STF

Informativo nº 648 do STF

Brasília, 14 a 18 de novembro de 2011 Nº 648

Data (páginas internas): 23 de novembro de 2011

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões
proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente
poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

Sumário

Plenário

Crimes de responsabilidade e competência legislativa – 1

Crimes de responsabilidade e competência legislativa – 2

TCU e jornada de trabalho de médicos – 2

Ação civil pública e controle difuso – 2

ED: crédito-prêmio do IPI e declaração de inconstitucionalidade

Repercussão Geral

Turma recursal e competência – 1

Turma recursal e competência – 2

Turma recursal e competência – 3

ECT: ISS e imunidade tributária recíproca – 4

ECT: ISS e imunidade tributária recíproca – 5

ECT: ISS e imunidade tributária recíproca – 6

Repercussão Geral

Clipping do DJ

Transcrições

Lei da “Ficha Limpa” e hipótese de inelegibilidade (ADC 29/DF, ADC 30/DF e ADI 4578/DF)

Inovações Legislativas

Plenário

Crimes de responsabilidade e competência legislativa – 1

Por reputar caracterizada ofensa à competência legislativa da União para definir os crimes de responsabilidade (CF, art. 22, I), o Plenário julgou
procedente pedido formulado em ação direta, ajuizada pelo Procurador-Geral da República, para declarar a inconstitucionalidade, com efeitos ex tunc, das seguintes expressões constantes do art. 41 da Constituição catarinense (todas com a redação dada pelas Emendas Constitucionais
53/2010 e 42/2005, da respectiva unidade da federativa): a) “ e titulares de Fundações, Autarquias, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista”, contida no caput ; e b) “ao Governador”,
bem como “e aos titulares de Fundações, Autarquias, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista”, ambas integrantes do § 2º da aludida
norma. Em síntese, esses preceitos imputavam como criminosa a conduta de recusa ou de não-atendimento — por parte das autoridades acima mencionadas — à
convocação, pela mesa da assembléia legislativa, a fim de prestar informações. De início, entendeu-se que as alterações legislativas supervenientes à
propositura da ação, conferidas por emendas constitucionais estaduais, não teriam alterado, na essência, a substância da norma. Assim, reputou-se que
não se dera a perda ulterior do objeto da demanda. Ademais, rememorou-se que o modelo federal só submeteria a crime de responsabilidade Ministro de
Estado e titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República, o que não seria o caso dos titulares de autarquias, fundações e
empresas públicas. Em seguida, ressaltou-se que o § 2º do artigo em comento interferiria na própria caracterização do crime de responsabilidade, ao
incluir figuras de sujeito ativo que não poderiam dele constar. Por fim, assentou-se, também, a inconstitucionalidade, por arrastamento, do excerto “ bem como os titulares de Fundações, Autarquias e Empresas Públicas, nos crimes de responsabilidade”, do art. 83, XI, do citado diploma.

ADI 3279/SC, rel. Min. Cezar Peluso, 16.11.2011. (ADI-3279)

Crimes de responsabilidade e competência legislativa – 2

Com base no mesmo fundamento acima referido e ao confirmar o que manifestado na apreciação da medida cautelar, o Plenário julgou procedente pedido
formulado em ação direta, proposta pelo Procurador-Geral da República, para declarar a inconstitucionalidade do art. 48 e do seu parágrafo único; da
expressão “ou, nos crimes de responsabilidade, perante Tribunal Especial”, contida no caput do art. 49; dos §§ 1º e 2º; do item 2, constante do § 3º,
todos do art. 49; e do art. 50 da Constituição do Estado de São Paulo. As normas impugnadas versam sobre processo e crimes de responsabilidade de
Governador. Assentou-se, também, o prejuízo do pleito no tocante ao item I do § 2º do art. 10 da aludida Constituição estadual, uma vez que esse
dispositivo fora revogado.

ADI 2220/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 16.11.2011. (ADI-2220)

TCU e jornada de trabalho de médicos – 2

O Plenário retomou julgamento de mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente do TCU, que determinara aos ocupantes do cargo de analista de
controle externo — área de apoio técnico e administrativo, especialidade medicina —, que optassem por uma das jornadas de trabalho estabelecidas pela
Lei 10.356/2001 (a qual dispõe sobre o quadro de pessoal e o plano de carreira do TCU) e, conseqüentemente, por remuneração equitativa ao número de
horas laboradas — v. Informativo 592. O Min. Dias Toffoli, em voto-vista, acompanhou o Min. Marco Aurélio, relator, e concedeu a ordem. Aduziu que a
aplicação da novel legislação — a qual impõe jornada de trabalho de 40 horas semanais para percepção do mesmo padrão remuneratório e permite a
manutenção da jornada de 20 horas semanais com redução proporcional de vencimentos — aos servidores médicos que já atuavam no TCU à época da edição do
referido diploma legislativo implicaria inegável decesso, o que afrontaria o art. 37, XV, da CF. Ressaltou que, por não haver direito adquirido a
regime jurídico, essa nova disciplina legal aplicar-se-ia aos servidores que ingressassem após sua edição, mas não àqueles que já tivessem situação
consolidada. Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, que placitavam esse entendimento, pediu vista o Min. Gilmar Mendes.

MS 25875/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 17.11.2011. (MS-25875)

Ação civil pública e controle difuso – 2

Em conclusão, o Plenário, por maioria, julgou procedentes pedidos formulados em reclamações em que alegada usurpação, por juiz federal de 1º instância,
de competência originária do STF para o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 102, I, a). No caso, o magistrado deferira
liminar em ação civil pública na qual o Ministério Público Federal pleiteava: a) nulidade do enquadramento dos outrora ocupantes do extinto cargo de
censor federal nos cargos de perito criminal e de delegado federal de que trata a Lei 9.688/98, levado a efeito mediante portarias do Ministro de
Estado da Justiça; e b) declaração incidenter tantum de inconstitucionalidade da Lei 9.688/98 — v. Informativo 261. Destacou-se que a declaração de
inconstitucionalidade postulada nos autos da ação civil pública não se traduziria em mero efeito incidental, porém, constituir-se-ia no pedido
principal deduzido pelo autor da demanda, cujo objeto final seria a pura e simples declaração de inconstitucionalidade da lei. Asseverou-se, com isso,
estar demonstrada a usurpação da competência desta Corte. O Min. Luiz Fux salientou haver utilização da ação civil pública para fazer as vezes de ação
direta de inconstitucionalidade. Vencido o Min. Carlos Velloso, relator, que reputava improcedentes os pleitos ao fundamento de que a pretendida
declaração de inconstitucionalidade seria mera questão incidental.

