Victor Búrigo Cesa[1]
Yan Chede Collaço[2]
Nelson Tonon Neto[3]
RESUMO
O presente ensaio reúne esforços para apontar possíveis malefícios causados pelo excesso de controle externo da administração pública, em caráter não excepcional/contingencial, conferindo especial enfoque ao Poder Judiciário e ao ativismo judicial. Para tanto, retoma-se breve análise acerca da influência do pós-positivismo no neoonstitucionalismo, pós-Constituição Federal de 1988, e o discurso de maior proatividade judicial como garantia de atenção aos preceitos constitucionais, enquanto justificativa da ampliação de atuação do Poder Judiciário. Em síntese conclusiva, o estudo se preocupará em questionar se a atuação não contingencial do Poder Judiciário e o ativismo judicial flexibilizam a separação dos poderes e incorrem em afronta ao Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Ativismo judicial. Controle externo. Estado Democrático de Direito.
ABSTRACT
This essay assembles efforts to point out the harm caused by excessive external control by public administration, on a non-exceptional/contingent basis, giving special focus to the Judiciary and judicial activism. Therefore, a brief analysis of the influence of post-positivism on neconstitutionalism, after the 1988 Federal Constitution, and the discourse of greater judicial proactivity as a guarantee of attention to constitutional precepts is resumed, as a justification for the extension of the Judiciary’s action. In a conclusive summary, the study will be concerned with questioning whether the non-contingency action of the Judiciary and judicial activism make the separation of powers more flexible and incur an affront to the Democratic State of Law.
Keywords: Judicial Activism. External Control. Democratic State of Law.
SUMÁRIO: Introdução. 1 O caráter não contingencial dos sistemas de controle da Administração Pública e o surgimento da “Liga da Justiça”. 2 Ativismo judicial: do paradigma da separação dos poderes ao caráter antidemocrático. Conclusões. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Nas histórias em quadrinhos e nos filmes de super-heróis, não é incomum que o aparecimento de um vilão, cuja força não possa ser combatida por um único personagem, faça surgir uma legião de heróis. A Liga da Justiça (ou “Justice League of America”) – famosa equipe de super-heróis da editora americana DC Comics –, por exemplo, surge da necessidade de combater Staros, personagem de habilidades telepáticas que lhe permitiam controlar seus oponentes e o tornavam um adversário perigoso demais para ser enfrentado sozinho[4].
Assim como nas histórias em quadrinhos, o contexto sociopolítico brasileiro e, em especial nas últimas décadas, a perda da credibilidade por parte de integrantes do Legislativo e Judiciário, fizeram surgir um vilão a ser combatido.
O escancaro das práticas de corrupção e de crimes envolvendo agentes e servidores públicos deu origem a um sentimento, comum à grande parte dos cidadãos, de desconfiança e descontentamento em relação a estes servidores, que faz emergir na população um senso de justiça, normalmente acompanhado de um ímpeto em querer fazer cessar a injustiça. Este legítimo sentimento, todavia, parece ter atingido, também, alguns integrantes de determinados órgãos de controle da administração pública, que, no exercício de suas funções, possuem o dever de imparcialidade e de atenção aos preceitos legais e constitucionais.
A problemática surge, portanto, quando integrantes de órgãos de controle externo da administração pública passam aspirar a uma posição de “justiceiro”, fazendo-se valer de métodos de interpretação e doutrinas como a da efetividade, para extrapolar as competências que lhes são atribuídos. O presente artigo, é preciso esclarecer, reunirá esforços para analisar os malefícios causados pelo excesso de voluntarismo, por parte destes integrantes dos órgãos de controle, que, por vezes bem-intencionados e amparados em fundamentos de hermenêutica jurídica, extrapolam a competência e os poderes que lhe são conferidos pela Constituição Federal, a fim de impor aquilo que entendem como mais “justo” ou adequado.
Não há, aqui, pretensão de se depreciar (e nem se poderia fazê-lo) os órgãos de controle em sua totalidade, sobretudo os bons servidores que os integram, nem generalizar as condutas ora analisadas. Todavia, o foco deste ensaio será dado àquela pequena parcela de integrantes destes órgãos (em especial do Poder Judiciário) que, eventualmente, extrapolam o poder de contingência que lhes é conferido, com o intuito de fazer “justiça”, mas que acabam, muitas vezes, por causar muito mais prejuízo do que benefício ao Estado Democrático de Direito. Este seleto grupo, o autor denominará de “A Liga da Justiça Brasileira”.
