A obra Platão & A República, de Jayme Paviani, é uma espécie de resumo do livro A República, obra-prima que sintetiza o pensamento de Platão. Jayme Paviani começa seu livro explicando a importância da obra do pensador grego, dizendo ser considerada polêmica por expressar ideias utópicas e idealistas de Platão, ao mesmo tempo em que estabelece as primeiras relações entre ética e política e tenta definir o real significado de justiça.
Nas primeiras páginas, Jayme fala um pouco sobre a vocação política de Platão. O filósofo nasceu em Atenas, no século V a.C., e escreveu várias obras em que o diálogo se encontrava presente. Desde criança se interessou em ingressar no âmbito político, por influência familiar. Após citar algumas obras de Platão, Jayme foca em Sócrates, ironizando sua morte por ter feito uso livre da palavra na era da democracia ateniense e o classifica como exemplo de moralidade. Para Platão, Sócrates era o único que exercia a verdade arte política, por não ter nunca a intenção de agradar os outros.
Depois de contextualizar a República, Jayme Paviani apresenta a obra, que está dividida em dez livros. O Livro I critica a riqueza, pois essa não torna o homem mais feliz, e apresenta diversas definições de justiça. O justo pode possuir diferentes interpretações de significado tanto por parte dos governados, quanto por parte dos que governam. Neste livro, também se inicia uma discussão sobre qual vida é mais vantajosa, a justa ou a injusta.
No segundo livro, os pensadores que fazem parte do diálogo continuam na tentativa de descobrir uma concepção para justiça, argumentando sobre sua origem, natureza e necessidade, além de descrever o homem justo e injusto. Eles alegam que as pessoas são justas porque a sociedade exige uma “boa reputação” da população. Sócrates entra em cena novamente e diz que a justiça é uma propriedade das comunidades e para entendê-la, é preciso investigar a origem do Estado. Segundo ele, o ser humano vive em sociedade pois não consegue sobreviver como indivíduo.
O debate sobre as definições de justiça continua na terceira parte da obra, onde as narrativas, a música e a ginástica, são tachadas como perigosas para a formação de um governante justo. Sócrates diz que os governantes não poderão ser corruptos e que desde pequenos deverão ser submetidos a provas de resistência a qualquer tipo de corrupção.
O Livro IV possui argumentos polêmicos e apresenta as estruturas do Estado, estabelecendo uma relação estreita entre o cidadão e a cidade, e aumenta a busca pela definição de justiça. Sócrates inicia a discussão afirmando que apenas uma comunidade bem governada será feliz e justa. Continua alegando que é necessário evitar tanto a riqueza extrema como a pobreza extrema e que o Estado ideal não precisa de muitas leis, pois uma sociedade bem formada tende a viver de modo disciplinado e racional. Completa dizendo que somente após caracterizar o Estado justo, será possível mostrar o que é um homem justo.
O quinto livro tem um caráter mais filosófico. Os pensadores do diálogo continuam a busca de dar um sentido à justiça, fazendo uma analogia entre justiça e harmonia. Sócrates expõe um plano para superar as dificuldades da criação de um Estado justo. O plano consiste, basicamente, em o governo propor festas nupciais com o intuito de gerar crianças “bem-nascidas” para que, no futuro, façam parte do Estado. Uma espécie de eugenia.
Na sexta parte da obra, inicia-se uma discussão sobre quem pode e quem não pode ser um governante. Sócrates afirma que governantes filósofos são exatamente o que um Estado justo precisa e que eles sabem ministrar a justiça e lutar a favor do bem e da felicidade da comunidade. Entretanto, ele apresenta um problema, dizendo que dificilmente as qualidades de um bom governante e as de um bom filósofo são encontradas numa única pessoa.
O caráter filosófico continua no Livro VII. Sócrates cita o mito da alegoria da caverna, que consiste basicamente em uma comunidade que vive nas profundezas de uma caverna, isolada totalmente da vida do lado de fora. Eles não têm a mínima noção de como são as coisas reais. No final da história, um morador conseguiu chegar no lado de fora da caverna e descobriu o sol e um mundo totalmente novo. Ao voltar à escuridão e contar o que experienciou, esse homem foi morto pela comunidade, pois foi visto como alguém com anseios de desestabilizar a vida da população. Sócrates ainda adverte que a caverna representa o domínio da opinião e o sol representa o bem. E quem alcança esse “bem”, é visto como um insensato pela opinião pública.
O oitavo livro da República ilustra a decadência de diversos tipos de Constituições e analisa a melhor forma de governo entre a aristocracia, a timocracia, a oligarquia, a democracia e a tirania, tudo embasado nas relações entre a justiça e a felicidade.
Sócrates afirma que a forma mais perfeita de Estado é a aristocracia, que significa governado pelos melhores. Depois vem a timocracia, onde a honra e a ambição substituem a sabedoria e a razão dos “melhores”. A oligarquia é uma involução da timocracia, onde o Estado supervaloriza a riqueza e o poder; e os governantes são escolhidos por sua riqueza, dividindo, assim, a sociedade em rica e pobre. A democracia só não é mais injusta do que a tirania, pois aqui se respeita apenas o dinheiro e lá, o governante tirano não possui limites para satisfazer seu ego.
No penúltimo livro, o homem tirânico é reconhecido como o pior e mais injusto dos homens e os pensadores entram numa discussão para mostrar que a vida do homem justo é melhor e mais feliz que a do homem injusto. Sócrates chega a afirmar que ele é 729 vezes mais feliz que o homem tirânico, o mais injusto de todos os homens.
Com a intenção de mostrar que, após a morte, a justiça é recompensada, Sócrates aproveita e cita o mito do Soldado Er no décimo e último livro de sua obra. O mito consiste na história de um soldado que morreu em combate e visitou o além, antes de voltar ao mundo físico. Além disso, a poesia de Homero e outras formas artísticas voltam a ser criticadas por Platão, por não suprirem as necessidades de um governante justo em formação, chamando-as de arte imitativa.
Por fim, Jayme Paviani explica que, para Platão, ser bom ou mau depende da escolha de cada um. Entretanto, deixa uma dúvida no ar ao fazer a pergunta: como alguém pode escolher uma vida injusta e infeliz antes de saber que a vida injusta é infeliz?
*Eduardo André Carvalho Schiefler é acadêmico de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina