é o filósofo liberal John Rawls. Em Uma Teoria da Justiça (A Theory of Justice), de 1971, Rawls defende que uma sociedade será justa se respeitar três princípios: garantia das liberdades fundamentais para todos; igualdade equitativa de oportunidades; manutenção de desigualdades apenas para favorecer os mais desfavorecidos.

[26] O professor e filósofo John Rawls apresenta contribuições importantíssimas na área da filosofia política, tendo em sua autoria diversos artigos e livros que trabalham a ideia de justiça na sociedade, sendo os principais: ‘’A Theory of Justice’’ (1971), ‘’Political Liberalism’’ (1993), ‘’The Law Off Peoples’’ (1999), e ‘’Justice as Fairness: A Restatement’’ (2001). Em seu primeiro livro há um conjunto de oito capítulos que sistematizam os seus conceitos. A teoria da justiça de Rawls apresenta os princípios do que é justiça delimitando-a a partir da ideia de uma estrutura de democracia constitucional.

A justiça equitativa de Rawls surge da busca por um ideal de justiça que de certa forma neutralize o modo de ser, social e biológico (no que diz respeito as habilidades naturais que dão vantagens aos indivíduos) que de algum modo pode ser arbitrário. Rawls utiliza do contrato social como método para estabelecer “os dois princípios da justiça“, sendo eles: liberdade e igualdade. Por fim, pode-se concluir que a obra de John Rawls fundamenta o conceito de justiça, atentando para as liberdades e direitos fundamentais, mas também buscando um bem comum, seja ele político, social ou econômico, assim como aponta o juiz federal e professor Ricardo Perligeno Mendes da Silva: “O sistema social deve ser concebido por forma a que o resultado seja justo, aconteça o que acontecer. Para atingir este objetivo, é necessário que o processo econômico e social seja enquadrado por instituições políticas e jurídicas adequadas”.

[27] Apesar de ter sido criado em 26 de novembro de 2007, o Dia Mundial da Justiça Social só começou a ser comemorado 2 anos mais tarde, no dia 20 de fevereiro de 2009. A ONU, responsável pela idealização da data, o fez como uma maneira de reforçar tudo o que precisar ser promovido para que o conceito de justiça social possa realmente ser posto em prática. O conceito de Justiça Social começou a ser discutido no final do século XIX, quando sua ideia central era buscar um equilíbrio entre todas as pessoas. Dessa forma, já àquela época, estava estabelecido que em uma sociedade na qual uma parcela dos seus membros não tem acesso a direitos básicos, como segurança, alimentação, educação e moradia, não existe justiça social. Atualmente, as situações de pobreza moderada ou pobreza extrema atingem pelo menos 20% da população mundial. Mais do que isso, a OIT lembra afirma que “muitos trabalhadores recebem salários estagnados, a desigualdade de gênero prevalece e as pessoas não estão se beneficiando igualmente do crescimento econômico”. No Brasil, as desigualdades são estruturais, racismo e machismo são pilares institucionais e os números relacionados à distribuição de renda no país são prova disso. Aqui, o 1% mais rico fica com quase 30% da renda nacional, e uma trabalhadora que vive de um salário-mínimo levaria 19 anos para ganhar o que um super-rico recebe em um mês.

[28] Hayek toma como modelo de suas contribuições no domínio do social a teoria da evolução de Darwin. Claramente não se inclui entre os que, no passado, trouxeram para a teoria social o que se denominou de Darwinismo social. Sua posição relativamente a Darwin é outra. Na verdade, o que ele retira de Darwin, é sua tese de que pequenas mudanças, por acaso produzidas num organismo, se resultam em vantagens em termos de melhor ajustamento ao meio, são preservadas e, logo, transmitidas geneticamente. Vale que se registre que essa tese foi minuciosamente analisada por Bergson em seu clássico trabalho “L’Évolution Créatice”, assinalando-se maior vantagem para a concepção de De Vries. De qualquer modo, Hayek a transpõe para o domínio do social passando a sustentar a tese de que, também aqui, pequenas mudanças registráveis nas interações humanas, fixam-se, se elas se revelam úteis, e em processos cumulativos, geram estruturas novas e novas formas institucionais. Tudo se regularia pelo acaso e pelo critério da utilidade e nunca pela razão.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. O que vem a ser a ciência jurídica? Definição de Direito ontem e hoje. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2021. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/teoria-geral-do-direito/o-que-vem-a-ser-a-ciencia-juridica-definicao-de-direito-ontem-e-hoje/ Acesso em: 06 out. 2024