A fim de melhor elaborar a análise a que se propõe, o presente ensaio ponderará brevemente sobre a influência do pós-positivismo no constitucionalismo contemporâneo (ou neoconstitucionalismo), indicando um importante efeito colateral da adoção de um modelo dirigente de Constituição, qual seja a expressiva margem para atuação dos sistemas de controles externos – em especial para definir critérios de justiça e preponderância de princípios e conceitos abstratos – ensejando aquilo que o Professor Rodrigo Valgas denominará “exercício disfuncional dos sistemas de controle” e o avolumamento do Poder Judiciário nas tomadas de decisões, inclusive de cunho político.
Posteriormente, buscar-se-á esclarecer os possíveis desdobramentos negativos deste excesso de proatividade por parte do Poder Judiciário, conferindo especial enfoque ao ativismo judicial e sua implicação no tocante à flexibilização da separação dos poderes do Estado e afronta ao Estado Democrático de Direito.
Ao fim, em síntese conclusiva, ponderar-se-á acerca dos prejuízos que o ativismo judicial e o exercício não contingencial/excepcional dos órgãos de controle causa ao Estado Democrático, em especial quando agentes públicos não eleitos se investem na qualidade de “legislador positivo”[5], conferindo sentido à norma constitucional ao seu bel prazer, como se entende ser o caso do ativismo judicial, em sua maioria.
1 O CARÁTER NÃO CONTINGENCIAL DOS SISTEMAS DE CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O SURGIMENTO DA “LIGA DA JUSTIÇA”
A Constituição Federal de 1988, influenciada pelo paradigma constitucional dirigente, instituiu uma espécie de agenda – com caráter garantista e prestacional – a ser perseguida pelo Estado, estabelecendo uma extensa pauta de programas, metas e finalidades que devem ser empreendidas pelo Poder Público.[6]
As muito celebradas diretrizes constitucionais – que romperam a lógica ditatorial do regime anterior, visando inaugurar um período de soberania da democracia – vieram acompanhadas de uma sistemática de controle da Administração Pública, que teria, em última análise, o objetivo de garantir a persecução daquelas pautas (garantistas e prestacionistas), a fim de materializar o papel transformador da ação pública e evitar excessos por parte do Poder Público.
O caráter dirigente da Constituição Federal e a sistemática dos órgãos de controle – que tinham por objetivo evitar excessos e desvirtuações da Administração Pública –, porém, acabaram se consolidando como instrumentos de potencialização da influência desses órgãos controladores, especialmente o Poder Judiciário, sobre ações de competências atribuídas às outras esferas do Poder Público (Legislativo e Executivo)[7].
Sob a influência pós-positivista[8], o Constitucionalismo Pós-Constituição Federal de 1988, também denominado neoconstitucionalismo[9], surge floreado por teorias como a da efetividade do direito constitucional, que defende maior atuação do Judiciário, em especial porque “acreditou‑se ser a jurisdição responsável pela incorporação dos ‘verdadeiros valores’ que definem o direito justo”[10].
Passou-se, então, a idealizar o Poder Judiciário como guardião da Constituição Federal[11], dos preceitos constitucionais e das leis, atribuindo-se aos magistrados, em maior ou menor grau, o superpoder de extrair o conteúdo normativo do texto constitucional e legal, o que, para alguns servidores mais impetuosos, que ambicionam uma cadeira na “liga da justiça brasileira”, se traduz como uma carta branca[12] para que o façam como bem desejar, a fim de atingir objetivos determinados.
Nas palavras de Dimitri Dimoulis, “Termos como ‘neoconstitucionalismo’, ‘pós-positivismo’, ‘moralização’, ‘retorno aos valores’ ou ‘constitucionalização’ do direito, caracterizam esse novo senso comum, propagado em publicações e eventos acadêmicos. A conclusão prática é o reconhecimento do protagonismo dos integrantes do Poder Judiciário como meio de realização da ‘justiça’”[13].
