SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
COORD. DE ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA
D.J. 23.04.2004
EMENTÁRIO N°2148-1
13/12/2001 TRIBUNAL PLENO
ACÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 9-6 DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MIN. NÉRI DA SILVEIRA
RED. P/ O AC.: MIN. ELLEN GRACIE
REQUERENTE: PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADVOGADO: ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA n° 2.152-2, DE 1º DE JUNHO DE 2001, E POSTERIORES REEDIÇÕES. ARTIGOS 14 A 18. GESTÃO DA CRISE DE ENERGIA ELÉTRICA. FIXAÇÃO DE METAS DE CONSUMO E DE UM REGIME ESPECIAL DE TARIFAÇÃO.
1. O valor arrecadado como tarifa especial ou sobretarifa imposta ao consumo de energia elétrica acima das metas estabelecidas pela Medida Provisória em exame será utilizado para custear despesas adicionais, decorrentes da implementação do próprio plano de racionamento, além de beneficiar os consumidores mais poupadores, que serão merecedores de bônus. Este acréscimo não descaracteriza a tarifa como tal, tratando-se de um mecanismo que permite a continuidade da prestação do serviço, com a captação de recursos que têm como destinatários os fornecedores/concessionários do serviço. Implementação, em momento de escassez da oferta de serviço, de política tarifária, por meio de regras com força de lei, conforme previsto no artigo 175, III da Constituição Federal.
2. Atendimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo em vista a preocupação com os direitos dos consumidores em geral, na adoção de medidas que permitam que todos continuem a utilizar-se, moderadamente, de uma energia que se apresenta incontestavelmente escassa.
3. Reconhecimento da necessidade de imposição de medidas como a suspensão do fornecimento de energia elétrica aos consumidores que se mostrarem insensíveis à necessidade do exercício da solidariedade social mínima, assegurada a notificação prévia (art. 14, § 4o, II) e a apreciação de casos excepcionais (art. 15, § 5o).
4. Ação declaratória de constitucionalidade cujo pedido se julga procedente.
ACÓRDAO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, julgar procedente o pedido formulado declarar a constitucionalidade dos artigos 14, 15, 16, 17 e 18 da Medida Provisória nº 2152-2, de 1º de junho de 2001, a qual revogou a Medida Provisória n° 2.148-1, de 22 de maio de 2001, hoje sob o número 2.198-5 e datando de 24 de agosto de 2001.
Brasília, 13 de dezembro de 2001.
Marco Aurélio – Presidente
Ellen Gracie – Redatora
ACÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 9-6 DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MIN. NÉRI DA SILVEIRA
REQUERENTE: PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADVOGADO: ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA (RELATOR): – Ao apreciar a medida cautelar na presente ação declaratória de constitucionalidade, assim sumariei a espécie:
‘O Excelentíssimo Senhor Presidente da República, com fundamento no artigo 103, § 4º da Constituição Federal e artigo 13, Inciso I, da Lei n° 9.868/1999, propõe ação declaratória de constitucionalidade, com pedido de liminar, dos artigos 14, 15, 16, 17 e 18 da Medida Provisória nº 2.152-2, de 1º de junho de 2001, a qual revogou a Medida Provisória nº 2.148-1, de 22 de maio de 2001.
Os dispositivos referidos estipulam o seguinte, verbis:
‘Art.14. Os consumidores residenciais deverão observar meta de consumo de energia elétrica correspondente a:
I – cem por cento da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000, para aqueles cuja média de consumo mensal seja inferior ou igual a 100 kWh; e
II – oitenta por cento da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000, para aqueles cuja média de consumo mensal seja superior a 100 k Wh, garantida, em qualquer caso, a meta mensal mínima de 100 kWh.
§ 1º – Na impossibilidade de caracterizar-se a efetiva média do consumo mensal referida neste artigo, fica a concessionária autorizada a utilizar qualquer período dentro dos últimos doze meses, observando, sempre que possível, uma média de até três meses.
§ 2° – Os consumidores que descumprirem a respectiva meta mensal fixada na forma do caput ficarão sujeitos a suspensão do fornecimento de energia elétrica.
§ 3º – O disposto no § 2º não se aplica aos consumidores que, no mesmo período, apresentarem consumo mensal inferior ou igual a 100 kWh.
§ 4º – A suspensão de fornecimento de energia elétrica a que se refere o § 2º observará as seguintes regras:
I – a meta fixada na forma de Resolução da GCE será observada a partir da leitura do consumo realizada em junho de 2001;
II – será o consumidor advertido, por escrito, quando da primeira inobservância da meta fixada na forma do caput;
III – reiterada a inobservância da meta, far-se-á, após quarenta e oito horas da entrega da conta que caracterizar o descumprimento da meta e contiver o aviso respectivo, a suspensão do fornecimento de energia elétrica, que terá a duração:
a) máxima de três dias, quando da primeira suspensão do fornecimento; e
b) mínima de quatro dias e máxima de seis dias, nas suspensões subseqüentes.
§ 5º – A GCE poderá estabelecer prazo e procedimentos diversos dos previstos nos §§ 1º, 2º e 4º deste artigo.
Art. 15. Aplicam-se aos consumidores residenciais, a partir de 4 de junho de 2001, as seguintes tarifas:
I – para a parcela do consumo mensal inferior ou igual a 200 kWh, a tarifa estabelecida em Resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL;
II – para a parcela do consumo mensal superior a 200 kWh e inferior ou igual a 500 kWh, a tarifa estabelecida em Resolução da ANEEL acrescida de cinqüenta por cento do respectivo valor;
III – para a parcela do consumo mensal superior a 500 kWh, a tarifa estabelecida em Resolução da ANEEL acrescida de duzentos por cento do respectivo valor.
§ 1º – Aos consumidores residenciais cujo consumo mensal seja inferior à respectiva meta conceder-se-á bônus individual (Bn) calculado da seguinte forma:
I- para o consumo mensal igual ou inferior a 100 kWh, Bn=2(Tn-Tc), onde:
a) Tn corresponde ao valor, calculado sobre a tarifa normal, da respectiva meta de consumo, excluídos impostos, taxas e outros ônus ou cobranças incluídas na conta; e
b) Tc corresponde ao valor tarifado do efetivo consumo do beneficiário, excluídos impostos, taxas e outros ônus ou cobranças incluídas na conta;
II – para o consumo mensal superior a 100 kWh, Bn será igual ao menor valor entre aquele determinado pela alínea “c” deste inciso e o produto de CR por V, sendo:
a) CR=s/S, onde s é a diferença entre a meta fixada na forma do art. 14 e o efetivo consumo mensal do beneficiário, e S é o valor agregado destas diferenças para todos os beneficiários;
b) V igual à soma dos valores faturados em decorrência da aplicação dos percentuais de que tratam os incisos II e III do caput deste artigo e destinados ao pagamento de bônus, deduzidos os recursos destinados a pagar os bônus dos consumidores de que trata o inciso I deste parágrafo;
c) o valor máximo do bônus por kWh inferior ou igual à metade do valor do bônus por kWh recebido pelos consumidores de que trata o inciso I deste parágrafo.
§ 2º – O valor do bônus calculado na forma do § 1º não excederá ao da respectiva conta mensal do beneficiário.
§ 3º – A GCE poderá alterar as tarifas, os níveis e limites de consumo e a forma do cálculo do bônus de que trata este artigo.
§ 4º – Os percentuais de aumento das tarifas a que se referem os incisos II e III do caput não se aplicarão aos consumidores que observarem as respectivas metas de consumo definidas na forma do art. 14.
§ 5º – Caberá às concessionárias distribuidoras, segundo diretrizes a serem estabelecidas pela GCE, decidir sobre os casos de consumidores residenciais sujeitos a situações excepcionais.
Art. 16 – Os consumidores comerciais, industriais, do setor de serviços e outras atividades enquadrados no grupo B constante do inciso XXIII do art. 2º da Resolução ANEEL nº 456, de 2000, deverão observar meta de consumo de energia elétrica correspondente a oitenta por cento da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000.
§ 1º – Caso o consumo mensal seja inferior à meta fixada na forma do caput, o saldo em kWh, a critério do consumidor, será acumulado para eventual uso futuro ou a distribuidora poderá adquirir a parcela inferior à meta, através de mecanismo de leilões na forma a ser regulamentada pela GCE.
§ 2º – Caso o consumo mensal seja superior à meta fixada na forma do caput, a parcela do consumo mensal excedente será adquirida junto às concessionárias distribuidoras ao preço praticado no MAE ou compensada com eventual saldo acumulado na forma do § 1º.
§3º – Os consumidores que descumprirem a respectiva meta fixada na forma do caput ficarão sujeitos a suspensão do fornecimento de energia elétrica, caso inviabilizada a compensação prevista no § 2º.
§ 4º – A suspensão de fornecimento de energia elétrica a que se refere o § 3º terá como critério de aplicação de um dia para cada três por cento de ultrapassagem da meta.
§ 5º – A GCE poderá alterar os critérios e parâmetros fixados neste artigo em razão de eventual modificação da situação hidrológica ou de outras circunstâncias relevantes.
Art.17 – Os consumidores comerciais, industriais e do setor de serviços e outras atividades enquadrados no grupo A constante do inciso XXII do art. 2- da Resolução ANEEL n- 456, de 2000, deverão observar metas de consumo de energia elétrica correspondentes a percentuais compreendidos entre setenta e cinco e oitenta e cinco por cento da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000, na forma estabelecida pela GCE, que disporá inclusive sobre as hipóteses de regime especial de tarifação e de suspensão e interrupção do fornecimento de energia elétrica decorrentes do descumprimento das respectivas metas.
Art. 18 – Os consumidores rurais deverão observar meta de consumo de energia elétrica correspondente a noventa por cento da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000.
§ 1º – Os consumidores que descumprirem a respectiva meta fixada na forma do caput ficarão sujetios a suspensão do fornecimento de energia elétrica.
§ 2º – À suspensão de fornecimento de energia elétrica a que se refere o § 1º será aplicado o critério de um dia para cada seis por cento de ultrapassagem da meta’.
Afirma o requerente a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação dos mencionados dispositivos, não interferindo, na configuração dessa controvérsia, o número de decisões prolatadas mas ‘o que realmente importa é que as decisões em si já tragam um estado de certeza sobre a conduta a ser adotada, numa vulneração da presunção de constitucionalidades de que são detentores os atos normativos primários’ (fls.7).
Assevera que ‘os documentos que compõem os ANEXOS 3 a 11 comprovam de forma inequívoca a controvérsia judicial relevante, por meio de diferentes entendimentos e aplicações em casos concretos por diversos órgãos do Poder Judiciário em relação à mesma matéria legal, isto é, quanto à legitimidade da cobrança da tarifa especial (nas hipóteses em que a Medida Provisória específica) e quanto à possibilidade de suspensão temporária do fornecimento de energia elétrica previstos na Medida Provisória editada com força de lei’ (fls. 8).
Enfatiza o requerente que até o momento foram propostas 127 ações judiciais, com 28 liminares concedidas e 9 liminares indeferidas (fls. 8), ‘em todos os casos, objetiva-se paralisar os programas emergenciais de racionalização do consumo de energia, que foram estabelecidos pelo Governo Federal para se evitar um prejuízo maior à sociedade’ (fls. 8).
O autor traz cópias de 8 decisões de magistrados de primeiro grau, referentes à controvérsia:
– Anexo 5 (fls. 183/192) cópia de decisão concedendo antecipação de tutela (sem assinatura do subscritor), do Juiz Substituto da 2ª Vara Federal da 11ª Subseção Judiciária de Marilia – SP, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal – MP 2148-1;
– Anexo 6 (fls.193/194), cópia de despacho do Juiz da 3a Vara de Falências e Concordatas da Comarca do Rio de Janeiro, deferindo liminar em ação civil pública ajuizada por IBRACI – Instituto Brasileiro de Cidadania;
– Anexo 7 (fls. 195/199), cópia de decisão da Juíza Substituta da 12a Vara Federal de Minas Gerais, deferindo antecipação de tutela em ação civil coletiva proposta pelo Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais – MP nº 2148-1;
– Anexo 8 (fls. 201/209), cópia de despacho de Juiz Federal do Rio de Janeiro – concedendo antecipação da tutela em ação ordinária ajuizada por consumidor – MP n° 2148-1;
– Anexo 9 (fls. 210/218), cópia de decisão do Juiz Federal Substituto da 6a Vara Federal de Goiânia, indeferindo liminar em mandado de segurança, impetrado por consumidor em face da MP n° 2147-1, de 15-5-2001;
– Anexo 10 (fls. 219/222) – cópia de decisão da Juíza Federal Substituta da 2a Vara Federal de São Paulo, que indeferiu a petição inicial e julgou extinto o processo, em mandado de segurança impetrado por consumidor em face da MP n° 2148-1;
– Anexo 12 (fls. 238), cópia de decisão de Juiz Federal da Subseção Judiciária de Marilia – SP no mesmo processo noticiado às fls. 183/192 – que desacolheu pedido da União Federal de extinção do feito por falta de objeto;
– Anexo 13 (fls. 239/242), cópia do Juiz Federal Substituto indeferindo a antecipação de tutela (sem assinatura), MP nº 2148-1.
