O significado da doutrina para a Ciência do Direito[1].
Resumo: A despeito dos doutrinadores que desconsideram a doutrina e a jurisprudência como fonte de direito, o direito contemporâneo em sua trajetória evolutiva só veio afirmar e confirmar sua relevância no aperfeiçoamento do direito positivo e da jurisprudência.
Palavras-Chave: Direito. Direito Contemporâneo. Doutrina. Jurisprudência. Fontes do Direito.
A doutrina é bem mais que apenas a opinião dos doutos, chamados de juristas (communis opinio doctorum). E, acaba por ser considerada fonte, na lição de STOLZE e PAMPLONA FILHO pelo fato de continuamente propor soluções, inovar, interpretar e colmatar lacunas.
A sua autoridade potente serve de base de orientação para a interpretação do direito, sendo responsável pela definição de diversos conceitos jurídicos indeterminados[2] (cláusulas gerais) além de permitir o desenvolvimento de uma plêiade de fórmulas interpretativas que são capazes de conferir certa uniformidade a tais conceitos vagos e ambíguos.
De fato, ainda existe a discussão a respeito de considerá-las ou não como fonte de direito. Atualmente, não é tão utilizada ou citada nas decisões judiciais como outrora non tempo dos primórdios da codificação. De qualquer forma, a doutrina serve de inspiração ao Direito, ora aclarando textos jurídicos, ora sugerindo reformas e ora importando ou simplesmente atualizando institutos jurídicos em geral.
Com relação à lei, os costumes são de três espécies: secundum legem, praeter legem e contra legem. O secundum legem é o que se encontra expressamente referido na lei. E, sua eficácia reconhecida pelo direito positivo, exemplificando nos arts. 1.297, §1º, 596 e 615 do Código Civil. E, então, passa a ter caráter de verdadeira lei, deixando de ser propriamente costume propriamente dito.
Praeter legem é aquele que se destina a suprir a lei nos casos omissos, conforme prevê o artigo 4º da Lei de Introdução do Código Civil e o artigo 126 do CPC. É o costume de efetuar-se o pagamento através de cheque pós-datado, e não como ordem de pagamento à vista, afastando assim a existência de crime. Tal costume praeter legem é, portanto, um dos expedientes a que deve recorrer o juiz para sentenciar quando a lei é omissa.
E o costume contralegem é oponente à lei. É cediço que em regra, o costume não pode contrariar a lei, pois esta só se revoga, ou se modifica por outra lei. Tal costume não tem o poder de revogá-la não existindo mais a chamada desuetudo (não aplicação da lei, em virtude do desuso). Em geral se rejeita o costume contra legem, por entendê-lo incompatível com a tarefa do Estado e com o princípio de que as leis só se revogam por outras.
Como é sabido, além da lei e dos costumes, também a doutrina e a jurisprudência são fontes do direito[3]. E, ambas exercem o importante papel de satélites em relação as demais fontes do direito.
Inegavelmente, a doutrina jamais pode deixar de ser reconhecida como fonte de direito, pois realmente contribui para aplicá-lo e, também, para prepará-lo para sua trajetória evolutiva. Por doutrina entende-se o acervo de soluções trazidas pelo labor dos juristas, é, enfim, a comunis opinio doctorum.
As definições de Aristóteles são essencialistas. Afinal, quem define, segundo este método, busca a determinação da essência do definido. Daí, cogitar-se que, em sentido estrito, conceito é a simplex aprehensio essentiae rei. E, consiste na determinação do conteúdo do conceito, mediante a decomposição dos seus elementos constitutivos, o que, na expressão mais simples, supõe a indicação do gênero próximo e da diferença específica.
Há outras críticas maiores que se opõem ao método definitório de Aristóteles que são as seguintes: a) supõe a existência de apenas uma definição verdadeira está vinculado a uma concepção ontológica unidimensional; b) a pirâmide conceitual termina, no topo, em uma representação vazia de qualquer significação específica.
É imperioso afirmar que o Direito não é só a norma, mas ordenamento, norma e decisão. O anseio e aspiração de Kelsen, em erigir uma Ciência do Direito, leva-o aos adeptos da chamada teoria pura do direito, com constituição apenas de uma ciência da norma jurídica, parcial e fracionada, em presença do Direito a partir do axioma da norma fundamental.
Imperioso é verificarmos que o Direito é pluridimensionado dotado de forte conteúdo empírico e axiológico e constitui autêntica prudência e não ciência. O primeiro traço característico das ciências é o de que toda ciência é visão da realidade.
Embora que o termo “realidade” seja fonte inesgotável de discussões filosóficas, Vale afirmar que a ciência é uma visão de uma realidade, significa que ela não é uma representação de devaneio ou apenas de imaginação, mas é uma representação do real, isto é uma representação do que seja observável empiricamente.
Já a representação científica é, por essência, pública, pois ela é essencialmente uma representação linguística, com signos resultantes de uma convenção social.
O que Granger chama acima por “representação” ou “representação abstrata”, relacionado às ciências, são as teorias científicas elaboradas e aceitas por uma comunidade científica sobre os fenômenos observados no domínio de uma ciência. A teoria não é a própria realidade, mas é uma representação expressa em linguagem, uma linguagem científica, que os cientistas fazem da realidade observada, e compartilham entre eles, entre a comunidade, o que foi representado em teoria.
No Direito descritivo, especialmente, sua realidade são normas jurídicas. Sobre isso, observa o filósofo e jurista Hans Kelsen: “Na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida na afirmação menos evidente de que são normas jurídicas o objeto da ciência jurídica. (…)
A ciência é uma investigação essencialmente descritiva, ou seja, é uma postura que observa, problematiza, analisa, sistematiza, classifica, e elabora leis e teses gerais para a compreensão do fenômeno estudado. Se a ciência é essencialmente, descritiva, então não é papel da ciência propor uma modificação ou uma ação de intervenção sobre a realidade qualquer ação que seja esta.
Basicamente não se pode confundir a postura científica com a postura da técnica, isto é, confundir a postura descritiva da ciência com a postura da elaboração de um instrumento técnico, uma tecnologia, por exemplo, que envolve intenções para a melhora da vida humana.
A distinção entre ciência e técnica[4] remonta, como diz Granger, ao eminente filósofo Aristóteles. Aristóteles, considerado o primeiro grande filósofo enciclopedista, faz uma classificação dos níveis do conhecer, em sua famosa obra Metafísica, que nos ajuda a entender o lugar da técnica e sua diferença em relação à postura científica.