O Poder Judiciário – a quem competiria julgar, segundo as leis positivadas e a elas adstritos – passa, então, a ostentar o posto de guardião da constituição e da lei, revestido de um poder quase heroico de dizer o que é justo, concretizar a Constituição e aplicá-la diretamente, de acordo com aquilo que os Tribunais acreditam ser o conteúdo dos Princípios Constitucionais[14].
A ampliação da atuação do Poder Judiciário como meio de realização da justiça, porém, não está alheia a críticas. Um bom exemplo é o entendimento, ao qual se vincula o autor deste ensaio, de que o protagonismo do Judiciário gera mudança no equilíbrio entre os poderes estatais, tornando a atividade do Judiciário mais próxima da atuação do “legislador positivo”, de modo que o mesmo, não raramente, “supre lacunas deixadas pelo legislador ou até decide contrariamente ao estabelecido nos textos legais”.[15]
Os casos em que a atividade do Poder Judiciário extrapola os limites constitucionais de controle são ótimos exemplos destes casos de “heroísmos/voluntarismo” que se pretende questionar no presente ensaio e que, confirme se verá, parecem gerar mais prejuízo ao Estado Democrático de Direito, do que efetivos benefícios – o que, no modesto entender do autor, torna a “liga da justiça brasileira” uma espécie de anti-herói da administração pública e da democracia no Brasil.
Sem pretender esgotar o tema, buscar-se-á instigar o questionamento quanto a esta atuação disfuncional[16] dos órgãos de controle – e especialmente do Poder Judiciário –, e a implicação em uma série de prejuízos à Administração Pública, dentre os quais a flexibilização da separação dos poderes e fragilização do Estado Democrático de Direito. Sob pena de tornar muito extensa o ensaio proposto, a presente análise dará especial enfoque ao ativismo judicial.
2 ATIVISMO JUDICIAL: DO PARADIGMA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES AO CARÁTER ANTIDEMOCRÁTICO
A conceituação do termo “ativismo judicial” impõe elevada dificuldade, não somente porque fora importado dos Estados Unidos, cujo ordenamento jurídico é vinculado ao sistema da Common Law, mas, em especial, pelas alterações na significação atribuída ao termo, com o decurso do tempo. O vocábulo é ora conceituado de forma a defender a maior atuação do Poder Judiciário, na atividade de concretizar valores e finalidades constitucionais; ora descrito como medida diametralmente oposta, enquanto exercício disfuncional do Poder Judiciário, extrapolando a esfera de competência dos Poderes Legislativo e Executivo[17].
O Ministro e Professor Luís Roberto Barroso, a título de exemplo, faz uma breve retrospectiva história do instituto e, apesar de apontar a existência de preocupação com o caráter democrático do ativismo judicial, já quando do surgimento do termo, o jurista adota a visão mais positiva do termo, enquanto viabilizador das vontades constitucionais[18]. Em sentido oposto, tem-se os ensinamento de Eugênio Rosa de Araújo, segundo o qual“o ativismo pode ser mensurado pela retirada, por parte do Judiciário, das decisões das mãos dos cidadãos”.[19]
Nada obstante não se desconhecer a densidade da temática desenvolvida para muito além do exposto, que fica visível desde a conceituação do instituto do ativismo judicial (separando a doutrina entre os adeptos à ideia de maior proatividade do Poder Judiciário, em detrimento daqueles que a desaprovam), não se pretenderá, aqui, adentrar às minúcias da discussão quanto ao seu conceito. Em verdade, melhor aproveitará ao presente estudo analisar os fundamentos que levam os adeptos à corrente mais proativa do Poder Judiciário a defender seu maior intervencionismo, em detrimento dos que a ela se opõem.
As doutrinas substancialista e procedimentalista buscam, justamente, estudar a tensão causada pela interferência das Cortes Constitucionais em matérias políticas e sociais, em especial para analisar a limitação da atividade jurisdicional em setores típicos de outros Poderes majoritários, sob pena de perderem legitimidade sob o aspecto democrático[20].
