Por unanimidade, a quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) anulou decisão em primeiro grau da Justiça que extinguia a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) e determinou a reabertura do processo que pede a declaração de responsabilidade por violação aos direitos humanos de sete servidores públicos estaduais que participaram da prisão ilícita, tortura e morte do operário Manoel Fiel Filho. A União e o estado de São Paulo também figuram na ação, por omissão no caso.
A decisão do TRF-3, tomada em sessão realizada na tarde de hoje, atendeu aos pedidos da Procuradoria da República em São Paulo e o mérito da ação deverá ser analisado e julgado na primeira instância da Justiça Federal. O principal argumento para anular a sentença da 11ª Vara Cível de São Paulo foi a da “precocidade” da decisão diante do da complexidade da matéria.
“Com velocidade impressionante a Justiça Federal abortou precocemente a ação”, defendeu o procurador regional da República Marlon Alberto Weichert na sessão, destacando que relegar ao esquecimento os crimes cometidos durante o período de exceção contraria recentes decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. “O MPF afasta com veemência a afirmação na sentença de que o caso seria de pouca relevância”, prosseguiu Weichert, lembrando que a família de Fiel Filho entrou com ação na Justiça logo após sua morte e obteve, à época, a confirmação de que a prisão fora ilegal, de que o operário sofrera tortura nas dependências do Doi-Codi e de que a versão de suicídio fora forjada pelos agentes públicos.
O relator do caso, desembargador André Nekatschalow, entendeu que todos os pedidos do MPF são pertinentes e devem ter o “devido prosseguimento” na Justiça. Seu voto foi seguido pelo desembargador Luiz Stefanini e pelo juiz convocado Hélio Nogueira. Agora os réus serão citados, bem como a Advocacia Geral da União e a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, para oferecerem suas defesas.
Pedido – A ação do MPF foi proposta em março deste ano e, além da declaração judicial da responsabilidade pessoal dos réus pela perpetração das violações aos direitos humanos, pedia a condenação desses agentes à reparação aos gastos da União com indenizações aos parentes da vítima, estimados em R$ 438 mil, bem como a perda das funções e cargos públicos e a cassação dos benefícios de aposentadoria. O MPF também pediu a declaração de responsabilidade da União e do estado de São Paulo pela omissão no caso, com a exigência da adoção de medidas de preservação da memória.
Manoel Fiel Filho era metalúrgico e foi preso na fábrica em que trabalhava, em São Paulo, em 16 de janeiro de 1976. Os agentes que o detiveram não possuíam mandado de prisão. Sua casa foi alvo de buscas e apreensões, também sem autorização legal.
Levado à sede do Doi-Codi, no Paraíso, testemunhos apontam que foi torturado, vindo a morrer em virtude da violência sofrida. Seu homicídio foi acobertado pela Polícia Civil, inclusive pelos peritos e médicos-legistas que realizaram a necropsia. Na versão oficial da época Fiel Filho teria se autoestrangulado com um par de meias.
Na inicial da ação, o MPF aponta que quatro réus tiveram participação direta nos atos relativos à prisão ilícita, tortura e morte de Fiel Filho: Tamotu Nakao, à época tenente da Polícia Militar de São Paulo, chefe da equipe de interrogadores e oficial de permanência; Edevarde José, então delegado de polícia e membro da equipe de interrogadores; os soldados da PM e carcereiros Alfredo Umeda e Antonio Jose Nocette.
Teriam participado dos atos de ocultação da verdadeira causa da morte do operário Orlando Domingues Jerônimo, então delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops/SP); Ernesto Eleutério, então perito; e José Antonio de Mello, médico-legista que lavrou o laudo de exame de corpo de delito.
Não são réus na ação os agentes e oficiais envolvidos que já faleceram, nem o comandante do Doi-Codi na época dos fatos, o coronel reformado Audir Santos Maciel, por já figurar como réu na Ação Civil Pública 2008.61.00.011414-5.
A atuação do MPF nos temas relativos à violação dos direitos humanos durante a Ditadura Militar começou em 1999, quando o MPF recebeu representação de familiares de mortos e desparecidos políticos, reclamando a demora na identificação dos presos políticos enterrados na vala comum do cemitério de Perus, em São Paulo.
A conclusão do MPF e a de especialistas é a de que é necessária a adoção de medidas de Justiça Transicional. Além da reparação, é necessário o esclarecimento da verdade, por meio de Comissões da Verdade, processos judiciais e abertura de arquivos estatais; a realização de justiça, mediante a responsabilização de violadores de direitos humanos e a criação de espaços de memória, visando a não-repetição desses fatos e a perpetuação das práticas de tortura e outros crimes contra os direitos humanos nos dias atuais.
Ação Civil Pública nº 2009.61.00.005503-0
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Fonte: MPF