Direito Constitucional

Premissas hermenêuticas constitucionais do Ministério Público na defesa dos direitos fundamentais

RESUMO

A hermenêutica jurídica e todos os seus desdobramentos teóricos é o assunto comumente tratado no mundo do Direito. Seguindo essa linha é importante destacar a função hermenêutica do Ministério Público como protetor do interesse público na defesa dos direitos fundamentais, direitos esse imprescindível para o convívio em sociedade. Por isso, serão abordadas neste trabalho as premissas hermenêuticas utilizadas pelo MP para a concretização de seu papel como tal, inclusive para a segurança do bom funcionamento do Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Hermenêutica; Ministério Público; Direitos fundamentais; premissas.

1) INTRODUÇÃO

O presente artigo se propõe a tratar da temática da hermenêutica e direitos fundamentais, mais especificamente sobre as premissas hermenêuticas do Ministério Público na defesa dos direitos fundamentais. Porém, primeiramente é necessário fazer uma análise do que constitui a Hermenêutica e de que forma atua.

Segundo Carlos Maximiliano a Hermenêutica Jurídica é caracterizada como uma teoria científica da arte de interpretação, a mesma trata dos processos esquematizados utilizáveis para analisar as expressões normativas e delinear o seu alcance. É importante ressalvar que hermenêutica e interpretação não podem ser tratadas como sinônimos, interpretar é o esclarecimento do verdadeiro significado que a norma dispõe e a hermenêutica se encarrega da descoberta e do fixar de princípios que vão reger aquela.

A interpretação ao ser um processo para efeito de concretização das normas, deve ser contemplado, pois é de suma importância. Faz parte do caminho que se segue para a construção do significado da norma, entre a norma preexistente, que é a norma dada e a norma produto. Não obstante a interpretação é um ato de concretização das normas constitucionais.

O Ministério Público é uma instituição publica que possui autonomia, seu maior dever é a proteção do interesse público se isentando de associação política que compromete seu objetivo como defensor da sociedade em geral e dos interesses que seus integrantes possuem conjuntamente. A constituição de 1988 no artigo 127 no caput estabelece sobre o mesmo “é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Portanto, é altamente relevante analisar as premissas hermenêuticas dessa instituição no que tange a defesa dos direitos fundamentais.

1 – Teoria Objetivista

Tratando sobre as premissas hermenêuticas para efetivação dos direitos fundamentais por meio do Ministério Público, temos como primeira premissa basilar a que dita sobre a Teoria Objetivista. A tarefa da Hermenêutica Jurídica é o de que Lenio Strack denomina “o abrir da clareira”, em que busca tornar claro, evidente o fenômeno do Direito.

No processo de interpretação, surgem diversas correntes que articulam a forma que deve ser desenvolvida. A subjetivista coloca como o alvo da mesma seria encontrar a vontade do legislador, sendo um fator psicológico-histórico. É o que Marcelo Neves na obra Entre Hidra e Hércules denomina como a vontade do alter. O mesmo autor ao tratar do problema da dupla contingência, que é o que diz respeito a interação do que expede o ordenamento e o que interpreta nos casos determinados, afirma que a ação do alter (legislador) já conta com a possibilidade de que a ação do ego(juiz) seja distinta da que planejou e assim reciprocamente. Pois, essa constante busca pelo deciframento da vontade do outro importaria em um fracasso e é dispensável já que existem os graus de liberdade que permeiam nessa relação entre as duas figuras.

Para Savigny a interpretação é uma forma de elucidar o conteúdo da lei e, portanto, possibilitar restituição de sentido a um texto normativo que se encontra viciado ou obscuro. É colocada como um procedimento lógico, buscando trazer o real sentido do conteúdo normativo e para tanto tem como tem caráter objetivo, como Bonavides aborda. Essa posição vai de contrapartida a corrente subjetivista, obstante daquela que pautada em uma busca psicológica em uma empreitada claramente não necessária e com grandes chances de não ser alcançada, essa trata de estabelecer uma hermenêutica com o escopo da vontade da lei em que a mesma é de cunho objetivo, dispensa o caráter subjetivo do legislador no momento da elaboração do texto normativo.

