Direito Civil

Reflexões Sobre Descumprimento Culposo das Obrigações e Suas Implicações Penais no Contexto do Direito Obrigacional

Reflexões Sobre Descumprimento Culposo das Obrigações e Suas Implicações Penais no Contexto do Direito Obrigacional

 

 

Rodrigo Eduardo Rocha Cardoso *

 

1. Introdução

 

O trabalho que aqui se constrói de forma materializada, toca numa temática de implicações teóricas, mas também práticas, pois refletem na realidade concreta, e nas relações obrigacionais, no contexto do direito civil. Nesse sentido, destaca-se que a presente discussão centra-se no estudo acerca do descumprimento culposo das obrigações e suas implicações penais.

 

Nesse passo, a conjectura do trabalho contempla a perspectiva de descumprimento das obrigações e deságua assim, nos mecanismos jurídicos a respeito desta problemática capazes de punir a prática ilícita de não cumprimento de obrigações.

 

Para construção de tais apontamentos, analisaram-se as obrigações em termos conceituais, classificando-a, bem como analisando a culpa, abordando também as perdas e danos, já servindo de mecanismo punitivo para o não cumprir de obrigações. Além disso, discutiu-se também a cláusula penal como instrumento preventivo e repressivo do descumprimento, dando espaço inclusive para apontamento acerca da prisão civil. Mais a frente em face da visão pós-positivista, discutiu-se o princípio da boa-fé como valor normatizado capaz de circundar as relações obrigações, coibindo a prática de atos destoantes.

 

A pesquisa guia-se pelo método bibliográfico, através de consultas doutrinárias, legislativas e em meio eletrônico. Neste prisma, Gil (2002, p. 44) é quem bem define a pesquisa bibliográfica,

A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisa bibliográfica.

 

Em termos de problemática, procura-se indagar a validade e eficácia dos mecanismos repressores do descumprimento culposo das obrigações. Além disso, objetiva-se delimitar os instrumentos civis de impactos punitivos, sendo então penais ou penalizantes, em seu grau de alcance e campo de atuação.

 

2. O Direito Obrigacional: Aportes Conceituais

 

O homem vive em sociedade consumerista, vivendo em atividade econômica, comprando, vendendo. Estas atividades econômicas, provadas pelo avanço tecnológico, trouxeram impactos para as relações humanas que carecem então de regulação por normas jurídicas – quais sejam as que compõem o direito obrigacional. Nesse passo, o direito obrigacional rege as relações na produção e reunião de capital da empresa, no consumo dos bens e na distribuição e circulação dos mesmos.

 

Assim, neste amalgama, é Maria Helena Diniz que traz significativa conceituação para o Direito Obrigacional,

Direito das obrigações consiste num complexo de normas que regem relações jurídicas de ordem patrimonial, que têm por objeto prestações de um sujeito em proveito de outro. Visa, portanto, regular aqueles vínculos jurídicos em que ao de exigir uma prestação, conferindo alguém, corresponde a um dever de prestar imposto a outrem, como por exemplo, o direito que tem o vendedor de exigir do comprador o preço convencionado. (DINIZ, 2006, p. 3).

 

Ainda nesta abordagem, interessante trazer à baila a conceituação de Beviláqua citado por Diniz (2006, p. 32) que aponta

Obrigação é a relação transitória de direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa economicamente apreciável, em proveito de alguém, que por ato nosso, ou de alguém conosco judicialmente relacionado, ou em virtude de lei, adquiriu o direito de exigir de nós uma ação ou omissão.

 

Assim, a obrigação consiste numa vinculatividade entre pessoas através da qual, uma contrai direitos e outra deveres, ficando vinculado por uma amarra jurídica que dá ao lesado a possibilidade de exigir daquele que lhe deve a prestação obrigacional. “É o vínculo de direito pelo qual alguém (sujeito passivo) se propõe a dar, fazer ou não fazer qualquer coisa (objeto), em favor de outrem (sujeito ativo)’. (RODRIGUES, 2002, p. 4).

 

3. Tipos De Obrigações

 

Analisando a estruturado direito obrigacional, nota-se que este se divide em tipos que só cabe aqui apontar brevemente, no intuito de situacionalizar o estudo na questão atinente à perspectiva de discutir a questão das perdas e danos em cada modalidade obrigacional. Assim, existe a obrigação de dar coisa certa, de dar coisa incerta, a obrigação de fazer e de não fazer.

