Direito Constitucional

O JÚRI: um exercício de cidadania ou um serviço público relevante de um agente honorífico?

RESUMO

O Tribunal Popular é a única instituição que permite ao cidadão brasileiro tomar parte nos assuntos de um dos Poderes da República, o Judiciário, sendo, por isso, considerado um direito humano fundamental. É assegurado nos termos do Art 5º, inciso XXXVIII. Necessário é o seu destaque, não apenas como exercício de cidadania, mas sob a ótica do Direito Administrativo, como um serviço público extremamente importante para a sociedade.

Palavras Chave: Tribunal Popular, direito, cidadania, serviço público.

ABSTRACT

The People’s Court is the only institution that allows the Brazilian citizen to take part in the affairs of one of the branches of the Republic, the Judiciary, and is therefore considered a fundamental human right. It is assured under the terms of Art 5, subsection XXXVIII. Necessary is its prominence, not only as an exercise of citizenship, but under the view of Administrative Law, as an extremely important public service for society.

Keywords: People’s Court, law, citizenship, public service.

Introdução:

O desconhecimento sobre a funcionalidade de um júri gera, na maioria das vezes, a despreocupação e o descaso da sociedade com quem exerce esse papel de enorme responsabilidade. Tal desconhecimento é inclusive percebido quando constatado que quase ninguém sabe que não se trata somente de um assunto de Direito Penal, mas também de Direito Administrativo.

De antemão, é necessário entender o que consiste um júri. O próprio nome já diz pela sua etimologia: “Júri” de origem latina, jurare, e significa “fazer juramento”, em referência às pessoas que formarão o tribunal popular. Trata-se de uma instituição secular que tem origem nas primitivas sociedades humanas. No Brasil, foi instituído em 1822, época em que o país ainda era colônia de Portugal. Atualmente, é reconhecido constitucionalmente pelo inciso XXXVIII do art. 5º, o qual prevê que sua organização será dada por lei e que nos seus julgamentos serão assegurados: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos, a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. 

As pessoas que comporão o “conselho de sentença”, como é chamado o grupo de jurados, precisam ter se alistado previamente, e isso já derruba a ideia em que muitos cogitam: que qualquer pessoa pode ser chamada, a qualquer momento, e que precisará comparecer ainda que de má vontade para decidir sobre o futuro e a vida de outrem.

Na verdade, são sorteadas 25 pessoas das que solicitaram seu alistamento para participar de um júri, em um prazo de 10 a 15 dias antes da reunião entre os jurados. Os que foram sorteados, serão convocados para o julgamento e não poderão recusar sob pena de multa no valor de um a dez salários mínimos. Estes no momento da reunião serão submetidos a um outro sorteio que escolherá dos 25, 7 que de fato formarão o conselho de sentença.

Essas pessoas detém a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida. Atualmente, são de sua competência os seguintes delitos: homicídio doloso, infanticídio, participação em suicídio, aborto – tentados ou consumados – e seus crimes conexos. Mas afinal, qual a relação dessas pessoas, do conselho de sentença, e do Tribunal do Júri no Direito Administrativo?

O júri diante de sua atuação como tal, além de estar no exercício de cidadania e demonstração da democracia na sociedade exerce um papel de agente público, ao prestar um serviço ao Estado. Daí sua relação com a Administração Pública.

O Júri e a Administração Pública

O conceito de agente público integra essas pessoas que atuam como jurados quando define como agente todo aquele: “que se encontre no cumprimento de uma função estatal, quer por representá-lo politicamente, por manter vínculo de natureza profissional com a Administração, por ter sido designado para desempenhar alguma atribuição ou, ainda, por se tratar de delegatário de serviço público.”(Henrique Miranda, 2005) ou ainda nos ditames dalei 8.429/92 no seu art. 2º que define os agentes públicos como toda pessoa natural que esteja ligada de alguma forma com a Administração Pública (por meio de vínculo direto), podendo ser este vínculo permanente ou transitório.

Dessa conceituação podemos tirar algumas peculiaridades do júri, quais sejam elas: eles nãos se encaixam nas categorias de agentes comumente conhecidas como agentes políticos ou administrativos, mas na categoria especificada como agente honorífico por conta de sua atuação diferenciada segundo a sistematização de Hely Lopes Meireles. São cidadãos chamados para, transitoriamente, colaborarem com o Estado na prestação de serviços públicos específicos, em razão de suas condições cívicas, de suas honorabilidades ou de suas notórias capacidades profissionais. Especificadamente o júri diante de sua atuação como agente honorífico não é fruto de uma escolha aleatória como já supracitado, precisa preencher os requisitos, como ser maior de 18 anos, não ter antecedentes criminais, não ter participado de nenhum conselho de sentença nos últimos 12 meses para evitar a “profissionalização” do jurado exatamente pela natureza transitória e democrática da função.