Rcl 1503/DF, rel. orig. Min. Carlos Velloso, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 17.11.2011. (Rcl-1503)

Rcl 1519/CE, rel. orig. Min. Carlos Velloso, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 17.11.2011. (Rcl-1519)

ED: crédito-prêmio do IPI e declaração de inconstitucionalidade

O Plenário iniciou julgamento de embargos declaratórios em que contribuintes, ora embargantes, alegam a existência de contradição entre o que decidido
na conclusão do recurso extraordinário e o que registrado, posteriormente, em sua proclamação. Na ocasião, o Colegiado examinara a constitucionalidade
do art. 1º do Decreto-lei 1.724/79 — v. Informativo 374. O Min. Marco Aurélio, relator, acolheu os embargos para elucidar que a declaração de
inconstitucionalidade do aludido preceito restringir-se-ia à delegação conferida ao Ministro de Estado para alterar, em prejuízo dos contribuintes, o
previsto nos artigos 1º e 5º do Decreto-lei 491/69, em termos de incentivos fiscais. Esclareceu que a celeuma decorrera da circunstância de adotar-se
como parte dispositiva do acórdão a proclamação feita, que constara do extrato de ata, no momento em que encerrada a análise do extraordinário. Em
síntese, o que consignado quanto à inconstitucionalidade não se coadunara quer com as balizas do processo — revelador de ação ordinária ajuizada pelos
ora recorrentes —, quer com o voto condutor do julgamento e a maioria então formada. Após o voto do Min. Luiz Fux, que acompanhou o relator, pediu
vista dos autos o Min. Dias Toffoli.

RE 208260 ED/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 17.11.2011. (RE-208260)

Repercussão Geral

Turma recursal e competência – 1

Compete à turma recursal o exame de mandado de segurança, quando utilizado como substitutivo recursal, contra ato de juiz federal dos juizados
especiais federais. Essa a conclusão do Plenário ao desprover recurso extraordinário em que pleiteado o estabelecimento da competência de Tribunal
Regional Federal para processar e julgar o writ, visto que a referida Corte entendera competir à turma recursal apreciar os autos.
Preliminarmente, conheceu-se do extraordinário. Explicitou-se que o caso não se assemelharia ao tratado no RE 576847/BA (DJe de 7.8.2009), em que se
deliberara pelo não-cabimento de mandado de segurança impetrado contra decisão interlocutória proferida em juizado especial.

RE 586789/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 16.11.2011. (RE-586789)

Turma recursal e competência – 2

No mérito, reputou-se que, verificado o caráter recursal do mandado de segurança, deveriam ser aplicadas as regras de competência atinentes à
apreciação dos recursos, o que afastaria a incidência do art. 108, I, c, da CF, que trata da competência dos Tribunais Regionais Federais para
processarem e julgarem, originariamente, mandado de segurança e habeas data contra ato do próprio tribunal ou de juiz federal. Aduziu-se que,
nesse contexto, entre as competências definidas pela Constituição para o reexame das decisões, estariam as das turmas recursais dos juizados especiais
(CF, art. 98, I) e a dos Tribunais Regionais Federais (CF, art. 108, II). Destacou-se que a Corte já teria afirmado que o texto constitucional não
arrolara as turmas recursais entre os órgãos do Poder Judiciário, os quais estariam discriminados, numerus clausus, no art. 92 da CF.
Depreender-se-ia, assim, que a Constituição não conferira às turmas recursais a natureza de órgãos autárquicos do Judiciário, tampouco a qualidade de
tribunais, como também não lhes outorgara qualquer autonomia com relação aos Tribunais Regionais Federais. Nesse aspecto, os juízes de 1º grau e as
turmas recursais que eles integram seriam instituídos pelos respectivos Tribunais Regionais Federais, estando subordinados a estes administrativa, mas
não jurisdicionalmente. As turmas recursais seriam, portanto, órgãos recursais ordinários de última instância relativamente às decisões dos juizados
especiais, a elas vinculados no que concerne ao reexame de seus julgados. No ponto, o Min. Luiz Fux destacou que essa competência decorreria,
outrossim, da interpretação teleológica do art. 21, VI, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. O Min. Dias Toffoli rememorou, ademais, que a Corte
assentara competir à própria turma recursal processar e julgar mandado de segurança impetrado contra os respectivos atos. Dessa maneira, a ela caberia
analisar os mandados de segurança impetrados contra atos dos juizados especiais.

RE 586789/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 16.11.2011. (RE-586789)

Turma recursal e competência – 3

Aduziu-se que as turmas recursais não estariam sujeitas à jurisdição dos tribunais de justiça estaduais, sequer, por via de conseqüência, à dos
Tribunais Regionais Federais, conforme orientação da Corte. Desse modo, competente a turma recursal para processar e julgar recursos contra decisões de
1º grau, também o seria no que concerne a mandado de segurança substitutivo de recurso, sob pena de transformar o Tribunal Regional Federal em
instância ordinária para reapreciação de decisões interlocutórias proferidas pelos juizados especiais. A respeito, o Min. Cezar Peluso, Presidente,
frisou que o fato de se tratar de mandado se segurança, e não de recurso propriamente dito, não retiraria das turmas recursais a competência para
revisão das decisões. O Colegiado acrescentou que os juizados especiais teriam sido concebidos com o escopo de simplificar a prestação jurisdicional —
de maneira a aproximar o jurisdicionado do órgão judicante —, e não de multiplicar ou de dividir competências. Não faria sentido, portanto, transferir
ao Tribunal Regional Federal a atribuição de rever atos de juízes federais no exercício da jurisdição do juizado especial, visto que as Turmas
Recursais teriam sido instituídas para o aludido fim, observado, inclusive, o princípio da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII).

RE 586789/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 16.11.2011. (RE-586789)

ECT: ISS e imunidade tributária recíproca – 4

O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute — à luz do art. 150, VI, a, e §§ 2º e 3º, da CF — se a imunidade
tributária recíproca alcança, ou não, todas as atividades exercidas pela recorrente, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Na espécie, o
recurso fora interposto de acórdão em que se limitara o colimado benefício aos serviços tipicamente postais mencionados no art. 9º da Lei 6.538/78. A
Corte de origem entendera lícito ao município recorrido a cobrança de Imposto sobre Serviços – ISS relativamente àqueles não abarcados pelo monopólio
concedido pela União — v. Informativo 628. O Min. Luiz Fux, em voto-vista, desproveu o recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia,
Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Cezar Peluso, Presidente. Na linha do que já exposto pelo Min. Joaquim Barbosa, relator, acrescentou que não
teriam sido objeto de maiores questionamentos a venda de títulos de capitalização, o recebimento de mensalidades de associações e sindicatos e de
inscrições em vestibulares e concursos, os quais não caracterizariam serviço público. Aduziu que essas atividades seriam econômicas em sentido estrito
e, por isso, subordinadas à regra prevista no art. 173, § 1º, II, da CF, que prevê a sujeição das empresas públicas ao regime jurídico-tributário
próprio das empresas privadas. Destacou que, consoante julgados da Corte, o regime jurídico da ECT aproximar-se-ia ao das autarquias. De igual forma,
aplicar-se-iam as restrições à imunidade recíproca constitucionalmente estabelecidas para as autarquias, de modo que os serviços desvinculados de suas
finalidades essenciais, como os da situação em comento, não seriam alcançados pela aludida benesse. Ao destacar que a recorrente possuiria posição
privilegiada no mercado, tendo em conta a sua condição de empresa pública, reiterou que eventual imunidade tributária concedida aos serviços prestados
em regime de livre concorrência significaria vantagem competitiva em relação aos demais agentes do mercado, em afronta ao art. 173, § 2º, da CF.
Rejeitou, ademais, o argumento de subsídio cruzado — desoneração tributária de atividades que custeariam o serviço postal —, haja vista que a
incidência de tributação repercutiria no preço final dos serviços e produtos comercializados pela ECT, que não se regeriam pelos princípios da
universalidade, da continuidade e da modicidade tarifária — mas sim pela dinâmica de formação de preços do mercado —, bem como essa extensão ofenderia
a ratio essendi da imunidade recíproca, qual seja, a manutenção do equilíbrio federativo. Por fim, asseverou que, se mantido o subsídio cruzado,
ele deveria se limitar aos tributos de competência da União, sob pena de impor aos demais entes federados o custeio de serviço público não incluído
entre suas competências.