Enquanto a ciência é exprimível em uma linguagem específica (e hoje temos diversas linguagens para a diversidade de ciências que existem) e comunicável através do ensino, a técnica exige a prática, pois não se aprende uma técnica sem a ação. Sobre isso, afirma Granger: “A ciência (episteme) se distinguirá da Techné em primeiro lugar porque, mais exatamente e mais completamente do que a ‘arte’, ela [a ciência] deve poder exprimir-se numa linguagem e ser comunicável pelo ensino
Enquanto a ciência[5] é um conhecimento que busca o necessário e o universal, dizendo o que uma coisa é, como é e porque é, a técnica depende do esforço de cada indivíduo, ou seja, é um tipo de conhecimento que não está na coisa, que não é constatável empiricamente no objeto observável, mas depende da ação do sujeito sobre o objeto, pois é nessa ação que se reproduz ou se cria a técnica.
Desse modo, se a técnica depende do criador, então ela é relativa à ação do indivíduo e, sendo assim, ela está mais suscetível às mudanças; em suma: ela é, no entender de Aristóteles, contingente.
Por oposição, a ciência não é contingente, pois não existe ciência do particular, do que ocorre no momento, das vontades do indivíduo, mas a ciência tem a pretensão de descrever o que é, por isso ela é um conhecimento objetivo, do que é necessário e universal.
Dizer que o que é observado é necessário significa que o fenômeno é de um jeito e não de outro, e dizer que é universal, significa que não é uma ocorrência momentânea e isolada, particular, relativa a um indivíduo ou a um grupo, mas que tem uma abrangência geral, de caráter universal, pois são estruturas que se repetem em situações análogas ou semelhantes.
O grande Ferrara entendia que a doutrina não constituía fonte de direito, pois não se pode identificar com a sua criação. Na doutrina, afirmam os juristas, encontra-se o que já se contém no direito.
Mas é evidente que a obra dos jurisconsultos, comentaristas e estudiosos do direito trouxe sempre grande contribuição à sistematização jurídica. Em diversos lugares do mundo floresceram as escolas de direito tais como as de Bolonha e Pádua, na Itália; Toulouse em França; Oxford na Inglaterra e Coimbra, em Portugal que especialmente contribuíram para as cátedras, o predomínio das elucubrações e pesquisas de ordem doutrinária que servem para iluminar a criação e aplicação do direito.
E, dentro de seu caráter especulativo e teórico a doutrina foi sempre a mais desinteressada e a idealista que a própria jurisprudência, que é sujeita à diversas pressões.
A doutrina jurídica são ensinamentos e descrições explicativas do direito positivo, elaboradas pelos juristas. Mas, o direito positivo e a Ciência do Direito são dois mundos distintos que não se misturam. Pois a linguagem prescritiva do direito não se altera pela linguagem descritiva da ciência que a toma como objeto.
A função da doutrina é informar sobre o direito e não o modificar, por isso mesmo, é que não pode ser tomada como fonte do direito. Pois a doutrina o descreve, não o cria.
Neste mesmo vetor, é o posicionamento de Miguel Reale que já afirmou que a doutrina, ao contrário do que sustentam alguns, não é fonte do direito, uma vez que as posições teóricas, por maior que seja a força cultural de seus expositores, não dispõem de per si do poder de obrigar. Para a dogmática jurídica[6], nem a lei, nem o costume, nem a doutrina e jurisprudência são fontes do direito para a dogmática jurídica.
A Dogmática Jurídica aceita a norma vigente como ponto de partida inatacável. No estudo do Direito, são disciplinas dogmáticas: direito constitucional, civil, comercial, penal, tributário, processual, previdenciário, trabalhista, etc. As citadas disciplinas são regidas pelo princípio da inegabilidade dos pontos de partida (o dogma, a lei).
O princípio da legalidade, inscrito na Constituição Federal, é uma premissa desse gênero, posto que obriga o agente do direito a pensar os problemas a partir da lei, conforme à lei, para além da lei, mas nunca contra a lei.
Para a dogmática, o sistema de normas é um dado, o ponto de partida de qualquer investigação, que os agentes do direito aceitam e não negam. O sistema de normas constitui uma espécie de limitação, dentro do qual os profissionais de direito podem explorar as diferentes combinações para a determinação operacional de comportamentos jurídicos possíveis. Esta limitação teórica pode conduzir a exageros, havendo quem faça do estudo do direito um conhecimento muito restrito, legalista e cego para a realidade como um fenômeno social.
Apenas o Código Civil Suíço admite atualmente que na falta de lei ou costume, prevaleça a opinião dos tratadistas como fonte do Direito. E, mesmo contemporaneamente a doutrina persiste em ter larga repercussão no Direito, inclusive na jurisprudência, e, portanto, nos próprios processos judiciais que não raro, aparecem, para instruí-los com pareceres de juristas eminentes.
No século XVIII a doutrina inspirou os redatores do Código de Napoleão[7], nos escritos de Pothier. E tal produção legislativa servira para nação norte-americana e que, fora responsável, em certa Época, pela chamada supremacia judicial e pelo denominado “governos dos juízes”, a quem Haines e Lambert e que merecia a contradita de Roger Pinto em três livros famosos nas décadas de trinta e cinquenta.
Em tal concepção observa-se evidente exagero, pois apesar do papel construtivo que se não pode negar à jurisprudência. Por sua vez, Danton afirmava que “o juiz é o servo da lei”, enquanto que Le Chapelier, qualificava a jurisprudência dos tribunais como a mais detestável das instituições.
Para Robespierre igualmente a jurisprudência dos tribunais era expressão vazia, porque não podia exprimir mais a própria lei. Por derradeiro, para Napoleão, a tentativa de interpretação de seu Código era considerada “suspeita de ideologia subversiva e princípio de anarquia”.
Para o grande mestre Arthur Machado Paupério entendeu que a jurisprudência pode preencher as lacunas do direito chegando mesmo, em certos casos, a atualizar o sentido da lei. Em França, a Corte de Cassação adapta aos tempos atuais numa legislação cuja essência atinge o início do século XIX. Na falta de um código, o Conselho de Estado francês construiu por sua jurisprudência uma grande parte do direito administrativo vigente.
Mas, é preciso não olvidar que o legislador, a quem cabe principalmente a função específica de legislar, também pode intervir no processo jurisprudencial para corrigir na legislação ou até interpretação judiciária.
No sistema jurídico pátrio, já firmou o Supremo Tribunal Federal jurisprudência contralegem afirmando por um de seus ministros (ou membros) que lhe cabe a prerrogativa de construir o próprio direito, em dadas circunstâncias de premência e necessidade, para suprir as deficiências ou imperfeições da legislação vigente[8].
Apesar do respeito que devemos ter a essas decisões contralegem, perfilhamos do entendimento de que, sem dúvida, ocorre um amesquinhamento do Legislativo, e impõe a ditadura do Judiciário, que como qualquer outra, devemos combater.