Salienta que, ‘muito embora algumas das decisões anexas por vezes se refiram apenas a alguns dos dispositivos defendidos na presente Ação, a discussão em torno da constitucionalidade dos artigos em tela encontra-se diretamente interligada. Com efeito, conforme se verá, não se pode discutir cobrança da tarifa especial nem a suspensão do fornecimento de energia elétrica sem que se analise a questão concernente à meta de consumo. O debate em torno da constitucionalidade de um dos dispositivos aqui examinados enseja, necessariamente, a discussão quanto aos demais. A controvérsia constitucional instaurada acerca de um desses artigos (arts. 14-18), inevitavelmente, projeta-se em relação aos demais’ (fls. 16).
Afirma, ainda, que, ’como se não bastassem as decisões e as considerações acima desenvolvidas, resta configurada a controvérsia judicial a autorizar o conhecimento da presente Ação a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.468 (Rel. Ministro Néri da Silveira), que objetiva a declaração de inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Medida Provisória n° 2.152-2, de 2001: incisos VII e IX do art. 2o; inciso V do art. 5o; §§ 2o, 4o e 5o do art. 14; art. 15; §§ 3o e 4o do art. 16; art. 17; §§ 1o e 2o do art. 18; art. 20; art. 21; art. 22; e art. 23.
(...)
Por fim, todo o debate público e notório travado em torno da constitucionalidade das Medidas Provisórias relativas à crise energética (ressalte-se que foram três sucessivas), inclusive após a edição da Medida Provisória n° 2.152-2, de 2001, torna inconsteste a relevante controvérsia judicial instaurada. Vale aqui mencionar a recente Notificação Extrajudicial promovida pelo Estado de Minas Gerais, dirigida ao Presidente da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, datada de 5 de junho de 2001, na qual se informa que aquele Estado não cumprirá os preceitos da Medida Provisória n° 2.152-2, com base em Parecer da lavra de Carmem Lúcia Antunes Rocha, Procuradora-Geral do Estado de Minas Gerais, em que se opinou pela inconstitucionalidade e ilegalidade da Medida Provisória em questão’ fls. 17.
Ressalta o requerente que o efeito multiplicador de certas decisões é reconhecido pela jurisprudência do STF, em sede de Suspensões de Segurança, ainda que haja ‘apenas uma decisão judicial. Essa afirmação é consistente naqueles casos em que o pleito individual assenta-se em norma que, de fato, alcança um número expressivo de pessoas. Este é o caso em exame, haja vista que o ato normativo impugnado atinge, notoriamente, milhões de consumidores de energia’ (fls. 18).
Informa o requerente que foram interpostos diversos pedidos de reconsideração às decisões contrárias à aplicação do plano de racionamento de energia elétrica do Governo Federal, sendo certo que parte desses pedidos serão indeferidos. Cita a decisão preferida pelo Juiz Federal da 11a Subseção Judiciária de Marília/SP, a qual negou pedido da União Federal de extinção do feito por perda de objeto e conclui que ‘o fato é que a amplitude da liminar deferida na ação civil pública pela Vara Federal de Marília-SP alcança relevância, atingindo todo o território nacional e afetando o plano de racionamento previsto em lei’ (fls. 22).
Refere o autor despacho do Ministro Celso de Mello, na ADC-8, ‘a situação provocada acarreta ‘verdadeiro estado de insegurança jurídica, capaz de gerar um cenário de perplexidade social e de grave comprometimento da estabilidade do sistema de direito positivo vigente no país Assim, a dimensão do bem jurídico protegido pela lei em tese é que deve ser considerada ao exame quanto à cognoscibilidade da ação declaratória, porque foi exatamente a segurança jurídica que o legislador almejou obter com a tutela da ação declaratória de constitucionalidade’ (fls. 22).
Às fls. 23/32, sustenta o requerente ser descabida eventual alegação de inexistência dos requisitos materiais para a edição da Medida Provisória em referência. Tece considerações sobre o sentido e alcance do programa emergencial de redução do consumo de energia elétrica, enfatizando que, ‘em pouco mais de um mês, foram expedidas três medidas provisórias sucessivas a disciplinar a atual situação. Às primeiras normas foram acrescidas outras ou se estabeleceu até mesmo uma nova regulação. Isso se deveu sobretudo à necessidade de uma tomada de decisões rápidas e inadiáveis e à impossibilidade de se iniciar o diálogo sem um plano básico a guiar as discussões. As primeiras decisões foram tomadas, portanto, em condições de incerteza, sem que se tivesse uma visão integral de como se daria o comportamento do consumidor de energia elétrica – problema inexorável e já problematizado pela doutrina sob a rubrica de fatos e prognoses legislativos (…)’ (fls. 32).
Acentua que o Programa Emergencial de Redução de Consumo de Energia Elétrica foi instituído em três instrumentos básicos: ‘1) a fixação de metas de consumo decorrentes da atual situação hidrológica crítica; 2) o pagamento de uma tarifa especial por aqueles que ultrapassarem a respectiva meta e 3) a suspensão do fornecimento de energia elétrica na hipótese de descumprimento reincidente da meta’ (fls. 33).
Afirma que para os consumidores residenciais ‘tomou-se como parâmetro fundamental o consumo verificado nos meses de maio, junho e julho do ano de 2000, para se determinar, no art. 14 da Medida Provisória, que os consumidores residenciais cuja média mensal seja superior a 1OO kWh deverão observar a meta de 80% (oitenta por cento) da média do consumo mensal verificado naqueles meses, assegurada, em qualquer caso, inocorrência de suspensão de fornecimento de energia elétrica para aqueles que apresentarem consumo mensal inferior a 100 kWh.
O montante de 20% (vinte por cento) estabelecido como meta de redução do consumo de energia elétrica foi extraído do Relatório do Operador Nacional do Sistema – ONS (anexo), que assim assevera quanto a este aspecto: ’Este montante é considerado como necessário a fim de que sejam respeitados os níveis de segurança do final do período seco, previamente estabelecidos, de modo a se assegurar a controlabilidade do sistema’.
Dessa maneira, estabeleceu-se a meta de 80% (oitenta por cento) de consumo, cuja observância implicará uma redução autogerida, em que são preservadas a autonomia e as prioridades individuais. Com efeito, cada consumidor adequará as suas necessidades a execução da meta, elegendo entre formas alternativas de consumo, isto é, optando pelo desligamento de alguns eletrodomésticos, pela utilização de lâmpadas fluorescentes, pela redução do uso do chuveiro e ferro elétricos, dentre outras opções.
Em face da escassez do bem energia elétrica e da conseqüente elevação de seu custo, instituíram tarifas especiais para aqueles consumidores que consumirem acima da meta e bônus – a saber, a necessária contrapartida tarifária de estímulo à poupança – para aqueles que reduzirem seu consumo em parcela excedente à poupança determinada pela respectiva meta. Tais medidas serão detalhada e completamente explicitadas em tópico específico.
O terceiro instrumento previsto no Programa é a suspensão do fornecimento de energia elétrica, comumente denominado ‘corte’. Trata-se de um mecanismo de redução compulsória do consumo, se inoperante a redução voluntária. Assegura-se, em consequência, o cumprimento da meta em benefício de toda a coletividade, já que, sendo a energia elétrica um bem ou recurso comum, se ela faltar, faltará para todos. Logo, aos não-solidários consumidores de energia elétrica reservou-se a suspensão do fornecimento de energia, como instrumento que garanta eficácia da observação da devida meta. Reitere-se que, aos consumidores cujo consumo mensal seja igual ou inferior a 100 kWh, não se aplica a suspensão do fornecimento por inobservância da meta, já que, além de o seu consumo já ser reduzido e afigurar-se pouco expressivo um eventual excesso, não haveria como se lhe exigir uma redução ainda maior’ (fls. 33/34).
Enfatiza o requerente, ainda, que outro aspecto do Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica é a existência de cláusulas delegatórias, a ‘autorizar a expedição, em estrita obediência à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (como se verá abaixo), de regulamentos autorizados, a fim de se permitir respostas a situações não inicialmente definidas quando da elaboração da Medida Provisória, mas ainda enquadradas dentro dos parâmetros por ela previstos e estabelecidos. Ganha-se aqui dinamicidade para ir-se adequando o plano às necessidades e contingências de sua execução, tendo em vista, por exemplo, o sucesso na implementação dos seus objetivos já amplamente divulgados‘ (fls. 35).
Esclarece que, do mesmo modo, foram definidas metas de consumo para os consumidores não residenciais, nos arts. 16, 17 e 18 da Medida Provisória nº 2152-2 (fls. 35).
Conclui que ‘o Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica consiste, destarte, em uma clara opção pela gestão autônoma e individual de um esforço nacional de redução do consumo de energia elétrica, afirmando-se a subsidiariedade das medidas compulsórias para o fim de assegurar a indispensável redução do consumo tão-somente se inoperante sua promoção voluntária’ (fls. 36).
Às fls. 36/41, sustenta o requerente a legitimidade do regime especial de tarifação, a tarifa especial bem assim o bônus constantes do art.15, da MP n° 2.152-2/2001.
Sustenta, ainda, que a natureza jurídica da tarifa especial aludida não é tributo mas ‘tão-somente – tal como a tarifa ordinária – de contraprestação destinada a remunerar as pessoas jurídicas privadas (concessionárias ou permissionárias) que exploram os serviços de energia elétrica. Não se destina, ademais, aos cofres públicos, característica elementar das imposições de caráter tributário’ (fls. 41).
Cita texto do Professor Cretella Jr. e de Sacha Calmon Navarro Coêlho, quanto ao conceito de tarifas, desprovidas de caráter tributário, para a remuneração da prestação indireta de serviços públicos.
Entende que o STF reconhece duas características da tarifa: ‘destinar-se a concessionárias bem como à remuneração dos serviços prestados (aí incorporados todos os custos a eles eventualmente referidos, inclusive futuros)’, cita trecho do voto do Ministro Moreira Alves, no RE n° 117.315-RS, e afirma que essa orientação foi confirmada pelo STF no julgamento do RE n° 209.365-3/SP, ‘pela voz autorizada do Ministro Carlos Velloso, distinção entre serviços públicos essenciais e não essenciais, aplicando-se aos primeiros a cobrança de taxas e aos últimos, porque delegáveis, de tarifas’ (fls. 44).
Dessa maneira, conclui que, ‘se as tarifas introduzidas pelo art. 15 remuneram serviços públicos e destinam-se – tratando-se de concessão – a remunerar as concessionárias, restará inequívoca sua específica natureza, afastando-se o alegado caráter tributário’ (fls. 43/44).
Considera o autor que, ‘em momento algum, criou- se qualquer ‘fundo’, ao contrário do que, de modo absolutamente insustentável,sustentam alguns. Não há fundo algum em favor das concessionárias distribuidoras. Os recursos destinam-se exclusivamente a remunerar a contraprestação do serviço oferecido por parte das distribuidoras e são destinados especificamente à distribuidora que presta serviços ao usuário que paga a tarifa especial. Reafirma-se, ainda uma vez, o caráter de contraprestação da tarifa especial. Tais recursos serão arrecadados por parte das distribuidoras e por elas mantidos para, em primeiro lugar, fazer frente a custos operacionais elevados em decorrência dos instrumentos do racionamento – e, obviamente, os custos operacionais das distribuidoras sempre constituíram parcela importante da definição do valor da tarifa. Assim, não existe nenhum fundo em favor das distribuidoras, mas exatamente um acréscimo de tarifa para fazer frente a seus custos adicionais’ (fls. 46).
Afirma o requerente que os valores arrecadados com a tarifa especial criada destinam-se à remuneração das empresas concessionárias e, ainda, ‘que tais valores fazem frente a múltiplas circunstâncias que determinam um efetivo aumento do custo dos serviços prestados pelas concessionárias distribuidoras. Por fim, acerca da eventual alegação de que, como não se sabe quais serão os efetivos consumos superiores e inferiores à meta, não se pode assegurar que os valores arrecadados com a tarifa especial sejam integralmente consumidos com os custos acrescidos das concessionárias distribuidoras. Tais dados são presentemente apenas estimados, o que não desligitima a medida adotada, uma vez que toda a fixação de tarifa pauta-se sempre por dados meramente estimados. Nada obstante, ainda que haja excedentes arrecadados, tais excedentes continuarão destinados a remunerar as concessionárias e vincular-se-ão integral e estritamente à compensação em reajustes ou revisões tarifárias futuros (nos termos do § 2º do art. 20 da Medida Provisória nº 2.152-2, de 2001. Com isso, produziu-se um efetivo e exato aumento de tarifas, amplamente legitimado pelo ordenamento jurídico em vigor’ (fls. 50/51).