RE 601392/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 16.11.2011. (RE-601392)

ECT: ISS e imunidade tributária recíproca – 5

O Min. Ricardo Lewandowski acrescentou que a jurisprudência do STF deveria ser revista em face da Medida Provisória 532/2011, cujo item 16 da exposição
de motivos autoriza a ECT a adquirir participações societárias e a constituir subsidiárias para a execução de atividades compreendidas em seu objeto
social e seu item 19 prevê, para a recorrente, a aplicação subsidiária da Lei 6.404/76, a qual dispõe sobre as sociedades por ações. Realçou, ainda,
que a imprensa divulgara recentemente que a ECT caminharia no sentido de possuir banco próprio, de ingressar em serviços de telefonia móvel, de atuar
no mercado digital e de participar de projeto de trem de alta velocidade. Atividades essas incompatíveis com o monopólio a ela atribuído. O Min. Marco
Aurélio, ao acentuar o caráter polivalente da instituição, também considerou incabível a concessão do privilégio de não-recolhimento do ISS. O relator
reafirmou necessário estabelecer a seguinte distinção: quando se tratar de serviço público, imunidade absoluta; quando envolvido o exercício de
atividade privada, incidiriam as mesmas normas existentes para as empresas privadas, inclusive as tributárias. O Min. Cezar Peluso enfatizou ser opção
político-constitucional do Estado a prestação de determinadas atividades em caráter exclusivo, como privilégio, independentemente de sua lucratividade.
Assim, se a ECT se desviara do âmbito do serviço postal, o fizera sabendo que teria de se submeter às regras reservadas à iniciativa privada. Ademais,
observou que o fato de pagar imposto, em igualdade de condições com outras empresas, não significaria entrave ou incompatibilidade com o regime de
privilégio no seu setor específico.

RE 601392/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 16.11.2011. (RE-601392)

ECT: ISS e imunidade tributária recíproca – 6

Em divergência, os Ministros Ayres Britto, Gilmar Men­des e Celso de Mello proveram o extraordinário. O primeiro registrou, de início, que a manutenção
do correio aéreo nacional e dos serviços postais e telegráficos pela recorrente não poderia sofrer solução de continuidade, de modo a ser
obrigatoriamente sustentada pelo Poder Público, ainda que lhe gere prejuízo. Além do mais, reputou possível a adoção de política tarifária de subsídios
cruzados, porquanto os Correios realizariam também direitos fundamentais da pessoa humana — comunicação telegráfica e telefônica e o sigilo dessas
comunicações —, em atendimento que alçaria todos os municípios brasileiros (integração nacional) com tarifas módicas. Assinalou que, na situação dos
autos, a extensão do regime de imunidade tributária seria natural, haja vista que a recorrente seria longa manus da União, em exercício de
atividade absolutamente necessária e mais importante do que a própria compostura jurídica ou a estrutura jurídico-formal da empresa. O Min. Gilmar
Mendes, em reforço ao que referido, ressaltou que a base do monopólio da ECT estaria sofrendo esvaziamento, tornando-se ultrapassada, diante da
evolução tecnológica. Ressurtiu que a recorrente, mesmo quando exercesse atividades fora do regime de privilégio, sujeitar-se-ia a condições
decorrentes desse status, não extensíveis à iniciativa privada, a exemplo da exigência de prévia licitação e da realização de concurso
público. Concluiu outrossim que, enquanto não houver a mudança preconizada na ADPF 46/DF (DJe de 26.2.2010), a imunidade recíproca aplicar-se-ia em
relação ao ISS, sob pena de desorganização desse serviço, dado que os municípios o tributariam de modo distinto. Por fim, o Min. Celso de Mello
assinalou que essas outras atividades existiriam para custear o desempenho daquela sob reserva constitucional de monopólio e que, se assim não fosse,
frustrar-se-ia o objetivo do legislador de viabilizar a integração nacional e dar exeqüibilidade à fruição do direito básico de se comunicar com outras
pessoas, com as instituições e de exercer direitos outros fundados na própria Constituição. Em arremate, frisou não haver comprometimento do status de empresa pública prestadora de serviços essenciais, sendo conditio sine qua non para a viabilidade de um serviço postal
contínuo, universal e de preços módicos. Após, pediu vista o Min. Dias Toffoli.

RE 601392/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 16.11.2011. (RE-601392)

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos

Pleno     16.11.2011   17.11.2011            79

1ª Turma        —                  —                   —

2ª Turma        —                  —                   —

R e p e r c u s s ã o  G e r a l

DJe de 14 a 18 de novembro de 2011

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 649.379-RJ

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Recurso Extraordinário. 2. Análise da possibilidade de legislação estadual determinar prazo mínimo de antecedência para a postagem de cobrança. 3. Lei
estadual que obriga a aposição, na parte externa de correspondência, da data de vencimento de boleto emitido por empresas públicas e privadas, que
prestem serviço em determinado Estado-membro, independentemente da localização de sua sede. 4. Acórdão recorrido que defende a constitucionalidade da
norma estadual, ao fundamento de que os Estados-membros podem legislar, concorrentemente com a União, sobre relações de consumo. 5. Alegação recursal
de ofensa ao art. 22, V, da CF, que estabelece a competência privativa da União para legislar sobre serviço postal. 6. Recurso que sustenta
infringência ao art. 5º, X, XII, da CF, em virtude de violação à intimidade e ao sigilo de correspondência. 6. Tema que alcança relevância econômica,
política e jurídica que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Controvérsia que reclama pronunciamento jurisdicional deste Supremo Tribunal
Federal. Repercussão Geral reconhecida.

