Direito Civil

As questões relativas à inconstitucionalidade do direito sucessório no concubinato

As questões relativas à inconstitucionalidade do direito sucessório no concubinato

 

 

 

Ravênia Márcia de Oliveira Leite *

 

 

O Professor Arnoldo Wald defende a distinção entre companheira e concubina. Para ele, companheira é aquela com quem o homem, separado de fato ou de direito da esposa, mantém convivência, more uxorio. A concubina é aquela com quem o homem adúltero tem encontros fora do lar.

 

Edgar de Moura Bittencourt distingue, também, o concubinato de companheirismo, mas ressalta que tecnicamente a distinção não tem nenhuma consistência e explica: “…só a posteriori, ou seja após o julgamento de mérito, é que se irá dizer, acolhendo ou rejeitando a pretensão exposta, se a mulher é companheira ou concubina, na terminologia daqueles que separam as situações. Não há um título de direito para a primeira, negado à segunda.”

 

Acórdão relatado pelo Ministro Antônio Neder, no Recurso Especial n. 83.930/SP, que envolveu a distinção entre companheiro e concubino, assim concluiu: “…em jurídica linguagem é de se admitir a diferenciação, porque, na verdade, o cônjuge adúltero pode manter convívio no lar com a esposa e, fora, ter encontros amorosos com outra mulher, como pode também separar-se de fato da esposa, ou desfazer desse modo a sociedade conjugal, para conviver more uxorio com a outra. Na primeira hipótese o que se configura é um concubinato segundo o seu conceito moderno, e obviamente a mulher é concubina; mas, na segunda hipótese, o que se concretiza é uma união-de-fato (assim chamada por lhe faltarem as justas nuptiae) e a mulher merece havida como companheira; precisando melhor a diferença, é de se reconhecer que, no primeiro caso, o homem tem duas mulheres, a legítima e a outra; no segundo, ele convive apenas com a companheira, porque se afastou da mulher legítima, rompeu de fato a vida conjugal.”

 

A ilustre doutrinadora Gisele Leite,  afirma, que “de qualquer maneira baseada ou não no affectio maritalis, ou ainda, no companheirismo, há mesmo quem defenda tal designação como boa e salutar como é o caso de Guilherme Calmon Nogueira da Gama em sua obra O Companheirismo, Ed. Revista dos Tribunais, segunda edição, (2000).”

 

Ainda, historicamente, acrescenta que “de qualquer o reconhecimento jurídico do concubinato não é inédito e ocorreu desde das Ordenações Del Rei Dom Duarte onde a existência de uniões livres se constatavam e aonde a concubina era chamada de barregã, prevendo igualdade dos filhos na sucessão hereditária embora sob a tutela do sistema monogâmico proíba a doação de bens pelo homem casado à sua concubina.”

 

“Mesmo antes, havia doutrinariamente a existência de família natural e, a que se atribuía efeito jurídico. Etimologicamente concubina é palavra oriunda do latim, concubere, significando estar deitado com outrem, refere-se a mulher, que não sendo o mesmo teto mantendo relações íntimas de marido e mulher. Porém inspirado no Direito Canônico, o Código Napoleônico não se cansava de dizer que a sociedade não se interessa por reconhecer o concubinato e, assim, herdamos nosso Código Civil pátrio com todos os senões contrários aos direitos da concubina”.

 

Concluindo, a Dra. Gisele Leite, afirma que “a regulamentação tecida constitucionalmente e a ordinariamente (quando deveria ser de forma complementar) privilegia claramente o concubinato puro ou honesto chamando-o de união estável provendo-lhe efeitos jurídicos pari passu aos gerados pelo casamento. Tendo inclusive a jurisprudência evidenciado também a necessária outorga da companheira para alienação de bens imóveis e, também lhe reconhecendo a legitimidade ad causam para propor embargos de terceiros em face de execução forçada dos bens do companheiro. Quanto aos impuros concubinos ficam assim fadados a uma verdadeira via crucis processual capaz de provar não só a existência da união estável, da prole e da contribuição patrimonial da concubina na formação do patrimônio do concubino para fazer jus então à sua meação”.

 

Álvaro Villaça Azevedo observa que o vocábulo concubinato comporta dois sentidos: “o amplo ou lato, a significar toda e qualquer união sexual livre; e o estrito, a mostrar-se como união duradoura, a formar a sociedade doméstica de fato, onde é importante o ânimo societário (affectio societatis) e a lealdade concubinária.”