Nos países de common law como na Inglaterra publicam-se oficialmente os acórdãos ou decisões dos tribunais, através dos repertórios de jurisprudência. Em França, não existem propriamente publicações oficiais de acórdãos. Dois repertórios periódicos particulares, porém, Dalloz e Sirey, com os nomes dos fundadores e publicam sistematicamente a jurisprudência francesa.
O CPC/2015 em seu artigo 926 estabelece o prestígio à jurisprudência dominante, o que deverá ser observado por todos os magistrados. Pois ao lidar com o sistema de precedentes[9], teve o Código Fux de lidar também com a possibilidade de alterações dos precedentes pelos tribunais brasileiros.
No sistema do common law, em regra, o novo entendimento jurisprudencial incide sobre os processos em curso. Apesar de que se deve reconhecer que a aplicação imediata do entendimento jurisprudencial poderá representar uma vulneração de segurança jurídica e do consectário da previsibilidade.
Por essa razão, o artigo 927, §3º do CPC/2015 prevê a chamada modulação de efeitos da aplicação e alteração do precedente, permitindo que o tribunal, ao modificar o entendimento, ressalve a aplicação a partir de determinado prazo, em homenagem do interesse social e à segurança jurídica.
A revogação de precedentes, especialmente quando consolidados no tempo, tem potencialidade para causar enorme abalo nas relações sociais, na medida em que os cidadãos e as empresas praticam condutas e celebram negócios jurídicos confiando no direito estabelecido pelos tribunais. Aliás, a principal função dos Tribunais Supremos é conferir unidade, coerência e estabilidade ao Direito, por meio da interpretação judicial, formulando precedentes vinculantes com rationes universalizáveis e projetáveis para o futuro, destinados a orientar a sociedade.
A técnica da modulação temporal dos efeitos das decisões revogadoras de precedentes – o prospective overruling – visa a tutelar valores inerentes a qualquer ordenamento jurídico, tais como a segurança jurídica, a confiança justificada, a boa-fé objetiva e a irretroatividade do Direito. O CPC/2015 encampou-a em boa hora. (In: GONÇALVES, Gláucio Maciel; ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício. O prospective overruling nas Supremas Cortes Brasileiras: a possibilidade de modulação temporal dos efeitos das decisões revogadoras de precedentes consolidados à luz da dogmática jurídica moderna e o novo Código de Processo Civil – CPC/2015. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RPro_n.258.17.PDF Acesso em 16.04.2020)
O overruling consiste na revogação de um precedente por outro. É o meio pelo qual um tribunal promove a superação de uma norma criada em um anterior caso julgado mediante a elaboração de uma nova tese jurídica construída no precedente revogador, que passa, então, a disciplinar certa situação fático-jurídica. A ratio decidendi do precedente revogado perde toda a sua autoridade.
Na França, o prospective overruling não é admissível, em razão da interpretação do art. 5.º do seu Código Civil, que estipula um princípio geral, fundado no postulado da separação dos poderes, que proíbe os juízes de decidir feitos elaborando regras gerais aplicáveis a casos futuros, a fim de impedir-lhes de criar o Direito. Na Alemanha, o prospective overruling também é uma prática bastante incomum e excepcional. Na Itália, igualmente, nenhum tribunal tem o poder para realizar o prospective overruling, principalmente porque se entende que os julgamentos das cortes superiores[10] devem referir-se apenas aos respectivos casos concretos.
A súmula vinculante surgiu em 2004, a partir de mudança feita no texto constitucional vigente. A Emenda Constitucional introduziu no direito pátria que fora regulamentada pela Lei 11.417/2006 e o enunciado dessa súmula deve ser atendido pelos órgãos do Poder Público e pela Administração Pública. Trata-se de instrumento exclusivo do STF e a partir de sua publicação, produzirá o efeito vinculante.
Tem como fim definir o posicionamento do STF em razão de determinados temas, sendo alvo de controvérsias que prejudica a celeridade processual. Vide o artigo 103-A CFRB/1988.
A súmula vinculante é um mecanismo constitucional de uniformização da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que possui força normativa sobre os órgãos do Poder Judiciário, bem como sobre toda a administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Trata-se de um instituto jurídico de extrema importância no sistema constitucional e processual brasileiro. Assim, chamo a atenção dos colegas advogados, estudantes e operadores do direito para a pertinência do tema.
A rigor, o direito brasileiro foi construído com influência predominante do sistema romano-germânico, “civil law”, no qual as decisões judiciais trazem a lei como principal fonte formal. Entretanto, o mecanismo da súmula vinculante se aproxima mais do direito norte-americano, “common law”, no qual o sistema de precedentes judiciais costuma prevalecer sobre a produção legislativa.
O professor Marcelo Novelino destaca que o instituto da súmula vinculante “surgiu em um ambiente de constantes críticas à morosidade dos processos judiciais e à baixa eficácia de suas decisões. Aspectos jurídicos – como o excesso de formalismo e de recursos existentes no sistema processual brasileiro – e econômicos – custo desta lentidão para os diversos setores da sociedade – foram decisivos para a sua aprovação.”[11]
Tanto a doutrina e a jurisprudência situam-se entre as fontes não formais e indiretas ou mediatas posto que não constem expressamente na lei e nem da Lei de Introdução, sendo reconhecidas pela visão clássica do ordenamento jurídico.
Apesar de que já se percebe uma fonte tendência em conceituar a jurisprudência como fonte formal do direito, particularmente pela força vinculativa das decisões superiores e adotada por vários dispositivos do CPC vigente.
O segundo o notável doutrinador Flávio Tartuce a doutrina é a interpretação da lei realizada por estudiosos da matéria, sendo constituída de pareceres de autores, pelos ensinamentos dos professores e mestres, pela opinião dos tratadistas, pelas dissertações e teses acadêmicas apresentadas nas faculdades de Direito.
A doutrina de renome pode ser caracterizada como parte dos costumes. Principalmente, quando houver reconhecimento da comunidade jurídica nacional, quando é denotada a presença de um argumento de autoridade, pela respeitabilidade do doutrinador.
Aliás, Flávio Tartuce assume que frequentemente recorre a tais argumentos, o que pode ser facilmente percebido em sua coleção de Direito Civil publicada pela Editora Forense, do Rio de Janeiro.
Já outra fonte informal é a jurisprudência pode ser conceituada como a interpretação da lei elaborada pelos órgãos do Poder Judiciário, também deve ser considerada como parte dos costumes, como é o caso das súmulas do STF, STJ e do TST. E, após a Emenda Constitucional 45/2004 ganharam maior destaque as súmulas vinculantes e a súmula impeditiva de recursos[12].
Sublinhe-se que no direito baseado no common law (da Inglaterra) é de especial e principal relevância sendo considerada fonte formal primária. Originalmente em nosso sistema jurídico a jurisprudência não tinha tanta importância, mas com a reforma do Judiciário tal contexto mudou.