Decisões Publicadas: 1

C l i p p i n g  d o  D J

14 a 18 de novembro de 2011

INQ N. 2.527-PB

RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE

PENAL E PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. DENÚNCIA OFERECIDA. ART. 41 DO CPP. SUPOSTA PRÁTICA DOS CRIMES PREVISTOS NO ART. 288 DO CP; NO ART. 1º, I, IV E
VII DO DECRETO-LEI 201/67; E NOS ARTS. 89, 92, 93, 96, V, DA LEI 8.666/93. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. TIPICIDADE DOS FATOS. JUSTA
CAUSA. PRESCRIÇÃO PARCIAL DE CRIMES. RECEBIMENTO PARCIAL. 1. Atendidos os requisitos do art. 41 do Código de processo Penal, há plausibilidade jurídica
para a deflagração da ação penal. 2. Falta de justa causa reconhecida tão-somente para a imputação do crime previsto no art. 96, V, da Lei 8.666/93,
referente ao convênio 91/2000. 3. Ocorrência de prescrição da pretensão punitiva estatal em relação a alguns crimes. 4. Existência de suporte mínimo
probatório a respeito dos demais crimes imputados ao parlamentar, uma vez que existe prova da materialidade e indícios suficientes de autoria. 5.
Denúncia parcialmente recebida.

HC N. 100.487-RJ

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE ROUBO. CP, ART. 157, § 2º, I E II. REQUERIMENTO DE NOVO INTERROGATÓRIO E OITIVA DE
NOVA TESTEMUNHA EM SEDE DE APELAÇÃO. ARGUIÇÃO DE NULIDADE POR DESCUMPRIMENTO DO ART. 616, CPP. CERCEAMENTO DE DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
NÃO-CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.

1. O Tribunal a quo pode substituir a decisão ou confirmá-la, hipótese em que, valendo-se da análise exaustiva da sentença acerca da prova, não
padece de nulidade. (Precedentes: HC 94384/RS, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, PRIMEIRA TURMA, DJe 26/03/2010; RHC 91.405/RS, Rel. Ministra ELLEN GRACIE,
SEGUNDA TURMA, DJ 24/10/08; HC 98814/RS, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, SEGUNDA TURMA, DJe 04/09/2009).

2. O interrogatório do acusado e a oitiva de testemunha no juízo de apelação, na forma do art. 616 do CPP, são diligências que se encartam no Poder do
Tribunal, por isso que a rejeição das mesmas não enseja nulidade do julgamento quando o órgão a quo entende desnecessárias novas provas. (Precedentes:
RHC 91.405/SC, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, SEGUNDA TURMA, DJe 24/10/2008); e HC 92181/MG, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, SEGUNDA TURMA, DJe
01/08/2008).

3. É o que dispõe o art. 616 do CPP, verbis: “No julgamento das apelações poderá o tribunal, câmara ou turma proceder a novo interrogatório do
acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências.”

4. A doutrina do tema assenta, verbis: “Com a responsabilidade de formar o íntimo convencimento, mediante a livre apreciação da prova, no seu
conjunto, tal qual o fez o juiz de primeira instância (…), os juízes, que vão julgar o caso em segunda instância, têm, naturalmente, a liberdade de
fazer o exame direto dos elementos pessoais de prova (pelo que, o art. 616 autoriza o novo interrogatório do acusado e a reinquirição das testemunhas,
na sessão de julgamento, sem necessidade de termo, pois os julgadores estão presentes, e não há outra instância ordinária, para apreciar a espécie),
bem como ordenar todas as diligências destinadas a sanar nulidade, ou melhor esclarecer a verdade dos fatos.” (in Espínola Filho, Eduardo –
Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, Editora Rio, 5ª Edição, p. 301).

5. Deveras, é cediço na Corte que: “DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DO ART. 616, CPP.
REVOLVIMENTO DE MATERIAL PROBATÓRIO. ORDEM DENEGADA. (…) 3. A fundamentação exposta no sentença que embasou a condenação do recorrente pela juíza de
direito, posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça se revela hábil e coerente, não ha­vendo qualquer vício no acórdão da Corte local que possa
ensejar a declaração de nulidade do julgamento. Além disso, repisa-se, não é pos­sível revolver exame de prova em sede de habeas corpus. 4. O alegado
descumprimento do disposto no art. 616, do Código de Processo Pe­nal não ocorreu no caso em tela, tendo a Corte estadual fundamentado de maneira
suficiente e adequada a razão pela qual não se tratava de hipótese de retratação das declarações prestadas pela vítima em juízo. 5. Recurso ordinário
improvido.” (RHC 91.405/SC, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, SEGUNDA TURMA, DJe 24/10/2008); “(…) Impropriedade do pedido de realização de nova instrução
processual no segundo grau de jurisdição. Excepcionalidade da norma do art. 616 do Código de Processo Penal, não aplicável à hipótese (…).” (HC
92181/MG, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, SEGUNDA TURMA, DJe 01/08/2008).

6. In casu, verifica-se que o Tribunal de origem motivou adequada­mente o indeferimento do pleito formulado pela defesa, que não logrou
demonstrar o prejuízo a ela causado a justificar a anulação do julgado.

7. Parecer do parquet pela denegação da ordem. Ordem denegada.

HC N. 101.537-MS

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PRISÃO PREVENTIVA – EXCEPCIONALIDADE. Em virtude do princípio constitucional da não culpabilidade, a custódia acauteladora há de ser tomada como
exceção. Cumpre interpretar os preceitos que a regem de forma estrita, reservando-a a situações em que a liberdade do acusado coloque em risco os
cidadãos ou a instrução penal.

PRISÃO PREVENTIVA – IMPUTAÇÃO. A imputação não respalda a prisão preventiva, sob pena de presumir-se a culpa.

PRISÃO PREVENTIVA – SUPOSIÇÕES. Não fundamentam a prisão preventiva simples suposições quanto a poder o acusado deixar o distrito da culpa e a vir a
obstaculizar a instrução criminal.

PRISÃO PREVENTIVA – PERICULOSIDADE DE ENVOLVIDO. A periculosidade de um dos envolvidos surge com caráter individual, não servindo, ainda que seja o
chefe da suposta quadrilha, a levar à prisão de outros acusados.

PRISÃO PREVENTIVA – MINISTÉRIO PÚBLICO E JUDICIÁRIO – RIGOR. A credibilidade, quer do Ministério Público, quer do Judiciário, não está na adoção de
postura rigorosa à margem da ordem jurídica, mas na observância desta.

PRISÃO PREVENTIVA – EPISÓDIO – REPERCUSSÃO NACIONAL E SENTIMENTO DA SOCIEDADE. Nem a repercussão nacional de certo episódio, nem o sentimento de
indignação da sociedade lastreiam a custódia preventiva.

HC N. 103.418-PE

RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI

EMENTA :
Habeas corpus . Constitucional. Processual Penal. Interceptação telefônica. Crimes supostamente praticados por oficiais de justiça da Comarca de Caruaru/PE.
Eventual ilegalidade da decisão que autorizou a interceptação. Não ocorrência. Decisão devidamente fundamentada. Indícios suficientes de
participação nos crimes sugeridos. Único meio de prova disponível. Precedentes.

1. É da jurisprudência da Corte o entendimento de que
“é lícita a interceptação telefônica, determinada em decisão judicial fundamentada, quando necessária, como único meio de prova, à apuração de fato
delituoso”
(HC nº 105.527/DF, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 13/5/11).

