Sociedade

Irritações do fim do ano

Irritações do fim do ano

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

Desejo, nada obstante meu inconformismo, um fantástico 2005 para o Brasil e para o Governo Lula, na esperança de que se comprometa menos com o poder e seus correligionários e mais em servir à nação

 

Todo o cidadão tem direito a uma dose anual de irritações. Acumulando-as, durante 365 dias, e, ao final, não mais suportando a pressão, sente a necessidade de colocá-las para fora, por maior serenidade e paciência com que se tenha comportado, durante o período. Como modesto advogado provinciano, fui, também, acumulando as minhas e resolvi, neste último artigo para o JB, desventrá-las.

 

A primeira delas é o meu inconformismo com o ”kit-droga” distribuído pelo Ministério da Saúde e por ele denominado de ”kit-redução de danos”. Nele distribuem-se seringas, agulhas, garrotes, lenços anti-sépticos, preservativos, copo plástico e água para a mistura de droga, com um pormenorizado manual de instruções e indicação das melhores partes para injetar o produto químico escolhido, além de explicações de como se deve evitar a ”overdose”, como fazer uso da camisinha e quais são os cuidados básicos que o drogado deve ter. O Ministério da Saúde, ao incentivar o ”vício asséptico”, esclarece que o faz para ”proteger” o dependente, ”pensando sempre na sua segurança” (termos do manual). Confesso que preferiria que o governo gastasse o dinheiro dos contribuintes em clínicas e campanhas de re-educação do dependente e não no aperfeiçoamento das técnicas alimentadoras do vício. No estilo Boris, diria que ”isto é uma vergonha”.

 

Minha segunda irritação é com a terminologia que vem sendo adotada para defender o direito de matar inocentes, ou seja, ”interrupção da gravidez”. Os que propugnam o homicídio uterino de fetos mal formados – ou bem formados, se indesejados pelas mães – insistem que o aborto não é uma pena de morte ao nascituro, mas apenas uma ”antecipação do parto” ou uma ”interrupção da gravidez”. Que sejam abortistas (nada posso fazer), mas que, pelo menos, tenham a coragem de dizer que estão matando um ser humano – que o é, desde a concepção, como declaram o Pacto de São José, a Constituição brasileira e o Código Civil. Que usem os termos exatos, ou seja ”interrupção da vida” ou ”antecipação da morte” e não eufemismos, como ”interrupção da gravidez” ou ”antecipação do parto”. Irrita-me não terem a coragem de assumir que são ”cultores da morte de inocentes”…

 

A terceira irritação me causam as pessoas que entendem que a Igreja – criada por Cristo e cuja direção foi outorgada a Pedro e seus sucessores – está submetida não a João Paulo II, mas à ”visão superior” de alguns ”católicos”, que sabem decidir melhor que o Papa sobre as verdades cristãs. Tais pessoas se proclamam ”católicos” – não o são, porque não aceitam a primazia pontifícia – e se dizem com o direito de tomar a decisão que desejarem, mesmo contrária ao magistério da Igreja. À evidência, têm a liberdade de não aceitar o que os católicos aceitam, mas não têm o direito de se dizerem ”católicos” se sustentam posições antagônicas à da Igreja Católica. É como se alguém se dissesse jogador de futebol, com a especialidade de marcar gols com a mão e não com o pé ou com a cabeça.

 

Uma quarta irritação reside na mania governamental de criar Conselhos de toda a espécie, para tudo controlar (Ancinav, Conselho Federal de Jornalismo – felizmente rejeitado -, Conselho de Bioética, Conselho Social etc.), e dos quais a sociedade, efetivamente, não participa -sabe-se que os elementos da sociedade civil convidados pelos idealizadores dessas entidades são apenas os amigos do rei -, o que, portanto, é manifestamente incompatível com o regime democrático de Direito. De rigor, pretende-se ter o poder de dirigir a sociedade, não através dos representantes eleitos do povo, mas apenas de alguns ”iluminados”, escolhidos por um homem só. Pretende-se, portanto, implantar, um dirigismo cultural próprio dos modelos totalitários, como os de Hitler, Stalin ou Fidel Castro. Confesso que estou cansado de tantas reuniões e conselhos e de poucas ações efetivas, para as quais não se precisa de Conselhos. Basta o governo querer e agir, desde que respeite os direitos alheios. A prova inequívoca é que a Economia funciona bem e não precisa de Conselhos.

 

Tenho ainda uma enorme coleção de irritações., mas paro por aqui para não azedar o fim de ano de meus poucos leitores, desejando, nada obstante meu inconformismo, um fantástico 2005 para o Brasil, para o seu povo e para o Governo Lula, na esperança de que se comprometa menos com o poder e com seus correligionários e mais em servir à nação. Feliz 2005!

 

* Advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Irritações do fim do ano. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/irritacoes-do-fim-do-ano/ Acesso em: 30 abr. 2024