 

O Desembargador Osmy Duarte Pereira, a seu turno, assinala:

 

“concubina é amante, é a mulher do lar clandestino, oculto, velado aos olhos da sociedade, como prática de bigamia a que o homem freqüenta simultaneamente ao lar legítimo e constituído segundo as leis. Companheira é a mulher que se une ao homem já separado da esposa e que a apresenta à sociedade como se legitimamente casados fossem.”  

 

A Professora Maria Helena Diniz esposa o tema de maneira esclarecedora. Senão vejamos:  “o concubinato pode ser: puro ou impuro. Será puro se se apresentar como uma união duradoura, sem casamento civil, entre homem e mulher livres e desimpedidos, isto é, não comprometidos por deveres matrimoniais ou por outra ligação concubinária. Assim, vivem em concubinato puro: solteiros, viúvos, separados judicialmente e divorciados (RT, 409:352). Ter-se-á concubinato impuro se um dos amantes ou ambos estão comprometidos ou impedidos legalmente de se casar. Apresenta-se como: a) adulterino (RT, 38:201; RT, 458:224), se se fundar no estado de cônjuge de um ou ambos os concubinos, p. ex., se o homem casado mantém, ao lado da família legítima, outra ilegítima, e b) incestuoso, se houver parentesco próximo entre os amantes.”

 

Rubens Limongi França utiliza classificação diversa para as espécies de concubinato. Divide-o em natural, aquele entre pessoas livres e desimpedidas, e o espúrio, que decorre de união na qual ambos os concubinos, ou apenas um deles, está legalmente impedido de casar-se. O segundo, chamado de adulterino, quando o impedimento se funda no próprio estado de cônjuge, ou de incestuoso, quando o impedimento se funda no parentesco próximo entre os concubinos. O mesmo autor afirma, ainda, que o concubinato pode se distinguir pela forma singular ou plural, ou seja, conforme haja uma única união concubinária ou mais de uma. Porém, os encontros ocasionais ou descontínuos não são concubinato, pois é da essência do concubinato a união mais ou menos constante.

 

O novo Código Civil trata da união estável no título III, artigos 1.723 ao 1.727. E regula a questão terminológica in verbis:

 

“Art. 1.727 As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.”

 

Porém, não sendo considerado concubinato se a pessoa casada que se achar separada de fato ou judicialmente, mantiver convivência pública, contínua e duradoura com outra, com o objetivo de constituição de família.

 

Portanto, concubinato antes entendido, por parte da doutrina, como relação ilícita, enquanto outra parte entendia que poderia advir de uma relação lícita, é hoje superado pela legislação civil.

 

Para Iara de Toledo Fernandes, “concubinato é sempre impuro, a relação estará sempre à margem da lei. Para a mesma autorora concubinato adulterino é proveniente de uma relação ilícita. Porque haverá uma família legítima, constituída pelo casamento ou até mesmo pela união estável e concomitantemente outra relação, que será ilegítima.

 

O ponto de partida para que a relação concubinária gerasse efeito patrimonial era a comprovação da sociedade de fato. Isto ficou consolidado na Súmula 380 do S.T.F.:

 

 

“Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”

 

Essa Súmula resultou da evolução da jurisprudência pátria, pois, inicialmente, os tribunais negavam à companheira qualquer direito. Andando o tempo, passou-se a admitir que, comprovado o concubinato, já se admitia que a companheira participasse da divisão dos bens, considerando que não se deve conceber o enriquecimento sem causa. Em 1966, quando editadas as primeiras Súmulas do STF, a de número 380, abriu caminho para se distinguir as relações pessoais e patrimoniais. Para haver a participação da companheira na divisão do patrimônio é indispensável a prova de sua contribuição, só desta forma teria direito à meação ou a uma fração do patrimônio comum. Sem a comprovação de que a companheira ajudou a formar o patrimônio do casal, a jurisprudência esparsa permitia que fosse pleiteado pela remuneração dos serviços domésticos prestados por ela e que nada tem a ver com participação patrimonial.

 

         O Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a existência da sociedade de fato é pressuposto necessário para a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço conjunto, assim decidiu:

 

“CONCUBINATO E SOCIEDADE DE FATO. Para se reconhecer a qualidade de sócia à concubina não basta apenas a existência do concubinato. Torna-se imprescindível a comprovação da real existência de uma sociedade de fato, derivada de esforço ou contribuições da concubina na formação do patrimônio comum. No caso não ficou comprovada a existência de sociedade de fato, com a formação de um patrimônio comum. Desde que a concubina prestou serviço doméstico, revelando dedicação ao trabalho do lar, durante o período da vida em comum, tornou-se merecedora de indenização conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”

 

Comprovando-se a sociedade de fato e para a divisão do patrimônio, há que se determinar o esforço conjunto. É do trabalho de cada um na formação do acervo da sociedade que irá se determinar o quantum a que terá direito. Lógico, que afora o caso de participações idênticas, só o exame de cada caso dirá sobre o direito invocado.