Cita a inicial lição de Marçal Justen Filho no sentido da possibilidade de emprego da tarifa extrafiscal, afastando o seu caráter fiscal, e conclui que ‘a tarifa especial e o bônus correspondem a um mero regime especial de tarifação, afastando-se seu caráter tributário e, conseqüentemente, as alegações a essa ancilares relativas à necessidade de edição de lei complementar (observando-se aliás que tais elevações de tarifa, como se demonstrará abaixo, sequer se encontram previstas em lei em toda a tradição do direito brasileiro) , de observância do princípio da anterioridade e da proibição do confisco’ (fls. 51/52).
Afirma que foi obedecido o caráter isonômico da tarifação especial instituída pela Medida Provisória em referência, com a introdução das tarifas diferenciadas, ao ‘dar tratamento a categorias de consumidores que não poderiam ser igualadas’ (fls. 52). E, ainda, ‘na atual conjuntura de crise energética no País, o consumo precisa ser reduzido sob pena de faltar energia para todos os consumidores. Há, portanto, mais do que razões suficientes para se estabelecer um tratamento diferenciado entre os consumidores desse produto agora escasso. Justifica-se, portanto, que aquele que consome mais haverá que pagar mais pelo mesmo produto. Até porque, sendo a energia elétrica um bem comum, ou todos poupam, ou quem poupar estará beneficiando o perdulário, o não-solidário. Pergunta-se: é isonômico que, em tempos de escassez de energia elétrica, uma pessoa que utilize 1.000 kwh para aquecer a sua piscina pague o mesmo que o indivíduo que usa tão-somente 75 kwh para acender uma única luz no seu cortiço? Obviamente que não, sob pena de, aí sim, infringir-se o princípio da isonomia’ (fls. 56).
Afasta o requerente as alegações de que a tarifa de energia elétrica teria um caráter negocial, bem como seria matéria sob reserva de lei no direito brasileiro. Concluindo que o “conjunto de atos primários e secundários que sempre disciplinou a fixação unilateral de tarifas pela Administração Pública afasta, à evidência, o alegado caráter negocial da fixação de tarifa. Não é possível, sequer em hipótese, alegar-se que o contrato de geração, fornecimento, distribuição de energia elétrica bem como as relações jurídicas entre consumidores finais e distribuidoras de energia elétrica seriam contrates de natureza privada ou de caráter negocial. Tal alegação, como se demonstrou, vai de encontro a toda a regulamentação da matéria no ordenamento jurídico brasileiro. Caso contrário, seria necessário que fosse revisto e considerado inconstitucional todo o regime de tarifas de energia elétrica ao longo da história do País e sempre sujeito a revisão de tarifas (tal como ora ocorre), sem que alterasse o respectivo contrato‘ (fls. 72).
Afirma que esta Corte, no julgamento do AG 42.854, Relator Ministro Aliomar Baleeiro, considerou que ‘os contratos sobre concessões de serviço público são administrativos, distinguindo-se dos civis pela mutabilidade e pelas ‘cláusulas exorbitantes’ o Estado-cliente não deixa de ser o Estado-príncipe’ (fls. 73).
Cita, ainda, o RE 191.532, em que o STF teria considerado que o reajuste de tarifas seria manifestação de uma politica tarifária (fls. 77).
Assevera, ainda, que ‘a Medida Provisória manifesta nada mais que uma opção em termos de política tarifária. Neste sentido, os arts. 20 e 28 da Medida Provisória em comento, além do art. 9º, §2° da Lei 8.987, vêm justamente corroborar o posicionamento unânime do plenário deste Supremo Tribunal Federal. A instituição de faixas para os consumidores residenciais segue na sua inteireza o dever de proporcionalidade a que se vincula o legislador.
Os arts. 20 e 28 da Medida Provisória disciplinam, respectivamente, a destinação dos valores faturados na aplicação dos percentuais pelas faixas de consumo e a eventual e futura necessidade de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. A constituição de provisão para a cobertura de custos adicionais das concessionárias distribuidoras (art. 20, II) e a futura e eventual reconstituição do equilíbrio econômico-financeiro (art. 28), assim, nada mais que se adaptam à natureza essencialmente mutável existente nos contratos administrativos e, especialmente, nos de concessão (fls. 78).
Aduz, nesse ponto, que, verbis (fls. 80):
‘a existência de faixas diversas de consumo de energia elétrica se coaduna com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal.
Neste ponto, parece claro que, se o Poder Concedente pode alterar o contrato, impondo novos ônus à Concessionária, desde que mantido o equilíbrio econômico-financeiro, e se, ao mesmo tempo, a forma de recomposição do equilíbrio nos termos da Lei de Concessões se dá por meio de reajuste ou revisão tarifária, torna-se evidente que o usuário nenhum direito possui a manter vigentes quaisquer níveis tarifários, não cabendo falar, portanto, em direito adquirido a determinada tarifa’ (fls. 80).
Conclui o requerente que, ‘em verdade, o caráter compulsório (e não negociai) do pagamento da tarifa não a transforma em tributo e está sempre presente na fixação de tarifas pela prestação de serviços públicos concedidos a terceiros. Caso assim não fosse, sequer existiriam tarifas públicas e somente haveria tributos a remunerar serviços públicos concedidos. O absurdo da conclusão reforça a precariedade da alegação’ (fls. 85).
Ressalta o requerente que se afigura impertinente qualquer tentativa de vinculação das disposições da Medida Provisória em referência à violação ao direito de propriedade (fls. 85).
Igualmente, afasta as alegações de que a Medida Provisória n° 2.152-2 teria imposto uma dupla punição àqueles usuários que não observarem os parâmetros nela fixados (fls. 89).
No que diz respeito a alegação de violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, sustenta o requerente que ‘tais princípios aplicam-se aos processos judiciais e administrativos, nunca à imposição de tarifa especial ou à suspensão do fornecimento de energia elétrica. No Brasil, a elevação de tarifas sempre ocorreu por meio de atos auto-executórios, sem que fossem observados aqueles princípios’ (fls. 96).
No que se refere às alegações de violação ao Código de Defesa do Consumidor, afirma o requerente o seguinte (fls. 99):
‘A declaração de inconstitucionalidade do art. 25 da Medida Provisória n° 2.148-1 foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.463. Referida disposição restou alterada com a edição da Medida Provisória nº 2.152-2, passando a viger com a seguinte redação:
‘Art. 25. Às relações decorrentes desta Medida Provisória entre pessoas jurídicas ou consumidores não-residenciais e concessionárias aplicam-se as disposições do Código Civil e do Código de Processo Civil.’
Não obstante, verifica-se que a controvérsia quanto a suposta violação ao Código de Defesa do Consumidor remanesce, em determinadas decisões, quanto a outras disposições da Medida Provisória n° 2.152-2, em especial quanto aquelas que cuidam das metas de consumo, das tarifas especiais e da suspensão do fornecimento de energia elétrica. Em decisão proferida na Justiça Federal do Rio de Janeiro, por exemplo, apontou-se expressamente que ‘as normas constantes dos arts. 13, 14 e 15 da Medida Provisória, em um juízo preliminar, violam os preceitos constitucionais pois não cumprem a determinação constitucional de proteção ao consumidor’ (Ação Ordinária nº 2001.51.01.008.058-4 – decisão acima transcrita). Note-se as medidas que constavam naquelas disposições (meta de consumo, tarifa especial e suspensão do fornecimento) permanecem – igualmente nos arts. 13, 14 e 15 – na atual Medida Provisória nº 2.152-2’.
Afirma que as disposições constitucionais relativas à defesa do consumidor, previstas no art. 5º,inciso XXXII e art. 170, inciso V, da Constituição Federal, ‘consubstanciam verdadeiras garantias institucionais, isto é, cláusulas que conferem ao legislador ampla autorização para conformação de institutos jurídicos. Assim, o que as cláusulas constitucionais instituem não ê um específico modelo jurídico de proteção ao consumidor, mas antes e tão-somente um dever de editar normação que contemple as relações de consumo. Com isso, quer-se significar que compete à legislação infraconstitucional estabelecer a concreta disciplina jurídica das relações de consumo, uma vez que o texto constitucional não adotou modelo particular algum. Ao afirmar que o Estado reconhecerá como princípio e promoverá a defesa do consumidor, já estaria o texto constitucional a determinar a edição de normas infraconstitucionais que ofereceriam exatamente uma proteção. Nada obstante (e para eliminar quaisquer dúvidas que ainda houvesse sobre a matéria), assentou a Carta Magna evidente reserva legal a que submetida tal cláusula por meio do emprego, no inciso XXXII do art. 4o da Constituição Federal, da clássica expressão ‘na forma da lei’ (fls. 100).
Concluindo que ‘parece evidente, destarte, que a previsão constitucional de defesa do consumidor encontra-se sujeita – e mesmo exige – disciplina infraconstitucional que defina seus conteúdos concretos e limites efetivos, afigurando-se absolutamente despicienda a tentativa de conferir-lhe caráter absoluto’ (fls. 101).
Afirma o requerente, ainda, existir uma incompreensão do status jurídico do Código de Defesa do Consumidor, pelas decisões que concluem restarem violados dispositivos constitucionais que prevêem a proteção do consumidor (fls. 102).
Assevera que o aludido Código possui ‘status de mera lei ordinária e, em virtude do seu caráter institucional ou suscetível de conformação infraconstitucional acima referido, encontra-se disciplinado pela Lei n° 8.078, de 1990. Parece evidente, destarte que tal norma encontra-se sujeita a alteração por medida provisória e assim já se deu inúmeras vezes no passado’’(fls. 101).
Sustenta, ainda, que os referidos pronunciamentos judiciais incorrem em outro equivoco ao pretenderem ‘conferir ao Código de Defesa do Consumidor o status constitucional que ele não possui, transformando-o em verdadeira distorção da melhor doutrina constitucional, em um impróprio parâmetro de controle de constitucionalidade da Medida Provisória impugnada. Uma tal fraude é perpetrada pela tentativa de fundir as concretas disposições da Lei n° 8.078, de 1990, com as disposições constitucionais que consagram a garantia institucional da defesa do consumidor, conferindo ao modelo instituído pela norma legal – um modelo alternativo entre incontáveis outros igualmente possíveis e compatíveis com a proteção constitucional do consumidor – uma ilegítima inexorabilidade supostamente decorrente da Constituição Federal. Tal prática é juridicamente insustentável. Fundamentalmente, incorre-se no erro crasso de presumir válida a altamente problemática interpretação da Constituição conforme o disposto em lei ordinária e não antes a interpretação da lei em conformidade com a Constituição, ignorando-se a supremacia da Constituição’ (fls. 103).
Cita lição de J.J. Gomes Canotilho nesse sentido, bem como ementas de acórdãos do STF em que é afirmada a impossibilidade de ser conhecida alegação de ofensa reflexa ao texto constitucional (ADIMC – 1345/DF, Relator Min. Celso de Mello; ADI 1.653-DF, Rel. Min. Moreira Alves; ADIMC 1585/DF, Relator Min. Sepúlveda Pertence e ADIMC 1.154/DF, Relator Min. Francisco Rezek).
Afirma, ainda, existir equivoco hermenêutico das impugnações, relacionados à incompreensão do âmbito normativo das disposições constitucionais, devendo ser reconhecida ‘a existência de um contexto factual específico (o acima exposto âmbito da norma) a legitimar e qualificar de modo verdadeiramente diferenciado o adequado juízo de constitucionalidade da norma impugnada em face dos preceitos constitucionais invocados – fato absolutamente ignorado naqueles pronunciamentos contrários aos mecanismos estabelecidos na Medida Provisória nº 2.152-2’ (fls. 110).
Sustenta o requerente que, tendo em conta o ‘âmbito normativo exposto, desfaz-se, definitiva e integralmente, a alegada violação aos arts. 5º, XXXII e LIV, e 170, V, da Constituição Federal’ (fls. 110), tendo em conta promover a referida Medida Provisória ‘a defesa do consumidor em condições de escassez, pois, por meio do racionamento, promove, sob um nível de consumo menor, a utilização racional, universal e contínua de um bem, no momento, escasso’ (fls. 111).
Finalmente, no que se refere ao princípio da proporcionalidade, na sua relação com a possibilidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica, conclui o seguinte (fls. 122):
‘Quanto à adequação, cabe assinalar que o mecanismo básico de redução do consumo é o atingimento da meta. Em relação aos consumidores residenciais, caso esta meta não seja alcançada, proceder-se-á, (na primeira inobservância e em níveis elevados de consumo, à cobrança da tarifa especial) e a partir da segunda inobservância, a cortes que variarão de três a seis dias.
