STF

STF – ADI 1706-4 – Medida Liminar

COORD. DE ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA

 D.J. 01.08.2003

09/02/2000  EMENTÁRIO N°2117-26    TRIBUNAL PLENO

MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.706-4 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. NELSON JOBIM

REQUERENTE: GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL

 ADVOGADO: PGDF – DEIRDRE DE AQUINO NEIVA

ADVOGADO: PGDF – ANTÔNIO CARLOS ALENCAR CARVALHO

REQUERIDA: CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL

EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DO DISTRITO FEDERAL VETADA PELO GOVERNADOR E PROMULGADA PELA CÂMARA DISTRITAL. PERMITE A PARTIÇÃO DO PLANO PILOTO EM PREFEITURAS COM CARACTERÍSTICAS DE MUNICÍPIOS. DISCUSSÃO QUANTO À NATUREZA DA NORMA: SE          MUNICIPAL    OU ESTADUAL. NATUREZA COMPLEXA DO DISTRITO FEDERAL QUE COMPREENDE ESTADO E MUNICÍPIO. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL QUANTO À DIVISÃO (ART. 32). APARENTE CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS.

LIMINAR DEFERIDA.

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata de Julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, em deferir o pedido de medida cautelar, para suspender, até a decisão final da ação direta, a eficácia da Lei Distrital nº 1.713, de 03/09/1997.

Brasília, 09 de fevereiro de 2000.

CARLOS VELLOSO – Presidente

NELSON JOBIM – Relator

09/02/2000             TRIBUNAL PLENO

MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.706-4 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. NELSON JOBIM

REQUERENTE: GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL

 ADVOGADO: PGDF – DEIRDRE DE AQUINO NEIVA

ADVOGADO: PGDF – ANTÔNIO CARLOS ALENCAR CARVALHO

REQUERIDA: CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL

 

RELATÓRIO:

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – (Relator):

1. A legislação.

A Lei Distrital n. 1.713, de 03 de setembro de 1997, dispõe na íntegra:

“Art.1º – As quadras residenciais do Plano Piloto da Asa Norte e da Asa Sul de Brasília, identificadas pela numeração iniciada por cem, duzentos, trezentos, quatrocentos e setecentos, poderão ser administradas por prefeituras comunitárias ou associações de moradores legalmente constituídas, observado o disposto nesta lei. 

Art. 2º – Fica facultada a transferência para a responsabilidade das entidades a que se refere o art. 1º dos serviços de:

I – limpeza e jardinagem das vias internas, áreas comuns, inclusive áreas verdes; 

II – coleta seletiva de lixo;

III – segurança complementar patrimonial e dos moradores;

IV – representação coletiva dos moradores perante órgãos e entidades públicas. 

§1º – A taxa de limpeza pública relativa às unidades habitacionais das quadras que optarem por administração própria fica reduzida a cinqüenta por cento, a partir do ano subseqüente ao da comunicação da opção ao poder público.

§2º – As administrações das quadras poderão comercializar o lixo coletado com empresas de reciclagem devidamente credenciadas pelo poder público. 

Art. 3º – O plano urbanístico das quadras, em vigor à data da publicação desta Lei, não poderá ser modificado em suas características básicas.

§1º – Fica vedada a apresentação de proposta que vise à alteração de gabarito ou ao aumento do número de projeções previstas no plano urbanístico local.

§2º- As propostas de modificação das vias de circulação interna ou de áreas verde, apresentadas pela administração da quadra, deverão ser referendadas pela assembléia geral dos moradores, na forma prevista no estatuto.

§ 3º – As áreas de estacionamento interno das quadras poderão ser ampliadas desde que assegurada a taxa mínima de área verde, mediante proposta a ser aprovada pelo Poder Executivo, que as delimitará.

§4ºA aprovação das modificações de que tratam os §§2° e 3o fica condicionada a parecer prévio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico NacionalIPHAN. 

Art. 4º – Poderão ser fixados, nos limites externos das áreas das quadras ou conjuntos, obstáculos que dificultem a entrada e saída de veículos e que nem prejudiquem nem coloquem em risco o livre acesso de pessoas. 

Parágrafo único. Fica vedada a construção de cercas ou similares, mesmo que cerca verde. 

Art. 5º – A contratação de serviço complementar de segurança de que trata o caput poderá prever controle de entrada e saída de veículos da quadra, sem comprometer o direito de ir e vir dos cidadãos. 