 

Bem ilustrativo é o acórdão relatado pelo Ministro Cordeiro Guerra do Supremo Tribunal Federal, que confirma o aresto do Ilustre Desembargador Narcizo Pinto do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cuja ementa é a seguinte:

 

“Não discrepa da Súmula 380 acórdão que conclui: ‘Concubina. Participação nos bens do amásio. Ação objetivando o reconhecimento de sociedade de fato e divisão dos bens. Confessada pelos herdeiros do amásio a existência da sociedade, deve-se julgar procedente a ação. A procedência, porém, não implica, necessariamente, em atribuir à autora 50% dos bens. Se os fatos e circunstâncias da causa evidenciam uma participação societária menor, deve-se atribuir um percentual condizente com a contribuição’.”

 

Ao se referir à partilha, a Súmula não assegura a divisão meio a meio do patrimônio dos companheiros, porque, em certas situações, apesar de a companheira auxiliar na formação do patrimônio, o esforço maior e até recursos trazidos para relação é do concubino. Sendo possível que se comprove a participação da companheira como uma sócia de indústria, no caso, verbi gratia do homem rico que, após a união, multiplica seu patrimônio com ajuda da companheira, sendo inegável que, concorre para o aumento dos bens, necessária se fazia a existência de um capital anterior. Portanto, o quinhão no monte partilhavel não deverá ser igual para ambos.

A Sexta Turma do STJ está apreciando um recurso especial (REsp 674176) que decidirá sobre a possibilidade de divisão de pensão entre a viúva e a concubina do falecido. A relação extraconjugal teria durado mais de 30 anos e gerado dois filhos. O homem teria, inclusive, providenciado ida da concubina de São Paulo para Recife quando precisou mudar-se a trabalho, com a família.

 

No STJ, o recurso é da viúva. O relator, ministro Nilson Naves, votou no sentido de reconhecer o direito da concubina ao benefício previdenciário. Já o ministro Hamilton Carvalhido, votou para se atender ao pedido da esposa, dando provimento ao recurso. A ministra Maria Thereza de Assis Moura está com vista do processo, para melhor análise. Ainda falta votar o juiz convocado Carlos Mathias.

 

O caso julgado mais recentemente acerca do assunto (REsp 813175) reformou decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro), que havia concedido à concubina de um capitão do Exército 50% da pensão da esposa do falecido. A concubina provou, por documentos e testemunhos, ter convivido com o homem de 1960 a 1991. Demonstrou, ainda, que dele dependia economicamente. O TRF interpretou que o relacionamento, em tudo, se assemelharia a uma união estável, e, por isso, ela concorreria com outros dependentes à pensão militar.

 

O recurso especial contra o rateio foi apresentado pela União, e julgado na Quinta Turma do STJ. O relator, ministro Felix Fischer, destacou que a Constituição Federal não contempla como união estável o concubinato, resultante de união entre homem e mulher impedidos legalmente de se casar. Como, no caso em análise, o militar convivia com a sua esposa legítima durante o relacionamento com a concubina, o direito à pensão, previsto na Lei 5.774/71, só é da esposa, não de concubina.

 

Acompanharam este pensamento a ministra Laurita Vaz e a desembargadora convocada Jane Ribeiro Silva. Já os ministros Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho entenderam que não haveria interesse jurídico da União na causa e, por isso, votaram pelo não-conhecimento do recurso.

 

A avaliação sobre os direitos da concubina é feita caso a caso. Em julgamento na Quinta Turma, ocorrido em 2005, os ministros entenderam, por unanimidade, que é possível a geração de direitos da concubina, especialmente no plano da assistência social.

 

O recurso analisado (REsp 742685) foi apresentado pela esposa, que contestava a divisão de pensão previdenciária com a concubina do marido falecido. Esta havia conseguido a divisão diretamente junto ao Instituto Nacional de Seguro Social. O TRF-2 manteve a partilha, considerando o relatório emitido pelo órgão. O laudo ateve-se ao fato da relação íntima duradoura.