A Teoria Objetivista aborda também a interpretação como um aspecto vinculativo com a realidade, já que integrante do processo de concretização da norma jurídica. É um forte argumento sobre a inviabilidade da Teoria Subjetivista, pois esta prega um direito que não está passível de receber certas impressões dos valores e fatos sociais. Isto se justifica pelo fato de que a sociedade por demais complexa está sempre se reinventando e modificando com o intenso convívio, dessa forma o Direito e mais especificamente a Constituição deve ser capaz de possuir disposições que, através do processo interpretativo, seja capaz de abarcar esses novos conflitos sociais que surgem no decorrer dos contextos históricos, e que o legislador no momento de elaboração da norma, por estar inserido em um tempo cronológico distinto não vivenciou e por isso fez a disposição de modo explicito.

Por questão de segurança jurídica, ou seja, prezando pela estabilidade do sistema jurídico, pois caso contrário iria de encontro ao eixo central ao qual o Estado deve sempre se atentar, a modificação desenfreada no texto constitucional não é adequada comprometendo a credibilidade da própria Carta Magna e do que Lassalle determina como “a vontade de Constituição”. Em síntese, a mutação constitucional constante não é adequada.

As normas constitucionais e especificamente os direitos fundamentais tem a capacidade de se adequarem conforme as constantes alterações sociais, através de uma interpretação objetiva e lógica da lei e dessa forma proporcionar uma resposta a demanda e sem requerem uma modificação no texto constitucional, primando assim pelos princípios da inafastabilidade da jurisdição e da segurança jurídica respectivamente.

2- Superação dos vícios interpretativos

A segunda premissa essencial na hermenêutica do Ministério Público para tutelar a defesa dos direitosfundamentais é a superação de vícios de interpretação. Ela dispõe sobre a aplicação da norma e da possibilidade do surgimento de duas tentações, a de trabalhar com a coisa errada e a de viver em constante conflito entre as normas.

Aborda a questão do processo de concretização da norma. Primeiramente disserta sobre o problema de como um jurista irá se sair da presença de tanta antinomias na própria constituição. A antinomia é o fenômeno de quando há normas conflitantes no ordenamento jurídico e dessa forma,por provirem de autoridade competente e válida, afeta uma eficaz aplicação da correspondente no caso concreto já que a solução não se acha prevista na ordem jurídica.

Bobbio ao disciplinar sobre as antinomias faz algumas considerações importantes. Ele não considera as antinomias de princípios como antinomias jurídicas propiamente dita, porém faz uma análise de que elas possibilitam o surgimento de normas conflitantes. E ele aborda soluções que o jurista deve se valer para a resolução do problema das antinomias, apresentando alguns critérios o cronológico, hierárquico e o que versa sobre especialidade. Assim, a norma posterior se sobrepõem a anterior, a norma hierarquicamente superior se sobrepõem a inferior e uma norma que tem um cunho excepcional, ou seja, que é especializada se sobrepõem aquela que é geral, segundo “Lex specialis derogat generali”(BOBBIO,1997).

Juarez Freitas, em contraposição a posição de Bobbio, afirma que existe sim antinomia de princípios. Coloca também que o ideal é levar como mais importante o critério hierárquico material, aponta a Constituição como suprema axiologicamente e formalmente, mesmo nos casos em que poderia se aplicar simplesmente o critério de especialidade ou cronológico. Em suma, aponta a Constituição como a que da unidade a todo o sistema jurídico, sendo a lei suprema do Estado e da Sociedade e que, portanto, deve ser utilizada nos casos de conflitos entre as normas de maneira essencial.

“Destarte, o melhor caminho, em tais e em todas as situações, está no metacritério da hierarquização tópico-sistemática – mais axiológica do que formal – das normas ou disposições antinômicas, ainda quando se esteja diante de conflitos entre os próprios critérios encarregados de desfazê-lo. Dito de outro modo, o critério da hierarquização é o que supera, na prática, as antinomias, ainda quando se tenha a ilusão de que outro o tenha feito” (FREITAS, 2004: p 99-100).

O segundo tópico que se desprende dessa premissa é que não se deve aplicar a norma em um sentido abstrato, pois não possui serventia, já que é passível de desuso e de mutação constitucional. O que se deve buscar é norma concreta e efetivação dos direitos e especificamente dos direitos fundamentais.