A divergência teórica entre as doutrinas[21] envolve o papel do Poder Judiciário e da justiça constitucional em relação ao trato conferido aos direitos e princípios constitucionais.[22] De um lado, a posição substancialista defende o ativismo e a concretização de valores constitucionais por meio de processos judiciais, enquanto, do outro, os procedimentalistas defendem o regime democrático-republicano no processo de construção dos referidos direitos.[23]
Dentre as relevantes críticas direcionadas à doutrina do substancialismo, tem-se a oposição do Prof. Gilberto Bercovici, que afirma que esta forma de análise constitucional, pautada no caráter normativo da constitucional e fundamentava na “autointitulada doutrina brasileira da efetividade”, reduz o debate constitucional às questões envolvendo a dicotomia entre regras e princípios ou a questões hermenêuticas e de interpretação, descolando a discussão para o Poder Judiciário[24].
Os defensores da doutrina procedimental, é importante lembrar, não se opõem à eventual intervenção ativista do Judiciário, apontando-a como coerente quando há deficiência na estrutura do sistema representativo de poder[25]. “Vale dizer, admite a intervenção judicial somente durante a deficiente estrutura do sistema representativo de poder.”[26]
A crítica ao excessivo protagonismo do Judiciário na delimitação das diretrizes constitucionais e, mais especificamente, na busca por efetividade da constituição, porém, pressupõe o risco de violação do princípio e dos procedimentos democráticos, à medida que os julgadores passam a substituir autoridades legitimadas pelo voto popular, como o legislador nos casos de ativismo judicial. Essa abordagem alerta para o risco de despolitizar o direito do Estado, transformando o regime democrático-representativo em “Governo de juízes” ou “Juristocracia”.[27]
A discussão acerca do ativismo judicial e do voluntarismo dos órgãos de controle, invariavelmente, induz à ponderação sobre o modelo clássico de separação dos poderes – por meio do qual as Constituições previam normas de procedimento e competência e os juízes se limitavam a invalidar leis que contrariassem normas claras (regras) e atuavam de maneira estritamente vinculada à vontade do legislador, enquanto esse exercia política através do processo legislativo ordinário.[28]
Renato de Melo Filho sintetiza bem o processo de supressão do modelo tradicional de separação dos poderes, onde não havia atividade criativa do Poder Judiciário, para um novo momento em que a atividade judicial passa a deliberar sobre as normas de sentido indeterminado constantes da Constituição:
“Nesse contexto, acaso o Legislativo verificasse um desacordo com as decisões judiciais prolatas, bastava a alteração legislativa para que os juízes, diante de novo parâmetro, também passassem a alterar suas decisões. Era uma espécie de ingerência legítima e compatível com a independência judicial. Outrossim, os juízes não emitiam enunciados maximalistas a ponto de ditar comportamentos futuros dos outros Poderes. Era o modelo orgânico-funcional de separação. Entretanto, o fenômeno recente do protagonismo judicial acarretou um afastamento desse panorama positivista-liberal. A conjuntura, agora, é de avanço do Judiciário sobre os sentidos indeterminados previstos na Carta com intensa valoração das atitudes do legislador. Torna-se inegável, no fim das contas, o caráter criativo exercido pelos juízes. E mais, a nossa Corte maior se transubstanciou em verdadeira arena política na qual os derrotados buscam a reversão do resultado, tudo sem contar a extrema dificuldade de superação dos entendimentos jurisprudenciais, dotados de complexas abstrações e teorizações acerca de princípios abertos.”[29]
Ou seja: sob os fundamentos do neoconstitucionalismoe do pós-positivismo, o Poder Judiciário atraiu para si este superpoder de analisar o conteúdo das normas legais sob o prisma da moral ou da justiça, auto atribuindo-se competência para analise quanto à ponderação de princípios constitucionais. Em outras palavras, a legitimidade da decisão judicial, ainda que ativista, decorreria da ideia de que “é melhor depositar as esperanças no juiz do que no legislador”[30].