 

O relator, ministro José Arnaldo da Fonseca, atualmente aposentado, entendeu que não havia omissão na decisão do TRF, já que a divisão da pensão baseou-se na comprovação da condição de concubina, por três décadas, nas circunstâncias registradas no INSS, nos documentos juntados e depoimentos tomados. O falecido instituiu a concubina beneficiária da previdência social, abriu com ela conta conjunta em banco e forneceu, para diversas lojas, o endereço em que morava a concubina.

 

Para o ministro relator, frente ao quadro que se desenhou, o juiz não poderia se manter inerte “apegado ao hermetismo dos textos legais”. Mas ele destacou que o caso não envolvia direito de herança. A decisão foi unânime.

 

Na Terceira Turma, decisão do ano de 2004 (REsp 631465) criou precedente no sentido de que não há como ser conferido status de união estável à relação concubinária concomitante a um casamento válido. A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirma, no acórdão, que se a pessoa casada tiver rompido a sociedade conjugal, de fato, ou judicialmente, não se obsta a constituição da união estável.

 

No entanto, a ministra Nancy segue refletindo que, se a prova atesta a simultaneidade das relações conjugal e de concubinato, devem prevalecer os interesses da mulher casada, cujo patrimônio não foi dissolvido, aos alegados direitos subjetivos pretendidos pela concubina, pois não há, sob a ótica do Direito de Família, prerrogativa desta à partilha dos bens deixados pelo homem falecido. No caso em análise, a relação de concubinato teria durando 16 anos e gerado dois filhos. Ele nunca teria se separado de fato da esposa, com quem também tinha dois filhos.

 

Em decisão da Quarta Turma, do ano de 2003, o ministro Aldir Passarinho Júnior, relator de um recurso (REsp 303604), destacou que é pacífica é a orientação das Turmas da 2ª Seção do STJ no sentido de indenizar os serviços domésticos prestados pela concubina ao companheiro durante o período da relação, direito que não é esvaziado pela circunstância de o falecido ser casado.

 

O caso em análise, foi identificada a existência de dupla vida em comum, com a esposa e a concubina, por 36 anos. O relacionamento constituiria uma sociedade de fato. O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou incabível indenização à concubina. Mas para o ministro relator, é coerente o pagamento de pensão, que foi estabelecida em meio salário mínimo mensal, no período de duração do relacionamento.

 

Segundo Tiago Almeida Quadros “as adaptações às quais o conceito de família fora submetido, ao longo de sua evolução histórica, possibilitaram que o afeto, elemento desconsiderado pelo modelo tradicional, voltasse a ocupar uma função relevante, dando origem ao que a doutrina chama de ideologia do afeto. Reconhecendo a importância do elemento afetividade, em detrimento do formalismo antes imperante, o constituinte de 1988 ampliou o conceito de família, a fim de nele englobar as uniões estáveis e núcleos monoparentais”.

 

Continua o articulista afirmando que “todavia, atualizar o conceito de família não implica se desconsiderar todas as características do modelo anterior, e sim apenas desprezar os aspectos que não mais se coadunem com a realidade. Neste diapasão, a monogamia é um elemento que sobreviveu aos efeitos do tempo, tendo sido acolhido pela sociedade hodierna e, por esta razão, mantido pelo ordenamento jurídico pátrio. Dentro deste quadro evolutivo, marcado pela valorização do afeto e superação de formalismos, conforme dito, preservou-se a vigência do princípio jurídico da monogamia, por se vislumbrar nele um dos sustentáculos de todo o Direito de Família ocidental. Isto porque o modelo monogâmico ainda é o que melhor atende às aspirações da sociedade contemporânea, garantindo a estabilidade necessária à educação da prole e ao desenvolvimento do homem na qualidade de agente econômico, político e científico”.

 

Assevera por fim, o citado estudioso do Direito que, “se no passado a monogamia consistia num meio de se garantir a descendência e, conseqüentemente, a manutenção do patrimônio entre os membros da família, hoje tal modelo se justifica pelos benefícios que propicia. Para se atingir uma existência digna, exige-se que as relações afetivas sejam dotadas de um mínimo de estabilidade, que, dentro da cultura ocidental, não há como ser atingida através da poligamia. Neste contexto, o concubinato adulterino, por representar a negação ao princípio da monogamia, consiste em modelo de envolvimento afetivo não abarcado pelo Direito de Família, lhe sendo atribuído, em regra, apenas efeitos negativos. Vale dizer, a princípio, consta no ordenamento jurídico apenas normas desestimuladoras da prática do concubinato adulterino”.