É extremamente curioso e interessante a natureza desse agente que não recebe nenhuma remuneração pela sua valiosa atuação, mas por outro lado através desse papel que lhe foi designado não somente se sente parte da sociedade, mas responsável por ela ao ter o poder de decidir sobre uma relevante questão social. Mas isso não é novo. Esse poder já foi reconhecido quando constituiu-se um Estado Democrático de Direito . Ao contrário da visão que se tem de Estado apenas como um ente distante abstratamente personalizado que só impõe limitações à extensão de direitos individuais pela justificativa da supremacia do interesse público, o Estado na verdade é (ou tem que ser) a soma da vontade do povo. Sua atuação precisa estar fundamentada nas valorações da sociedade vigente, aquilo que se considera reprovável ou não. Isso significa dizer que O Estado não é um ente indiferente às questões sociais. Ele é a própria participação do povo direta e indiretamente nas decisões que repercutem sobre toda a sociedade apenas “elencando” alguns nomes para servir de voz dessas vontades.

Nesse sentido o júri é a própria ilustração do exercício de cidadania, isso porque o órgão permite ao cidadão ser julgado por seus semelhantes e, principalmente, por assegurar a participação popular direta nos julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário.

Importante destacar também que como agente honorífico o júri substitui uma função que é própria de um agente político. Estes, por sua vez, são aqueles integrantes do alto escalão do Governo, possuindo competência definida diretamente pela Constituição Federal, exercendo funções governamentais, judiciais e quase judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência. A crítica que se faz em relação a isso é como pode uma pessoa sem nenhuma instrução técnica e profissional no ramo do Direito atuar em um papel de suma responsabilidade e capacitação tendo como bagagem apenas suas valorações pessoais e qualificações em ramos de atividades, muitas vezes, totalmente diferente do que o papel de “juiz de alguém” exige.

A questão é que por serem ainda desconhecidos alguns pontos do Tribunal do Júri é natural que se tenha esse tipo de pensamento. Mas o fato é que o júri popular não julga a seu bel prazer e segundo as suas “paixões” e humor do momento diante do caso. Existe uma formalidade durante o julgamento que faz com o que o jurado construa o seu processo de cognição sobre o caso, assim como aconteceria com um magistrado no exercício de suas atividades regulares. Em um primeiro momento é ouvido a vítima, depois as testemunhas dela, depois as do réu e por último o acusado. Os jurados podem fazer perguntas para as partes e suas testemunhas por intermédio do juiz para exaurir suas dúvidas. As partes ainda podem pedir a apresentação de outras provas do processo, como leitura de peças, esclarecimento dos peritos… E outro ponto fundamental para esclarecimento e convencimento dos jurados é o papel do ministério público e defensores diante do caso, quando terão uma hora e meia cada, sem contar a réplica e tréplica, para exporem seus argumentos de acusação ou defesa. Desse modo, não tem o que se falar em “invalidade” de um julgamento por parte da imperícia do júri sobre o fato apresentado, já que possuem todo o suporte necessário na fase de cognição capaz de extrair uma opinião sólida sobre o assunto.

Por outro lado, há alguns detalhes que devem ser considerados:

O júri, ainda que em função de caráter transitório, durante o exercício de sua função como agente público deve observar alguns princípios da Administração Pública. Nesse contexto podemos inserir o princípio da legalidade que diz que o administrador público, por ser obrigado ao estrito cumprimento da lei e dos regulamentos, só pode praticar o que a lei permite, ou seja, o agente deve estar pautado nos ditames da lei para cumprir as atividades que foram designadas. Da mesma forma o júri deve se portar e respeitar os dispositivos legais que versam sobre sua atuação. Observando, inclusive, todas as formalidades e princípios constitucionais do Art 5º, inciso XXXVIII.

Pelos princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade é imposto uma ideia de limite ao direito da administração pública para que esta não intervenha de forma abusiva ou desnecessária. Podemos considerar também aplicáveis no contexto do júri, uma vez que além de responderem sobre a condenação ou absolvição os jurados também são perguntados se há causa para a diminuição ou aumento da pena. É claro que precisa haver uma mínima noção de razoabilidade sobre o tipo de medida a ser tomada baseado na realidade do fato exposto, até porque o que está em jogo é um direito individual fundamental: a liberdade.

