Política

Tudo certo como dois e dois são cinco

                   

Acho que já faz mais de 30 anos, mas quem se lembra daquela musiquinha do então jovem Caetano Veloso que tinha o seguinte verso:

 

Meu amor, tudo em volta está deserto, tudo certo.

Tudo certo como dois e dois são cinco. (?)

 

Severos matemáticos mal-humorados devem ter feito cara feia diante de tamanha agressão à Aritmética elementar, mas os matemáticos possuidores de senso de humor certamente entenderam a intenção irônica do letrista: Dizer que tudo está tão certo como 2+2=5 é dizer que nada, absolutamente nada, está certo.

 

Uns 30 anos após a composição do então jovem Caetano, basta lançar uma visão panorâmica sobre o Brasil, para perceber que tudo continua certo, tudo certo como 2+2=5.

 

Hoje, quem ousa proferir uma sandice desse naipe não tem a intenção de ser tomado literalmente, mas a de estar fazendo uso da ironia, que consiste em dizer algo para dar a entender justamente o contrário.

 

 No Brasil atual quem faz uma brincadeira inocente ou se serve da ironia corre o sério risco de ser tomado literalmente. Como dizia o grande poeta Fernando Pessoa: “Os espíritos simplórios são incapazes de captar a ironia”, e usos de linguagem assemelhados também.

 

Vejam só o caso daquela jovem que foi pedir um emprego no supermercado em que já trabalhava sua irmã. O gerente disse a ela que, no momento, não dispunha de nenhuma vaga e completou com uma brincadeira: “Só se você matar sua irmã…”. E foi exatamente isto que ela fez! Ô louco, meu! Tá variando, minha rainha!

 

Mas o uso da ironia tem limites. Se ela se torna bastante expressiva e atraente na prosa de Voltaire, Cervantes e/ou Machado de Assis, etc. não há lugar para ela no contexto da Aritmética. Já imaginou se você encontrasse coisas como 2+2=5, 16-8=6, 10-7=4, etc. num livro didático de Aritmética?!

 

Se isto acontecesse – coisa rara mas não impossível! – você não levantaria a suspeita de que o autor estava ironizando, mas sim –coisa bastante provável – a de que se tratava de um grave erro de impressão. Neste caso, os equívocos grosseiros não teriam sido cometidos pelo autor, porém pela gráfica que imprimiu o livro.

 

Imagine agora que o referido compêndio didático tivesse uma grande tiragem, que fosse para ser distribuído por todas as escolas públicas rurais do Brasil. E que, além de erros de tabuada, o livro contivesse também sentenças truncadas e outros lamentáveis equívocos…

 

Imaginou? Pois fique sabendo que isto foi exatamente o que aconteceu com um livro publicado pelo MDI (Ministério da Deseducação e Incultura) do PT, o antigo MEC de priscas eras. É verdade que o erro foi detectado pelas autoridades do MDI e comunicado à CGU (Controladoria Geral da União), que certamente descobrirá e punirá o(s) culpado(s). Advirto que, dessa vez, não se trata de ironia!

 

As escolas foram alertadas a tempo, para suspender o uso dessa Aritmética do absurdo. Esta providência foi de fato elogiável: evitou-se, desse modo, um mal que poderia ter sido maior. [Já pensou como ficariam as contas da garotada?]. Mas os males produzidos já estão feitos: não há como repará-los.

 

Tais males são basicamente dois: (1) o MDI tem vários antecedentes de erros, patacoadas e patuscadas. Esse foi mais um, porém não o último. E tais coisas constituem o marquetingue negativo, que tem transformado o MEC em MDI, perdendo assim a confiança de cidadãos honestos e conscientes de sua cidadania.

 

(2) Se a educação no Brasil já está no fundo do poço e conta com escassos recursos financeiros, imagine o que significa jogar fora  a “merrequinha” de14 milhões de reais, o custo dos erros da gráfica, segundo o próprio MDI?! E supondo que uma nova edição seja feita – e de preferência em outra gráfica – este mesmo custo sobe para 28 milhões no mínimo, se é que 14+14=28?!

 

O Globo em 4/6/2011, sob o título de “Um histórico de falhas”, refresca a memória recente de milhões de lestrigônios homéricos brasileiros. [Lestrigônia era uma ilha mencionada na Odisséia em que quem fosse para lá perdia totalmente a memória]:

 

“Não é a primeira vez em que erros de impressão causam prejuízos ao ensino e ao Ministério da Educação (MEC). No ano passado milhares de participantes do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) foram prejudicados por falhas em provas do teste que continham questões duplicadas ou em número menor do que o previsto”.

 

Mas, neste caso, a culpa não foi de nenhuma gráfica, como ressalta a matéria de O Globo:

 

“O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), órgão do Ministério de Educação responsável pelo ENEM, equivocou-se ao elaborar a folha de respostas invertendo a ordem das questões. Esse problema acabou atingindo todos os participantes do ENEM, gerando muita confusão, já que fiscais de provas deram orientações contraditórias em diferentes locais de aplicação do teste”.