A respeito da mutação constitucional ela é uma forma de exercício do poder difuso. A constituição é construída em um determinado contexto histórico com suas respectivas peculiaridades, no entanto o convívio social é responsável por alterações constantes que acabam sendo refletidas no direito. O direito por sua propria característica, desde o surgimento, de regulador e garantidor da ordem social deve acompanhar e se adequar as mudanças social, afim de ser passível de aplicação nas demandas que surgem continuamente. Portanto, é imprescindível que o constituinte utilize uma linguagem e articulação textual para que com a interpretação o direito traga uma solução adequada para o caso.

Em determinadas situações,há a necessidade da mutação constitucional.É uma alteração do significado de um determinado texto constitucional,sem afetar a letra do mesmo, propriamente dita.Isso ocorre em função de mudança de realidade social e necessidade da Constituição se inserir na mesma,onde a interpretação por si só não responde satisfatoriamente.O problema ocorre quando em um sistema esse processo é reincidente,como característica da Constituição é a não delimitação de tempo final para sua validade,portanto sua continuidade é imprescindível para manutenção da confiança na mesma (“vontade de constituição”) e da própia segurança jurídica.A mutação deve ser feito de forma pontual e cuidadosa,de forma a garantir a segurança jurídica e de possibilitar que os direitos assegurados pela Carta Magna sejam resguardados.

Por fim, dispõem sobre o hipertrofismo legislativo e a tendência brasileira de cada vez mais se aproximar ao sistema de commom law. O hipertrofismo legislativo é a presença de uma quantidade imensa de leis em nosso ordenamento, absurda se comparada aos outros sistema jurídicos, como o norte-americano por exemplo.

Essa característica de existência de inúmeras leis coloca em risco ao problema de anomia. A anomia dita sobre situações em que há falta de normas ou onde não se tem o devido respeito as mesma.No caso brasileiro, a confusão fica clara em qual lei deve-se utilizar,qual certamente vale no caso concreto em questão. O problema não é solucionado com a promulgação de leis,no Brasil essa postura cria a situação que vem sendo definida como hipertrofismo legislativo .

O último desdobramento dessa premissa é a aproximação do sistema brasileiro do regime de commom law. O sistema jurídico brasileiro utiliza o regime civil law, onde se prima pela necessidade de observância da norma e coloca a lei como a principal fonte do direito. Em contrapartida, há também o regime de commom law que normalmente utilizado por países que tem origem anglo-saxônica, como por exemplo a Inglaterra. A aproximação a estrutura de commow law se faz de forma tímida, porém de importante ressalva, onde coloca em foco, pela própria característica do mesmo, uma relevância a jurisprudência e influencia dos costumes no direito.

3 – Circulo Hermenêutico

A terceira premissa aborda sobre o circulo hermenêutico.Versa sobre a melhor forma de dar concretude ao direito,fazendo uso da hermenêutica.O direito depende de uma mediação hermenêutica.Carlos Maximiliano se posiciona contra ao principio “in claris cessat interpretatio”.Para o autor,mesmo as disposições claras comportam interpretação ,ele justifica essa posição ao dizer que a Hermenêutica não se estenderá apenas ao texto defeituosa,passível de obscuridade ou de ambiguidade por exemplo,o rque ela se propõem verdadeiramente é a descobrir o conteúdo,alcance e o sentido das norma,imperfeita ou perfeita.Por isso,a Hermenêutica acompanha o direito,a medida que seu objeto são as expressões do direito.

O circulo hermenêutico pode ser definido com um movimento de compreensão,sendo instaurado por Gadamer que é discípulo de Heidegger.Essa visão se afasta das teorias modernas de interpretação textual,ele se ligava totalmente a uma concepção existencial e outro tipo de interação com a filosofia

As teorias modernas de interpretação e especificamente da interpretação jurídica,propõem que a mesma seja distante ,imparcial,pautada na lógica e na racionalidade,em outras palavras,deve ser fria.O interprete e aplicador do direito não se encontra isolado da realidade social.Ele ao estar inserido em um contexto social,carrega suas pré-concepções,seus valores e experiências que interferem inegavelmente na sua forma de enxergar certos fatos.Portanto o circulo hermenêutico de Gadamer,propõem uma conexão fundamental entre o interprete e o texto,seguindo a um movimento dialógico em que temos perguntas e respostas que devem ser buscadas no mesmo,.

Porém, ressalva que a interpretação que aborda em nada tem de semelhante com aquela procedimental técnica que muito propõem. Considera a interpretação jurídica como, acima de tudo, prática e ela se relaciona sim história, tradição, a questão espirital e relativa as ciências do espírito.