Todavia, há diversas problemáticas em utilizar o ponderacionismo judicial como forma de garantir uma “correta” interpretação legislativa e constitucional, em especial no tocante à excessiva concentração de poder nas mãos do Judiciário. Lênio Streck, um dos expoentes quanto à crítica ao ponderacionismo e ao neoconstitucionalismo, realiza questionamentos importantes a despeito do tema, a citar: “quem controla aquele que controla ou diz por último o que a lei (ou a Constituição) é?” e, ainda, “no caso da ponderação, quem escolhe os princípios a serem ponderados? E quais os pesos a serem conferidos a cada um dos princípios para a construção da regra de ponderação?”.[31]
Neste sentido, pode-se afirmar que o Poder Judiciário – que, em Monstesquieu[32], era o mais frágil dos poderes – passou a dispor de extensivo poder (ou superpoder) e prestígio. Nas palavras de Rodrigo Valgas dos Santos, “De patinho feio, transmutou-se [o Judiciário] em exuberante cisne, cujo canto fascina, assusta e prenuncia profundos questionamentos sobre sua legitimidade em imiscuir-se nos demais poderes de modo excessivo e mesmo disfuncional.”[33]
Em verdade, atribuir ao Judiciário o predicado de “a liga da justiça brasileira”, enquanto meio de realização da justiça, implica descredibilizar as tomadas de decisão dos agentes políticos dos Poderes Legislativo e Executivo, usurpando-lhe competência e atribuições em favor do protagonismo do Poder Judiciário. É dizer: o poder de controle – conferido, entre outras instituições, ao Poder Judiciário, e que tem por fundamento balizar a atuação dos órgãos de governo, em especial para inviabilizar a concentração de poderes de forma autoritária e absoluta e fazer valer as diretrizes constitucionais – não pode servir de pressuposto ou fundamentação para um protagonismo de um Poder em detrimento dos outros, sobretudo para privatizar o poder de dizer o que é ou não a justiça, segundo as diretrizes constitucionais.
CONCLUSÃO
O neoconstitucionalismo (pós Constituição Federal de 1988), sob forte influência do pós-positivo, reduziu a discussão acerca da efetividade da Constituição Federal à uma análise de interpretação normativa, de hermenêutica, em especial por acreditar que a jurisdição seria responsável pela incorporação dos verdadeiros valores que definiriam o justo direito. Este movimento doutrinário conferiu aos órgãos de controle externo, principalmente ao Poder Judiciário, enorme importância, à medida que o atribuiu a eles uma espécie de “superpoder” de balizar a atuação pública e a aplicação da Constituição Federal, por meio da ponderação de princípios.
O predicado conferido aos órgãos de controle externo, como meio de realizador da justiça, todavia, inflama em parte de seus integrantes o sentimento de que lhes compete fazer valer aquilo que eles acreditam ser o “justo” direito. Diante disso, e em especial em momentos de crise de credibilidade dos Poderes Legislativo e/ou Executivo, tem-se uma aparente pré-disposição de alguns integrantes destes órgãos de controle da administração pública (que o autor convencionou chamar de “a liga da justiça brasileira”) em revestir-se de “justiceiros” e avançar na tomada de decisões que, em melhor análise, não estão abarcadas pela sua competência constitucionalmente atribuída.
A “liga da justiça brasileira”, como gosta de nomear o autor, traduz-se, então, como aquele grupo de integrantes dos órgãos de controle externo da administração pública que, não contingencialmente, extrapolam os poderes de controle que lhes são conferidos, para fazer valer aquilo que acreditam ser o justo direito.
A atuação não contingencial destes órgãos de controle acaba por flexibilizar a separação de poderes, absorvendo competências que não as suas e, consequentemente, suprimindo os Poderes majoritários, em detrimento da vontade de servidores não eleitos. A performance não disfuncional de membros do Poder Judiciário – em que pese defendida por parte da doutrina, que aplaude o ativismo judicial –, parece ostentar um caráter de investidura contra a democracia, uma vez que transporta para o Judiciário poderes atribuídos a outros Poderes do Estado, em especial os poderes cujo poder de representação decorre do escolha majoritária da população.
REFERÊNCIAS
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[1] Mestrando em Direito pela UFSC. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET e em Direito Empresarial pela PUC-MG. Bacharel em Direito pela UFSC. Advogado. Endereço eletrônico: victor@burigocollaco.adv.br.
[2] Mestrando em Direito pela UFSC. Bacharel em Direito pela UFSC. Advogado. Endereço eletrônico: yan@burigocollaco.adv.br.