 

A obrigação de dar ou restituir coisa certa é aquela em que o devedor está obrigado a entregar ou devolver um bem A coisa é certa, determinada, única, porque não pode ser substituída por outra, ainda que hipoteticamente mais valiosa.

 

A obrigação de dar coisa incerta consiste em dar ou restituir coisa fungível, que admite a substituição por outra de igual valor, qualidade ou ainda por coisa mais valiosa se houver consenso do credor.

 

Por obrigação de fazer, entende-se a obrigação em que a prestação consiste em realizar obra ou serviço, como no caso da pintura de um edifício, a construção de um depósito de frios, etc.

Se, ao contrário, o que se impõe for um dever negativo de conduta, uma abstenção de praticar determinado ato, diz-se que é uma obrigação de não fazer.

 

4. A Questão Da Culpa No Direito Obrigacional E As Perdas E Danos

 

Segundo a redação do art. 248, do Código Civil atual, “Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.”

 

Cabe dizer que a culpa na esfera civil é entendida em sentido amplo. O descumprimento se verifica quando o agente simplesmente não deseja cumprir a obrigação com o intuíto precípuo de prejudicar o credor, seja quando se porta com negligência, imprudência ou imperícia, que são circunstâncias da culpa no direito penal. No campo das obrigações, o simples fato de o devedor não pagar no dia do vencimento já caracteriza inadimplemento culposo. (VENOSA, 2003).

 

O art. 248, do Código Civil vigente é o tipo de norma que não admite uma simples interpretação literal, uma vez que isto levaria a um descompasso com todo o sistema. Por isso, afirmam Pablo Gagliano e Rodolfo Pamplona (2002, p. 57) que “… a conseqüência do inadimplemento culposo dessa espécie de obrigação não gera apenas o dever de pagar perdas e danos (indenização) como única forma de conseqüência lógico-jurídica do ilícito praticado”. Para estes civilistas, que seguem uma tendência moderna, as perdas e danos ficam com um papel secundário. Elas passam a ser aplicadas, apenas, quando não é mais possível o cumprimento da obrigação ou não tendo o credor mais interesse neste. (GAGLIANO, PAMPLONA, 2002).

 

O art. 247 do Código Civil de 2002 deixa mais evidente o reflexo dos princípios liberais neste diploma legal, ao privilegiar a tutela do equivalente pecuniário. Este dispositivo trata das obrigações infungíveis, e nelas se concentram a maior resistência da doutrina civilista em admitir os mecanismos, sejam de coerção ou sub-rogação , que possibilitem o cumprimento específico.   

 

A norma do art. 247 do Código Civil de 2002 menciona que: “Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível”. a sua redação não oferece opções que permitam a prestação específica das obrigações de fazer infungíveis.

 

Maria Helena Diniz (2002, p. 217), segue a tendência da maior parte dos civilistas, defendendo a impossibilidade da execução direta das obrigações de fazer infungíveis, afirmando que, “a liberdade do devedor será respeitada; logo, que se recusar à prestação a ele só imposta, incorrerá no dever de indenizar perdas e danos”.

 

Sílvio Venosa (2003, p. 217) apesar de pugnar pela solução das perdas e danos, diante da recusa do devedor em cumprir a obrigação, seja porque não deseja ou por não poder adimpli-la, defende a tutela específica sempre que “houver dúvida acerca da recusa por parte do devedor e ainda houver possibilidade de a prestação ser útil ao credor”. Este civilista rompe com a idéia da liberdade individual tomada como valor absoluto. Traz uma orientação que é sensível à tutela específica e, mesmo sustentando o desfecho das perdas e danos, tenta conciliar os dois regimes.

 

No capítulo referente às conseqüências da inexecução das obrigações, o Código Civil em vigor traz o art. 389, “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.

 

Ocorre inadimplemento quando o devedor não cumpre a obrigação (ab¬soluto) ou quando a cumpre imperfeitamente (relativo). Em ambos os casos, o devedor responderá pelas perdas e danos, em face dos prejuízos causados ao credor. Ademais deve haver indenização que inclua juros, atualização monetária e ainda honorários advocatícios.

 

O Código Civil traz a possibilidade da tutela específica para as obrigações de fazer fungíveis quando permite, no art. 249, a prestação do fato por terceiro. Assim reza o dispositivo: “Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível.”