Além do fato de que o vigente CPC veio a valorizar consideravelmente os precedentes judiciais. Já tive oportunidade em meus modestos escritos de apontar uma espécie de Commonlização à brasileira[13].
Ressalta ainda Tartuce a contribuição esclarecedora dos enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil promovidas pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, que são entendimentos doutrinários.
Esclarece-se que tais entendimentos doutrinários não possuem força vinculante e apenas traduzem conclusões coletivas a respeito do Código Civil em vigor bem como de outras leis, quando, se faz necessário interpretar ou até mesmo colmatar as normas jurídicas. Trata-se de obra coletiva de autoria dos participantes das Jornadas.
A equidade no âmbito do Direito Privado era tratada não como meio de suprir lacunas das leis, mas sim, como forma auxiliar para tal missão. Também pode ser reconhecida como fonte informal ou indireta do direito principalmente em face do Direito Civil Contemporâneo.
Pode-se conceituar a equidade como o uso do bom senso, revelando a justiça no caso concreto particular, mediante a razoável adaptação da lei ao caso concreto. Segundo as lições de outros doutrinadores de escol, como Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho o julgamento por equidade (e não com equidade é admitido em casos excepcionais, reconhecido como fonte de direito principalmente quando a lei atribui ao juiz a possibilidade de atuar conforme seus ditames.
E, no Código Civil brasileiro de 2002 é comum tal ingerência não havendo como declinar a condição de equidade, reconhecida por ser fonte jurídica não formal, indireta e mediata. Equidade consiste na adaptação da regra existente à situação concreta, observando-se os critérios de justiça. Pode-se dizer, então, que a equidade adapta a regra a um caso específico, a fim de deixá-la mais justa. Ela é uma forma de se aplicar o Direito, mas sendo o mais próximo possível do justo para as duas partes.
A distinção entre equidade e justiça surge no momento em que esta se divide em justo legal (nomikon díkaion) e justo natural (physikon díkaion, ou “justo absoluto”). Ambos os conceitos estão compreendidos na noção de justiça política: A justiça política é em parte natural e em parte legal. In: ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2002; _____. Retorica. Roma-Bari: Laterza, 1961).
A parte natural é aquela que tem a mesma força em todos os lugares e não existe por pensarem os homens deste ou daquele modo. A legal é o que de início pode ser determinado diferentemente, mas deixa de sê-lo depois que foi estabelecido (por exemplo, que o resgate de um prisioneiro seja de uma mina, ou que deve ser sacrificado um bode e não duas ovelhas), e também todas as leis promulgadas para casos particulares (como a que mandava oferecer sacrifícios em honra de Brásidas), e as prescrições dos decretos.
No mesmo sentido, Chäim Perelman definiu equidade com sendo “uma tendência a não tratar de modo demasiadamente desigual os seres que fazem parte de uma mesma categoria essencial”. Segundo o autor belga, a sociedade se encontra numa incessante oscilação entre justiça legal (“justiça formal”, nas palavras de Perelman) e equidade. (In: PERELMAN, C. La Giustizia. Torino:Giappichelli, 1991)
Para facilitar a tarefa do aplicador do Direito, Otfried Höffe considera a equidade como sinônimo de imparcialidade, uma vez que “existem princípios de cuja justiça quase ninguém duvida; pense-se apenas no mandamento de, num caso de conflito, ouvir o outro lado (audiatur et altera pars) e a proibição de ser juiz em causa própria (nemo judex in sua causa). Tais princípios de procedimento são considerados justos pelo fato de servirem a um princípio de justiça superior que tampouco é controvertida, a imparcialidade (equidade).” (In: HÖFFE, O. Giustizia Política. Bologna: Il Mulino, 1995).
Segundo a doutrina, visualiza-se a equidade da seguinte forma: a) equidade legal que vem prevista no próprio corpo da lei, é o caso, por exemplo do artigo 413 CC de 2002 que prevê a redução equitativa de multa ou cláusula penal como um dever do magistrado; b) equidade judicial que também é prevista em lei que determina que o juiz deve decidir por equidade o caso concreto. Conforme o previsto no artigo 127 do CPC/1973 e, atualmente previsto no artigo 140 de CPC vigente.
Nos planos teóricos e práticos cumpre fixar a diferença existente em julgar por equidade e julgar com equidade. A primeira expressão significaria desconsiderar as regras e normas jurídicas, decidindo-se com outras regras.
Julgar com equidade que tem o sentido de decidir-se de acordo com a justiça do caso concreto. Apesar de serem expressões muito próximas, sempre causarão confusão entre os aplicadores de Direito, o que deveras afasta a aplicação da equidade.
Galgar a justiça no caso concreto é, de fato, a prioridade do Direito, não havendo necessidade de autorização expressa na lei e, atua naturalmente como representação do senso comum.
Em sentido similar, estatui o artigo 7º CDC que “Os direitos previstos nestes código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil, seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, da analogia, costume e equidade”.
Não obstante o filosófico silêncio da atual Lei de Introdução do Código Civil, Fernando Tartuce acompanhado da boa doutrina entende que a equidade deve sempre guiar o aplicador do direito da norma privada, tida, como autêntica fonte do Direito Civil, o que já se subtraí a principiologia consagrada na vigente codificação privada brasileira.
Já se afirmou no final da década de noventa que a doutrina não é fonte formal do direito posto que não cria, modifica ou extingue direitos, mas funciona meramente como manifestação dos juristas ou jurisconsultos no sentido de esclarecer e explicar o direito positivado.
Na doutrina pátria os que não consideram a doutrina como fonte Orlando Gomes e Caio Mário da Silva Pereira, para estes só pode ser considerada como fonte histórica. Porém, nem sempre foi assim, de forma que as fontes de direito variam conforme a sociedade e, em verdade, as fontes de direito constituem em fato histórico.
No direito romano, os jurisconsultos, como Caio, Papiniano[14], Paulo, Ulpiano[15] e Modestino[16] tiveram o chamado ius publice respondendi ex autoritas principiis[17], cujas opiniões tenham força obrigatória, não apenas o caso concreto, mas também para os futuros.
Já durante a Idade Média, igualmente se reconheceu a autoridade das opiniões de grandes civilistas. Durante longo período a ideia de que o direito positivado poderia conter normas com clareza e segurança jurídica absolutas, dispensando-se ipso facto a sua interpretação.
Nos idos da década de cinquenta Bockelmann afirmou que o tribunal ao aplicar o direito, deve funcionar como um autômato, com a única particularidade de que o aparelho em função não é automático, mas sim, um mecanismo lógico.