 

Temos, portanto, uma mazela cuja responsabilidade direta é da gráfica e indireta do próprio MEC (ou MDI) a quem cabia fazer uma revisão das “provas” da gráfica antes de liberar a publicação das provas dos alunos. Temos outro caso em que a gráfica não teve nenhuma responsabilidade, pois sua função consiste em ser fiel aos originais fornecidos para a impressão, e não fazer correções aos mesmos. Mas temos ainda outro tipo de mazela do MDI:

 

“Embora não se trate de falha de impressão nem edição, a distribuição de um livro didático de língua portuguesa que diz que é correto falar [e escrever!] com erros de concordância também suscitou polêmicas nas últimas semanas”.

 

“A obra Por Uma Vida Melhor [Só se o título for humor negro!] distribuída pelo Programa Nacional do Livro Didático a turmas de educação de jovens e adultos, no ensino fundamental, registra a diferença entre a norma culta e a norma popular [i.e. mero eufemismo para “inculta”], afirmando que a norma popular [leia-se: inculta] não está errada, mas pode levar quem a utiliza a sofrer preconceito lingüístico”.

 

Desse modo, para o MDI, comete “preconceito lingüístico” aquele que corrige quem comete erros crassos de Português, ou seja: quem desempenha seu dever de professor desta mesma língua. Inacreditável! Aos 67 anos, vivendo na Bruzundanga de Lima Barreto, eu ainda não vivi bastante para ver tudo! Barbaridade, tchê!

 

Temos assim mais uma das mazelas do MDI. Pensou que acabou a lista de equívocos e patuscadas? Não acabou não, tem mais…

 

Que dizer do “kit contra a homofobia” que era, na realidade, a favor do homossexualismo, incentivando essa prática nas crianças e adolescentes das escolas públicas?! Qualquer espírito sensato, não embalado por nenhum tipo de preconceito, há de convir que não é função de uma escola pública estimular nem rejeitar práticas sexuais de minorias da população.

 

Não disponho de nenhuma estatística sobre práticas sexuais dos brasileiros e brasileiras, mas aposto que os praticantes do homossexualismo constituem menos de 5 % da população. Gostando ou não, seu comportamento – assim como o dos loucos, dos pedófilos, bissexuais, drogados, zoófilos, necrófilos, etc – constituem um desvio padrão da norma (em termos puramente estatísticos, sem nenhuma conotação preconceituosa).

 

Por outro lado, também gostemos ou não, os espíritos religiosos e conservadores constituem seguramente mais de 60% da população. E foram os protestos indignados destes mesmos – coerentes com a Bíblia, a Torah e/ou o Corão, livros sagrados das três grandes religiões abraâmicas, que abominam o homossexualismo – que fizeram a “Presidenta” Dilma Rousseff, a “governanta” desta grande casa dos brasileiros, mandar o MEC (ou MDI) recolher o “kit contra a homofobia” por considerar a coisa no mínimo inadequada.

 

Mas o MEC (MDI) já declarou que vai reformular o conteúdo e fazer uma nova publicação. Só mesmo citando Machado de Assis: “Deus te livre, caro leitor, [no caso MDI] de uma ideia fixa!”

 

Eu não gostaria de ser mal entendido. Pelo fato de a democracia respeitar a vontade da maioria – coisa que faz parte da essência mesma do regime democrático – não devemos hostilizar, rejeitar nem amordaçar as minorias. E digo isto, porque faço parte de uma minoria de brasileiros sofredores: os 4% de eleitores que consideraram os dois governos Lulla ruins ou péssimos. Dilma é mais do mesmo…

 

Mas isto não significa dizer que, levando em consideração a existência de uma minoria de anões brasileiros – para ser politicamente correto: “indivíduos verticalmente prejudicados” – passaremos a diminuir o tamanho das cadeiras, dos degraus das escadas, dos vasos sanitários, etc. Temos que nos basear na estatística que indica o tamanho médio dos brasileiros e brasileiras e construir coisas baseadas nele, para que fiquem adequadas a ele. In medio virtus, já dizia “o filósofo daqueles que sabem”.

 

De modo semelhante: Já pensou o transtorno e a despesa idiota que seria, caso os donos de restaurantes, boates, associações, etc. fossem obrigados por lei a ter mais um toalete, além dos dois em que as portas estampam um H (ou uma cartola) e um M (ou um sapato de salto alto)?

 

Somente por um lamentável, porém compreensível equívoco um famoso jogador de futebol, estando em Paris, entrou num banheiro em que estava escrito ELLE. Se estava escrito “elle”, não podia querer dizer “ela”…

 

 

* Mário Guerreiro, doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mário. Tudo certo como dois e dois são cinco. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/tudo-certo-como-dois-e-dois-sao-cinco/ Acesso em: 05 mai. 2024