Art. 6º – As prefeituras comunitárias ou as associações de moradores legalmente constituídas poderão cobrar taxas de manutenção e conservação aos proprietários de unidades habitacionais das quadras por elas administradas. 

§1º – A fixação das taxas e sua destinação serão objeto de decisão em assembléia, tomadas em cada caso pelo quorum que o estatuto da administração fixar, tornam-se obrigatórias a todos os proprietários das unidades habitacionais da respectiva quadra.

§3º – O Poder Executivo reservará e delimitará áreas nas quadras para a construção de sede das prefeituras comunitárias ou associações de moradores de que trata esta Lei. 

Art. 7º – Reverterão às administrações das respectivas quadras cinquenta por cento do valor das taxas cobradas pelo poder público por ocupação de áreas públicas.

Art. 8º – O Poder Executivo poderá celebrar convênios e outros ajustes com as prefeituras comunitárias ou associações de moradores legalmente constituídas para a realização de serviços públicos de forma centralizada. 

Art. 9º – O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de noventa dias. 

Art. 10 – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 11 – Revogam-se as disposições em contrário.” 

O Sr. Governador vetou totalmente a lei (fls. 3).

A Câmara Legislativa do DF derrubou o veto do Governador, promulgou e fez publicar a referida Lei (fls. 3).

2. Das Alegações.

O Sr. Governador alega:

“…………………………………………………

3. … [a Lei impugnada é originária] … do exercício, pelo Distrito Federal, da competência legislativa reservada aos Estados (art. 32, § 1º ([1] ), CF), porquanto a lei questionada versa sobre o uso e a administração de área integrante do conjunto urbanístico de Brasília-DF … este tombado, tanto em nível federal como na esfera do Distrito Federal como patrimônio histórico-cultural e, portanto, sujeito ao regime jurídico do tombamento, além de tratar de matéria própria do direito urbanístico, de competência legislativa estadual (art. 24, l([2]), fine, [CF]). (fls. 5) 

…………………………………………….” 

Entende caracterizada ofensa ao art. 24, capute inciso VII ([3]), da CF (fls. 6) e que

“……………………………………………

8. A lei objeto desta [ADI] … afronta … o princípio … da divisão e separação de Poderes [art. 2o ([4]) da CF]… haja vista que o Conjunto Urbanístico de Brasíliaconstituibera público de uso comum e bem de interesse público, cuja gestão incumbe ao Poder Executivo do Distrito Federal, não ao Legislativo. (fls. 8) 

……………………………………………. 

13. … a regra da competência do Poder Executivo no que tange à gestão dos bens do Distrito Federal reforça-se mais na hipótese de patrimônio tombado, uma vez que só a Administração, a responsável pelo tombo originário do espaço territorial, pode velar pela preservação e as alterações do local, vedando-se ao Poder Legislativo imiscuir-se nesse pormenor… (fls. 10). 

……………………………………………… 

INCONSTITUCIONALIDADE DA TRANSFERÊNCIA DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS AOS PARTICULARES (Art.   175, caput, da CF([5] ), (fls. 15/16)

………………………………………………

25. A bem da verdade, a prestação de serviços públicos (segurança pública, coleta de lixo e jardinagem, dentre outros) incumbe precipuamente ao Distrito Federal, porque integrados por áreas verdes, vias internas, estacionamentos e outras áreas de uso comum da coletividade, bens públicos de uso comum do povo, cuja respectiva manutenção e tutela só cabem ao Estado… (fls. 16);

………………………………………………

27. Violenta a Constituição estabelecer-se uma modalidade de prestação de serviços públicos não precedida de licitação e que não é hipótese de concessão nem de permissão, quando em pauta o cuidado sobre bem público de uso comum …” o qual compõe, em sentido lato, o patrimônio público … (fls. 17); 

………………………………………………… 

28. Não é tolerável que as Prefeituras Municipais (sic), por força da lei distrital, exerçam poder de polícia no interior das quadras, sobre áreas de uso comum do povo, competência irrevogavelmente da alçada do Poder Público. O mesmo se diga dos demais serviços públicos, (fls. 18); 

………………………………………………..

DA NEGATIVA DE VIGÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL TOMBADO (Artigos 23, III e IV, 215, caput, 216, caput e V, e 216, § 1º, todos da [CF].

