18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente
Juliano Del Antonio*
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei nº. 8.069 de 13 de julho de 1990 em substituição ao antigo Código de Menores (Lei nº. 6.697/79) e tido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) como modelo de legislação a ser seguido pelos demais países, chega a sua “maioridade” sem ter atingido a todos os objetivos traçados pela sociedade civil quando do debate para sua elaboração.
Garantir o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de evitar quaisquer tipos de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, são os pontos basilares contidos em nossa Carta Magna e que servem de sustentáculo para a efetivação de políticas públicas que visem o bem-estar de crianças e adolescentes.
Um dos maiores percalços, motivado pela valorosa omissão do Estado, para a completa efetivação das diretrizes contidas no estatuto pode ser imputado à falta de conhecimento do conteúdo do estatuto por grande parcela da população brasileira. Como pleitear direitos junto ao poder público se o individuo sequer imagina que os mesmos lhe são garantidos por uma lei que ele desconhece, senão sua existência, mas ao menos sua essência?
Deve o Estado criar meios mais eficazes, de fomentar desde cedo, principalmente nas escolas, um estudo direcionado às premissas contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, através de aulas condizentes às faixas etárias dos respectivos jovens, bem como facilitar o acesso dos interessados a obtenção de uma resposta junto ao Poder Judiciário, este, mais um dos diversos direitos fundamentais inclusos na Constituição Federal brasileira, mais precisamente no inciso XXV do artigo 5º 1.
Outro mote a ser perseguido pelos membros competentes da sociedade, em que pese nos últimos dezoito anos o Brasil ter, a título exemplificativo, reduzido drasticamente os números da mortalidade infantil, é minorar, para não dizer acabar, com as disparidades existentes, uma vez que ao se visualizar os índices acerca da mortalidade infantil será observado que este ainda é alto no que diz respeito a crianças negras oriundas das regiões Norte e Nordeste em total contraponto quando nos referimos às crianças brancas residentes nas regiões Sul e Sudeste.
Ainda, seguindo essa linha de raciocínio, pode-se verificar os índices de adolescentes gestantes, na sua maioria, meninas oriundas de famílias paupérrimas, que não possuem acesso às mais precípuas formas de educação e saúde, em contrapartida àquelas que se encontram muito acima da faixa de pobreza e que, portanto, detém acesso à saúde e à educação na rede particular.
Outro desafio do estatuto, e que requer atenção ainda maior do poder público é o que diz respeito à exploração de crianças e adolescentes que são obrigadas a desempenhar atividades laborais ao invés de estarem matriculadas e freqüentando a escola, ou ainda casos mais abjetos de exploração e abuso sexual, vilipendiando assim a infância dessas criaturas inocentes, sem contar os jovens que são recrutados por organizações criminosas ou por traficantes, adentrando em um mundo do qual só, inevitavelmente, sairão mortos.
E é neste último aspecto, ou seja, a prática delituosa perpetrada por menores, que se encontra a maior das discussões recentes que envolvem a sociedade e o poder público. A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, a fim de que os indivíduos que se encontram nessa faixa etária, e que cometam crimes hediondos sejam responsabilizados por seus atos, de acordo com os ditames constantes no Código Penal brasileiro.
Todavia, pensar que apenas reduzir a maioridade penal, será suficiente para retirar e/ou evitar que esses e outros jovens adentrem o mundo da marginalidade é crer no conto da carochinha, vale dizer, é de uma ingenuidade sem tamanho.
É óbvio que qualquer ato, ainda mais hediondo, que seja praticado por quem quer que seja, independente de sua idade, deve ser rigorosamente punido, nos limites fixados em nosso ordenamento jurídico. Porém, trancafiar jovens que foram levados a esse meio, devido à omissão do Estado em lhes proporcionar melhores condições de vida, como se fossem gado, juntamente com criminosos mais longevos, sem qualquer perspectiva de uma efetiva ressocialização, nada mais resultará, senão em um eficaz “curso de férias” para, quando de sua liberdade, voltar a cometer mais crimes.
Em matéria publicada na edição 17.734 do jornal Folha de Londrina do último dia 13 de julho de 2008, acerca da “comemoração” dos 18 anos de vigência do estatuto, o procurador-geral da Justiça do Paraná, Olympio Sá Sotto Maior Neto, delineou o Estatuto da Criança e do Adolescente como instrumento para garantir, nas suas palavras,
“a efetivação dos direitos infanto-juvenis com prioridade absoluta, ou seja, com preferência na formulação de políticas públicas e na destinação de recursos. As crianças e os adolescentes não são mais tratados como meros objetos, mas sim como sujeitos de direitos fundamentais já previstos no artigo 227 da Constituição Federal. A legislação também prevê a Doutrina da Proteção Integral, que considera as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento, sob responsabilidade do Estado, da família e da sociedade”.2
Diz-se comemoração entre aspas, pois, embora tenham ocorrido valorosos avanços na atuação do Estado no tocante à defesa das crianças e dos adolescentes com o advento do ECA, ainda resta um longo e tortuoso caminho a ser percorrido em conjunto, pela família, pela sociedade civil, bem como pelo poder público, a fim de que se possa efetivar uma real condição de proteção às crianças e adolescentes e asseverar os preceitos contidos no artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil.
Cultura, esporte e lazer são alguns dos vários caminhos que podem ser trilhados na incansável busca de livrar nossos jovens de uma vida incompatível com os ditames, tanto da Constituição quanto do Estatuto da Criança e do Adolescente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BELO, Carolina Gabardo. Entre polêmicas e avanços ECA faz 18 anos. Folha de Londrina. Londrina-PR, ed. 17.734, p. 8, 13 jul. 2008
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2007 (Coleção Saraiva de Legislação).
NOTAS DE RODAPÉ
1 Art. 5º CF/88 (…)
(…)
XXXV- A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
2 GABARDO, Carolina Belo. Entre polêmicas e avanços, ECA faz 18 anos. Folha de Londrina.
* Licenciado em História pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho-PR (FAFIJA) – Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) e bacharelando em Direito pelas Faculdades Integradas de Ourinhos-SP (FIO).
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