Política

A poupança fraterna

A poupança fraterna

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

17.12.2006

 

Apresentado em 2004, pelo deputado federal Nazareno Fonteles, do PT/PI, está pronto para ser apreciado, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, o projeto de lei complementar n° 137, que pretende estabelecer “o limite máximo de consumo e a poupança fraterna”. Se essa lei estivesse em vigor, nenhum brasileiro poderia gastar mais de R$8.766,00 por mês, o que corresponderia hoje ao “Limite Máximo de Consumo”, definido pelo art. 1° desse projeto como: “dez vezes o valor da renda per capita nacional, mensal, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em relação ao ano anterior”.

 

Quando essa lei estiver em vigor (toc, toc, toc), todos os valores que excederem o “Limite Máximo de Consumo” deverão ser depositados em contas de poupança, no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal, e permanecerão retidos por sete anos, devendo ser devolvidos – se forem, o que é muito improvável -, aos seus proprietários, durante os quatorze anos seguintes, em parcelas mensais. Somente em quatro situações esses valores poderão ser devolvidos antecipadamente: (1) no caso de falecimento do titular da conta de poupança; (2) se ele, a sua esposa ou os seus dependentes sofrerem uma doença grave; (3) no caso da compra de um imóvel residencial, de valor inferior a R$200.000,00; e (4) se o dinheiro for aplicado em projetos aprovados pelo CNPF – o Conselho Nacional da Poupança Fraterna, órgão que deverá ser criado, com a finalidade de administrar e de investir o dinheiro oriundo da poupança compulsória.

 

Ressalte-se, ainda, que o Ministro de Desenvolvimento Social e Combate à Fome será o principal gestor dessa Poupança, mas outros Ministérios e associações civis serão chamados para cooperar, integrando o CNPF, tais como a organização católica Cáritas, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e o MST.

 

O Brasil é, realmente, um país maravilhoso! O Brasil é diferente de qualquer país civilizado, pelo “jeitinho” do brasileiro e pela extraordinária criatividade de seus dirigentes. Ao mesmo tempo em que já tivemos oito Constituições, ninguém parece dar muita importância para a nossa “Lei Fundamental”, a começar pelos governantes, porque recentemente o Presidente da República, e a própria OAB, lançaram uma proposta para a eleição de uma Constituinte – mais uma!; ao mesmo tempo em que são produzidas, no Brasil, mais de quarenta leis por dia, ninguém parece acreditar muito na obrigatoriedade dessas leis; ao mesmo tempo em que o Governo afirma que se preocupa em diminuir os gastos públicos e a nossa obscena carga tributária, que já está chegando ao limite dos 40% do PIB, tudo leva a crer que essa não é, absolutamente, a sua verdadeira intenção; ao mesmo tempo em que se constata a absoluta irresponsabilidade e incompetência, dos governantes, no que se refere aos necessários investimentos de infra-estrutura, que pudessem viabilizar o crescimento econômico, o que se verifica é o aumento das despesas com o assistencialismo, claramente direcionadas à compra dos votos dos pobres; ao mesmo tempo em que a imprensa tem divulgado os mais sórdidos esquemas milionários de desvio de verbas públicas, no âmbito federal e no âmbito estadual, e a Polícia Federal, quase semanalmente, desvenda mais um grande esquema de corrupção, todos os culpados, ou indiciados, estão livres, há muitos anos, para continuarem em suas atividades perniciosas e para que continuem sendo eleitos, como nossos representantes, para os principais cargos de nossa “República”; ao mesmo tempo em que se pretende “reduzir a pobreza”, com mais esse projeto miraculoso, que parece querer ressuscitar o confisco da poupança, de 1.990, com Fernando Collor e Zélia Cardoso de Melo, o Congresso Nacional dobrou, da noite para o dia, os subsídios dos congressistas, e um deputado, tentando justificar a medida, afirmou que subsídio não é o mesmo que salário, e por isso pode ser livremente reajustado, para garantir a dignidade do congressista!; ao mesmo tempo em que quase todos os Legislativos estaduais já reajustaram, dentro do novo limite, mais de R$20.000,00 mensais, os subsídios de seus integrantes, o Conselho Nacional de Justiça criou uma nova gratificação, para os seus próprios integrantes, que iria ultrapassar o teto máximo de remuneração, e que foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal; ao mesmo tempo em que o Judiciário e o Ministério Público discutem, sem jamais chegarem a uma solução, a questão do teto constitucional, um Ministro de Estado se queixa, publicamente, de seu minguado contra-cheque, inferior a R$6.000,00 e afirma, simplesmente, que se os brasileiros querem resolver o problema do “apagão aéreo”, só existe uma solução: é preciso rezar!!! 

 

          Ao mesmo tempo, existem pessoas que não gostam dos meus artigos, talvez porque eu critico, sempre, o que eu acho que está errado, sem medo das conseqüências, e da censura imposta. Dizem elas que não criticam a ninguém, porque não se atrevem a apontar o dedo para criticar, porque não estão isentas, também, de qualquer culpa.

 

Na minha opinião, é preciso criticar, sim. Cabe ao advogado – e isso está no nosso juramento – a missão de defender a Constituição e a ordem jurídica. Não importa se o nosso dedo não é limpo o suficiente. É preciso, sempre, denunciar os abusos. Não podemos ficar, comodamente, omissos, calados, alegando que não somos limpos o suficiente, para nos beneficiarmos, depois, com essa escandalosa omissão. Não podemos assistir calados a tudo isso que está acontecendo, apenas para agradar àqueles que se estão beneficiando, indevidamente, com a omissão e com a ignorância.

 

Enquanto nós tivermos políticos e governantes que se preocupam mais com os seus próprios interesses do que com o interesse público, a pobreza estará garantida, para que possa continuar recebendo algum tipo de bolsa-esmola, e também estará garantida a reeleição desses governantes. Só nos resta seguir o conselho do Ministro Waldir Pires. Só nos resta rezar. E que seja, de preferência, uma reza bem forte!!!

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. A poupança fraterna. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/a-poupanca-fraterna/ Acesso em: 04 mai. 2024