 

31. Do exame … da medida legislativa, detecta-se eiva de inconstitucionalidade … o que importa . . . [em] descaracterização do bem e do ideal tombado. (fls. 19). 

 

………………………………………………. 

 

38. O Plano Piloto de Brasília é protegido não somente em sua projeção físico-cultural, na qualidade de bem imóvel, mas também em sua expressão como ideal arquitetônico e paisagístico. (fls. 21). 

 

………………………………………….. 

AGRESSÃO AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA IMPESSOALIDADE (Artigos 5°, caput, e 37, caput da [CF]:

 

70. ……………………………………………

 

É proibido à Administração, em ofensa direta ao princípio da impessoalidade…  beneficiar exclusivamente os moradores da quadra em particular, em prejuízo de todo o corpo coletivo de cidadãos, o que também colide com o tratamento igualitário. . . dispensado a todos no atinente à fruição do bem culturais de livre acesso da população… (fls. 38). 

 

……………………………………………… 

 

OFENSA AO DIREITO DE LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO (Art. 5o X, da [CF]):

 

71….É inconstitucional cercear o direito de ir e vir de pessoas, veículos motorizados e bicicletas ao longo das quadras residenciais, através de áreas públicas de uso comum, vias internas, áreas verdes e mesmo pilotis dos prédios (ideal de liberdade de circulação que, inclusive, iluminou a concepção urbanística original do Plano Piloto de Brasília- DF). (fls.39).

 

……………………………………………….

 

INCONSTITUCIONALIDADE DA ASSOCIAÇÃO COMPULSÓRIA DOS MORADORES DAS QUADRAS (Art. 5o, XX, e art. 22, I … da [CF])

 

75. Ofuscante a inconstitucionalidade da lei distrital quando obriga os moradores da quadra a se filiarem ás associações de moradores, com encargos financeiros semelhantes a uma cota condominial. (fls. 41)

 

…………………………………………….. 

 

RESTRIÇÃO DA COMPETÊNCIA TUTELAR DO PODER PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL LOCAL, OUTORGADA À UNIÃO (IPHAN) (Art. 18, caput, [CF]): (fls. 43)

 

……………………………………………..

 

 

80. O Poder Público local, que tombou o conjunto urbanístico de Brasília, deve ser ouvido e interferir diretamente em qualquer lesão ou descaracterização do bem público sob tutela especial por causa do tombamento, de forma a reiterar a inconstitucionalidade da lei distrital.

OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTROLE DO USO E DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO PELO PODER EXECUTIVO (Art. 30,VIII, c/c 32, § 1º ,[CF]): 

 

81. A modificação do loteamento original do Plano Piloto de Brasília não pode ser promovida sem a anuência do Distrito Federal, que rejeita, de toda formar a alteração e a descaracterização do patrimônio histórico e cultural… (fls. 44). 

 

Pede liminar, por entender grave ameaça de descaracterização do Conjunto urbanístico de Brasília, além de ofensa ao principio de preservação do patrimônio histórico-cultural.

 

No mérito, a procedência da ação

 

“………………………………………………

 

b) … e, assim, declarados inconstitucionais e retirados em definitivo da ordem jurídica todos os dispositivos da Lei n° 1.713, de 03 de setembro de 1997. (fls. 46)

 

……………………………………………..”

 

É o relatório.

 

09/02/2000   TRIBUNAL PLENO 

MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.706-4 DISTRITO FEDERAL 

À revisão de apartes dos Srs. Mins. Moreira Alves, Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio.

 

TRIBUNAL PLENO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.706

(MEDIDA LIMINAR)

 

VOTO

 

O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (RELATOR) Sr. Presidente, inicialmente, examinando a lei, surgiu o problema de ser ela tipicamente municipal. No entanto, o conjunto da lei estabelece a partição do Distrito Federal em prefeituras comunitárias, ou seja, em espaços denominados prefeituras municipais ou comunitárias, que seriam geridas pelas associações dos moradores, em relação aos quais seriam obrigatórias.

E essa associação de moradores teria uma espécie de poder sobre a área limitada pela superquadra. Assim, as taxas de limpeza pública seriam arrecadadas por essa entidade, que poderia, inclusive, administrar o lixo colhido nessa zona, determinar áreas de estacionamento interno, fixar nos limites externos às quadras, ou conjuntos, obstáculos, fazendo uma espécie de demarcação ostensiva da área sob a administração dessa “prefeitura comunitária”, e ainda instituir taxas de manutenção e conservação aos proprietários das unidades habitacionais, quer participem, ou não, da chamada associação.