A suspensão do fornecimento de energia elétrica busca a redução compulsória do consumo. Caso o consumidor residencial insista em não se adequar à meta estabelecida, a suspensão do fornecimento buscará justamente evitar que este consumo excessivo se manifeste nos níveis gerais de redução do consumo, trazendo, assim, riscos para todos os consumidores, mesmo aqueles que permaneceram nas metas instituídas – de um colapso no sistema.’
E, às fls. 123, quanto ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito
‘deve-se observar o que se contrapõe à opção de promover a suspensão no fornecimento de energia elétrica: o colapso do sistema. Desta maneira, um exame de ponderação exige que se perceba se o grau de restrição a um direito fundamental (suspensão no fornecimento) e a realização do que se contrapõe a esta restrição (o colapso do sistema).
Evidentemente, e não pode haver qualquer dúvida quanto a isso, o corte é menos gravoso que o colapso no sistema. O procedimento da ponderação, como análise da eficiência que se quer buscar com determinada medida, impõe que se analise a relação custo/beneficio. A suspensão do fornecimento é meio bem mais eficaz que a aposta no colapso do sistema, porque aqui se confrontam, como já foi demonstrado, o fornecimento de um bem de modo inadequado e o seu não fornecimento, seja pela sua inexistência, seja pela sua grande escassez’.
Pede, por fim, a imediata concessão de medida liminar, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, até o julgamento definitivo da presente ação para, verbis (fls. 126):
‘(a) sustar a prolação de qualquer decisão, cautelar, liminar ou de mérito e a concessão de tutelas antecipadas, que impeça ou afaste a eficácia dos arts. 14, 15, 16, 17 e 18 da Medida Provisória n° 2.152-2, de 1º de junho de 2001;
(b) suspender, com eficácia ex tunc, os efeitos de quaisquer decisões, cautelares, liminares ou de mérito e a concessão de tutelas antecipadas, que tenham afastado a aplicação dos preceitos da citada Medida Provisória’.
Às fls. 254/255, a União Federal requereu a juntada de cópia das seguintes decisões judiciais, ‘aptas a renovar a comprovação da controvérsia judicial’:
– decisão do Juiz Federal Substituto da 18a Vara Federal do Rio de Janeiro, concedendo tutela antecipada para que a União Federal, a ANEEL e a Light se abstenham de suspender o fornecimento de energia elétrica aos consumidores autores da ação ordinária, ’bem como de impor-lhes as sobretarifas, seja de 50%, seja de 200%, tudo conforme as Medidas Provisórias n°s 2.148-1, de 22 de maio de 2001 e 2.152 de 1º de junho de 2001, sob pena de incorrerem, solidariamente, em multa diária no valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais), por autor’ (fls. 257/271);
– decisão do Presidente do Tribunal Regional Federal da 2a Região, suspendendo os efeitos de decisão do Juízo Federal da 27ª Vara Federal do Rio de janeiro (fls.272/277);
– decisão do Presidente do Tribunal Regional Federal da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro (fls. 278/282);
– decisão do Presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, concedendo suspensão da tutela concedida pelo Juiz da 7ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, nos autos da Ação Civil Pública nº 2001.81.0010447-7, que declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do art. 25 da Medida Provisória nº 2.148-1, bem como da Resolução nº 4, de 22 de maio de 2001, da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (fls. 283/286);
– decisão do Presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, suspendendo antecipação dos efeitos da tutela concedida pelo Juiz da 2ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, que sustou a execução de ‘ações tendentes a interromper o fornecimento de energia aos consumidores residenciais situados no Estado do Rio Grande do Norte’ (fls. 287/288).
Às fls. 291/322, o Partido Comunista do Brasil – PC do B, o Partido dos Trabalhadores – PT, o Partido Democrático Trabalhista – PDT e o Partido Socialista Brasileiro – PSB, com base no § 2o do art. 7° e § 1o do art. 20 da Lei n° 9.868, de 10/11/1999, apresentam petição em que requerem seja a presente ADC não-conhecida, indeferida a liminar pleiteada, assim como seja julgado improcedente o seu mérito, em síntese, nestes termos:
– o não preenchimento dos pressupostos de admissibilidade da ação direta de constitucionalidade, uma vez que não foi demonstrado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República a controvérsia judicial relativa à Medida Provisória n° 2.152-2, pois foram trazidas aos autos tão-só 5 (cinco) decisões relativas a revogada Medida Provisória 2.148-1, de 22 de maio de 2001 (294/298);
– a inconstitucionalidade da suspensão de fornecimento de energia elétrica, prevista nos §§ 2a e 4o do art. 14, §§ 3o e 4o do art. 16 e nos §§ 1o e 2o do art. 18, da Medida Provisória n° 2.152-2 2/2001, em face do inciso LV, do art. 5o da Constituição Federal, por não ser assegurada a oportunidade de ‘o cidadão ou a pessoa jurídica possa aduzir razões pelas quais não foi possível cumprir a imposição legal, até mesmo para que se eliminem quaisquer hipóteses excludentes de responsabilidade, proporcionando-se os meios de comprovação do que venha a ser alegado’ (fls.301).
– a inconstitucional idade do regime especial de tarifação – prevista nos arts. 13, e incisos I, II e III do art. 15 da Medida Provisória n° 2.152-2, de 1o de junho de 2001 – tendo em vista que ‘a ausência de instrumentos tributários específicos a casos emergenciais de contingenciamento de bens de consumo em razão de sua escassez não autoriza o Chefe do Poder Executivo a se valer de instrumentos anômalos à Constituição’ (fls. 321).
Em nova petição, datada de 25/06/2001, a União Federal, asseverando que ‘outras e ainda mais expressivas decisões agravaram a controvérsia judicial já instalada e pronunciaram-se, em distintos sentidos, sobre todos os dispositivos que constituem o objeto da Ação Declaratória de Constitucionalidade epigrafada’, requereu a juntada de cópia das seguintes decisões judiciais, ‘aptas a renovar a comprovação da controvérsia judicial’:
– decisão do Juiz da 2a Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba, nos autos da Ação Civil Pública n° 2001.82.3551-0, suspendendo o corte de fornecimento de energia elétrica e a cobrança de tarifa especial. Referida decisão alcança todos os usuários do Estado da Paraíba que não observem as condições de racionamento;
– concessão de suspensão de segurança por parte do Presidente do Tribunal Regional Federal da 5a Região, da decisão supra referida. Tal ’suspensão de liminar viu-se concedida por meio de extensão dos efeitos de suspensão anterior deferida em face da antecipação de tutela concedida
pela 7a Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará deferida na Ação Civil Pública n° 2001.81.00.10447-4 e acima noticiada (PETPR n° 3138/CE)’;
– liminar concedida pela 11a Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro na Ação Civil Pública n° 2001.51.01.008985-0, em que o Município de Paracambi impugna a legitimidade dos artigos 14, 15, 16, 17, 18 e 19 da Medida Provisória n° 2.152-2, de 1o de junho de 2001, alcançando, na área abrangente do referido Município, os consumidores de energia elétrica residenciais, comerciais e industriais e também os serviços de iluminação pública. Essa decisão enfrentou a matéria constitucional e afastou a aplicação de todos os artigos objeto da presente Ação Declaratória;
– decisão proferida na Ação Civil Pública proposta pela Associação Nacional de Assistência ao Consumidor e Trabalhador – ANACONT (Processo n° 2001.51.01.008049-3) em que se proferiu decisão em que, afirmando a violação de garantias fundamentais e do princípio da proporcionalidade, afastou a aplicação dos artigos 14 e 15 da MP n° 2.152-2/2001, e das que porventura venham a sucedê- la;
– decisão na Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público estadual do Rio de Janeiro (Processo n° 21.945), no Juízo de Direito da 2a Vara Cível da Comarca de Barra Mansa, vedando o corte e a cobrança da tarifa especial, bem como conferindo efeito erga omnes.
Dentre outras, asseverou que ‘existem 187 ações protocoladas em que se discutia a legitimidade do Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica, verificando-se 51 liminares concedidas em desfavor da presunção de constitucionalidade da Medida Provisória n°2.152-2, de 2001,16 liminares denegadas e 5 liminares suspensas’. Destaca que, ‘no mesmo passo, as decisões que, em ações civis públicas, conferiram eficácia nacional à suspensão da Medida Provisória n° 2.152-2, de 2001, revelam- se aptas a elidir a presunção de constitucionalidade do citado Diploma’.”
Esta Corte, nas sessões plenárias de 27 e 28 de junho de 2001, por maioria, deferiu a medida cautelar nestes termos (fls. 489)
“Decisão: Após o relatório e a sustentação oral do Dr.Gilmar Ferreira Mendes, Advogado-Geral da União, o julgamento foi adiado em virtude do adiantado da hora, para prosseguimento na próxima sessão. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Ilmar Galvão. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 27.6.2001.
Decisão: O Tribunal, preliminarmente e a uma só voz, admitiu a Ação Declaratória de Constitucionalidade. O Tribunal, por maioria de votos, deferiu a cautelar, para suspender, com eficácia ex tunc, e com efeito vinculante, até final julgamento da ação, a prolação de qualquer decisão que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade dos artigos 14 a 18 da Medida Provisória n° 2.152-2, de 1o de junho de 2001, vencidos os Senhores Ministros Relator (Ministro Néri da Silveira) e o Presidente (Ministro Marco Aurélio), que indeferiam a cautelar. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro limar Galvão. Plenário, 28.6.2001.”
Tendo em conta o disposto na última parte do parágrafo único, do artigo 21 da Lei n° 9.868/1999, determinei fosse dada vista dos autos ao Dr. Procurador-Geral da República (art. 19, da Lei n° 9.868/1999), independentemente de publicação do acórdão que deferiu a medida cautelar (fls. 581).
A Procuradoria-Geral da República, em parecer de seu titular, Professor Geraldo Brindeiro, opinou no sentido de ser conhecida e julgada procedente a presente ação, “para que seja declarada a constitucionalidade dos arts. 14 a 18 da Medida Provisória n° 2.198-5, de 24 de agosto de 2001, que convalidou os atos praticados com base nas medidas provisórias anteriores (até a Medida Provisória n° 2.152-2, de 1o de junho de 2001), com eficácia contra todos e eficácia vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, na forma do disposto no §2o do art. 102 da Constituição da República” (fls. 583/594).
É o relatório, do qual a Secretaria, nos termos do art. 172 do Regimento Interno, distribuirá cópia aos Senhores Ministros.
VOTO
O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA (RELATOR): – Relativamente aos pressupostos de conhecimento da presente ação declaratória de constitucionalidade, esta Corte já os examinou, na assentada de 28 de junho do ano em curso, quando julgou o pedido de liminar, que, por maioria, de votos, foi deferido. Reconheceu-se a existência de controvérsia judicial em torno da constitucionalidade das normas, objeto da inicial, bem assim dos requisitos de urgência e relevância para a edição da Medida Provisória questionada.
Registro, além disso, introdutoriamente, que, após o julgamento da cautelar, em 28.6.2001, o autor requereu o aditamento da inicial, nas sucessivas reedições da Medida Provisória n° 2.152, de 1o.6.2001, o que sucedeu, por intermédio das Medidas Provisórias nºs 2.198-3, de 28.6.2001 (fls. 501/502); 2.198-4, de 27.7.2001 (fls. 508/509); 2.198-5, de 24.8.2001 (fls. 513/514). As petições respectivas estão às fls. 500, 507 e 576, sendo a última protocolizada a 24.9.2001.
De outra parte, a Emenda Constitucional n° 32, de 11.09.2001, de que alterou os arts. 48, 57, 61, 62, 64, 66, 84, 88 e 246 da Constituição Federal, dispondo, dentre outros, sobre medidas provisórias, em seu art. 1o, onde deu nova redação ao art. 62, nele introduzindo parágrafos, estipulou, no art. 2o, verbis:
“Art. 2º – As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.”
No caso concreto, a Medida Provisória n° 2.198-5, de 24.08.2001, última resultante de reedições da Medida Provisória n° 2.152, de 1o.6.2001, objeto da inicial e da decisão desta Corte, na sessão de 28.6.2001, no que concerne à liminar nesta ação declaratória de constitucionalidade, encontra-se em vigor, porque não revogada por medida provisória ulterior, nem a seu respeito deliberou o Congresso Nacional.
Encontra-se, destarte, a ação em condições de merecer o julgamento definitivo do Tribunal, em seu mérito.
2. Na sessão de 28.6.2001, ao apreciar o pedido de cautelar, todos os membros deste Plenário proferiram votos fundamentados, em torno dos pontos básicos que compõem o objeto desta demanda declaratória de constitucionalidade dos arts. 14 a 18, da Medida Provisória n° 2.152-2, de 1o de junho do corrente ano, reeditada, atualmente, sob Medida Provisória n° 2.198-5, de 24 de agosto de 2001.