Aborda que interpretação não se configura com um alcance absoluto da verdade, ela é mediadora, um modelo a se seguir. Essa busca pela compreensão efetiva do texto é um ciclo que não tem fim, e é dialético entre o todo e suas respectivas partes. Para o mesmo ,o entendimento do texto deve considerar no sentido efetivo, original deve considerar o contexto do autor, pois ele é fruto da manifestação de pensamento de um determinado momento em um contexto histórico vigente.

Gadamer faz uma importante consideração. Deve ser feita a distinção entre os preconceitos esclarecedores e dos que não o são. Já que o texto normativo não se apresenta, como muito considerado por muitas teorias, independente do mundo e que a hermenêutica ocorre dentro de um processo circular e que busca alcançar o conteúdo originário da norma. Nessa temática abordando a questão dos direitos fundamentais, essa busca pela compreensão do que a norma fundamental dispõe é vital, na medida em que possibilita um respeito a evolução do direito e da propria sociedade. Possibilita um atendimento, através do direito, dos conflitos que vão surgindo, mediante as situações sociais distintas e imprevistas. Coloca também a tradição como modeladora da interpretação e a figura do juiz como o que indica a interpretação correta da norma e não o inventor da decisão propriamente.

4 – Aplicação da norma conforme a Constituição

A constituição assume o importante papel de “esteio (estaca, amparo) firme das instituições” (na feliz expressão de Goffredo Telles Junior), conferindo unidade e coerência a uma determinada ordem nacional, na medida em que é respeitada. A garantia da existência dessas regras, com a aplicação das mesmas, é que dão certeza e segurança jurídica aos indivíduos do Estado que as adote, fazendo prevalecer a existência de um “governo de leis e não um governo de homens” (“rule of law, not of men”) [O Estado deve ser não só criador, mas também servidor da lei. Isso significa que não devem governar os homens: devem governar as leis!“A government of laws and not of men”, proclama o art. 30 da Constituição de Massachusetts de 1780.O Estado submetido ao próprio direito foi denominado Rechtsstaat (Estado de Direito), segundo o termo cunhado na Alemanha nas primeiras décadas do século XIX. O termo indica a oposição entre o Estado submetido ao direito positivo, no intuito de garantir aos indivíduos seus direitos], ideal comum que deve ser perseguido por todos os povos e nações.

Constituição, portanto, vista não só como uma ‘folha de papel’ como diria Ferdinand Lassale, mas como documento jurídico que contêm as normas superiores às demais, subordina governantes e governados servindo de limite para os representantes do povo, que diante dela, se curvam ao seu poderio (ou deveriam), como o jurista Dalmo de Abreu Dallari define, “a declaração da vontade política de um povo, feita de modo solene por meio de uma lei que é superior a todas as outras e que, visando a proteção e a promoção da dignidade humana, estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indivíduos, dos grupos sociais, do povo e do governo”. Assim, por conter normas que dão estrutura (organização) ao Estado, normas que estabelecem os moldes de elaboração das outras normas e que fixam os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indivíduos, é que aConstituiçãopassa a ser reconhecida como Lei Fundamental, por ser a base de todo o direito positivo da comunidade que a adote, em especial naqueles países que possuem um sistema jurídico baseado na lei escrita, sobrepondo-se aos demais atos normativos por estar situada no vértice da pirâmide jurídica que representa idealmente o conjunto de normas jurídicas vigentes em determinado espaço territorial.

Como diz Konrad Hesse [Na Obra A Força Normativa da Constituição (Tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Editora Sérgio Antônio Fabris, 1991), o Autor Konrad Hesse (1919-2005), constitucionalista alemão, coloca-se em oposição às teses desenvolvidas por Ferdinand Lassale.], acrescentando, ainda, que “a Constituiçãoestabelece os pressupostos da criação, vigência e execução das normas do resto do ordenamento jurídico, determinando amplamente seu conteúdo, se converte em elemento de unidade do ordenamento jurídico da comunidade em seu conjunto, no seio do qual vem a impedir tanto o isolamento do Direito Constitucional de outras parcelas do Direito como a existência isolada dessas parcelas do Direito entre si mesmas”. Dessa forma, nenhuma outra norma pode andar em dissonância e contradição com aquilo que a Lei Maior venha a dizer sob pena de ser considerada inconstitucional.