2. No caso, a decisão proferida pelo Juízo de piso, autorizando a interceptação telefônica em questão, encontra-se devidamente fundamentada, sendo os
elementos constantes dos autos suficientes para afastar os argumentos dos impetrantes/pacientes de que não havia indícios de materialidade em infração
penal para se determinar a quebra do sigilo telefônico ou de que as provas pudessem ser colhidas por outros meios disponíveis, mormente se levado em
conta que as negociações das vantagens indevidas solicitadas se davam por telefone.

3. Ordem denegada.

AG. REG NO RE C/ AGRAVO N. 650.696-PR

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – VALIDADE CONSTITUCIONAL DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE À INSTITUIÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DESTINADA AO CUSTEIO DO SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO (SAT) – EXIGIBILIDADE DESSA ESPÉCIE TRIBUTÁRIA – RECURSO IMPROVIDO.

– A legislação pertinente à instituição da contribuição social destinada ao custeio do Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) e os decretos presidenciais que pormenorizaram as condições de enquadramento das empresas contribuintes não transgridem, formal ou
materialmente, a Constituição da República, inexistindo, em conseqüência, qualquer situação de ofensa aos postulados constitu­cionais da
legalidade estrita (CF, art. 5º, II) e da tipicidade cerrada (CF, art. 150, I), inocorrendo, ainda, por parte de tais diplomas normativos, qualquer desrespeito às cláusulas consti­tucionais referentes à delegação legislativa (CF, arts. 2º e 68) e à igualdade em matéria tributária (CF, arts. 5º, “caput”, e 150, II). Precedente: RE 343.446/SC, Rel. Min.
CARLOS VELLOSO (Pleno).

O tratamento dispensado à referida contribuição social (SAT) não exige a edição de lei complementar (CF, art. 154, I), por não se registrar a hipótese inscrita no art. 195, § 4º, da Carta Política, resultando conseqüentemente legítima a disciplinação
normativa dessa exação tributária mediante legislação de caráter meramente ordinário. Precedentes.

RHC N. 107.915-SP

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. NULIDADES PROCESSUAIS. PROCESSO PENAL MILITAR. INTERROGATÓRIO. AMPLA
DEFESA E CONTRADITÓRIO. PRESENÇA DO DEFENSOR. AUSÊNCIA DE ADVERTÊNCIA SOBRE O DIREITO AO SILÊNCIO. RÉUS QUE APRESENTAM SUA VERSÃO DOS FATOS.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. ALTERAÇÃO DE ADVOGADO SEM ANUÊNCIA DOS RÉUS. FATO QUE NÃO PODE SER ATRIBUÍDO AO PODER JUDI­CIÁRIO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. AUSÊNCIA DE ABUSO DE PODER, ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA APTAS A DESCONSTITUIR A COISA SOBERANAMENTE JULGADA.
RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.

1. As garantias da ampla defesa e do contraditório restam observadas, não prosperando o argumento de que a falta de advertência, no interro­gatório,
sobre o direito dos réus permanecerem calados, seria causa de nulidade apta a anular todo o processo penal, nos casos em que a higidez do ato é
corroborada pela presença de defensor durante o ato, e pela opção feita pelos réus de, ao invés de se utilizarem do direito ao silêncio, externar a sua
própria versão dos fatos, contrariando as acusações que lhes foram feitas, como consectário de estratégia defensiva.

2. A falta de advertência sobre o direito ao silêncio não conduz à anulação automática do interrogatório ou depoimento, restando mister observar as
demais circunstâncias do caso concreto para se verificar se houve ou não o constrangimento ilegal. (HC 88.950/RS, Relator Min. Marco Aurélio, Primeira
Turma, Julgamento em 25/9/2007, HC 78.708/SP, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, Julgamento em 9/3/1999, RHC 79.973/MG, Relator Min.
Nelson Jobim, Segunda Turma, Julgamento em 23/5/2000.)

3. In casu:

a) os recorrentes, policiais militares, foram processados e condenados como incursos no § 1º do artigo 308 do Código Penal Militar, a 2 (dois) anos e 8
(oito) meses de reclusão em regime inicial aberto;

b) a sentença destaca que, no dia 3/4/1996, na cidade de São Paulo/SP, os sentenciados, agindo em coautoria, exigiram da vítima vantagem indevida no
valor de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) com o escopo de se omitirem quanto às providências cabíveis relativas ao ato ilícito de condução de
veículo automotor sem portar os documentos necessários, que implicaria na apreensão do veículo e autuação do infrator;

c) a condenação ocorreu em 21/7/1997, confirmada por apelação julgada em 19/12/2000, sendo certo que o Ministério Público ajuizou representação junto
ao Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo com o escopo de decretação de perda da graduação das praças, julgada procedente, e transitada em
julgado em 27/11/2001 (fls. 123);

d) destarte, em 8/1/2002, a defesa dos réus ajuizou revisão criminal, que foi julgada improcedente, e transitou em julgado em 28/10/2008, sendo as
penas julgadas extintas ante o seu cumprimento, conforme sentenças exaradas pelo Juízo de Direito das Execuções Criminais da Comarca de Santo André, em
9/11/2004 e 16/2/2005;

e) aos 20/10/2009, a defesa reabriu o caso por meio de impetração do writ junto ao Superior Tribunal de Justiça, que se voltou contra o acórdão
da apelação julgada pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo.

4. A suposta nulidade decorrente de alteração de defensor sem a anuência das partes restou superada pelas informações prestadas pelo Tribunal de
Justiça Militar do Estado de São Paulo (
“1º à época, a grande maioria dos policiais militares processados no âmbito da Justiça Militar era defendida por advogados que integravam o
Departamento Jurídico da Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar e prestavam assistência jurídica aos associados dessa entidade, como
ocorreu neste caso; 2º – em nenhum momento houve por parte do Juízo a “desconstituição” ou a “nomeação” de qualquer advogado para atuar nos autos,
tendo sim na verdade ocorrido apenas alterações no quadro de advogados da referida Associação, cuja composição, como não poderia deixar de ser, é
de seu livre arbítrio
).

5. É cediço na Corte que:

a) o princípio geral vigente no processo penal é o de que somente se proclama a nulidade de um ato processual quando há a efetiva demonstração de
prejuízo, nos termos do que dispõe o art. 563 do CPP, verbis: Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa;

b) a Súmula nº 523 do Supremo Tribunal Federal dispõe que “ No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu” (HC
93.868/PE, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, Julgamento em 28/10/2008; HC 98.403/AC, Rel. Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, Julgamento em
24/8/2010, HC 94.817, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, Julgamento em 3/8/2010.)

6. Os presentes autos não revelam a existência de abuso de poder, ilegalidade ou teratologia que possa autorizar a concessão do writ,
desconstituindo, assim, um feito processual já acobertado pela coisa soberanamente julgada.

7. Recurso ordinário desprovido.

RMS N. 23.586-DF

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Recurso ordinário em mandado de segurança. 1. Impugnação de cláusula de edital de concurso público. Decadência. Termo inicial.  Momento em que a
disposição editalícia causar prejuízo ao candidato impetrante. 2. Caráter precário e transitório da concessão liminar mandamental. 3. A estipulação, em
edital de concurso público, da denominada “cláusula de barreira” – que estipula a quantidade de candidatos aptos a prosseguir nas diversas fases do
certame – não viola a Constituição Federal. 4. Recurso a que se nega provimento.