Confesso que, ao ler o texto, imaginei estar perante uma lei tipicamente municipal, no entanto percebi que, na verdade, não explicitamente o artigo a ou b, mas o conjunto de poderes de constituição dessas chamadas prefeituras municipais nada mais é do que uma partição do poder administrativo, ou do Poder Executivo Distrital, sobre as superquadras. Ou seja, por essa lei, de uma forma muito dissimulada, estaríamos partindo o território do Distrito Federal em administrações relativamente autônomas, em relação às quais o Poder Executivo do Distrito Federal teria de prestar vénias, pois submeter-se-ia a certas decisões a serem tomadas por essas prefeituras municipais ou comunitárias.

Vejam bem. Srs. Ministros, não é muito clara essa situação, mas o fato é que, com isso, no meu ponto de vista, cria- se, nada mais nada menos, do que a partição do território do Distrito Federal em administrações autônomas.

 

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – No Estado-Município, isso seria matéria municipal, porque são distritos. O Distrito Federal faz as vezes do Estado-Município. Na realidade, vamos ter de examinar não apenas a criação desses verdadeiros distritos, como também a competência deles. Isso é matéria municipal. Se fosse um Estado-Município, como era o Rio de Janeiro, não haveria dúvida alguma de que essa seria lei municipal, porque ele era um Estado e também um Município, e essa divisão é de natureza municipal. São verdadeiros distritos com uma certa autonomia administrativa.

 

O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (RELATOR) – Onde não há Município.

 

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Aqui também há Município, até porque existem leis municipais. Caso contrário, todas as suas leis seriam estaduais.

 

O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (RELATOR) – A dificuldade que eu gostaria de compartilhar com V. Exa. é que o art. 32 da Constituição diz:

“……………………………………………….

Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, …”

Ou seja, a Constituição Federal veda a divisão interna do Município.

 

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – É claro! Porque ele é um Município só. Isso significa que o Distrito Federal não pode ser dividido em Municípios, por causa das prefeituras.

 

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Veja, Excelência, distrito, por exemplo, não tem poder tributário, o que, entretanto, se deu a essas prefeituras de quadra…

 

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – isso é matéria municipal. Isso pode ser inconstitucional no âmbito municipal. Mas o nosso problema é justamente este: quando a Constituição Federal diz que o Distrito Federal não pode ser dividido em Municípios, o que quis dizer é que o Distrito Federal é um Município, à semelhança do Estado-Município. E essa lei é municipal. Divide-o em verdadeiros distritos, o que pode ser inconstitucional, porque lhes dá poder tributário. Mas, isso é outro problema. Agora, o nosso problema é de competência.

 

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Excelência, mas se cria uma entidade com poder tributário, fez dela, mais do que distrito um embrião de Município.

 

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Não podemos entrar nessa matéria, porque isso é matéria municipal.

 

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE  Não, Excelência: criação de Município não é matéria municipal.

 

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Criam-se subprefeituras; não se criam Municípios.

 

O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (RELATOR) – Excelência, aqui não se está criando subdistritos propriamente dito, porque os distritos, quando se criam, são por iniciativa: primeiro, do Poder Executivo; segundo, a administração do distrito é uma mera descentralização administrativa da decisão do próprio prefeito municipal. O prefeito municipal é quem nomeia, digamos, o administrador do distrito. Aqui, não. Está-se criando espaços com um nível de autonomia.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Excelência, outro argumento: o que ocorre quando temos um plebiscito e a criação de um município? A lei que cria esse município é uma lei municipal? E uma lei estadual, a Assembléia é que delibera.

 

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Lei estadual, obviamente, não vai criar subprefeituras dentro do mesmo Município, pois a Constituição diz que o Município é único. Então, seria uma fraude, pois, apesar de manter-se o Município, criam-se disfarçadamente Municípios.

 

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Fraude à proibição de municipalização. Isso, amanhã, se transforma em associação voluntária de cada cidade satélite, e vai-se, a título de prefeitura comunitária, de associações, fraudando a proibição de divisão do Distrito Federal em Municípios.

