Filosofia do Direito

Direito, Moral e Ética – Uma breve análise conceitual

 

 

Luiz Felipe Gondin Ramos* 

 

 

A normatização da conduta humana é estudada fundamentalmente por três áreas de conhecimento: a ética, o direito, e a teologia moral.

 

E síntese, é possível definir a primeira como o estudo das justificativas e significados das normas construídas nos seguintes, sendo as normas jurídicas diferenciadas das morais por apresentarem caráter obrigatório-coercitivo enquanto a última engloba um conjunto de normas válidas por adesão individual consciente.

 

Segundo José Roberto Goldim, “A Moral estabelece regras que são assumidas pela pessoa, como uma forma de garantir o seu bem-viver. A Moral independe das fronteiras geográficas e garante uma identidade entre pessoas que sequer se conhecem, mas utilizam este mesmo referencial moral comum”.

 

Desenvolvendo-se tal raciocínio, constrói-se o conceito onde a moral é um conjunto normativo social de construção histórica por uma sociedade que objetiva a formação de um conjunto de condutas que pautem a vida social.

 

Destaca o professor Miguel Reale, resgatando acepções kantianas de cumprimento das normas por elas mesmas, que a autenticidade da moral depende diretamente da adesão dos obrigados por ela, ou seja, como reforça Piaget, a essência das regras morais é o respeito que o indivíduo tem por elas.

 

Essa última frase remete-nos a uma breve reflexão sobre a moral individual. Esta idéia surge exatamente da necessidade de acepção das regras pelo indivíduo que as pratica, sob pena de invalidá-las moralmente mesmo que as seguindo. A idéia de moral pessoal, portanto, nada mais é que a reflexão do individuo sobre o conjunto normativo moral da sociedade em que está inserido, ou seja, é exatamente o que válida a construção histórica da moral por meio da dialética e dos fatos sociais.

 

O Direito por sua vez, abordado em seu sentido positivado, isto é, válido enquanto norma jurídica legislada por poder soberano legítimo e competente, é um conjunto de normas que pautam, também, a conduta social humana, também de caráter imperativo, mas prevendo uma sanção para sua violação, procurando estabelecer com isso obrigatoriedade à conduta.

 

Hans Kelsen afirma muito coerentemente que a lei não obriga o indivíduo, facultando a ele cumpri-la ou não, mas, uma vez optado por violá-la, deve estar ele preparado às sanções previstas pela mesma. Essa afirmação também vale para o campo normativo moral, que mesmo não prevendo sanções coercitivas às suas violação, tem conseqüências sociais ao individuo de acordo com sua conduta.

 

Há uma determinada concepção dogmática que tente a inserir o Direito dentro do conceito de Moral, argumentando que a construção jurídica nada mais seria que a concretização de um mínimo de condutas morais para convivência social. Essa seria a teoria do “Mínimo Ético”, apresentada inicialmente pelo filósofo inglês Jeremias Betham e posteriormente desenvolvida por diversos autores no século retrasado.

 

Tal teoria é desconstruída por Miguel Reale quando o professor apresenta situações que, mesmo pertencentes à ordem jurídica, não estão incluídas nos conceitos morais, tanto por serem contra a moral em si, ou por serem completamente alheios ou indiferentes a ela. Exemplo para o primeiro caso seria, segundo o professor, um contrato de sociedade que preveja divisão equalitária dos lucros mesmo perante uma divisão desigual acentuada de trabalho na realidade, ocasionando uma situação de moralidade duvidosa, mas abraçada pela juridicidade. Para o segundo caso, apresenta o autor as normas de trânsito, que não estão ligadas à moralidade, mas diretamente à juridicidade.

 

Importante evidenciar novamente na diferenciação entre Direito e Moral que embora o primeiro seja singular por ter uma característica coercitiva jurídica, ambos são ordenamentos de conduta com sanções às violações. A sanção à violação jurídica é prevista na lei, a sanção à violação moral é gerada no meio social. Cita-se também, por exemplo, uma terceira esfera normativa, a religiosa, que tem por sanção à violação o castigo divino, ilustrando de maneira prática o raciocínio explanado.

 

A Ética, por fim, é termo derivada da palavra grega éthos, com duas traduções possíveis. A primeira, como sinônimo de “costume”, o que serviu de base para a construção do conceito latino de “Moral”, enquanto a segunda tradução seria algo como “propriedade do caráter”, que orienta a utilização contemporânea da palavra “Ética”.

 

O estudo da Ética é o estudo que busca as acepções gerais de certo e errado, justo injusto, adequado ou inadequado, enfim, é a reflexão perante a própria conduta humana, não estabelecendo condutas ou normas, mas filosofando perante o valor das mesmas. Dito isso, não é incorreto afirmar que a Ética tem, também, por objetivo, a busca por justificativas para as regras e normas construídas pela Moral e pelo Direito. Essa reflexão perante a ação humana é o que caracteriza fundamentalmente a Ética.

 

Apresentada a idéia de Ética, verdadeira é a colocação do professor Eduardo Luiz Santos Cobette, de que “a Ética informa ao Direito (e à Moral), o conteúdo em seu nascimento, e posteriormente segue influenciando-o em sua interpretação e aplicação”,  estendendo-se naturalmente ao campo de hermenêutica jurídica.

 

O conceito de Ética, embora apresentado agora de maneira relativamente simples, toma proporções macroscópicas quando abordado nos mais diversos segmentos sociais, sejam eles morais, jurídicos, profissionais, médicos, etc. Gerando cada qual uma discussão ética sobre o próprio objeto de estudo, elaborando eventualmente códigos de conduta ético-morais para determinado grupo social.

 

Enfim, tendo desenvolvido os conceitos de Ética, Moral e Direito, podemos afirmar serem os dois últimos esferas de formação normativa da conduta humana construídos historicamente em determinada sociedade, diferenciados fundamentalmente pelo uso da força coercitiva do Direito pelo Poder Soberano legítimo, enquanto a Ética atém-se ao estudo abstrato do valor das normas morais e jurídicas.

 

Poderíamos ilustrar tais conceitos colocando a Moral e o Direito como dois círculos secantes, apresentando cada qual regiões não abrangidas pelo outros, e uma intersecção representando as normas jurídicas que convalidam no Direito positivado as normas morais, sendo este todo influenciado pela Ética, que não está contida nem contém em nenhum, mas inerente a todos.

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

 

1.                                        REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 23ª Edição. Saraiva, 1996.

2.                                        KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura.

3.                                        GOLDIM JR. Núcleo Interinstitucional de Bioética. Disponível em: http://www.bioetica.ufrgs.br (21/07/05)

4.                                        KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Martin Fontes.

5.                                        CABETTE, Eduardo Luiz. Âmbito Jurídico. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/aj/dp0025.htm (21/07/05)

 

*Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina

 

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Como citar e referenciar este artigo:
RAMOS, Luiz Felipe Gondin. Direito, Moral e Ética – Uma breve análise conceitual. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/direito-moral-e-etica-uma-breve-analise-conceitual/ Acesso em: 30 abr. 2024