 

No tocante às obrigações de não fazer, a legislação civil permite o adimplemento específico, no seu art. 251, “Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos”. Sendo assim, esse dispositivo também consagra a tutela específica, conferindo ao credor não apenas a solução das perdas e danos. (GAGLIANO, PAMPLONA, 2002).

 

 

5. Cláusula Penal Mecanismo Repressivo Ao Descumprimento Da Obrigação

 

A cláusula Penal pode ser vista como uma cláusula acessória a um contrato pelo qual as partes fixam previamente o valor das perdas e danos que por acaso se verifiquem em conseqüência da inexecução culposa da obrigação (ex: um promotor de eventos contrata um cantor para fazer um show, e já fixa no contrato que, se o artista desistir, terá que pagar uma indenização de cem mil). Assim, cláusula penal ou pena convencional é um pacto acessório em que as partes contratantes pré-estabelecem as perdas e danos a serem aplicadas contra aquele que deixar de cumprir a obrigação ou retardar o seu cum¬primento.

 

Cláusula penal é um pacto secundário e acessório, em que se estipula pena ou multa para a parte que se subtrair ao cumprimento da obrigação, a que se obrigara, ou que apenas retardá-lo. (MONTEIRO, 2001, p. 199).

 

A vantagem notória da cláusula penal é pré-fixar as perdas e danos, economizando tempo, eliminando recursos processuais ao dispensar o Juiz de calcular o valor previsto no art. 402 do Código Civil, versando que, “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as per¬das e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.

 

Ocorre evidente efeito intimidativo e coercitivo na cláusula penal. O devedor, sabendo que se sujeitará a um maior valor no pagamento, envidará melhores esforços para cumprir sua obrigação. Trata-se, portanto, de um reforço para o cumprimento da obrigação, uma forma de garantia de adimplemento. (VENOSA, 2003).

 

Assim, fica o entendimento que a cláusula penal serve de mecanismo de intimidação do devedor, ou seja, ele já fica sabendo que terá uma pena se não cumprir a obrigação. Ademais, a lei prevê automaticamente uma punição ao devedor no artigo 389, “não cumprida a obrigação, responde o devedor por per¬das e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices ofi¬ciais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.

 

O art. 408 dedica-se a questão da cláusula penal de forma bastante elucidativa, dispõe que “incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora”.

 

A expressão inexecução “culposa”, refere-se à culpa em sentido amplo (lato sensu), que corresponde ao dolo (inexecução voluntária) e à culpa stricto sensu (em sentido restrito = imprudência e negligência). No entanto o caso fortuito isenta o devedor da cláusula.

 

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

 

Parágrafo único- O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

 

A respeito do caso fortuito ou força maior Monteiro (2001, p. 341) ensina que,

Para que se configura caso fortuito ou força maior, exigem os elementos seguintes: a) o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor. […]b) o fato deve ser superveniente e inevitável. […]c) finalmente, o fato deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano. Desde que não pode ser removido pela vontade do devedor, não há que se cogitar da culpa deste pela inexecução da obrigação.

 

A cláusula penal pode ser dividida em suas espécies, quais sejam a compensatória e a moratória. A cláusula penal compensatória é aquela que se aplica em caso de inexecução (inadimplemento) da obrigação pelo devedor. Assim, segundo o artigo 410 do Código Civil, “Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a be¬nefício do credor”. Nesse passo, entende-se que o credor tem a alternativa de exigir o cumprimento da obrigação ou de pedir a cláusula penal.

 

 A respeito da cláusula penal moratória, tem-se que esta aplica-se em caso de atraso (retardo, mora) do devedor no cumprimento da obrigação, pelo que o devedor pagará a multa pelo atraso e cumprirá a obrigação, Consoante com a tessitura do artigo 411 do código civil, tem-se que, “quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal”. Diz-se moratória a cláusula penal estipulada para punir a mora ou a inexecução de alguma cláusula determinada. Ademais, a regra é da cumulação da cláusula penal com a exigência do cumprimento da obrigação principal.

 

Se a cláusula penal compensatória tiver um valor muito alto, o Juiz deverá reduzi-la conforme conta consta o art. 413 do Código Civil, “a penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.

 

Relevante mostra-se a redução judicial da pena quando o montante for manifestamente excessivo, pois no Código vigente a redução encontra-se restrita ao caso de cumprimento parcial da obrigação.