Afinal, nesse tempo, acreditava-se que o juiz era o escravo da lei. E dois motivos justificaram tal entendimento, a saber: primeiro, pela pesada desconfiança que pairava sobre os julgadores em razão da acomodação da justiça e nas leis, aos interesses dos senhores da terra; segundo: a existente veneração da lei, desenvolvida pelo espírito racionalista e, que levou a forçosa conclusão pela vinculação ortodoxa do juiz à lei.
Admite-se a doutrina como fonte mediata de direito, aliás esse é o posicionamento de J.M. Leoni Lopes de Oliveira por não vislumbrar a capacidade de criação, modificação ou extinção do direito.
Ademais, a própria sofisticação da sociedade humana atual, diante de grande proliferação de leis regulando os mais variados fatos da vida social , tais como relações de trabalho, dos autores dos consumidores, dos administrados, do comércio, das empresas, e, ainda, as oriundas de contratos em geral e responsabilidade civil sem olvidar do Direito Internacional.
A influência da doutrina na atuação dos julgadores é incontestável. Principalmente, na atuação de todos os operadores do Direito. Pois o juiz ao decidir a lide conforme a consciência, aplicando o direito abstrato ao caso concreto, socorre-se frequentemente de ensinamentos que adquiriu em sua formação profissional, e, portanto, da doutrina.
Em tempo, frise-se que sua influência é crescente a medida em que venha ser repetida por vários doutrinadores, fincando o mesmo sentido, é quando temos a chamada doutrina predominante ou prevalente. Não que seja menos importante as teorias doutrinárias minoritárias.
É raro verificar decisões judiciais de maneira diversa e, até contrária, à doutrina prevalente. Ademais, o espectro da generalidade da norma jurídica requer o uso da doutrina para prover a devida aplicação do direito e da justiça. Além do fato de existirem preceitos indeterminados (que são aquelas cujo conceito e extensão são em geral incertos ou indetermináveis).
Observa-se com clareza tal aspecto quando nos deparamos com conceitos naturalísticos do direito tais como: escuridão, sossego, noturno, ruído, perigo, honesta e coisa.
O vocábulo jurisprudência se origina do latim ius prudentia que significa os princípios gerais do direito aplicados em determinados sistemas jurídicos. Pode ser encarada em sentido lato (amplo) ou sentido restrito (stricto). No primeiro sentido, significa a ciência ou conhecimento do direito. Já no segundo sentido significa a interpretação dada pelos tribunais que servem de precedentes aos futuros pronunciamentos.
A doutrina diverge quanto ao fato de incluir a jurisprudência como fonte formal do Direito. Para J.M. Leoni Lopes de Oliveira a jurisprudência como fonte formal do Direito, ao lado da lei, dos costumes e das manifestações de vontade, sendo fonte formal de direito.
Contrariamente a esse entendimento Orlando Gomes para quem a jurisprudência não pode ser considerada fonte de direito porque o juiz não é servo da lei, além de o julgado produzir efeitos somente entre as partes.
Em posicionamento semelhante, Caio Mário da Silva Pereira que defende que a função criadora da norma pertence ao Poder Legislativo, limitando-se o Judiciário e aplica-la e interpretá-la negando-se em face disso à jurisprudência o caráter de fonte formal de direito.
Aceitando-se simplesmente como fonte informativa ou intelectual do direito. Nessa mesma acepção há o posicionamento de Serpa Lopes, apesar de que tais doutrinadores reconhecem a crescente influência dos precedentes que conduzem à progressiva uniformidade dos julgamentos. Desta forma, a jurisprudência pode ser considerada como fonte mediata ou indireta do direito.
A jurisprudência stricto sensu significa a revelação do direito que se processo através do exercício da jurisdição em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais. Reconhecemos que o juiz ao aplicar a norma ao caso concreto, não atua como robô, mas, ao contrário, ao interpretá-la e aplica-la ao caso concreto indiscutivelmente está criando o Direito.
O Código Civil de 1916 com suas normas são graficamente as mesmas, porém, parece ser indiscutível que sua aplicação, principalmente diante da realidade absolutamente diversa. Exemplificando, em matéria de responsabilidade civil dos pais pelos atos de filhos menores, onde a jurisprudência vem interpretando e aplicando a norma jurídica correspondente como caso de responsabilidade civil presumida e, em alguns julgados como caso de responsabilidade objetiva, tal qual a do patrão (empregador) em referência aos seus prepostos e empregados.
Nos casos em que o juiz decidir por equidade como, por exemplo, nos alimentos onde a lei simplesmente afirma que devem ser fixados na proporção da possibilidade de quem paga e da necessidade de quem pede. E, assim, o percentual deve ser estabelecido conforme cada caso concreto.
Ademais, o CPC vigente prevê expressamente que o juiz decida por equidade nos casos previstos em lei. A jurisprudência é manifestação do Judiciário que diz o Direito, em última instância. Ressalvando-se a interpretação da Lei Magna e, cabe ao STF. Portanto, é através da jurisprudência que o direito se materializa. E, segundo o ditado popular, a lei é aquilo que os juízes dizem que é[18].
Ademais, a lei é sempre abstrata, contendo normalmente, normas genéricas que devem através da jurisprudência, ser concretizadas. Não se deve impressionar haver divergência na jurisprudência, não obstante haver a tendência voltada para a uniformização de jurisprudência.
Cabe recorrer à lição de Reale in litteris: “se é um mal o juiz que anda à cata de inovações, seduzido pelas “últimas verdades”, não é mal menor o julgador que se converte em autômato a serviço de um fichário de arrestos dos tribunais superiores”.
Metáfora didática proferida por Ludovico Barassi que destacou que a lei sai da pessoa do legislador tal qual uma criança que se liberta do ventre materno a fim de ter vida própria, mudando sob a influência do meio ambiente.
Corrobora ainda São Tomás de Aquino que afirmou: “os homens recorrem ao juiz como à justiça viva”. Mas a justiça viva é melhor que a inanimada que está contida nas leis. Logo, seria melhor que a execução da justiça se fizesse por arbítrio dos juízes do que escrever leis para isso”.
No direito privado em geral é de grande importância o papel que exerce a manifestação de vontade, que é denominada autonomia privada ou autonomia negocial. Essa autonomia se refere à liberdade concedida aos particulares de, através de manifestação de vontade, regularem juridicamente seus interesses, como, por exemplo, o contrato.
Através do contrato é possível criar modificar ou extinguir uma relação jurídica. Portanto, através de um acordo de vontades, os particulares podem criar, modificar ou extinguir direitos.
Indaga-se na doutrina se manifestação de vontade pode ou não ser considerada uma fonte de direito. A maioria da doutrina entende que a autonomia de vontade não deve ser incluída entre as fontes de direito.