[3] Mestrando em Direito pela UFSC. Pós-graduado em Direito Ambiental e Gestão Estratégica da Sustentabilidade pela PUC-SP. Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina. Bacharel em Direito pela UFSC. Advogado. Endereço eletrônico: nelson.tonon.neto@gmail.com
[4] “DC took the ‘greatest hits’ premise of the comic to its logical conclusion in All Star Comics #3 by teaming the Flash, the Atom, Doctor Fate, Green Lantern, Hawkman, Hourman, Sandman, and the Spectre under the banner of the Justice Society of America for an ongoing series.” WALLACE, Daniel; DOLAN, Hannah, ed. (2010). «1940s». DC Comics Year By Year A Visual Chronicle. London, United Kingdom: Dorling Kindersley. p. 33.
[5] DIMOULIS, Dimitri. A relevância prática do positivismo jurídico. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 102, jan./jun. 2011, p. 215-253, p. 222.
[6] CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva; SOUSA, Thanderson Pereira de. O controle da Administração Pública no contexto do constitucionalismo contemporâneo: um debate a partir do contexto das mudanças trazidas pela LINDB. In: GORCZEVSKI, Clovis (Org.). Direitos humanos e participação política – Vol. XI. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2020, p. 121.
[7] DIMOULIS, Dimitri. A relevância prática do positivismo jurídico. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 102, jan./jun. 2011, p. 215-253, p. 221.
[8] “As variáveis teórico-políticas do chamado pós-positivismo, com maior ou menor aproximação (não contingencial e sim constitutiva/ estrutural) entre Direito e Moral, já havia lançado bases para a aplicação interpretativa/criativa do Direito a partir de princípios jurídicos abertos, de forma a averiguar a compatibilidade entre a ordem jurídica e normas morais. Inclusive, essa movimentação filosófica, em geral, oposta à teoria kelseniana, vinha geralmente justificada como impeditivo de que o Direito pudesse ser empregado para políticas repressivas e excludentes, a exemplo da Alemanha nazista. Uma ideia largamente difundida, mas de duvidosa densidade histórica, teórica e filosófica, até porque não há maiores evidenciais capazes de sustentar que as atrocidades do período nazista possam ser colocadas na conta do positivismo kelseniano”. – CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva; SOUSA, Thanderson Pereira de. O controle da Administração Pública no contexto do constitucionalismo contemporâneo: um debate a partir do contexto das mudanças trazidas pela LINDB. In: GORCZEVSKI, Clovis (Org.). Direitos humanos e participação política – Vol. XI. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2020, p. 123.
[9] O jurista Lênio Streck critica a unificação de um conceito de “neoconstitucionalismo”, uma vez que abarca diferentes pensamentos sobre o fenômeno do constitucionalismo pós Constituição Federal de 1988, optando por fazer a separação entre os termos Constitucionalismo Contemporâneo e Neoconstitucionalismo. Ademais, autor atribui a esse último um caráter extremamente negativo à medida que aposta no ponderacionismo o que, no seu ver, implica em discricionaridade e conduz ao ativismo judicial. Para uma melhor análise, vide: STRECK, L. L. O que é isto – O Constitucionalismo Contemporâneo. Revista do CEJUR/TJSC: Prestação Jurisdicional, Florianópolis (SC), v. 1, n. 2, p. 27–41, 2014.
[10] Ibidem, p. 29.
[11] SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Direito administrativo do medo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 46.
[12] STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
[13] DIMOULIS, Dimitri. A relevância prática do positivismo jurídico. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 102, jan./jun. 2011, p. 219.
[14] “O Judiciário concretiza a Constituição, aplicando-a diretamente em casos concretos, de acordo com aquilo que os Tribunais consideram como conteúdo dos princípios constitucionais”. – DIMOULIS, Dimitri. A relevância prática do positivismo jurídico. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 102, jan./jun. 2011, p. 221.
[15] Ibidem, p. 222.
[16] Rodrigo Valgas dos Santos atribui a esse excessivo controle externo a nomenclatura de disfunções. Para melhor análise, vide: SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Direito administrativo do medo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, cap. 02, p. 68-84.