 

Assim, em face das construções acerca da cláusula penal, tem-se que este mecanismo possui cunho preventivo e repressivo acerca do descumprimento da obrigação, de modo que, contribui para a seguridade desta, servindo de garantia caso haja lesão no cumprimento.

 

6. A Admissão Da Prisão Civil Como Medida Punitiva Para Descumprimento De Obrigação

 

De início cabe destacar que é bastante controversa a permissão de se aplicar a prisão civil como forma de forçar o adimplemento das obrigações positivas (fazer e dar coisa diferente de dinheiro) e negativas (não fazer). A base desta divergência está assentada na interpretação do art. 5º, LXVII, da Constituição de 1988. Assim,cabe analisar seu teor “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.

 

Marinoni e Alexandre Câmara defendem que a prisão civil é um instrumento que pode ser utilizado pelo juiz, para pressionar o inadimplente das obrigações não pecuniárias. Entretanto, a linha argumentativa dos abalizados doutrinadores está centrada na utilidade da prisão civil, como forma de assegurar a efetividade da tutela jurisdicional.

 

De acordo com Marinoni Apud Guerra, 1998, p. 243,

Não é errado imaginar que, em alguns casos, somente a prisão poderá impedir que a tutela seja frustrada. A prisão, como forma de coação indireta, pode ser utilizada  quando não há outro meio para a obtenção da tutela específica ou do resultado prático equivalente. Não se trata, por óbvio, de sanção penal, mas de privação da liberdade tendente a pressionar o obrigado ao adimplemento. Ora, se o Estado está obrigado a prestar a tutela jurisdicional adequada a todos os casos conflitivos concretos, está igualmente obrigado a usar os meios necessários para que suas ordens (o seu poder) não fiquem à mercê do obrigado. Não se diga que esta prisão ofende direitos fundamentais da pessoa humana, pois, se tal fosse verdade, não se compreenderia a razão para a admissão do emprego deste instrumento nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Alemanha. Na verdade, a concepção de processo como instrumento posto à disposição das partes é que encobre a evidência de que o Estado não pode ser indiferente à efetividade da tutela jurisdicional e à observância do ordenamento jurídico. Se o processo é, de fato, instrumento para a realização do poder estatal, não há como negar a aplicação da prisão quando estão em jogo a efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento do ordenamento jurídico. É por isso, aliás, que a Constituição não veda este tipo de prisão, mas apenas a prisão por dívida.

 

De forma mais sintética, Alexandre Câmara Apud Marcelo Lima Guerra (1998, p. 243) afirma que,

Tal prisão é possível e deve ser determinada quando imprescindível para assegurar a efetividade da tutela jurisdicional. Note-se que a vedação constitucional é da prisão por dívidas- salvo nas hipóteses notoriamente conhecidas do depositário infiel e do devedor inescusável de prestação alimentícia- e não de prisão por descumprimento de ordem judicial.

 

A prisão civil é conhecida nos casos de inexecução de prestações alimentícias, para aqueles que tem deveres alimentares para com os filhos e não pagam pensão alimentícia, por exemplo. Ademais, a prisão civil pode ser vislumbrada como instrumento à tutela jurisdicional efetiva, ganha força, principalmente, nas hipóteses de ofensa aos direitos difusos e coletivos (como as questões atinentes ao meio ambiente por exemplo) e aos direitos da personalidade. Ora, nestas demandas, a efetividade está relacionada, intimamente, com a prevenção do ilícito ou com o impedimento da sua repetição, os quais podem ser alcançados com a imposição da prisão civil.

 

7. O Princípio Da Eticidade (Boa Fé) Como Exigência Digna De Concreção Nas Relações Obrigacionais

 

Este princípio reflete a idéia de que as relações negociais devem ser regidas por valores e condutas de modo a desenvolver-se da forma mais honesta e correta. Desse modo, quando um contrato prejudica uma das partes, estar-se-á ofendendo o princípio da boa-fé. A boa-fé pode ser entendida como o agir correto, leal e confiável conforme os padrões culturais de uma dada época e local.

 

No tocante à boa fé, o art. 422 do Código Civil, dispões que, “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na con¬clusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. O princípio da boa-fé não exige apenas uma uma “corretividade” de conduta, mas corrobora para a cobrança de uma eticidade no negócio jurídico.

 

A boa-fé objetiva exige das partes contratantes uma regra de conduta, pautada em padrões sociais de lisura, honestidade e correção. Traduz a idéia de confiança. A boa-fé objetiva é, ela própria, uma norma jurídica.