Afirmou Orlando Gomes que a locução “fontes de Direito” as manifestações do próprio direito objetivo (norma agendi) vigente para todos no ordenamento jurídico do Estado. Na doutrina pátria, Miguel Reale reconhece a autonomia negocial a categoria de fonte de direito, destacando que entre as normas particulares, assim chamados por só ligarem os participantes da relação jurídica, estão as normas negociais e, dentre estas, sua fundamental importância, as normas contratuais ou cláusulas contratuais.
Trata-se de uma conquista da civilização, a técnica que tradicionalmente se denomina de autonomia da vontade, isto é, o poder que tem cada pessoa de ser, de agir e de omitir-se nos limites das leis em vigor, tendo por fim, alcançar algo de seu interesse e, que situado no âmbito da relação jurídica, e voltado ao bem jurídico. Numa tese extremada tão-somente a lei constitucional seria fonte de direito.
Caio Mário que apesar de aludir que a doutrina que considera a manifestação de vontade como fonte de direito deve ser tratada com cautela, mas reconhece que a autonomia privada produz efeitos jurídicos, criando mesmo o direito. Explica o doutrinador que a concepção de fonte de direito e o ato jurídico stricto sensu.
Na doutrina estrangeira, há as teses que adotam a autonomia de vontade como fonte de direito, destacando-se Kelsen e Carnelutti. Afinal, para Kelsen, a transação jurídica é o ato pelo qual os indivíduos autorizados, pela ordem jurídica regulam juridicamente certas relações. Portanto, é fato criador de direitos, pois produz deveres e deveres jurídicos das partes em que participação da transação.
É função criadora do Direito da transação jurídica que se manifesta a chamada “autonomia privada” das partes. Kelsen ainda reconhece que tal criação de direitos, pode ser dar, não só apenas através do contrato, mas também, por atos jurídicos unilaterais, exemplificando com a oferta que é obrigatória para o ofertante, durante certo tempo antes da aceitação (In: Teoria Geral do Direito e do Estado).
Igualmente Carnelutti alertou que o contrato e o terceiro dos institutos econômicos (ao lado da guerra e da propriedade) explicam o nascimento do direito. Para Carnelutti o contrato implica em proteção para o futuro, com o fim de fixar para porvir certas posições atuais: por isso, é que implica uma promessa recíproca e a promessa é uma declaração que se refere ao futuro.
Realmente, verifica-se a fertilidade da autonomia de vontade como criadora de direitos, bastando verificar os fatos do cotidiano, para reconhecer que sem intercâmbio ou associação seria possível satisfazermos nossas necessidades.
Segundo Serpa Lopes calcado em Chironi e Alelo que, ao incluir o contrato como fonte de direito, está-se confundindo fonte de direito objetivo com fonte de direito subjetivo. Conclui Serpa Lopes que não há motivos para deixar de considerar como regra de Direito o ato jurídico, sabendo-se que a lei sempre contém regras abstratas e de eficácia generalizada, ao passo que o ato jurídico exibe regras especiais a um caso concreto. De qualquer forma, sempre há a criação do direito.
Na sábia opinião de Duguit, Jèze e Roger Bormard, a lei, fonte de Direito, é um ato jurídico e, reciprocamente, todo ato jurídico, mesmo que individual, constitui uma fonte de direito. (In: De Oliveira, J. M. Leoni. Direito Civil. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: João de Almeida e João Luiz da Silva Almeida, 1998).
Enfim, o significado da doutrina para ordenamento jurídico sempre foi de aperfeiçoamento tanto do direito positivo quanto da jurisprudência, introduzindo não só melhor compreensão e interpretação dos textos jurídicos, mas principalmente, por permitir e viabilizar o acesso à autêntica justiça dentro do Estado Democrático de Direito. Com o presente texto desejo patentear minhas sinceras homenagens a todos os doutrinadores brasileiros, especialmente aqueles que trataram e tratam a matéria jurídica com isenção e honestidade.
Referências:
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Autores:
Gisele Leite
Ramiro Luiz Pereira da Cruz
[1] O vocábulo “direito” é polissêmico. E, basicamente analisamos o direito normativo e o direito descritivo. O direito normativo não é ciência, mas sim, uma técnica. Enquanto que o direito descritivo é uma ciência, pois, visa uma realidade normativa, descrever e explicar a realidade normativa e elabora os critérios de validação sobre a normatização.
[2] Os fenômenos da ambiguidade e imprecisão das palavras e expressões jurídicas levam ao surgimento de conceitos jurídicos indeterminados. São indeterminados os conceitos cujos termos são ambíguos ou imprecisos razão pela qual necessitam de serem completados ou colmatados por que os aplique. Pertinente é o questionamento feito sobre se tal preenchimento quando se trate de conceito aberto por imprecisão se devem ser buscados na realidade, considerando as concepções políticas predominantes, ou variam conforme a atuação das forças sociais? Os conceitos indeterminados — que compreendem conceitos de experiência ou de valor — não conduzem a u m a situação de indeterminação de aplicação deles. Estas, segundo aqueles autores, só permitem uma “unidade de solução” em cada caso. Assim, quando se cogita em boa-fé, v.g., o conceito se dá ou não se dá. E m outros termos, em presença de um caso concreto determinado há ou não há boa-fé: tertium non datur.
[3] Emprega-se também o termo “fonte do direito” como equivalente ao fundamento de validade da ordem jurídica. A teoria kelseniana, por postular a pureza metódica da ciência jurídica, libera-a da análise de aspectos fáticos, teleológicos, morais ou políticos que, porventura, estejam ligados ao direito. Com isso essa doutrina designa como “fonte” o fundamento de validade jurídico-positiva da norma jurídica, confundindo a problemática das fontes jurídicas com a noção de validez das normas de direito. O fundamento de validade de uma norma, como assevera Kelsen, apenas pode ser a validez de uma outra, figurativamente denominada norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, inferior. Logo, é fonte jurídica a norma superior que regula a produção da norma inferior. A fonte jurídica só pode ser o direito, pelo fato de que ele regula a sua própria criação, já que a norma inferior só será válida quando for criada por órgão competente e segundo certo procedimento previsto em norma superior. Para essa concepção, entende-se, também por fonte jurídica a norma hipotética fundamental que confere o fundamento último de validade da ordem jurídica, por ser impossível encontrar na ordenação jurídica o fundamento positivo para a Constituição. Essa norma básica foi, por Kelsen, designada constituição no sentido lógico-jurídico, diferenciando-a assim da Constituição em sentido lógico-positivo. Essa norma fundamental diz apenas que se deve obedecer ao poder que estabelece a ordem jurídica, mantendo a ideia de que uma norma somente pode originar-se de outra, da qual retira sua validez.
