Direito Tributário

Terrorismo Fiscal

Terrorismo Fiscal

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

27.07.2001

 

  O Liberal noticiou, no último dia 24, que a Secretaria de Finanças da Prefeitura de Belém está ameaçando encaminhar ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal, a partir do dia 1o de agosto, os nomes dos devedores do IPTU e do ISS, para que estes sejam notificados a comparecerem à SEFIN no prazo de  dez dias, para negociarem seus débitos. Em caso de não comparecimento, o BB e CEF estarão autorizados a protestar os débitos e a providenciar a inscrição dos nomes dos devedores no cadastro do SERASA.

 

  A idéia é absurda, mas não é nova, porque na sua eterna luta para aumentar a arrecadação, que já é uma das mais altas do Mundo, em proporção ao PIB, embora o retorno seja um dos piores, o Fisco, em suas diversas esferas, costuma freqüentemente esquecer todas as normas do devido respeito às garantias fundamentais do jurisdicionado contribuinte.

 

  Todos os cadastros de inadimplentes, como o SPC – Serviço de Proteção ao Crédito, o CADIN – Cadastro de Inadimplentes do Governo Federal e o SERASA – Centralização de Serviços dos Bancos Ltda., através de inúmeras decisões judiciais, têm sido impedidos de efetuar a inscrição dos devedores, que pode ferir diversos dispositivos constitucionais. A inclusão em um desses cadastros se configura como uma condenação sem oportunidade de defesa, em afronta ao princípio constitucional do devido processo legal, e como uma forma oblíqua de forçar o contribuinte, o consumidor ou a empresa, a pagarem imediatamente o suposto débito, sob pena de ficarem impedidos de praticar as mais elementares transações comerciais ou bancárias. Essa inclusão pode causar, assim, prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação ao consumidor ou ao contribuinte, gerando o conseqüente direito às indenizações por dano moral e patrimonial. Ressalte-se que o projeto do Código de Defesa do Contribuinte, que tramita no Congresso Nacional, proíbe expressamente o emprego desses meios coercitivos.

 

  É curioso que o próprio Banco do Brasil, que por ordem da SEFIN, não se sabe se por força de alguma lei municipal, vai agora ficar encarregado de notificar os contribuintes, protestar os seus débitos e inscrever os nomes no cadastro do SERASA, também já sofreu uma inclusão do seu próprio nome no cadastro do CADIN, em Sergipe. Essa inclusão decorreu da autuação de algumas agências, pela falta da porta giratória de segurança, e o Juiz Federal da 1ª Vara deferiu liminar para a exclusão do nome do Banco do Brasil desse cadastro, em 16.09.98 (Processo 984091-4).

 

         Mas a idéia da SEFIN não é nova, porque o mesmo já foi tentado na Bahia, em 1.997, quando todos os contribuintes em débito, mesmo aqueles que estivessem se defendendo administrativa ou judicialmente, foram ameaçados de inclusão no cadastro restritivo do SERASA, e no CADEB – Cadastro de Fornecedores do Estado.

 

  No entanto, a instituição do tributo, a sua fiscalização e a sua cobrança administrativa ou judicial, como toda a atividade estatal, são regidas pelo princípio constitucional da legalidade, que para o jurisdicionado significa a liberdade para fazer tudo o que a lei não proíbe, mas para a administração importa na obrigatoriedade do estrito cumprimento das normas em vigor. É claro que a atividade administrativa é vinculada, e não discricionária. Além disso, toda a sua atividade é regida exclusivamente pelas normas jurídicas de Direito Público, limitada pelo já referido princípio da estrita legalidade e orientada sempre pelo princípio da supremacia do interesse público, sendo assim vedada a utilização de institutos ou procedimentos de Direito Privado e exigido o integral respeito aos diversos princípios constitucionais pertinentes.

 

Ao mesmo tempo, o Código Penal tipifica a conduta do agente público que emprega meio vexatório na cobrança de tributo ou exige o que sabe ou deveria saber indevido (§ 1º do art. 316). É o crime de excesso de exação, punível com a pena de reclusão, de três a oito anos, e multa. Ora, todos sabem que as alíquotas progressivas do IPTU eram inconstitucionais e indevidas, pelo menos até o exercício de 2.000, quando o Congresso Nacional aprovou a EC nº 29/00. E continuam sendo indevidas, evidentemente, pelo princípio da irretroatividade, em relação aos débitos ainda não prescritos, que a SEFIN pretenda cobrar, dos últimos cinco anos.

 

Também o Código Tributário Nacional proíbe a divulgação, para qualquer fim, por parte do Fisco ou de seus agentes, de qualquer informação obtida em razão do ofício, sobre a situação econômica e financeira dos contribuintes, bem como sobre a natureza e o estado de seus negócios.

 

     Mas a idéia da SEFIN é ainda mais absurda, quando se sabe que bastaria a propositura das competentes execuções fiscais, ao em vez da anunciada utilização dessa fórmula espúria para pressionar o contribuinte, e obriga-lo a pagar imediatamente um tributo que talvez seja indevido. Dessa maneira, o SERASA passará a ser o novo Tribunal de Exceção em Belém, para promover a cobrança da dívida ativa municipal, e as Varas de Execuções Fiscais, que recentemente foram ampliadas, ficarão completamente ociosas.

 

  O Município de São Paulo, em 1.997, tentou retirar de sua Procuradoria Geral a incumbência de promover a cobrança de sua dívida ativa, que já era de aproximadamente quatro bilhões de reais. A idéia, muito criticada na época pela doutrina, era terceirizar esse serviço, contratando escritórios de advocacia.

 

  Para o tributarista Kiyoshi Harada,

 

“Já é ora de os publicistas do país clamarem contra essa confusão, que agora está sendo insidiosamente plantada na mídia leiga, por aqueles que querem fazer do interesse público um meio de satisfação de interesses privados, que querem confundir a facilidade, a flexibilidade e a liberdade ampla do setor privado com os rígidos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da razoabilidade e da publicidade que regem a Administração Pública. Claro está que eventuais dificuldades impostas ao setor público decorrem da necessidade de proteger a sociedade contra o arbítrio dos governantes.”

 

  Mas se a Prefeitura de Belém decidir imitar a de São Paulo, contratando escritórios de advocacia, por favor não esqueçam de mim.

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Terrorismo Fiscal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/terrorismo-fiscal/ Acesso em: 26 jul. 2024