Pela significação e complexidade da matéria, houve por bem a Corte não se restringir ao simples exame dos pressupostos ao deferimento, ou não, da medida cautelar, ampliando, todavia, a análise da espécie, mediante detida apreciação dos temas na perspectiva de mérito, quanto à constitucionalidade dos dispositivos em referência (arts. 14 a 18).
3. Pois bem, o Dr. Procurador-Geral da República, pronunciou-se, a 29 de novembro passado, sobre esta ação declaratória de constitucionalidade.
Anota, às fls. 588:
“11. De inicio, cumpre ressaltar que a decisão da medida cautelar foi publicada no Diário Oficial da União no dia 09.08.2001. O art. 21, parágrafo único, da Lei n° 9.868/99, preceitua: ‘Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva, no prazo de 10 (dez) dias, devendo o Tribunal proceder ao julgamento da ação prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de perda de sua eficácia’. Assim sendo, revela- se oportuno o julgamento definitivo da presente ação até o final do corrente ano judiciário.
12. Cabe destacar, ademais, que a Medida Provisória n° 2.152-2, de 1o de junho de 2001, objeto da presente ação declaratória de constitucionalidade, encontra-se, atualmente, reeditada sob o n° 2.198-5, de 28 de agosto de 2001, permanecendo inalterados os arts. 14 a 18 (fls. 577/579).”
Sobre o mérito da ação, manifestou-se o Dr. Procurador- Geral da República, às fls. 590/594, nestes termos:
“20. No mérito, entendo que deve ser julgado procedente o pedido deduzido na presente ação, para declarar a constitucionalidade, com efeito vinculante e eficácia contra todos, relativamente
aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, dos artigos 14 a 18 da Medida Provisória n° 2.198-5, de 24 de agosto de 2001 (que convalidou a MP n° 2.152-2, de 1º de junho de 2001) – que estabelecem metas de consumo de energia elétrica, prevendo a suspensão do fornecimento em caso de descumprimento e a cobrança de tarifa especial aos consumidores que ultrapassarem suas metas.
21. O Programa Emergencial de Redução de Consumo de Energia Elétrica foi idealizado e vem sendo implementado – diga-se, com sucesso – com assento em três premissas básicas, a saber: 1) a fixação de metas de consumo decorrentes da atual situação hidrológica critica; 2) o pagamento de tarifa especial por aqueles que ultrapassarem a respectiva meta; e 3) a suspensão do fornecimento de energia elétrica na hipótese de descumprimento reincidente da meta. Com efeito, o referido programa consiste ‘em uma clara opção pela gestão autônoma e individual de um esforço nacional de redução do consumo de energia elétrica, afirmando-se a subsidiariedade das medidas compulsórias para o fim de assegurar a indispensável redução do consumo tão- somente se inoperante sua promoção voluntária’ (fls. 36).
22. A atual condição hidrológica dos reserva tórios que cuidam do fornecimento de energia elétrica, como já salientado, é crítica e preocupante. Prescreve o art. 21, XVIII, da Carta Magna, que compete à União ‘planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações’. Neste sentido, é que se encontra plenamente justificada a adoção de programa de racionalização de consumo de energia. A prestação de serviço público adequado, e ainda, a proteção contra o colapso do sistema consagram outros dois dispositivos constitucionais, quais sejam:
“Art. 5º – (…)
(…)
XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.
(…)
“Art. 175 – Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre:
(…)
II – os direitos do usuário.”
23. Não resta dúvida de que a intenção, ao editar a medida provisória já citada, foi de evitar possível colapso protegendo, portanto, os usuários (consumidores) de relevante serviço.
24. Está plenamente demonstrada, em face da crise de energia elétrica, a proporcionalidade e a razoabilidade das medidas tomadas. Há adequação e necessidade nas regras impostas pela aludida medida provisória. Como bem destacou o ilustre requerente na inicial ‘no que loca à relação de custo-benefício, é melhor que se estabeleçam metas, que se institua a tarifa adicional, que se proceda à suspensão temporária do fornecimento de energia elétrica do que se sujeite a sociedade brasileira ao risco do colapso não controlado, cujos prejuízos são incomensuráveis’ (fls.119). A progressividade das medidas coercitivas revela, inequivocamente, a adoção de medidas menos onerosas, consagrando a razoabilidade e proporcionalidade do programa. Ressalte-se, por oportuno, que o programa preserva situações excepcionais (v.g. hospitais), o que mais uma vez demonstra à saciedade o seu caráter razoável.
25. No Direito Constitucional Americano o conceito de razoabilidade (reasonableness) desenvolveu-se paralelamente ao de devido processo legal (due process of law) . A moderna teoria constitucional preocupa-se em distinguir o que é razoável do simplesmente lógico ou racional, distinção percebida há muito pelo Justice HOLMES, visão reconhecida nas teorias dialéticas de RECASÉNS SICHES e MIGUEL REALE, que procuram dar o necessário conteúdo valorativo às decisões e ao processo jurídico e judicial. A cláusula do devido processo legal, introduzida em 1789 pela 5a Emenda à Constituição Americana e estendida aos Estados pela 14° Emenda, refere-se, numa primeira fase, apenas a garantias de natureza processual propriamente ditas relativas a orderly proceedings. Segundo sua concepção originária e adjetiva, não visava questionar a substância ou o conteúdo dos atos do Poder Público, mas sim assegurar o direito a um processo regular e justo. A partir de 1890, todavia, a Suprema Corte, por meio de construção jurisprudencial (construction) e baseando-se em critérios de razoabilidade (reasonableness), conferiu ao princípio o sentido de proteção substantiva dos direitos e liberdades civis assegurados no Bill of Rights e passou a promover a proteção dos direitos fundamentais contra ação irrazoável e arbitrária (protection from arbitrary and unreasonable action). E, como observou o Justice HARLAN no caso Griswold v. Connecticut, 381, US 479 (1965), o conceito do devido processo legal não pode ser reduzido a uma fórmula ou referência a um código: tem representado o equilíbrio desenvolvido pela jurisprudência da Corte entre os postulados do respeito à liberdade do individuo e os imperativos da sociedade organizada (“’Due proces’ has not been reduced to any formula: its contente cannot be determined by reference to any code. The best that can be said is that through the course of this Court’s decisions it has represented the balance which our Nation, built upon postulates of respect for the liberty of the individual, has struck between that liberty and the demands of organized society“).
26. Parecem-me razoáveis as medidas adotadas pelo governo central a fim de amenizar o problema instaurado, qual seja, a crise energética. A razoabilídade das restrições estabelecidas pelo diploma com força de lei, pois, encontra amparo na própria Constituição, tendo em vista a natureza da causa e o interesse público.
27. Por outro lado, cabe evidenciar que a tarifa especial não constitui tributo, mas sim espécie de preço público. É contraprestação destinada a remunerar as pessoas jurídicas de direito privado (concessionárias ou permissionárias) que exploram os serviços de energia elétrica.
28. Ressalte-se que a tarifa cobrada pelo fornecimento de energia elétrica, por expressa determinação da medida provisória, destina-se a remunerar os custos das concessionárias; redistribuir, de modo isonômico, o bônus previsto aos consumidores que poupam; e, ainda, compensar revisões tarifárias. Destina-se, pois, a remunerar a atividade privada de exploração do fornecimento de energia elétrica, e não a Fazenda Pública, como é inerente aos tributos em geral.
29. Saliente-se, ademais, que a tarifa é preço público de natureza política, permitindo, por conseguinte, a adoção de um regime especial de tarifação com vistas a desestimular o consumo de energia elétrica, nos termos do art. 175, parágrafo único, III, da Constituição Federal, que dispõe verbis:
“Art. 175 – Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre:
(…)
III – politica tarifária.”
30. Não se trata, como visto, de novo tributo – que só poderia ser instituído por lei complementar – ou uma sanção pecuniária por descumprimento de determinação administrativa. Efetivamente, a tarifa especial e o bônus correspondem a um regime especial de tarifação, restando afastado seu caráter tributário. Também não se cuida de empréstimo compulsório, instituído sem lei complementar e sem previsão para devolução.
31. Por derradeiro, observe-se que esse Excelso Pretório já legitimou, em outra oportunidade, o corte no fornecimento de energia elétrica, como se extrai do seguinte aresto:
“ENERGIA ELÉTRICA – RACIONAMENTO DEVIDO A ESCASSEZ DE ENERGIA.
Ausência de direito liquido e certo para compelir a concessionária a consentir no aumento de consumo. Recurso de mandado de segurança não provido” (RMS 16.094-MG, Rel. Min. EVANDRO LINS E SILVA, DJ 27/05/66, p. 1786).
32. A controvérsia que se instaurou a partir de inúmeras decisões judiciais, pois, deve ser superada pelo exercido da jurisdição constitucional desta Excelsa Corte, com eficácia erga. omnes e efeito vinculante relativamente a todos os órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo, declarando a constitucionalidade dos dispositivos já citados.
33. Destarte, forçoso concluir que não há, num exame mais acurado e de cognição exauriente, razão para se modificar o entendimento esposado por esse Excelso Pretório quando do julgamento da medida cautelar.
34. Ante o exposto, opino pelo conhecimento da presente ação direta de constitucionalidade, porquanto demonstrada a controvérsia judicial relevante acerca da questão ora posta, e, no mérito, pela procedência do pedido deduzido na peça inicial, para que seja declarada a constitucionalidade dos arts. 14 a 18 da Medida Provisória n° 2.198-5, de 24 de agosto de 2001, que convalidou os atos praticados com base nas medidas provisórias anteriores (até a Medida Provisória n° 2.152-2, de 1o de junho de 2001), com eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, na forma do disposto no § 2o do art. 102 da Constituição da República.”
4. Decerto, a Medida Provisória que criou a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, do Conselho de Governo, estabelecendo diretrizes “para programas de enfrentamento da crise de energia elétrica”, no País, pode ser visualizada, em sua compreensão, em dois planos distintos. De um lado, colima propor e implementar um complexo de atos, formal e materialmente, de índole governamental, como medidas de natureza emergencial decorrentes da situação hidrológica critica “para compatibilizar a demanda e a oferta de energia elétrica, de forma a evitar interrupções intempestivas ou imprevistas do suprimento de energia elétrica”, articulando-se, nesse sentido, os Poderes da União e dos demais entes federados com a finalidade de “implantação de programas de enfrentamento da crise de energia elétrica, bem assim disciplinando-se as medidas para a superação da crise de energia em programas de curto, médio e longo prazos que deverão seguir as diretrizes estabelecidas na Medida Provisória, objeto da ação, nas reedições. Para a execução do Programa Emergencial de Redução do consumo de Energia Elétrica, prevê-se, no diploma em exame (art. 5o, § 1o, e incisos), que à Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica competirá, dentre outros: “otimizar o consumo de energia, priorizando setores estratégicos; deflagrar campanhas educativas com vistas a conscientizar a população para a necessidade da redução do consumo de energia; estimular a imediata substituição de aparatos, equipamentos e instalações tecnologicamente superadas, em seus níveis de consumo energético; estimular a autoprodução e a produção independente de energia; definir condições específicas de comercialização de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados, bem como entre estes e os consumidores, objetivando a ampliação da oferta ou redução do consumo; estabelecer negociações com setores específicos de consumidores para maior economia de consumo de energia elétrica; estabelecer procedimentos específicos para funcionamento do Mercado Atacadista de Energia Elétrica – MAE em situações de emergência; estabelecer diretrizes para as ações de comunicação social dos órgãos e entidades do setor energético, visando a adequada divulgação dos programas de que trata a Medida Provisória em análise.
Todo esse complexo de medidas e providências tem a marca dos atos de gestão e administração que ao Governo cabe conceber e implementar na solução de problemas que dizem imediatamente com os fins próprios da Administração Pública a quem cabe, de forma preponderante, a promoção de políticas concernentes ao desenvolvimento do País e ao bem-estar do povo.
Nesse plano de atos de Governo, a Medida Provisória aludida, ainda em vigor, não diz, imediatamente, com restrições a direitos dos cidadãos ou de pessoas jurídicas de direito privado, nem lhes impõe gravames de natureza pecuniária.
O segundo plano de compreensão da Medida Provisória, objeto da inicial, concerne precisamente aos aspectos, por último, referidos, atingindo e limitando o exercício de direitos e gerando, destarte, a situação de tensão entre o poder do Estado e a liberdade e direitos dos indivíduos.
As disposições – da Medida Provisória – concernentes aos âmbito da ação governamental prevendo e provendo acerca de medidas estritamente de Governo, na solução da crise energética, estão fora do debate que funda a controvérsia constitucional deduzida nos autos. E certo que esta Corte vem processando ação cível originária aforada por um dos Estados-membros da Federação (Ação Cível Originária n° 615-5 – RJ) em que se pretende seja a União Federal responsabilizada civilmente (CF, art. 37, § 6o) pelos danos, que sustenta resultarem aos interesses do Estado, em razão da crise energética a que se refere a Medida Provisória. Cuida-se, ai, todavia, de controvérsia de Índole diversa, a qual a Corte julgará, em processo de caráter subjetivo, entre as referidas partes.