*noticiado no Informativo 646

ADI N. 2.650-DF

RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI

EMENTA:Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 7º da Lei 9.709/98. Alegada violação do art. 18, § 3º, da Constituição. Des­membramento de
estado-membro e município. Plebiscito. Âmbito de consulta. Interpretação da expressão “população diretamente interessada”. População da área
desmembranda e da área remanescente. Alteração da Emenda Constitucional nº 15/96: esclarecimento do âmbito de consulta para o caso de reformulação
territorial de municípios. Interpretação sistemática. Aplicação de requisitos análogos para o desmembramento de estados. Ausência de violação dos
princípios da soberania popular e da cidadania. Constitucionalidade do dispositivo legal. Improcedência do pedido.

1. Após a alteração promovida pela EC 15/96, a Constituição explicitou o alcance do âmbito de consulta para o caso de reformulação territorial de
municípios e, portanto, o significado da expressão “populações diretamente interessadas”, contida na redação originária do § 4º do art. 18 da
Constituição, no sentido de ser necessária a consulta a toda a população afetada pela modificação territorial, o que, no caso de desmembramento, deve
envolver tanto a população do território a ser desmembrado, quanto a do território remanescente. Esse sempre foi o real sentido da exigência
constitucional – a nova redação conferida pela emenda, do mesmo modo que o art. 7º da Lei 9.709/98, apenas tornou explícito um conteúdo já presente na
norma originária.

2. A utilização de termos distintos para as hipóteses de des­membramento de estados-membros e de municípios não pode resultar na conclusão de que cada
um teria um significado diverso, sob pena de se admitir maior facilidade para o desmembramento de um estado do que para o desmembramento de um
município. Esse problema hermenêutico deve ser evitado por intermédio de interpretação que dê a mesma solução para ambos os casos, sob pena de, caso
contrário, se ferir, inclusive, a isonomia entre os entes da federação. O presente caso exige, para além de uma interpretação gramatical, uma
interpretação sistemática da Constituição, tal que se leve em conta a sua integralidade e a sua harmonia, sempre em busca da máxima da unidade
constitucional, de modo que a interpretação das normas constitucionais seja realizada de maneira a evitar contradições entre elas. Esse objetivo será
alcançado mediante interpretação que extraia do termo “população diretamente interessada” o significado de que, para a hipótese de desmembramento, deve
ser consultada, mediante plebiscito, toda a população do estado-membro ou do município, e não apenas a população da área a ser desmembrada.

3. A realização de plebiscito abrangendo toda a população do ente a ser desmembrado não fere os princípios da soberania popular e da cidadania. O que
parece afrontá-los é a própria vedação à realização do plebiscito na área como um todo. Negar à população do território remanescente o direito de
participar da decisão de desmembramento de seu estado restringe esse direito a apenas alguns cidadãos, em detrimento do princípio da isonomia, pilar de
um Estado Democrático de Direito.

4. Sendo o desmembramento uma divisão territorial,  uma separação, com o desfalque de parte do território e de parte da sua população, não há como
excluir da consulta plebiscitária os interesses da população da área remanescente, população essa que também será inevi­tavelmente afetada. O
desmembramento dos entes federativos, além de reduzir seu espaço territorial e sua população, pode resultar, ainda, na cisão da unidade sociocultural,
econômica e financeira do Estado, razão pela qual a vontade da população do território remanescente não deve ser desconsiderada, nem deve ser essa
população rotulada como indiretamente interessada. Indiretamente interessada – e, por isso, consultada apenas indiretamente, via seus representantes
eleitos no Congresso Nacional – é a população dos demais estados da Federação, uma vez que a redefinição territorial de determinado estado-membro
interessa não apenas ao respectivo ente federativo, mas a todo o Estado Federal.

5. O art. 7º da Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998, conferiu adequada interpretação ao art. 18, § 3º, da Constituição, sendo, portanto, plenamente
compatível com os postulados da Carta Republicana. A previsão normativa concorre para concretizar, com plenitude, o princípio da soberania popular, da
cidadania e da autonomia dos estados-membros. Dessa forma, contribui  para que o povo exerça suas prerrogativas de cidadania e de autogoverno de
maneira bem mais enfática.

6. Ação direta julgada improcedente.

*noticiado no Informativo 637

HC N. 106.155-RJ

RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. LUIZ FUX

Ementa: PENAL. CRIME TIPIFICADO NO ART. 12, § 2º, INCISO III, DA LEI 6.368/76 (CONTRIBUIÇÃO PARA O TRÁFICO, COMO “FOGUETEIRO”). REVOGAÇÃO DA LEI 6.368/76
PELA LEI 11.343/06. ABOLITIO CRIMINIS. INEXISTÊNCIA. CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA. CONDUTA TIPIFICADA NO ART. 37 DA LEI REVOGADORA. LEX MITIOR. RETROAÇÃO. ART. 5º, INC. XL, DA CF.

1 . A conduta do “fogueteiro do tráfico”, antes tipificada no art. 12, § 2º, da Lei 6.368/76, encontra correspondente no art. 37 da Lei que a revogou, a
Lei 11.343/06, não cabendo falar em abolitio criminis.

2. O informante, na sistemática anterior, era penalmente responsável como coautor ou partícipe do crime para o qual colaborava, em sintonia com a teoria
monística do art. 29 do Código Penal: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

3. A nova Lei de Entorpecentes abandonou a teoria monística, ao tipificar no art. 37, como autônoma, a conduta do colaborador, aludindo ao
informante (o “fogueteiro”, sem dúvida, é informante), e cominou, em seu preceito secundário, pena de 2 (dois) a 6 (seis) anos de reclusão, e o
pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa, que é inferior à pena cominada no art. 12 da Lei 6.368/76, expressando a mens lege que a conduta a ser punida mais severamente é a do verdadeiro traficante, e não as periféricas.

4. A revogação da lei penal não implica, necessariamente,  descriminalização de condutas. Necessária se faz a observância ao princípio da continuidade
normativo-típica, a impor a manutenção de condenações dos que infringiram tipos penais da lei revogada quando há, como in casu, correspondência
na lei revogadora.

5. Reconhecida a dupla tipicidade, é imperioso que se faça a dosimetria da pena tendo como parâmetro o quantum cominado abstratamente no preceito
secundário do art. 37 da Lei 11.343/06, de 2 (dois) a 6 (seis) anos de reclusão, lex mitior retroativa por força do art. 5º, XL, da Constituição
Federal, e não a pena in abstrato cominada no art. 12 da Lei 6.368/76, de 3 (três) a 15 (quinze) anos de reclusão.

6. Ordem denegada nos termos em que requerida, mas concedida, de ofício, para determinar ao juízo da execução que proceda à nova dosimetria, tendo como baliza a
pena abstratamente cominada no art. 37 da Lei 11.343/06, observando-se os consectários da execução decorrentes da pena redimensionada, como progressão
de regime, livramento condicional etc.