 

Ademais a Constituição da República Federativa do Brasil estabelece:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(…)

§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º – Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º – O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

 

Segundo Renata Pereira Carvalho Costa, “inadmissível, portanto, que qualquer ramo do direito pretenda autonomia em relação à Constituição, sendo, sob este aspecto, redundância falar em constitucionalização do direito civil, já que todas as normas hierarquicamente inferiores terão que observar a supremacia constitucional.

 

Sendo a Constituição a lei fundamental portadora de valores materiais, arremata Julio César Finger: “o direito civil, de modo especial, ao expressar tal ordem de valores, tinha por norte a regulamentação da vida privada unicamente sob o ponto de vista do patrimônio do indivíduo. (…) O direito civil, de um direito proprietário, passa a ser visto como uma regulação de interesses do homem que convive em sociedade, que deve ter um lugar apto a propiciar seu desenvolvimento com dignidade. Fala-se, portanto, em despatrimonialização do direito civil, como conseqüência da sua constitucionalização”.

 

A citada autora, conclui, diante do que foi exposto, que o “direito civil constitucionalizado parece estar em busca de um fundamento ético, que não exclua o homem e seus interesses não-patrimoniais, na regulação patrimonial que sempre pretendeu ser.” O desafio, na visão de Paulo Luiz Netto Lobo, que se coloca para os civilistas é: a capacidade de ver as pessoas em sua dimensão ontológica e, através dela, seu patrimônio. Impõe-se a materialização dos sujeitos de direitos, que são mais que apenas titulares de bens. A restauração da primazia da pessoa humana, nas relações civis, é a condição primeira de adequação do direito à realidade e aos fundamentos constitucionais.

 

Respeitando o que se disse até o presente momento, passa se a discorrer sobre o art. 1641, I, do Código Civil 2002, exempli gratia, que impõe o regime da separação obrigatória de bens no casamento àqueles que violam as causas suspensivas. Senão vejamos:

 

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

 I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

(…)

 

 

As causas suspensivas à celebração do casametno encontram-se incertas no art. 1.523. Não devem casar:

 

I – o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

II – a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

IV – o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo. (grifo nosso)

 

Ora, se a Constituição Federal, acima citada, expressamente expõe que somente admite-se a união estável com viabilidade de constituir família, na mesma esteira, o Código Civil proíbe ao divorciado, enquanto não houver a partilha de bens que se case, exceto com separação total de bens, ou seja, existindo bens ainda a dividir, protege se a família originária.

 

Assim, o Código Civil ventila a mens legislatoris, no tema em testilha, se protege os bens de um casamento que já se dissolveu proclamando como causa suspensiva e declarando a separação obrigatória de bens até mesmo ao divorciado, com muito mais razão, com base no texto constitucional deve se resguardar a pessoa que desconhecia, por exemplo, concubinato mantido pelo esposo(a) ou convivente e deve ser despida de seus bens, sem qualquer aviso prévio.

 

Se o Código Civil protege um caso já decidido em parte pelos Tribunais, qual seja, o divórcio sem partilha de bens, com muito mais razão a doutrina e a jurisprudência devem proteger a hipótese da esposo(a) ou convivente que, desavisadamente, são obrigados a partilha de bens com a concubina, desconhecida, muitas vezes.

 

Observe se que tanto a Carta Magna como o estatuto civil vislumbram, nesse aspecto, a impossibilidade, de conceder se quaisquer bens à concumbina que sabedora de sua condição ilícita perante à lei a ela aderiu, livremente, e assim o fazendo, abdica de bens quaisquer que pertençam à convivente ou à esposa, especialmente, face à inconstitucionalidade da manutenção de diversas uniões ou casamentos, sendo a segunda delas, violadora da primeira, portanto, espúria, e não concedendo direitos sucessórios a concubina, por completa impossibilidade constitucional.

 

 

Referências Bibliográficas:

 

1.      http://www.piedadeadvogados.adv.br/artigos/Concubinato%20e%20Uniao%20Estavel.doc

2.      www.stj.jus.br

3.      http://www.papiniestudos.com.br/boletim_ver.php?id=189

4.      http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12908&p=4

5.      http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/4534/Breves_consideracoes_sobre_o_concubinato

6.      http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5614&p=2

7.      www.stf.jus.br

8.      http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewPDFInterstitial/14466/14030

 

 

* Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós-graduada em Direito Penal – Universidade Gama Filho

 

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
, Ravênia Márcia de Oliveira Leite. As questões relativas à inconstitucionalidade do direito sucessório no concubinato. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/as-questoes-relativas-a-inconstitucionalidade-do-direito-sucessorio-no-concubinato/ Acesso em: 17 out. 2024