Faço, neste ensejo, a distinção acima deduzida, porque entendo que o Poder Judiciário e esta Corte, em especial, não há de ser insensível aos problemas administrativos do País, e às providências e medidas que, nesse âmbito da ação de governo, são adotadas para enfrentar crises que, de uma ou de outra forma, possam atingir os interesses gerais da coletividade e do desenvolvimento nacional.
5. De outra parte, não é essa compreensão incompatível com a missão do juiz e, notadamente, do juiz desta Corte, a qual recebe da Constituição o encargo maior de ser guarda e intérprete do Pacto Fundamental da República, que sobrepaira a qualquer plano de governo, por mais relevante e meritório seja.
Foi nessa perspectiva que examinei, na sessão de 28 de junho deste ano, a Medida Provisória n° 2.152-2, de 1o.6.2001, quanto a seus arts. 14 a 18. Fiquei, é certo, vencido, em companhia do ilustre Ministro Presidente.
6. Reexaminei a mesma matéria, para o presente julgamento final. Vou pedir licença aos ilustres membros do Tribunal, que compuseram a maioria ao conceder a medida cautelar, para manter o entendimento que dei, à luz da Constituição, aos arts. 14 a 18, da Medida Provisória em exame, hoje sob o n° 2.198-5, de 24.8.2001.
Passo, assim, a examinar, quanto à presente ação declaratória de constitucionalidade da Medida Provisória n° 2152/2001, o mérito da ação.
7. A Medida Provisória n° 2152-2, de 1o de junho de 2001, cria e instala a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica – GCE, com o objetivo de propor e implementar medidas de natureza emergencial decorrentes da atual situação hidrológica crítica, para compatibilizar a demanda e a oferta de energia elétrica, de forma a evitar interrupções intempestivas ou imprevistas do suprimento de energia elétrica (art. 1o). O diploma confere a esse órgão do Conselho de Governo, além de outras competências enumeradas no art. 2o, acima referidas, que compõem o conjunto de medidas administrativas enquanto atos de Governo, as atribuições de “estabelecer limites de uso e fornecimento de energia elétrica, e medidas compulsórias de redução do consumo e de suspensão ou interrupção do fornecimento de energia elétrica, bem como decidir quanto à implantação de racionamento e suspensão individual e coletiva do fornecimento de energia elétrica” (art. 2o, VI, VII e IX). Consoante o art. 5o, V e VI, da Medida Provisória em exame, à GCE competirá também “fixar regimes especiais de tarifação ao consumidor segundo os seus níveis e limites de consumo, bem como propiciar a concessão de bônus por consumo reduzido de energia elétrica”, além de “estabelecer limites de uso e fornecimento de energia“.
Na compreensão do Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica, – a ser administrado pela Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, do Conselho de Governo, presidida pelo Chefe da Casa Civil da Presidência da República (art. 3o, I), estão, a teor do art. 13, os regimes especiais de tarifação, os limites de uso e fornecimento de energia elétrica e as medidas para redução de seu consumo, descritas no Capítulo II.
A Medida Provisória n° 2152-2, de 1o. 6.2001, define meta de consumo de energia elétrica, a ser observada pelos consumidores residenciais, comerciais, industriais, do setor de serviços e outras atividades enquadrados nos Grupos B e A constantes dos incisos XXIII e XXII do art. 2o da Resolução ANEEL n° 456, de 2000, e, ainda, dos consumidores rurais, como resulta de seus arts.14, 16, 17 e 18, assentando-se, no art. 19, que a GCE fixará as metas respectivas para os consumidores não mencionados nos artigos anteriores. Para todos os consumidores que descumprirem a respectiva meta fixada, a Medida Provisória prevê a consequência de ficarem sujeitos a suspensão do fornecimento de energia elétrica.
No que respeita aos consumidores residenciais, de acordo com o § 4o do art. 14, a suspensão do fornecimento de energia elétrica a que se refere o § 2º do mesmo artigo do mesmo artigo, observará as seguintes regras:
I) será o consumidor advertido, por escrito, quando da primeira inobservância da meta fixada.
II) reiterada a inobservância da meta, “far-se-á, após quarenta e oito horas da entrega da conta que caracteriza o descumprimento da meta e contiver o aviso respectivo, a suspensão do fornecimento de energia elétrica, que terá a duração:
a) máxima de três dias, quando da primeira suspensão do fornecimento;
b) mínima de quatro dias e máxima de seis dias, nas suspensões subsequentes.”
Confere-se, ainda, no § 5o do mesmo art. 14, à GCE a faculdade de estabelecer prazo e procedimentos diversos na hipótese acima.
Relativamente aos consumidores comerciais, industriais e do setor de serviços e outras atividades enquadrados no Grupo B constante do inciso XXIII do art. 2 o da Resolução ANEEL n° 456, de 2000, caso o consumo mensal seja superior à meta fixada, a parcela do consumo mensal excedente será adquirida junto às concessionárias distribuidoras ao preço praticado no Mercado Atacadista de Energia (MAE) ou compensada com eventual saldo acumulado na forma prevista no § 1o do art. 16 da Medida Provisória em análise. Se, entretanto, não for possível a compensação de que cuida o § 2 o do art. 16, os consumidores que descumpram a meta ficarão sujeitos à suspensão do fornecimento de energia elétrica, sendo, no caso, o critério de aplicação “de um dia para cada três por cento de ultrapassagem da meta”, ut § 3o do mesmo artigo. Reserva-se, também aqui, à GCE “alterar os critérios e parâmetros fixados no art. 16, em razão de eventual modificação da situação hidrológica ou de outras circunstâncias relevantes”. Observar-se-ão, ainda, na suspensão, as regras do art. 21 da Medida Provisória.
No que concerne aos consumidores comerciais, industriais e do setor de serviços e outras atividades enquadrados no Grupo A constante do inciso XXII do art. 2 o da Resolução ANEEL n° 456, de 2000, a GCE disporá, nos termos do art. 17, sobre suspensão e interrupção de fornecimento de energia elétrica decorrente do descumprimento das respectivas metas, atendido ainda o disposto no art. 22.
O § 2º do art. 18, à sua vez, prevê, de referência aos consumidores rurais, que à suspensão de fornecimento de energia elétrica, a que por igual ficam sujeitos, no caso de descumprimento da respectiva meta fixada, será aplicado o critério de “um dia para cada seis por cento de ultrapassagem da meta”.
No que respeita à definição das metas de consumo mensal de energia elétrica, a Medida Provisória n° 2152/2001 leva em conta para todos a média mensal verificada nos meses de maio, junho e julho de 2000, sendo
I) quanto aos consumidores residenciais:
a) cem por cento da média de consumo mensal se inferior a 100 kwh (art. 14, I) ;
b) oitenta por cento da média de consumo mensal, se superior, no período referido, a 100 kwh, garantida, em qualquer caso, a meta mensal mínima de 100 kwh (art. 14 ,II);
II) quanto aos consumidores comerciais, industriais, do setor de serviços e outras atividades enquadrados noGrupo B constante da Resolução ANEEL n° 456, de 2000, art. 2°, XXIII, oitenta por cento da média do consumo mensal verificado no dito período de referência (art. 16, caput);
III) quanto aos consumidores comerciais, industriais e do setor de serviços e outras atividades enquadrados no Grupo A constante da Resolução ANEEL n° 456, de 2000, art. 2o, XXII, percentuais compreendidos entre setenta e cinco e oitenta e cinco por cento da média do consumo mensal observado no períodc acima aludido, na forma estabelecida pela GCE (art. 17);
IV) de referência aos consumidores rurais, noventa por cento da média do consumo mensal indicado no mesmo período (art. 18);
V) relativamente aos consumidores não mencionados nos artigos anteriores, a GCE fixará as respectivas metas de redução de consumo ou de fornecimento de energia elétrica, até o limite de trinta e cinco por cento da média de consumo mensal verificado no período referência, observado o disposto no §4° do art. 14 (art.19).
A Medida Provisória n° 2152/2001, no Capitulo II, estabelece, ainda, regime tarifário aos consumidores residenciais urbanos de energia elétrica, a teor do art. 15 e parágrafos, verbis:
“Art. 15 – Aplicam-se aos consumidores residenciais, a partir de 4 de junho de 2001, as seguintes tarifas:
I – para a parcela do consumo mensal inferior ou igual a 200 Kwh, a tarifa estabelecida em Resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL;
II – para a parcela de consumo mensal superior a 200 Kwh e inferior ou igual a 500 kwh, a tarifa estabelecida em Resolução da ANEEL, acrescida de cinqüenta por cento do respectivo valor;
III – para a parcela do consumo mensal superior a 500 Kwh, a tarifa estabelecida em Resolução da ANEEL, acrescida de duzentos por cento do respectivo valor.
§ 1o – Aos consumidores residenciais cujo consumo mensal seja inferior a respectiva meta conceder-se-á bônus individual (Bn) calculado na seguinte forma: omissis.”
§ 2o – O valor do bônus calculado na forma do §1o não excederá ao da respectiva conta mensal do beneficiário.
§3° – A GCE poderá alterar as tarifas, os níveis e limites de consumo e a forma do cálculo do bônus de que trata este artigo.
§4° – Os percentuais de aumento das tarifas a que se referem os incisos II e III caput não se aplicarão aos consumidores que observarem as respectivas metas de consumo definidas na forma do art. 14.
§5° – Caberá às concessionárias distribuidoras, segundo diretrizes a serem estabelecidas pela GCE, decidir sobre os casos de consumidores residenciais sujeitos a situações excepcionais.”
Dispondo, ainda, sobre a destinação dos valores recolhidos pela aplicação dos percentuais de aumento, estabelecem o art. 20 e seus parágrafos da Medida Provisória n° 2152/2001, verbis:
“Art. 20 – Os valores faturados em decorrência da aplicação dos percentuais de que tratam os incisos II e III do caput do art. 15, deduzidos, se incidentes, os tributos e taxas, serão destinados a:
I – constituir provisão de dois por cento desses valores, para a cobertura dos custos adicionais das concessionárias distribuidoras com a execução das resoluções da GCE;
II – remunerar o bônus previsto no § 1o do art.15.
§ 1o – As concessionárias contabilizarão em conta especial os débitos ou créditos, os valores definidos no caput assim como os custos decorrentes da aplicação das medidas definidas pela GCE, na forma a ser definida pela ANEEL.
§2 o – O saldo da conta especial será compensado integralmente nas tarifas, na forma a ser definida pela ANEEL.”
A denominada tarifa especial, a ser paga pelos consumidores residenciais cujo consumo exceder a meta estabelecida, não se destina, desse modo, à melhoria dos serviços de energia elétrica fornecidos pelas concessionárias, mas, sim, a constituir recursos basicamente destinados à remuneração de bônus àqueles consumidores que houverem reduzido o consumo aquém da meta que lhes foi estipulada.
A faculdade de estabelecer e regular tarifas é considerada, pela doutrina, como atribuição inerente ao poder de policia, alicerçando-se no principio de que o concedente regula todo o serviço público sobre pontos básicos, fixados ou não, desde que não interfiram no direito de propriedade do concessionário, ou do permissionário, que tem proteção constitucional efetiva dentro e fora da lei (Bielsa, Derecho Administrativo, 5a ed., 1955, vol. II, p. 252, nota 71).
Na tarifa há elementos essenciais, que devem estar presentes, caracterizando-a, e que, ausentes, lhe desnaturam a essência. Por sua importância, estão incluídas, entre estes, a igualdade, a certeza e eqüidade, na lição de J. Cretella Júnior, Comentários à Constituição de 1988, 2a ed., vol. VIII, p. 4135.
A igualdade do quanto que cada usuário pagará fundamenta-se no pressuposto jurídico da igualdade impositiva e seu corolário prático, a uniformidade. A certeza dá estabilidade ao instituto, devendo para isso revestir-se de publicidade e de autorização legal. Mediante lei ou regulamento delegado procede-se à fixação das tarifas. A eqüidade de sua determinação é, enfim, o terceiro elemento da tarifa, incluindo-se, aqui, a conveniência, a oportunidade, a razoabilidade, a justiça e a modicidade da remuneração devida pelo usuário.
Nesse sentido, ainda anota Cretella Jr.: “Desempenha, pois, a tarifa duas funções: nas relações entre concessionário e público, a de regular o preço das prestações do serviço; nas relações entre concessionário e concedente, a de regular os termos em que apoia e consente a este a remuneração da sua iniciativa e do capital investido no negocio. Sem um mínimo de garantias na retribuição, ninguém iria tomar sobre os ombros a onerosa responsabilidade jurídico-econômica da exploração de um serviço público” (Op. cit. P. 4136).