[4] A palavra “técnica” vem da palavra grega “techné” e é traduzida por “arte”, sendo arte, segundo Granger, entendida aqui no seu sentido mais amplo. Tendo isso em vista, com base nas distinções feitas por Aristóteles, Granger diz que ciência e técnica se distinguem basicamente a partir de dois pontos centrais.
[5] A respeito da cientificidade do direito, analisando a questão, Luiz Fernando Coelho conclui que o saber jurídico não tem um caráter científico, afirma que “em verdade constitui uma tecnologia a serviço dos operadores do direito; e assim, a chamada ciência do direito consiste numa retórica destinada a persuadir alguém a respeito de uma verdade que é sempre subjetiva”.
Indeterminações afastadas, percebe-se a dificuldade de se imputar ao direito um caráter de cientificidade, mas não se exclui a possibilidade de ser ele realmente uma ciência. O certo é que a expressão “ciência jurídica” é amplamente utilizada pelos autores. In: COELHO, Luiz Fernando. A Teoria Crítica do Direito na Pós-Modernidade. Comunicação apresentada ao XVIII Congresso Mundial da Associação de Filosofia do Direito e de Filosofia Social, La Plata, Buenos Aires.
[6] A Dogmática Jurídica e a Ciência do Direito possuem o mesmo objeto de estudo, ou seja, o Direito Positivo, mas apesar dessa coincidência entre ambas, elas não se confundem, apesar dessa opinião não ser unânime. Diante disso, é necessário analisar o significado da Ciência do Direito e da Dogmática Jurídica, de forma simplificada, para que seja possível dirimir qualquer tipo de dúvida sobre o assunto. Importante transcrever a opinião de Japiassu sobre o tema em questão, afirmando que “a ciência nem possa ser definida. Em geral, é mais conceituada do que propriamente definida”.
[7] Jean-Étienne-Marie Portalis (1746-1807) foi um jurista e política francês durante a Revolução francesa e o primeiro Império de Napoleão. Ficou célebre por ter sido um dos redatores do Código Civil Francês. O projeto foi concluído em quatro meses, mas foi publicado somente em 21 de março de 1804. Promulgado como Code Civil dês Français (“Código Civil dos Franceses”), foi renomeado para Code Napoléon (“Código Napoleônico”) de 1807 até a queda do imperador em 1815, e novamente em 1852, no Segundo Império Francês. “O que nem a antiga Monarquia nem a Revolução puderam fazer, a energia de um só homem executou, Bonaparte, feito primeiro Cônsul, elaborou o projeto que deu à França o Código Civil há muito prometido e que ele levou a cabo.” O Code Civil, denominação mais utilizada para o código que se encontra em vigor atualmente, sofreu influência dos costumes, do direito romano, das leis da Revolução Francesa e do Corpus Juris Civilis, possuindo 2281 artigos divididos em um título preliminar e três livros. Napoleão nomeou uma comissão composta por quatro advogados: Trochet, Bigot Du Pémameneu, Portalis e Mavile, sendo os primeiros dois originários do Norte, região do Direito costumeiro e os outros dois do Sul, região de Direito escrito.
[8] Mas uma decisão judicial contralegem também não deveria ser surpresa por outro motivo: trata-se de fenômeno mui antigo e recorrente na prática jurídica, principalmente em face da história recente do Supremo Tribunal Federal como parâmetro. Pois em 04 de abril de 2018, o julgamento do HC 152 752 em que o STF seguindo a sua mais recente orientação e, ao mesmo tempo, contrariando a literalidade do artigo 5º, LVII da Constituição Federal brasileira vigente, decidiu um dos casos mais relevantes da história. A maioria dos juristas criticou a consolidação do entendimento que restringe o princípio da presunção da inocência em detrimento da literalidade do dispositivo constitucional vigente. Cabendo indagar se tal entendimento ocorreu de forma isolada e excepcional, reforçando a tese de que houve motivações políticas no julgamento e/ou se é prática habitual do ambiente jurídico? É o caso do reconhecimento de união estável de casal homoafetivo ao contrário do artigo 226, §3º da CFRB/1988 (ADI 4277 e ADPF 132), a criação de proibição do financiamento eleitoral (por pessoa jurídica) ADPF 4650 e a derrogação do crime de aborto do feto com até três meses de vida (HC 124 306/RS).
[9] Em sentido lato, é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos. Em sentido estrito, o precedente pode ser definido como sendo a própria ratio decidendi, ou seja, são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto. A norma em que se constitui o precedente é uma regra. A ratio é o fundamento normativo da solução de um caso; necessariamente, será uma regra. Não por acaso, a norma do precedente é aplicável por subsunção. Importante diferenciar que, a decisão judicial é o ato jurídico de onde se extrai a solução do caso concreto, encontrável no dispositivo, enquanto o precedente, comumente retirado da fundamentação. Artigos 489, V, 926, § 2º, 927, § 5º, do Código de Processo Civil. Um dos conceitos mais elucidativos sobre os Precedentes Judiciais é dado por Didier Jr. que o define como sendo: “Decisão judicial tomada à luz do caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior”. Já nos dizeres de Oliveira: “o chamado precedente, utilizado no modelo judicialista, é o caso já examinado e julgado, cuja decisão primeira sobre o tema atua como fonte para o estabelecimento (indutivo) de diretrizes para os demais casos a serem julgados”. Sobre o tema, o doutrinador Marinoni assevera: Para constituir precedente, não basta que a decisão seja a primeira a interpretar a norma. É preciso que a decisão enfrente todos os principais argumentos relacionados à questão de direito posta na moldura do caso concreto. Portanto, uma decisão pode não ter os caracteres necessários à configuração de precedente, por não tratar de questão de direito ou se limitar a afirmar a letra da lei, como pode estar apenas reafirmando o precedente.
[10] No que se refere às funções cometidas às supremas cortes, André Tunc destaca que sua missão essencial, “unanimemente reconhecida”, é velar pela correta interpretação das regras jurídicas e de assegurar unidade, clareza e certeza ao Direito, sendo indissociável do desempenho dessa função, por mais que alguns não queiram reconhecer, a modernização do Direito, isto é, a adaptação do Direito às novas condições e aspirações sociais. A outra função das supremas cortes, de natureza acessória ou secundária, arremata Tunc, ligada ao interesse privado das partes, é a de assegurar uma justa decisão para o conflito.