Citando o jusfilósofo Hans Kelsen, agora para trazer à tona a Constituição no seu papel de validação do ordenamento jurídico, “O Direito possui a particularidade de regular a sua própria criação. Isso pode operar-se por forma a que uma norma apenas determine o processo por que outra norma é produzida. Mas também é possível que seja determinado ainda — em certa medida — o conteúdo da norma a produzir. Como, dado o caráter dinâmico do Direito, uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida por uma determinada maneira, isto é, pela maneira determinada por uma outra norma, esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a norma que regula a produção de uma outra e a norma assim regularmente produzida pode ser figurada pela imagem espacial da supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a norma superior; a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior”. Sendo assim, a Constituição é a referência de outras normas infraconstitucionais e dela mesma tendo em vista que internamente passa pelos processos de revisão ou emenda (referindo-se a atual Carta Magna brasileira).

Em relação ao papel do Ministério Público e sua atuação hermenêutica como intérprete dos direitos fundamentais Maximiliano acrescenta: ”Hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar”. Sendo assim cabe intérprete observar a norma dentro de um sistema e prezar na sua interpretação com a harmonia e unidade que ela tem com as demais. A interpretação da norma não pode contradizer com os preceitos fundamentais de outras normas tendo em vista que toda a constituição contêm direitos reconhecidos que assim foram por toda uma construção social, ideológica e política histórica a ser respeitada.

5 – Concretização dos direitos fundamentais

A quinta premissa refere-se a observância da norma não apenas no seu caráter literal e sistêmico, mas na sua aplicabilidade no caso concreto. O intérprete precisa ver a norma observando também aspectos extra jurídicos, fazendo uma pesquisa na ordem sociológica, psicológica, ideológica…

A jurisdição constitucional tem a missão de concretizar os direitos fundamentais. A concretização constitucional é um método e um processo. Método porque estabelece diversos parâmetros hermenêuticos para a interpretação da constituição e processo quando estabelece a utilização prática do método proposto (GALINDO apud MEDEIROS, 2006, p. 194).

Os métodos concretistas de interpretação constitucional têm contribuído para uma aproximação da Constituição com a realidade social, à luz dos elementos axiológicos e teleológicos e dos direitos fundamentais.

Hesse formulou uma teoria da concretização constitucional partindo do pressuposto de que a Constituição não é somente um pedaço de papel, como já supracitado em alusão ao que proferiu Lassale em uma conferência, mas uma Constituição jurídica possuidora de efetiva força normativa, que é aquela “força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado” (HESSE, 1991, p. 9- 11).

No entanto, a maior dificuldade na interpretação-concretização dos direitos fundamentais é a definição do que seja uma concretização adequada dos direitos fundamentais. Para Galindo, a interpretação constitucional adequada é aquela que promova a denominada eficácia ótima da norma constitucional, tendo em vista a força normativa da constituição (GALINDO apud MEDEIROS, 2006, p. 202-203).

Para isso, além dos conhecimentos técnico-jurídicos, é necessária uma postura ética e uma interdisciplinaridade com a ciência política, a sociologia e a filosofia e demais ciências relacionadas ao processo de concretização da Constituição.

Pode-se ligar essa observância da realidade jurídica na teoria chamada de teoria do intuicionismo. Vários juristas tiveram suas intuições jurídicas. E como a intuição é um fator de descoberta ou de criação (científica ou artística), atuando na experiência sociojurídica, eles captam, indicam e aplicam a solução ao problema social/humano com mais adequação e facilidade.

Muitas lides, problemas, conflitos, têm suas soluções jurídicas baseadas na superficialidade, na análise das ficções e são soluções mantidas à margem da realidade humana. Mas o professor Silvio de Macedo assinala que: “A intuição jurídica, rara, é que é capaz de penetrar mais a fundo e tirar uma solução efetiva de um problema não apenas pensado mas vivido na inter-relação social. O Direito não é só norma, mas fato e valor. Este último só é captável por intuição. Esta se distingue em intuição sensível (captação de uma cor, de um som) e intuição intelectual (compreensão). A verdade jurídica – objeto da intuição jurídica – só é compreendida por intuição intelectual. Mas, para ser explicada, precisa do conceito. Eis uma atitude correta bergsoniana, que adotamos também em relação ao Direito.”