Sobre a moralidade, além do agente honorífico seguir as determinações da lei, também deve pautar sua conduta na moral comum, e seus atos deverão ser voltados para o interesse público podendo responder penalmente pelo exercício arbitrário e irresponsável de sua função como em caso de receber vantagem indevida para direcionar sua decisão. Para garantir a moralidade e o compromisso diante da responsabilidade de ser um jurado, o juiz que preside a sessão diz: ‘Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça.’ Os jurados, chamados nominalmente pelo juiz, respondem: ‘Assim o prometo’.

Ainda outros princípios estão elencados no Art. 5º, inciso XXXVIII, entre eles o da plenitude de defesa que não se confunde com o princípio de ampla defesa, exatamente pelos termos em que seus próprios nomes já a diferenciam. A ampla defesa se refere a uma defesa extensa referenciada no processo comum com direito a toda apresentação probatória cabível, recursos possíveis e necessária fundamentação da sentença. A plenitude da defesa, por usa vez, refere-se a uma defesa plena, ou seja, perfeita. Por não possibilitar recursos e dispensar a justificação da sentença, é necessário no decorrer do júri ser apresentado todo o aparato suficiente de uma defesa plena para que os jurados possam ter conhecimento sobre o caso e proferir uma decisão minimamente justa e coerente.

Sobre o sigilo das votações (Art. 5º, inciso XXVIII, alínea a) O Código de Processo Penal prevê que não havendo dúvida a se esclarecer após a leitura e explicação dos quesitos em plenário, “o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação” (artigo 485,caput). Houve tempo em que se acreditava estar ferindo o princípio da publicidade, mas esse entendimento já foi superado tanto pelo aspecto doutrinário, quanto jurisprudencial. Até porque o que se tem nessa ocasião é a manifestação do livre exercício de cidadania, respeita os direitos do acusado, nas decisões do que concerne de interesse social ou público que a própria Carta Magna já assegura nesses critérios sigilo.

Ademais, o julgamento não pode ser considerado secreto, uma vez que é conduzido pelo magistrado e acompanhado pelo Promotor de Justiça, pelo assistente de acusação, se houver, pelo defensor do réu, bem como pelos funcionários do Judiciário.

Assim, explica Nucci, citando Hermínio Alberto Marques Porto, que “tais cautelas da lei visam a assegurar aos jurados a livre formação de sua convicção e a livre manifestação de suas conclusões, afastando-se quaisquer circunstâncias que possam ser entendidas, pelos julgadores leigos, como fontes de constrangimento.”

Outro detalhe importante a ser destacado em relação ao Tribunal do Juri no âmbito do Direito Administrativo é que agente honorífico não se trata de cargo público, mas de função pública transitória. A assertiva que podemos inferir é: todo cargo tem função, mas nem toda função tem cargo. Essa transitoriedade da função do júri pode ser constatada inclusive perante um dos requisitos para ser selecionado como jurado que é não ter participado nos últimos 12 meses de nenhum conselho de sentença justamente para evitar essa profissionalização.

Mas os agentes honoríficos não possuem só deveres e responsabilidades, eles também usufruem de privilégios pelo seu serviço público relevante. Na verdade, a palavra honorífico está intimamente ligada a palavra honra, assim, agente honorífico é aquele que é digno de ser honrado com a função que foi convocado a desempenhar. Embora não recebam nenhuma compensação remuneratória, o tempo de prestação destes serviços é computada para a aquisição da aposentadoria. Bem como, os concursos públicos tem considerado a função de jurado como critério de desempate, para aqueles candidatos que obtiveram a mesma nota. Além disso, o jurado convocado não pode ter desconto de salário por faltar ao trabalho.

Diante de tudo que foi exposto, é importante considerar que: quer seja como agente público, quer seja no exercício da cidadania, o júri é mais um meio de participação da sociedade nas decisões que desrespeita a ela mesma.

REFERÊNCIAS

Miranda, Henrique savonitti, CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, 3 ed., ver., Brasilia: senado federal, 2005, pag.137,

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza.Tribunal do Júri. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

Autora:

 Sara Letícia Matos da Silva – Graduanda em Direito na Universidade Estadual do Maranhão.

 

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Sara Letícia Matos da. O JÚRI: um exercício de cidadania ou um serviço público relevante de um agente honorífico?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/o-juri-um-exercicio-de-cidadania-ou-um-servico-publico-relevante-de-um-agente-honorifico/ Acesso em: 17 mai. 2024