A fixação das tarifas representa, pois, ponto do maior relevo na concessão de serviço público. Da fixação depende a estabilidade do concessionário, bem como a própria posição do Estado diante do usuário.
Daí por que a definição de urna política tarifária não pode ser concebida como ato unilateral do Poder Público, à margem do próprio conceito de tarifa pública. Os preços estabelecidos hão de atender ao público e ao concessionário, não prejudicando o primeiro e não sacrificando o segundo, na lição do citado Cretella Jr..
Os princípios fundamentais que regem a matéria podem ser assim enunciados: 1o) do custeio do serviço; 2o) da justa retribuição do capital de acordo com a situação do mercado; 3o) da economia popular. Como anota J. Guimarães Menegale, Direito Administrativo e Ciência da Administração, 3a ed., 1957, p. 434, levando-se em conta esse critério, “é preciso atentar para as despesas de operações, impostos e taxas, com exclusão das taxas de beneficio, para as reservas de depreciação e para a remuneração do capital”.
Bem de ver é, pois, que de tarifa, nomine proprio, aqui não se cuida. De fato, a tarifa, remuneração de serviço, o preço público tem como marca indelével ser contraprestação de serviço, qual bem o anotou Carlos Valder Nascimento (fls. 40). A própria inicial registra: “Em verdade, o Supremo Tribunal Federal, reconhece duas características da tarifa: destinar-se a concessionárias bem como à remuneração dos serviços prestados” (fls. 41).
Com efeito, observou o ilustre Ministro Moreira Alves, no RE 117.315 – RS (RTJ 132/888):
“E essa tarifa é o preço público que corresponde à contraprestação remuneratória por parte do usuário de prestação, pela concessionária, desse serviço público facultativo, o que implica dizer que é da essência dessa tarifa – como preço público que é – ter como destinatário o prestador do serviço, que, com ela, não só tem a justa remuneração de seu capital, mas também dispõe de recursos para o melhoramento e a expansão de seus serviços, bem como tem assegurado o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.
Se é da essência da tarifa – como preço público que é – ter como destinatário o prestador do serviço, que, com ela, não só tem a justa remuneração de seu capital, mas também dispõe de recursos para o melhoramento e a expansão de seus serviços, bem como tem assegurado o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.
Se é da essência da tarifa – como preço público que é – ter como destinatário o prestador do serviço, que dela se torna proprietário para os fins aos quais ela visa por força do texto constitucional referido e então vigente, quer isso dizer que a sobretarifa, para ser um adicional da tarifa (e, portanto, também preço público) , há de ter o mesmo destinatário – o prestador do serviço ainda que tenha por fim reforçar apenas um das parcelas (como é o caso da relativa ao melhoramento e à expansão do serviço) que se levam em conta na fixação de seu valor.“
Noutro passo de seu douto voto condutor- do acórdão do Plenário, referindo-se à especie então em julgamento, anotou (RTJ 132/888):
“Ora, não é isso o que ocorre com o adicional que a Lei n° 4.177/62 permitiu fosse criado como sobretarifa da tarifa devida às concessionárias que realmente prestam os serviços de telecomunicações. Ao invés de essa sobretarifa se destinar a servir de acréscimo ao preço público remuneratório dos serviços prestados pelas concessionárias que os prestam aos usuários, e, portanto, ser um adicional dele, o que importaria tornar-se objeto também da propriedade da concessionária, embora com destinação certa a ser dada por ela (melhoramento e expansão de seus serviços), destinava-se ela, desde sua origem, a um Fundo Público (o FNT), cujos recursos de início eram aplicados pela Embratel na forma prescrita pelo Plano Nacional de Telecomunicações, com prestação de contas ao Conselho Nacional de Telecomunicações, e depois passaram a constituir recursos da Telebrás (…).”
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“Como se vê, desde sua origem essa sobretarifa não tinha a natureza de preço público, por lhe faltarem os requisitos essenciais deste: que o destinatário seja o prestador do serviço e que se tiver destinação específica com relação aos componentes que integram a tarifa, como sucede com o relativo ao melhoramento e expansão do serviço – se destine aos serviços da própria concessionária, e não aos serviços de telecomunicações do país, prestados por outras concessionárias que não aquela a que está ligado o usuário.”
E que assim, concluiu seu voto o ilustre Ministro Moreira Alves:
“4. Por não ter sido essa sobretarifa instituída por lei como as previsões legais necessárias em decorrência de sua caracterização como imposto que sempre foi, tenha-a como inconstitucional desde sua origem, razão por que o acórdão ora recorrido, por haver reconhecido essa mesma inconstitucionalidade a partir apenas da edição da Lei n° 6093/74 que só a tornou mais evidente, não violou os dispositivos constitucionais invocados no recurso extraordinário” (RTJ 132/889).
Nesse sentido, sinalou o Senhor Ministro Sydney Sanches (RTJ 132/896): “Sr. Presidente. Não é sobrepreço, segundo me parece, o adicional que se destina a terceiro que não recebeu o preço, porque não prestou o serviço”. Ainda nessa mesma linha, observou o Ministro Aldir Passarinho: “Senhor Presidente, o preço tem uma correspondência com o serviço prestado. Poderia haver uma denominação de sobrepreço apenas por uma inadequação de expressão ou por um acréscimo momentâneo para compensar aquele serviço prestado, e se justificaria ainda que ele fosse preço público, quer dizer, um pagamento na correspondência daquele serviço prestado” (RTJ 132/896).
Com efeito, está no art. 175 e seu parágrafo único, da Constituição, verbis:
“Art. 175 – Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter serviço adequado.”
Decerto, no ponto, à União incumbe, efetivamente, a teor do art. 21, XII, letra b, da Constituição, explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
“b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos d’água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos.”
A Constituição anterior estipulava no art. 167, quanto ao regime das empresas concessionárias e serviços públicos federais, estaduais e municipais: I – a obrigação de manter serviço adequado; II – tarifas que permitam a justa remuneração do capital, o melhoramento e a expansão dos serviços e assegurem o equilíbrio econômico e financeiro do contrato; e III – fiscalização permanente e revisão periódica das tarifas, ainda que estipuladas em contrato anterior.
Pois bem, embora a redação não-explícita do inciso III do parágrafo único do art. 175 da Constituição atual, em confronto com o inciso II do art. 167 da Carta precedente, não cabe concluir que a obrigação de o Poder Público manter a justa remuneração do capital, assim como assegurar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato haja sido eliminada do sistema em vigor. Explicando o sentido da cláusula constitucional do art. 175, III, da Lei Maior, escreve Eros Roberto Grau: “Vale dizer: à capacidade de exercício do serviço atribuída ao concessionário adere um direito a remuneração por tal exercício, em condições de equilíbrio econômico-financeiro) (in “A Ordem Econômica na Constituição de 1988”, 6a ed., p. 164). Celso Ribeiro Bastos, à sua vez, anota: “Ao concessionário há de se assegurar uma tarifa remuneratória, uma vez que esta não é fixada segundo leis de mercado, não comparecendo a seu favor aquelas situações extremamente favoráveis que propiciam ao empreendedor comum lucros extraordinários. A fixação, portanto, de uma tarifa que seja justamente remuneratória do capital é a compensação ofertada ao concessionário pela perda do controle sobre ela, assim cornoda. privação da eventualidade de lucros fora do razoável” (apud Comentários à Constituição do Brasil de 1988, 7o vol. pp. 137/138).
Do regime constitucional lhe decorre, também como observa o mesmo Celso Ribeiro Bastos, “o direito de não lhe ser exigido o desempenho de atividade estranha ao objeto da concessão” (op. cit., p.135).
De outra parte, a Constituição, em seu art. 175, II, assegura “os direitos dos usuários“ dos serviços concedidos. Cumpre, neste ponto, entender que aos usuários, a par do poder concedente, está reservado o direito de fiscalizar o correto desempenho do serviço, não podendo o concessionário negar-lhe ou interromper-lhe a prestação de serviço, “salvo nas hipóteses previstas nas cláusulas regulamentares”, sob pena de poder o usuário exigir judicialmente em seu favor, na lição de Celso Bastos, o cumprimento da obrigação do concessionário (TJDF, RDA, 39:248 e 55:144) (in op. cit. , pp. 135/136). Ainda referindo-se à cláusula constitucional do art. 175, II, em análise, o mesmo comentarista escreve: “Este tratamento genérico e abstrato faz-se sentir de maneira tão mais acentuada quando se sabe que os serviços, dada a sua própria natureza, não podem ser prestados senão sob um princípio de estrita isonomia, do qual de resto decorre um direito de ação ao alcance de qualquer interessado que tenha sido indevidamente preterido ou desatendido em qualquer pretensão legal” (op. cit., p. 136).
Hely Lopes Meirelles, cuidando do tema, especifica cinco princípios de presença obrigatória na prestação de serviço público: generalidade, permanência, eficiência, modicidade e cortesia, explicando: “O princípio ou requisito da generalidade significa serviço para todos os usuários, indiscriminadamente; o da permanência ou continuidade impõe serviço, constante, na área e período de sua prestação; o da eficiência quer dizer serviço satisfatório, qualitativa e quantitativamente; o da modicidade indica preços razoáveis, ao alcance de seus destinatários; o da cortesia significa bom tratamento ao público” (apud Direito Administrativo Brasileiro, 2a ed., p. 272).
Nesse sentido, estabelece a Lei n° 8.987, de 13.2.1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, em seu art. 7o, verbis:
“Art. 7º – Sem prejuízo do disposto na Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:
I – receber serviço adequado;
II a IV – omissis.”
Serviço adequado, pressuposto de toda a concessão ou permissão, a teor do art. 175, IV, da Constituição, e ex-vi do art. 6o, § 1o, do mesmo diploma legal, “é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”. Eis assim como se integra o sistema da Constituição de 1988, no que concerne aos usuários, onde presente também o princípio da isonomia.
No que respeita às tarifas, o diploma regulamentar em foco estipula, no art. 13, que “poderão ser diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários“, não se contemplando, em nenhum dispositivo, a diferenciação tarifária, em virtude do maior ou menor uso dos mesmos serviços prestados.
De outra parte, no, sistema da Constituição de 1988, entre os direitos e garantias individuais e sociais, inscreveu-se, no art. 5o, XXXII, que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, reafirmando-se esse proposito do constituinte, ao definir os princípios gerais da atividade econômica, quando, no art. 170, V, assentou:
“Art. 170 – A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I a IV – omissis;
V – defesa do consumidor;
IV a IX – omissis.”
Celso Ribeiro Bastos, comentando os princípios da Constituição a tal respeito, antes da Lei n° 8078/1990, já anotara:
“O dispositivo sob comento (art. 5o, XXXII) é de transcendental importância, não só por estabelecer um dever do Estado, como também para autorizar o legislador a que venha estabelecer regras processuais desparificadas, assim como um direito material não necessariamente igualitário, mas que terá, no fundo, a prevalência dos interesses do consumidor.
A bem da verdade, é de notar-se que a nossa jurisprudência, mesmo sem contar com uma legislação que permita dar uma efetiva proteção ao consumidor, tem feito um sensível esforço no sentido de adotar soluções que, nada obstante divergirem das interpretações clássicas, têm-se constituído em um fator de amenização das decisões na procura de uma solução mais favorável ao consumidor.” (apud Comentários à Constituição do Brasil de 1988, 2o vol., ed. Saraiva,1989, pp.160/161)
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8078/1990), à sua vez, também referido no art. 7o da Lei n° 8987/1995, na linha do sistema da Constituição, prevê, em seu art. 22, que “ os órgãos públicos, por si, por suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.
Referindo-se à clausula final do art. 22 da Lei n° 8078/1990, a continuidade dos serviços essenciais, Antônio Hermen de Vasconcellos e Benjamin, in Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, ed. Saraiva, 1991, p. 110, examinando item sobre “a teoria da qualidade e os serviços públicos”, anota:
“Tratando-se de serviço essencial e não estando ele sendo prestado com continuidade, o consumidor pode postular em juízo que se condene a Administração a fornecê-lo. Ressalte-se que o dispositivo não obriga o Poder Público a prestar serviço. Seu objetivo é mais modesto: uma vez que o serviço essencial esteja sendo prestado, não mais pode ele ser interrompido. Uma coisa é o consumidor saber que não pode contar, por qualquer razão alegada pela Administração, com um determinado serviço público. Outra, bem distinta, é despojar-se o consumidor, sem mais nem menos, de um serviço essencial que vinha usufruindo.”
Noutro passo, acrescenta (op., cit., p. 111):
“Obrigação complementar ê a da continuidade. Só que não exigível com tanta generalidade. Diz a lei que só os serviços essenciais devem ser prestados continuamente. Vê-se que é um dever jurídico não imposto ao fornecedor privado (art. 20). Continuidade, aqui, como salientado anteriormente, quer dizer que, se o serviço essencial está sendo prestado pela Administração Pública, não pode ser interrompido, a não ser que assim se dê em razão de caso fortuito ou força, maior, excludentes clássicas.