 

A boa-fé objetiva produz uma série de efeitos, os chamados deveres laterais ou anexos: deveres de proteção, de cooperação e de informação.

 

Os deveres de proteção impõem a cada parte o respeito à pessoa, à família e ao patrimônio da outra. Os deveres de cooperação obrigam as partes a auxiliarem-se mutuamente, afastando as dificuldades que estiverem a seu alcance e minimizando os custos para a outra, na busca da realização do adimplemento. Os deveres de informação e esclarecimento obrigam as partes à informação mútua de todos os aspectos atinentes ao vínculo, de ocorrências que com ele tenham relação e, ainda, dos efeitos que da execução possam advir.

 

“O Principio da Eticidade consiste na busca de compatibilização dos valores técnicos conquistados na vigência do código anterior, com a participação de valores éticos no ordenamento jurídico”. (GAGLIANO; PAMPLONA, 2002).

 

Nessa visão de dever ser, entende-se que, alvitra-se por mais inserção valor e menor atuação “codicista”, assim dizendo, nas relações sociais, obrigacionais, tendo em vista que, é de se notar que o direito só se insere onde os valores não mais conseguem resolver as contendas, cabendo então ao direito com sua coercitividade estabelecer a ordem. Assim, havendo primazia aos valores éticos por exemplo, não caberia nem de longe cogitar o convite ao direito coercitivamente posto para dirimir os litígios relacionados ao descumprimento, visto que, o guiar-se pelos valores desautorizaria a prática ilícita e ilegítima de não cumprir com uma obrigação.

 

8. Conclusão

 

Após a virada do século XXI, com a completude do viés social do ordenamento jurídico, a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, não são mais a exigência pura e simples do cumprimento de negócios jurídicos e cláusulas contratuais. O Estado interventor obriga que as relações sejam pautadas pela confiança, lealdade, boa-fé, sem abuso de direito da parte mais forte economicamente sobre a mais vulnerável.

 

O estabelecimento de normas jurídicas deve atender ao bem-comum e aos anseios dos seus respectivos destinatários. O direito positivo deve ser constituído de regras ao serviço da pessoa, conciliando-se os conflitos intersubjetivos e assegurando-se pelos meios possíveis os direitos que, por sua natureza, são inerentes a todas as pessoas. Diante do exposto, devem ser traçados limites ao exercício da exigibilidade do cumprimento da obrigação, observando-se o bem-estar social. Tais diretrizes ensejam uma análise menos patrimonialista da relação jurídica obrigacional, atendendo-se principalmente aos critérios da sociabilidade e da eticidade (boa fé).

 

Ademais, pelas analises abordadas ao longo deste trabalho, é salutar o fato de que se faz necessária a estipulação de sanções e medidas punitivas para com os que não cumprem obrigações que são pactuadas. Assim, a questão das perdas e danos, bem como a cláusula penal, e até mesmo a prisão civil quando convir, são necessárias e garantem a segurança na relação obrigacional principalmente em relação ao pólo ativo, ocupado pelo credor. Vale destacar, que culpa no direito civil possui um sentido amplo que se relaciona com o agir voluntário, o que diverge do sentido da culpa no direito penal, e nesse sentido, a culpa no descumprimento das obrigações como responsabilidade do devedor que não fora observada por este.

 

9. Referências

 

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Vademecum universitário de direito 2005. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2005.

 

DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 8. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.  

 

_____, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: Teoria geral das obrigações. 16. ed. V. II. São Paulo: Saraiva, 2002.

 

GAGLIANO, Pablo Stolze; e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.

 

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

 

GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.

 

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 31 ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2001.

 

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte geral das Obrigações. Vol II. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

 

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. V.II, São Paulo: Atlas, 2003.

 

 

* Estudante do curso de Direito da Faculdade de Tecnologia e Ciências; Articulista; Membro do Periódico Universitário É Direito( www.periodicoedireito.com.br ).

 

Como citar e referenciar este artigo:
, Rodrigo Eduardo Rocha Cardoso. Reflexões Sobre Descumprimento Culposo das Obrigações e Suas Implicações Penais no Contexto do Direito Obrigacional. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/reflexoes-sobre-descumprimento-culposo-das-obrigacoes-e-suas-implicacoes-penais-no-contexto-do-direito-obrigacional/ Acesso em: 17 fev. 2025