*noticiado no Informativo 643

RE N. 633.703/MG

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

LEI COMPLEMENTAR 135/2010, DENOMINADA LEI DA FICHA LIMPA. INAPLICABILIDADE ÀS ELEIÇÕES GERAIS 2010. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL (ART. 16 DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA).

I. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ELEITORAL. O pleno exercício de direitos políticos por seus
titulares (eleitores, candidatos e partidos) é assegurado pela Constituição por meio de um sistema de normas que conformam o que se poderia denominar
de devido processo legal eleitoral. Na medida em que estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade dos direitos políticos, essas
regras também compõem o rol das normas denominadas cláusulas pétreas e, por isso, estão imunes a qualquer reforma que vise a aboli-las. O art. 16 da
Constituição, ao submeter a alteração legal do processo eleitoral à regra da anualidade, constitui uma garantia fundamental para o pleno exercício de
direitos políticos. Precedente: ADI 3.685, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. em 22.3.2006. A LC 135/2010 interferiu numa fase específica do processo
eleitoral, qualificada na jurisprudência como a fase pré-eleitoral, que se inicia com a escolha e a apresentação das candidaturas pelos partidos
políticos e vai até o registro das candidaturas na Justiça Eleitoral. Essa fase não pode ser delimitada temporalmente entre os dias 10 e 30 de junho,
no qual ocorrem as convenções partidárias, pois o processo político de escolha de candidaturas é muito mais complexo e tem início com a própria
filiação partidária do candidato, em outubro do ano anterior. A fase pré-eleitoral de que trata a jurisprudência desta Corte não coincide com as datas
de realização das convenções partidárias. Ela começa muito antes, com a própria filiação partidária e a fixação de domicílio eleitoral dos candidatos,
assim como o registro dos partidos no Tribunal Superior Eleitoral. A competição eleitoral se inicia exatamente um ano antes da data das eleições e,
nesse interregno, o art. 16 da Constituição exige que qualquer modificação nas regras do jogo não terá eficácia imediata para o pleito em curso.

II. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE DE CHANCES. Toda limitação legal ao direito de sufrágio
passivo, isto é, qualquer restrição legal à elegibilidade do cidadão constitui uma limitação da igualdade de oportunidades na competição eleitoral. Não
há como conceber causa de inelegibilidade que não restrinja a liberdade de acesso aos cargos públicos, por parte dos candidatos, assim como a liberdade
para escolher e apresentar candidaturas por parte dos partidos políticos. E um dos fundamentos teleológicos do art. 16 da Constituição é impedir
alterações no sistema eleitoral que venham a atingir a igualdade de participação no prélio eleitoral.

III. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS E O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NA DEMOCRACIA. O
princípio da anterioridade eleitoral constitui uma garantia fundamental também destinada a assegurar o próprio exercício do direito de minoria
parlamentar em situações nas quais, por razões de conveniência da maioria, o Poder Legislativo pretenda modificar, a qualquer tempo, as regras e
critérios que regerão o processo eleitoral. A aplicação do princípio da anterioridade não depende de considerações sobre a moralidade da legislação. O
art. 16 é uma barreira objetiva contra abusos e desvios da maioria, e dessa forma deve ser aplicado por esta Corte. A proteção das minorias
parlamentares exige reflexão acerca do papel da Jurisdição Constitucional nessa tarefa. A Jurisdição Constitucional cumpre a sua função quando aplica
rigorosamente, sem subterfúgios calcados em considerações subjetivas de moralidade, o princípio da anterioridade eleitoral previsto no art. 16 da
Constituição, pois essa norma constitui uma garantia da minoria, portanto, uma barreira contra a atuação sempre ameaçadora da maioria.

IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. Recurso extraordinário conhecido para: a) reconhecer a repercussão geral da questão constitucional
atinente à aplicabilidade da LC 135/2010 às eleições de 2010, em face do princípio da anterioridade eleitoral (art. 16 da Constituição), de modo a
permitir aos Tribunais e Turmas Recursais do país a adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de retratação ou declaração de inadmissibilidade
dos recursos repetitivos, sempre que as decisões recorridas contrariarem ou se pautarem pela orientação ora firmada. b) dar provimento ao recurso,
fixando a não aplicabilidade da Lei Complementar n° 135/2010 às eleições gerais de 2010.

*noticiado no Informativo 620

Acórdãos Publicados: 199

Transcrições

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do Informativo STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste
espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Lei da “Ficha Limpa” e hipótese de inelegibilidade (Transcrições)

(v. Informativo 647)

ADC 29/DF, ADC 30/DF, ADI 4578/DF*

RELATOR: Min. Luiz Fux

Voto : Preliminarmente, conheço da ADI 4.578, porquanto já reconhecida a legitimidade da Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL para a
propositura de ação direta de inconstitucionalidade, na forma do art. 103, IX, da Constituição Federal, em precedentes desta Corte (v.g., ADI
1.590, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 19.06.1997). Afigura-se presente, ademais, a pertinência temática, uma vez que se vislumbra a relação entre as
finalidades institucionais da mencionada Confederação e o teor do art. 1º, I, “m” da Lei Complementar nº 64/90, introduzido pela Lei Complementar nº
135/10, norma impugnada na ADI em apreço.

De igual maneira, hão de ser conhecidos os pedidos de ambas as ações declaratórias de constitucionalidade ora em julgamento, mesmo porque ajuizadas por
entidades expressamente referidas no art. 103 da Carta Magna e dotadas de legitimação universal, mas, quanto à ADC 30, apenas em parte. As exordiais
atendem às exigências do art. 14, III, da Lei nº 9.686/99, especialmente no que concerne à demonstração da existência de controvérsia judicial
relevante sobre os dispositivos legais que constituem objeto da ação. De fato, há efetiva divergência jurisprudencial entre Tribunais Regionais
Eleitorais e o Tribunal Superior Eleitoral quanto à aplicabilidade da Lei Complementar nº 135/10 em amplitude maior do que a examinada pelo Supremo
Tribunal Federal no julgamento do RE 633.703 (Rel. Min. GILMAR MENDES).

Naquela oportunidade, esta Corte limitou-se a pacificar a jurisprudência no que dizia respeito à inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidades
previstas na Lei Complementar nº 135/10 às eleições de 2010. Observe-se, por outro lado, que a controvérsia judicial demonstrada cuida exclusivamente
das hipóteses de inelegibilidade introduzidas nas alíneas “c”, “d”, “e”, “f”, “g”, “h”, “j”, “k”, “l”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I,
da Lei Complementar nº 64/90, por força da Lei Complementar nº 135/10. Não há demonstração dessa controvérsia para os demais dispositivos da Lei
Complementar nº 135/10.

Vê-se que o pedido formulado na ADC 30 é de declaração de constitucionalidade “da Lei Complementar nº 135/10”, o que poderia sugerir que se pretende
atingir a totalidade do diploma legal em comento. No entanto, não foram declinados na peça vestibular da ADC 30 os fundamentos jurídicos do pedido de
declaração de constitucionalidade de outros dispositivos da Lei Complementar nº 135/10 que não dizem respeito especificamente à previsão de novas
hipóteses de inelegibilidades, com o que, relativamente a estes, não foi atendido o disposto no art. 14, I, da Lei nº 9.868/99. Portanto, considerada a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não se há de conhecer da questão concernente à constitucionalidade dos demais dispositivos da Lei
Complementar nº 135/10.