[17] MELO FILHO, Renato Soares de. O ativismo judicial em investida ao Estado democrático. 2013. 137 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2013, pg. 18 e 19.
[18] “Estudos apontam que o emprego da expressão judicial activism remonta à década de 40, oportunidade em que utilizada pela primeira vez em comentários sobre as linhas de atuação da Suprema Corte dos EUA no período do New Deal, na Revista Fortune. Já naquela época, o precursor da expressão, o historiador norte-americano Arthur Schlesinger Jr, empregou-a para advertir que a concretização de políticas públicas com base nas concepções políticas dos juízes poderia deixar em perigo a democracia, considerando que somente instituições eleitas teriam legitimidade para decidir sobre a proteção de direitos fundamentais e política social. Tal expressão foi criada com o fim de adjetivar o desempenho à época da Suprema Corte, conhecida por marcantes decisões viabilizadoras de práticas políticas tendentes a implementar direitos fundamentais sem a participação do Presidente da República ou do Congresso.”– BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 386.
[19] ARAÚJO, Eugênio Rosa de. Economia & justiça: ativismo judicial na política monetária. Niterói: Impetus, 2012. p. 03.
[20] MELO FILHO, Renato Soares de. O ativismo judicial em investida ao Estado democrático. 2013. 137 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2013, p. 45.
[21] “(…) de um lado, a perspectiva discursiva procedimentalista defendida principalmente por Habermas; de outro, a corrente axiológica, ativista, propugnada em certa medida por Dworkin. De modo geral, Habermas, Gadamer, Luhmann e Alexy são considerados procedimentalistas, ao passo que Dworkin, Bonavides e Eros Grau exemplos de substancialistas.” – LEAL JÚNIOR, João Carlos; SCHIMAMURA, Emilim. Sobre procedimentalismo e substancialismo na promoção de políticas públicas na área da saúde. Revista CEJ, Brasília, v. 52, p. 12-22, jan./mar. 2011, p. 13.
[22] STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 147.
[23] LEAL JÚNIOR, João Carlos; SCHIMAMURA, Emilim. Sobre procedimentalismo e substancialismo na promoção de políticas públicas na área da saúde. Revista CEJ, Brasília, v. 52, p. 12-22, jan./mar. 2011, p. 13.
[24] BERCOVICI, Gilberto. Estado intervencionista e Constituição social no Brasil: o barulho ensurdecedor de um diálogo entre ausentes. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel; BINENBOJM, Gustavo (Coords.). Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 734.
[25] “Segundo os defensores desta análise, a justificação para o avolumamento do judicial review decorreria do vício de formação das condições aptas ao regular procedimento do processo político, que deveria ser sistematizado à adequada representação em geral, incluídas as minorias, de forma a assegurar a igualdade na construção da vontade política no processo democrático.” – MELO FILHO, Renato Soares de. O ativismo judicial em investida ao Estado democrático. 2013. 137 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2013, p. 45-46.
[26]Cf. MACCORMICK, Neil. Retórica e o estado de direito: uma teoria da argumentação jurídica. Tradução de Conrado Hübner Mendes e Marcos Paulo Veríssimo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 389 p. (Teoria e Filosofia do Direito).
[27] DIMOULIS, Dimitri. A relevância prática do positivismo jurídico. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 102, jan./jun. 2011, p. 215-253, p. 223.
[28] MELO FILHO, Renato Soares de. O ativismo judicial em investida ao Estado democrático. 2013. 137 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2013, p. 90.
[29] MELO FILHO, Renato Soares de. O ativismo judicial em investida ao Estado democrático. 2013. 137 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2013, p. 91.
[30] GABARDO, Emerson. Os perigos do moralismo político e a necessidade de defesa do direito posto na Constituição da República de 1988. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 17, n. 70, p. 72.
[31] STRECK, Lênio Luiz. O que é isto – O Constitucionalismo Contemporâneo. Revista do CEJUR/TJSC: Prestação Jurisdicional, Florianópolis (SC), v. 1, n. 2, p. 37.
[32] MONTESQUIEU. O espírito das leis. Tradução de Cristina Murachco e Apresentação de Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p 169.
[33] SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Direito administrativo do medo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, cap. 02, p. 42.