(…). Essencialidade, pelo menos neste ponto, há que ser interpretada em seu sentido vulgar, significando todo o serviço público indispensável à vida em comunidade, ou melhor, em uma sociedade de consumo. Incluem-se, aí, não só os serviços públicos stricto sensu (os de polícia, os de proteção da saúde), mas ainda os serviços de utilidade pública (os de transporte coletivo, os de energia elétrica, os de gás, os de telefone, os de correios). A lista não segue ad infinitum, devendo ser rigidamente jungida aos casos de efetiva imprescindibilidade.”
Do exposto, não há, destarte, espaço a invocar-se, no sistema do art. 5o, XXXII, combinado com o art. 170, V, bem assim com o art. 175, II e IV, todos da Constituição, legitimidade constitucional para a suspensão do fornecimento de serviço essencial concedido, como o de energia elétrica, àqueles usuários, consumidores finais, e, no caso concreto, tão-só porque, em seu consumo mensal de energia elétrica, ultrapassaram o número de kwh, pré-estabelecido, com base em plano de contingenciamento de gasto, em medida provisória que, assim, se entremostra sem amparo na Constituição e revela evidente caráter punitivo.
Embora se compreendam os propósitos do ilustre autor da Medida Provisória, no sentido de encontrar caminhos que levem à redução de consumo de energia elétrica, em um momento de dificuldades quanto às reservas hidrelétricas, o que tem, de resto, contado com verdadeiro espírito cívico do povo, de compreensão e colaboração, não vejo como constitucionalmente possível estipular, pela causa apontada, suspensão do fornecimento de serviço público a certos consumidores que atendem às tarifas estabelecidas. Estar-se- ia, ademais, sem causa legítima, estabelecendo discriminação entre consumidores, o que atenta contra o princípio da isonomia.
De outra parte, no que concerne ao art. 15, II e III, da Medida Provisória em análise, cumpre considerar, como antes examinado, que não se destina a tarifa especial a remunerar a atividade privada de concessionária na exploração do fornecimento de energia elétrica, mas, sim, basicamente, a constituir reserva, para remunerar os consumidores com o bônus a que se refere o § 1o do art. 15 a teor do que estabelece o art. 20, II, da Medida Provisória. nº 2152/2001. Somente 2% do total arrecadado constituirão provisão para a cobertura de custos adicionais das concessionárias distribuidoras com a execução das resoluções da GCE. Nada tem com o fornecimento ou melhoria do fornecimento da energia elétrica, tal qual se entende necessariamente presente, na hipótese de tarifa ou de seu aumento, como, de resto, está disciplinado na Lei n° 8987, de 1995, que, regulamenta o art. 175 da Lei Maior. Não procede, pois, a assertiva de que serão destinados os recursos provenientes da aplicação da “tarifa especial acrescida” à remuneração das concessionárias distribuidoras ou ao desenvolvimento dos serviços de fornecimento de energia elétrica.
É expressa a norma do inciso II do art. 20 do diploma impugnado que os valores faturados em decorrência da aplicação dos percentuais de que tratam os incisos II e III do caput do art. 15 serão destinados a “remunerar o bônus previsto no § 1o do art. 15″. Não há, ai, à evidência, caráter de contraprestação de serviço de energia elétrica, relativamente à tarifa especial em causa.
Dessa maneira, não cabe compreender o acréscimo de 50% a 200%, ut art. 15, II e III, da Medida Provisória n° 2152/2001, como sobretarifa, pois não guarda pertinência nem destinação com a prestação do serviço, mas comporá reserva que tem terceiros como beneficiários. Sua natureza, em consequência, ou será de um tributo novo com destino certo a ser pago pelos consumidores que descumprirem a meta de consumo mensal de energia elétrica que lhes foi estipulada e, então, isso somente poderia se dar por lei complementar, ex vi dos arts. 154, I e 146, III, a, da Constituição, e atendidos os pressupostos em matéria tributária, inclusive, a anterioridade, e nunca por medida provisória, ou se se cuida, aqui, tão-só, de sanção pecuniária por descumprimento de determinação administrativa, ainda aí, não se poderia admiti-la imposta por medida provisória, pelo caráter penal de que se reveste.
De outro modo, ainda, os valores previstos nas normas em referência também não poderiam prevalecer por sua desproporção, relativamente à causa de sua exigência, ferindo os princípios de razoabilidade e proporcionalidade.
De fato, tem-se admitido que, em se cogitando de restrições a direitos, caiba verificar não apenas da admissibilidade constitucional da restrição eventualmente estabelecida, mas também de sua compatibilidade com o princípio da proporcionalidade. Escreveu, nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes: “Essa nova orientação que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Nortwendigkeit odes Enforderlichkeit). Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito). O pressuposto da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas abstratas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O requisito da necessidade ou da exigibilidade (Nortwendigkeit oder Erforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o individuo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos. Assim, apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado” (in Repertorio IOB de Jurisprudência nº 23/94 – pág. 475). Já em antigo precedente no RE nº 18.331, relator o saudoso Ministro Orozimbo Nonato, o Supremo Tribunal Federal adotou decisão em que o principio da razoabilidade ou da proporcionalidade esteve presente no juízo de invalidade então formulado. Assentou-se, verbis: ‘O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, urna vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o torneia compatível com a liberdade de trabalho, comércio e da indústria e com o direito de propriedade. É um poder, cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda do détournemert de pouvoir. Não há que estranhar a invocação dessa doutrina ao propósito da inconstitucionalidade, quando os julgactos têm proclamado que o conflito entre a norma comum e o preceito da Lei Maior pode se acender não somente considerada a letra do texto, como também, e principalmente, o espírito do dispositivo invocado’”.
Ora, na espécie, parece inequívoca a desproporção, a irrazoabilidade de impor-se autêntica pena pecuniária que pode chegar a 200% do valor da tarifa, a quem, por razões que não se apuram, em certo momento, ultrapassa o limite de consumo de energia elétrica estabelecido. A ordem constitucional, à vista do art. 5º, LIV e LV, do Diploma Maior, não admite tal tratamento do legislador ou da Administração para com o particular.
De todo o exposto, na linha do voto proferido quando do julgamento do pleito de concessão de liminar, julgo improcedente o pedido formulado na inicial e declaro a inconstitucionalidade dos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, da Medida Provisória n° 2.152-2, de 1o de junho de 2001, a qual revogou a Medida Provisória n° 2.148-1, de 22 de maio de 2001, hoje sob o n° 2.198-5, datada de 24 de agosto de 2001.
VOTO
A Senhora Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, novamente vou pedir vênia ao eminente Ministro Néri da Silveira para dele divergir no que diz respeito ao exame do mérito da ação declaratória de constitucional idade; e o faço nos mesmos termos já manifestado na assentada de 28 de junho deste ano.
Julgo procedente o pedido.
VOTO
O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO: Sr. Presidente, reporto- me ao voto que proferi quando apreciamos o pedido da cautelar, do teor seguinte:
“Sr. Presidente, o eminente Ministro Néri da. Silveira, ao discorrer a respeito dos preços públicos, ou sobre as tarifas, fê-lo com inegável acerto. S. Exa. procurou, na doutrina e na jurisprudência, a conceituação de tarifa e a sua destinação. Realmente, temos, no caso, o preço público, ou a tarifa. Não temos, aqui, a espécie tributária denominada taxa.
Reporto-me, no ponto, a votos que tenho proferido nesta Casa, especialmente na ADI nº 447-DF e nos RREE nºs 218.061 e 209.365.
Vou divergir, entretanto, do eminente Ministro–Relator, quando. S. Exa., tendo em vista a destinação da tarifa especial instituída pela medida provisória, entende que, por não estar ela remunerando exatamente o serviço prestado, seria inconstitucional.
E preciso considerar, primeiro que tudo, que atravessa o País séria crise de energia elétrica, decorrente de sua escassez. É dizer, a energia elétrica que temos vem de usinas hidroelétricas. Em razão da acentuada falta de chuvas, os reservatórios dessas usinas estão praticamente vazios. Teria havido imprevisão por parte de órgãos governamentais? Isto não interessa discutir aqui. Certo é que vivemos uma crise de energia elétrica.
Essa é a situação de fato existente.
Dispõe o art. 175, par. único, inc. III, da Constituição Federal:
‘Art. 175- Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – ………………………
II – ……………………..
III – política tarifária;
IV – …………………….”
Parece-me, Sr. Presidente, correto o entendimento no sentido de que a instituição da tarifa especial realiza o que está preconizado na Constituição, quando esta determina, no art. 175, III, que a lei disporá sobre a política tarifária. A tarifa especial teria enquadramento no citado dispositivo constitucional. É dizer, as disposições inscritas no art. 20 da Medida Provisória n° 2.152, de 01 de junho de 2001, realizam a política tarifária preconizada, tendo em vista a situação de escassez de energia elétrica e com vistas a evitar o mal maior, que seria ficar a população sem energia elétrica, com a ocorrência do que na linguagem comum é denominado de “apagão”. Então, aquele que gasta muito é compelido a conter os seus gastos, porque pelo que excede uma certa cota a ele destinada, pagaria um preço ou tarifa especial. Essa tarifa especial, ademais, destina-se a remunerar custos ampliados das concessionárias, distribuidoras de energia elétrica, com a execução das resoluções da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica. Tem-se, com essa tarifa especial, a redistribuição, de forma isonômica, de custos, sob condições de escassez: financiamento dos bônus, por
exemplo, aos que poupam mais, o que foi ressaltado nos votos que me precederam, especialmente no voto do Sr. Ministro Nelson Jobim. Parece-me procedente, de outro lado, o argumento no sentido de que, em sistema de escassez do serviço, possa o legislador, realizando a política tarifária que lhe incumbiu a Constituição, cobrar mais caro pelo serviço que excede à cota destinada ao consumidor. Tudo isso comporta-se no conceito de políticatarifária, tornando-o realidade no mundo das coisas.
Assim, peço licença ao eminente Colega, Ministro Néri da Silveira, cujos votos e opiniões muito respeito e tenho o costume de acompanhar, para, no caso, divergir.
No que concerne à possibilidade de cortes de energia ao consumidor recalcitrante, também peço licença ao eminente Relator para divergir de S. Exa. Tenho que o Sr. Ministro Jobim demonstrou, à saciedade, a necessidade da previsão do corte, mediante norma legal, no sistema de escassez de energia elétrica, medida que é adotada em proveito da maioria que, compreendendo a realidade, colabora e participa do regime de racionamento.
Realmente, a sociedade brasileira tem compreendido a situação. Tanto isto é verdade, que os jornais noticiam a redução no consumo de energia elétrica em praticamente todos os Estados-membros, nos limites e circunstâncias estabelecidos, o que revela que tais disposições, inscritas na medida provisória, não são desarrazoadas, não são desproporcionais. A sociedade brasileira compreendendo a realidade, que é de escassez de energia elétrica, realiza o que essas disposições propõem.
Com estas breves considerações, com a vênia devida ao eminente Ministre Relator, defiro a medida cautelar, tal como fez a não menos eminente Ministra Ellen Gracie, cujo voto acompanho.”
Peço licença ao eminente Ministro relator para acompanhar o voto da Ministra Ellen Gracie.
VOTO
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Sr. Presidente, como frequentemente ocorre nos processos de controle abstrato, a matéria ficou exaurida na discussão da medida cautelar.
Reporto-me ao meu voto, particularmente à diversidade de concepção que temos, o em. Relator e eu, sobre a possibilidade da utilização política da tarifa, em caso de escassez do serviço.
Peço vênia ao eminente Ministro-Relator para julgar procedente a ação.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Com a devida vêniada ministra Ellen Gracie, e daqueles acompanharam, subscrevo integralmente o voto do nobre julgando improcedente o pedido formulado na inicial.
PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA
AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N. 9-6
PROCED.: DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MIN. NERI DA SILVEIRA
REDATORA PARA O ACÓRDÃO: MIN. ELLEN GRACIE REQTE.: PRESIDENTE DA REPUBLICA
ADV.: ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
Decisão: O Tribunal, por maioria de votos, vencidos o Senhor Ministro Néri da Silveira, Relator, e o Presidente, o Senhor Ministro Marco Aurélio, julgou procedente o pedido formulado na inicial, para declarar a constitucionalidade dos artigos 14, 15, 16, 17 e 18 da Medida provisória nº 2.152-2, de 1º de junho de 2001, a qual revogou a Medida Provisória nº 2.148-1, de 22 de maio de 2001, hoje sob o número 2.198-5 e datando de 24 de agosto de 2001. Redigirá o acórdão a Senhora Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. Falou, pela Advocacia-Geral da União, o Dr. Gilmar Ferreira Mendes. Plenário, 13.12.2001.
Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Nelson Jobim e Ellen Gracie.
Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Luiz Tomimatsu – Coordenador