Direito Civil

Criando Analfaalmas

 

 

Como falar de respeito pelos direitos humanos se a indignação de humanos sem uma palavra, certa de que a cena fala por si, pode simplesmente, veicular na rede internacional, uma imagem esquelética, de criança, – tinha que ser negra, – curvada até o chão onde depõe a face, tendo atrás, exuberante, viçoso, livre, leve e solto, como que na expectativa de mais um lauto banquete, um urubu?

 

O Código Civil Brasileiro, como seus pares no orbe, assegura que a lei põe a salvo desde a concepção, os direitos do nascituro (1) . Contrariando tal preceito, tem-se pouca ou nenhuma estima ou respeito por tal direito, uma vez que a grande maioria das mães não são assistidas neste mundo a fora, atravessando uma gestação a duras penas e quando dão a luz – que luz será? qual é seu grau de luminosidade? qual é sua capacidade de iluminar? – não têm com que alimentar o rebento. Aqueles peitos murchos, pendurados, sugados vigorosamente a princípio, depois, dançam na face extenuada do ser incapaz de se defender.

 

Mas foi depois que homens já crescidos, hostilizando-se ao ponto de fazerem surgir uma e depois outra grande guerra, tendo deixado na perplexidade com cenas cambojanas a humanidade, porque em alguma parte há sempre uma reserva de outros homens dotados de bom senso e solidariedade, que fala mais alto e como se já não nascêssemos com todos aqueles preceitos indelevelmente esculpidos na alma, mandaram para o papel, escrita em todas as línguas faladas no universo, promulgando alto e em bom som, a declaração universal dos direitos humanos.

 

Ainda de poucos conhecidos, em ainda menor proporção é que acabam por ser defendidos. Mas eu mesma disse que se acham esculpidos indelevelmente na alma! pois é, a vastidão da indigência humana por tanta, acaba por conseguir criar “analfaalmas”, homens que não sabem ler a alma.

 

O resultado é tudo que a cada dia nos deixa ainda mais perplexos: não é verdade que a violência venha sendo aplacada, os números não mentem, mesmo que o tentem os lábios de alguns. Contem-se os homicídios, rastreiem-se os sepultamentos, os atendimentos no IML, as ocorrências policiais e depois quantos em processo. Considere-se a condição de quem é vítima, incautas jovens senhoras, batalhadoras, corajosas, bondosas, criando filhos no papel mulher e homem = pai e mãe, crianças e jovens, rapazes e senhores que só queriam viver.

 

Há gente pugnando por estes direitos, ativíssima organização espalhada no mundo (Anistia Internacional), movimentos (Tortura nunca mais), as Comissões de Justiça e Paz (Igreja Católica), as Ordens de diversos profissionais, (Advogados, Assistentes Sociais). Formam a corrente dos que entendem que os direitos humanos são conservados até a morte, mas a seu lado vive uma outra, formada pelos que sentenciam que a partir do momento que alguém desconhecer o direito do outro, será invariavelmente privado do próprio. Quando mata por exemplo, tortura nem sempre, aliás pode(?) ser adotada, por exemplo: se tem que confessar. Deste modo, a Lei 9.455, de 7 de abril de 1997 que pune a tortura, por tão pouco usada, quase quatro anos após sua promulgação ainda mantém os Tribunais emudecidos a respeito de sua correta aplicação.

 

Quem sabe convenha dar início já, a uma grande campanha, de divulgação dos preceitos em que se traduzem os direitos humanos. E como as tribos brasileiras já se agitam com grande antecipação é verdade, necessária, por sinal, pois, contrariamente, corre-se o risco de admitir que pode ser tarde demais. Que seja escolhido o preceito todos temos o direito de eleger e ser eleitos com vistas a que todos os demais direitos venham a ser de razão e de fato imediatamente depois, reconhecidos. Para tanto, que sejam expurgadas do cenário político, todos que por um único motivo, quanto mais por alguns, pior ainda se forem tantos, se tiverem mostrado indignos de representar um povo honrado e merecedor de ver reconhecidos todos os direitos que a condição de humano lhe atribuiu.

 

 

 

 

NOTA

 

(1)Art. 4º A personlalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direito do nascituro.

 

 

* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.

Como citar e referenciar este artigo:
DAHER, Marlusse Pestana. Criando Analfaalmas. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/criando-analfaalmas/ Acesso em: 15 mar. 2025