 

O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (RELATOR) – Sr. Presidente, tendo em vista essas observações, não obstante a divergência inicial, pelo menos do Ministro Moreira Alves, entendo que estamos perante algo de relevância no sentido da concessão da liminar.

 

Por isso, concedo a liminar, reservando-me para examinar atentamente, lembrando que isso caracteriza, sob o nome de prefeituras municipais ou comunitárias, uma subdivisão do território do Distrito Federal em entidades “relativamente autônomas”.

 

09/02/2000                 TRIBUNAL PLENO 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 1.706-4 DISTRITO FEDERAL  

MEDIDA LIMINAR 

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURELIO – Senhor Presidente, também acompanho o Ministro-Relator, não só considerada a óptica alusiva ao drible ao que consta na Constituição Federal sobre a impossibilidade de o Distrito Federal ser dividido em municipios, como também tendo presente a envergadura dessa lei. A lei, por uma via transversa e em conflito com a Constituição Federal, revela a criação de entidades que se equiparam, inclusive no campo tributário, a municípios.

Admito a ação direta de inconstitucionalidade e suspendo-a liminarmente.

É o meu voto.

 

09/02/2000             TRIBUNAL PLENO

 

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.706-4 DISTRITO FEDERAL

 

VOTO

 

(MEDIDA LIMINAR)

 

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: – Sr. Presidente filho adotivo de Brasília vai fazer quarenta anos, acompanho com entusiasmo o voto do eminente Relator: esta lei, sob pretextos democratizantes, é um ensaio mal dissimulado de exacerbar a exclusão social, nesta “cidade dividida” em que se vai transformando a nova Capital.

 

09/02/2000                   TRIBUNAL PLENO

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 1.706-4 DISTRITO FEDERAL (MEDIDA LIMINAR)

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Sr. Presidente, considero que, em rigor, essa norma é municipal, pois lei estadual obviamente não é, adequada a criar subprefeituras.

Mas realmente esta lei – que em sentido rigoroso seria uma lei municipal – extravasa, sob certos ângulos, do âmbito municipal.

 

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: – Tradicionalmente no âmbito da competência de natureza municipal, o Distrito Federal tem feito mais do que isso: ai sim, as velhas subprefeituras, hoje Administrações Regionais, a de Brasília e as das várias cidades satélites — constituem formas de descentralização da administração municipal da cidade-estado.

Agora, a lei, ora impugnada, a meu ver, sobe um pouco mais, quando dá autonomia politica – porque é uma associação que se vai autogovernar nas quadras – e poder tributário às prefeituras de quadra: isso só o Estado, em tese, poderia fazer, se não houvesse a proibição constitucional da divisão do DF em Municípios.

 

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Sr. Presidente, estou salientando esse aspecto porque podem ocorrer outras hipóteses em que a ultrapassagem desse limite não seja tão chocante, e nesse caso considerarei que a lei é de natureza estritamente municipal. Mas aqui há realmente esse aspecto, e o tributário é o mais sério deles, porque só teria esse poder tributário um verdadeiro Município.

Por isso, tendo em vista essa peculiaríssima situação, acompanho o eminente Relator.

 

PLENÁRIO

 

EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 1.706-4 – medida liminar

PROCED.: DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. NELSON JOBIM

REQTE.: GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL

ADV.: PGDF – DEIRDRE DE AQUINO NEIVA

ADV.: PGDF – ANTÔNIO CARLOS ALENCAR CARVALHO

REQDA.: CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL

Decisão : O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de medida cautelar, para suspender, até a decisão final da ação direta, a eficácia da Lei Distrital nº 1.713, de 03/09/1997. Votou o Presidente. Plenário, 09.02.2000.

Presidência do Senhor Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Nelson Jobim.

Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.

Luiz Tomimatsu

 Coordenador

[1] CF:

                 “Art.32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§1° Ao distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios.”

[2] CF:

                 “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

          I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

[3] CF:

             “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

          VIIproteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico e paisagístico.”

[4]  CF:

              “Art.2o. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

[5] CF:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”

Como citar e referenciar este artigo:
STF,. STF – ADI 1706-4 – Medida Liminar. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/jurisprudencias/stf/stf-adi-1706-4-medida-liminar/ Acesso em: 26 jul. 2024
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STF – RE 158.676-1 – MG

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STF – ADI – 2.649-6 – DF

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STF – ADC 9-6

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STF – ADI 1.221-5 RJ