Porém uma das críticas dessa teoria é o seu caráter meramente subjetivo e o risco que tal subjetivismo gera quando se trata de direitos fundamentais.

6 – O ser humano tem como pressuposto de sua existência a titularidade jurídica.

E chegando a última premissa e não menos importante, é impossível o ser humano viver sem o reconhecimento de seus direitos fundamentais.

Desde o nascimento e, em algumas teorias desde a concepção, o ser humano já é titular de direitos fundamentais, assegurado o direito a vida e tantos outros que na medida em que se venha criar consciência, relações sociais, patrimônio, família, concepções morais possam estar resguardados pela Carta Maior.

Nessa noção de que o homem precisa ter o reconhecimento dos seus direitos fundamentais nasce o maior princípio que rege todos os outros, o princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição Federal Art. 1º, III. Como princípio fundador do Estado Brasileiro, a dignidade da pessoa humana interessa não só pelo seu caráter principiológico, mas também pelo seu relacionamento com os direitos sociais.

Devido à experiência nazista vivida na Alemanha, foi possível verificar a importância e a conscientização de preservar a dignidade da pessoa humana, deixando clara a responsabilidade Estatal, tanto no âmbito interno como no âmbito externo, de garantir aos indivíduos esse direito. No período pós Segunda Guerra Mundial o que prevalecia era um ambiente envolto sob a neblina da dignidade da pessoa humana como sendo um valor indispensável para a instauração de um Estado de Direito Democrático promissor.

Nesse sentido, como pano de fundo, a Constituição Federal do Brasil de 1988 foi elaborada num cenário de pós-ditadura e de abertura política, aliados ao profundo sentimento da necessidade de solidariedade entre os povos. Assim, nota-se a expressão de uma nova era das garantias individuais, resultado de lutas e abusos no árduo caminho do reconhecimento dessas liberdades, até se alcançar a promulgação desse texto.

Assim, proporcional é a matemática da dignidade, quanto maior a dignidade, maior é a dificuldade de garanti-la, podendo cada pessoa correr o risco de chegar cada vez mais próximo da dignidade do outro gerando conflitos que, dentro de sua competência, cabe ao Ministério Publico através dessas premissas, resolver.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tudo aqui apresentado é mais do que perceptível a enorme responsabilidade que o Ministério Público tem na defesa dos direitos fundamentais, estes como dignificador do homem perante a sociedade.

A hermenêutica não cabe apenas ao juiz intérprete ou ao legislador que precisa interpretar os anseios sociais e normatizá-los respeitando a unidade constitucional já existente. Essa missão hermenêutica cabe também a todos os competes por zelar presente estado democrático de Direitos, os protetores da Carta Magna, e os defensores do interesse público que baseado no princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado está além de meros interesses individuais e subjetivos.

É observando a importante atuação do MP que destacamos as premissas basilares que regem o seu papel, tais como a superação dos vícios hermenêuticos, a supremacia da Constituição que é o que dá harmonia ao ordenamento, a concretização dos direitos fundamentais e principalmente a observância que todo ser humano tem como pressuposto de sua existência a titularidade jurídica e o respeito a essa dignidade é fundamental para o bem-estar social.

REFERÊNCIAS

LASSALE, Ferdinand.O que é uma Constituição; trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Ed. Líder, 2002.

MACEDO, Silvio de. Noções preliminares do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1988.

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1991.

MAXIMILIANO, Carlos.Hermenêutica e Aplicação do Direito. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961.

MEDEIROS, Vera Maria Alécio Brasil. Da Jurisdição Constitucional: Uma Análise da Concretização dos Direitos Fundamentais à luz da Hermenêutica Constitucional. Dissertação de Mestrado. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2006.

BONAVIDES, Paulo.Curso de Direito Constitucional. 16.ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

STRECK, Lenio Luiz.Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

 

Autoras:

Sara Letícia Matos da Silva

Isabella Furtado Bacellar Fortes Braga

 

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Sara Letícia Matos da; BRAGA, Isabella Furtado Bacellar Fortes. Premissas hermenêuticas constitucionais do Ministério Público na defesa dos direitos fundamentais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/premissas-hermeneuticas-constitucionais-do-ministerio-publico-na-defesa-dos-direitos-fundamentais/ Acesso em: 02 mai. 2024