[11] Além dessas principais noções constitucionais que envolvem o tema da súmula vinculante, separei para vocês algumas repercussões interessantes sobre o tema no cenário jurídico. A rigor, a súmula vinculante possui eficácia imediata, a partir de sua publicação na imprensa oficial. Mas o STF, poderá, por decisão de 2/3 dos seus membros restringir os efeitos vinculantes ou decidir que se iniciem em outro momento futuro, em respeito à segurança jurídica ou excepcional interesse público. Embora o efeito vinculante alcance todo o Poder Judiciário e toda a Administração Pública, o legislador em sua função típica – criar e modificar leis – não está vinculado, em respeito ao princípio da separação de poderes. Por Inteligência do art. 103-A §3º, se algum ato administrativo ou decisão judicial vier a contrariar entendimento de súmula vinculante, caberá reclamação direta ao STF. Se julgada procedente, o Supremo anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
[12] A súmula impeditiva determina que o juiz de 1º grau, que proferir sentença em conformidade com matéria sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou Supremo Tribunal Federal (STF), não receberá o recurso de apelação. Com esse novo procedimento, pretende-se reduzir o número de recursos interpostos nos tribunais, sem ferir a autonomia do magistrado, que poderá ou não sentenciar de acordo com a súmula do STJ ou STF. Alguns juristas e doutrinadores acreditam que a súmula impeditiva de recurso veio substituir a polêmica súmula vinculante. Já a súmula impeditiva de recurso foi instituída em nosso ordenamento pela Lei nº 11.276/06, que é uma das leis que tratam sobre a Reforma Processual Civil. Tais súmulas podem ser editadas tanto pelo STJ, quanto pelo STF. O juiz possui a liberdade para julgar a lide e só estará obrigado a pôr fim à demanda, ou seja, não aceitar a apelação, se sua decisão estiver em conformidade com a súmula do STJ ou do STF.
[13] LEITE, Gisele; HEUSELER, Denise. Commonlização à brasileira. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-civil/commonlizacao-a-brasileira/ Acesso em 16.04.2020.
[14] Emílio Papiniano (Aemilius Papinianus, em latim) (142 – 212 (70 anos)), foi um jurista romano, magister libellorum e, após a morte de Caio Fúlvio Plauciano em 205, prefeito do pretório. Pouco se sabe a respeito da sua vida. Talvez tenha nascido na Síria, pois teria sido parente da segunda mulher de Sétimo Severo, Júlia Domna. Um trecho duvidoso da Historia Augusta alega que Papiniano teria estudado direito juntamente com Severo, tendo Quinto Cervídio Escévola como professor. Papiniano foi amigo íntimo do Imperador Severo e o acompanhou à Britânia. Antes de sua morte, o imperador recomendou-lhe os seus dois filhos, Caracala e Geta. Papiniano procurou manter a paz entre os dois irmãos, mas o resultado foi incorrer no ódio de Caracala, que o fez perecer no massacre geral dos amigos de Geta em seguida ao fratricídio de 212. Sua produção literária foi pequena se comparada a juristas como Ulpiano e Paulo. Suas principais obras são as Quaestiones (em 37 livros, escritos antes de 198); as Responsa (escritas entre 204 e sua morte); as Definitiones; e De adulteriis. Na Lei das Citações (426), Papiniano aparece no mesmo nível de Caio, Paulo, Modestino e Ulpiano, como um dos cinco juristas cujas opiniões registradas eram consideradas decisivas. Sua opinião prevaleceria se as outras quatro não fossem coerentes.
[15] Eneu Domício Ulpiano (em latim: Eneo Domitius Ulpianus; Tiro, 150 — Roma, 223) foi um jurista romano. Sua obra influenciou fundamentalmente a evolução dos direitos romano e bizantino. Oriundo de uma boa família de cidadãos romanos, Ulpiano foi o primeiro assessor do prefeito do pretório Papiniano, durante os governos de Septímio Severo e Caracala. Depois do assassinato de Caracala em 217, o seu sucessor, imperador Heliogábalo passou a perseguir Ulpiano. Já o sucessor de Heliogábalo.
[16] Herenio Modestino a era um jurista romano pós-clássico do século III. As obras mais significativas de sua vasta produção estão localizadas após a morte de Antonino Caracalla e após a experiência administrativa no ambiente provincial. Os escritos que os precederam são monografias de conteúdo muito limitado; os mais importantes são tratados sistemáticos mais ambiciosos, manuais com um conteúdo mais amplo que se referem a questões essenciais de direito privado, direito administrativo ou direito penal e que refletem problemas bastante complexos, determinados em grande parte pelas relações que mantinha com o ambiente provincial a partir do qual absorveu elementos não desprezíveis.
[17] A partir de Otávio Augusto (27 a.C. a 14 d.C.) que inaugurou a fase do principado romano, instituiu-se o ius publice respondendi, uma espécie de patente concedida aos mais eminentes jurisconsultos romanos, que lhes conferia o poder de responder questões jurídicas ex auctoritate principis. Sob Adriano (117-138 d.C.) a responsa prudentio – opiniões dos jurisconsultos, que se constituíram não só nos pareceres dados sobre os casos concretos, mas, também nas lições esposadas em doutrinárias obras passou a ter força de lei, vinculando os juízes não apenas dos casos concretos a que se referiam, mas também dos futuros casos semelhantes.
[18] Particularmente no Direito Constitucional, Charles Evan Hughes, no início do século XIX, fez uma proposição que, ainda hoje, convida-nos a refletir. Segundo o ex-Presidente da Suprema Corte Americana (1930-1941), “Nós estamos sob uma Constituição, mas Constituição é aquilo que os juízes dizem que ela é, e o Judiciário é a salvaguarda da nossa liberdade e da nossa propriedade sob essa mesma Constituição”. Com sua célebre frase, o Justice Chief Hughes pôs em evidência aquilo que é uma realidade nos sistemas jurídicos que, como nos Estados Unidos, adotam o chamado judicial review, ou controle de constitucionalidade. Trata-se da preponderância do Poder Judiciário e particularmente da Suprema Corte, a quem cabe a última e definitiva palavra sobre o sentido e o alcance das normas constitucionais. Assim, a frase de Hughes, para quem a Constituição é aquilo que os juízes dizem que ela é, deve ser aceita, mas com a ressalva de que essa atividade de interpretação definitiva e vinculante deve ocorrer num contexto aberto e democrático, por magistrados livres e independentes, escolhidos por critérios transparentes. A interpretação do Direito não consiste somente em transformarmos textos em normas. O intérprete há de compreender os textos e a realidade, pois o Direito é um dinamismo contemporâneo à realidade. Ao intérprete — vinculado pela objetividade do Direito, não pela minha ou pela sua justiça — incumbe não apenas ler, compreender os textos, mas também a realidade. Mas não é só, pois há uma diferença essencial entre justiça e Direito, lex e jus. Os juízes aplicam o Direito, não fazem justiça. O que caracteriza o Direito moderno é a objetividade da lei, a ética da legalidade. Não me cansarei de repetir que os juízes interpretam/aplicam a Constituição e as leis, não fazem justiça. Tal pensamento fora relativamente reproduzido pelo Ministro Eros Grau.