Cabe, então, passar-se ao exame de mérito, posto cuidar-se de exame de magnitude consideravelmente maior do que aquele submetido ao exame da Corte no
julgamento do referido RE 633.703.

Há três questões a responder neste julgamento, quais sejam: (1) se as inelegibilidades introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10 poderão
alcançar atos ou fatos ocorridos antes da edição do mencionado diploma legal e (2) se é constitucional a hipótese de inelegibilidade prevista no
art. 1º, I, “m”, da Lei Complementar nº 64/90, inserido pela Lei Complementar nº 135/10. Sucede que o exame dessas questões demanda, previamente, (3) a própria fiscalização abstrata de constitucionalidade de todas as hipóteses de inelegibilidade criadas pela Lei Complementar nº 135/10, que
podem ser divididas, basicamente, em cinco grupos, a saber:

(i) condenações judiciais (eleitorais, criminais ou por improbidade administrativa) proferidas por órgão colegiado;

(ii) rejeição de contas relativas ao exercício de cargo ou função pública (necessariamente colegiadas, porquanto prolatadas pelo Legislativo ou
por Tribunal de Contas, conforme o caso);

(iii) perda de cargo (eletivo ou de provimento efetivo), incluindo-se as aposentadorias compulsórias de magistrados e membros do Ministério
Público e, para os militares, a indignidade ou incompatibilidade para o oficialato;

(iv) renúncia a cargo público eletivo diante da iminência da instauração de processo capaz de ocasionar a perda do cargo; e

(v) exclusão do exercício de profissão regulamentada, por decisão do órgão profissional respectivo, por violação de dever ético-profissional.

Primeiramente, é bem de ver que
a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não viola o princípio constitucional da iirretroatividade das leis . De modo a permitir a compreensão do que ora se afirma, confira-se a lição de J. J. GOMES CANOTILHO ( Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5. edição. Coimbra: Almedina, 2001, p. 261-262), em textual:

“[…] Retroactividade consiste basicamente numa ficção: (1) decretar a validade e vigência de uma norma a partir de um marco temporal (data)
anterior à data da sua entrada em vigor; (2) ligar os efeitos jurídicos de uma norma a situações de facto existentes antes de sua entrada em
vigor. […]” (Os grifos são do original.)

O mestre de Coimbra, sob a influência do direito alemão, faz a distinção entre:

(i) a retroatividade autêntica: a norma possui eficácia ex tunc, gerando efeito sobre situações pretéritas, ou, apesar de pretensamente
possuir eficácia meramente ex nunc, atinge, na verdade, situações, direitos ou relações jurídicas estabelecidas no passado; e

(ii) a retroatividade inautêntica (ou retrospectividade): a norma jurídica atribui efeitos futuros a situações ou relações jurídicas já
existentes, tendo-se, como exemplos clássicos, as modificações dos estatutos funcionais ou de regras de previdência dos servidores públicos (v. ADI
3105 e 3128, Rel. para o acórdão Min. CEZAR PELUSO).

Como se sabe, a retroatividade autêntica é vedada pela Constituição da República, como já muitas vezes reconhecido na jurisprudência deste Tribunal. O
mesmo não se dá com a retrospectividade, que, apesar de semelhante, não se confunde com o conceito de retroatividade mínima defendido por
MATOS PEIXOTO e referido no voto do eminente Ministro MOREIRA ALVES proferido no julgamento da ADI 493 (j. 25.06.1992): enquanto nesta são alteradas,
por lei, as consequências jurídicas de fatos ocorridos anteriormente – consequências estas certas e previsíveis ao tempo da ocorrência do fato –,
naquela a lei atribui novos efeitos jurídicos, a partir de sua edição, a fatos ocorridos anteriormente. Repita-se: foi o que se deu com a promulgação
da Emenda Constitucional nº 41/03, que atribuiu regimes previdenciários diferentes aos servidores conforme as respectivas datas de ingresso no serviço
público, mesmo que anteriores ao início de sua vigência, e recebeu a chancela desta Corte.

A aplicabilidade da Lei Complementar n.º 135/10 a processo eleitoral posterior à respectiva data de publicação é, à luz da distinção supra, uma hipótese clara e inequívoca de retroatividade inautêntica, ao estabelecer limitação prospectiva ao ius honorum (o
direito de concorrer a cargos eletivos) com base em fatos já ocorridos. A situação jurídica do indivíduo – condenação por colegiado ou perda de cargo
público, por exemplo – estabeleceu-se em momento anterior, mas seus efeitos perdurarão no tempo. Esta, portanto, a primeira consideração importante:
ainda que se considere haver atribuição de efeitos, por lei, a fatos pretéritos, cuida-se de hipótese de retrospectividade, já admitida na
jurisprudência desta Corte.

Demais disso, é sabido que o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal preserva o direito adquirido da incidência da lei nova. Mas não parece correto nem
razoável afirmar que um indivíduo tenha o direito adquirido de candidatar-se, na medida em que, na lição de GABBA ( Teoria della Retroattività delle Leggi. 3. edição. Torino: Unione Tipografico-Editore, 1981, v. 1, p. 1), é adquirido aquele direito

“[…] que é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo em virtude da lei vigente ao tempo que se efetuou, embora a ocasião de fazê-lo valer não se
tenha apresentado antes da atuação da lei nova, e que, sob o império da lei vigente ao tempo em que se deu o fato, passou imediatamente a fazer parte
do patrimônio de quem o adquiriu.” (Tradução livre do italiano)

Em outras palavras, a elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral,
consubstanciada no não preenchimento de requisitos “negativos” (as inelegibilidades). Vale dizer, o indivíduo que tenciona concorrer a cargo eletivo
deve aderir ao estatuto jurídico eleitoral. Portanto, a sua adequação a esse estatuto não ingressa no respectivo patrimônio jurídico, antes se
traduzindo numa relação ex lege dinâmica.

É essa característica continuativa do enquadramento do cidadão na legislação eleitoral, aliás, que também permite concluir pela validade da extensão
dos prazos de inelegibilidade, originariamente previstos em 3 (três) , 4 (quatro) ou 5 (cinco) anos, para 8 (oito) anos, nos casos em que os mesmos
encontram-se em curso ou já se encerraram. Em outras palavras, é de se entender que, mesmo no caso em que o indivíduo já foi atingido pela
inelegibilidade de acordo com as hipóteses e prazos anteriormente previstos na Lei Complementar nº 64/90, esses prazos poderão ser estendidos – se
ainda em curso – ou mesmo restaurados para que cheguem a 8 (oito) anos, por força da lex nova, desde que não ultrapassem esse prazo.

Explica-se: trata-se, tão-somente, de imposição de um novo requisito negativo para a que o cidadão possa candidatar-se a cargo eletivo, que não se
confunde com agravamento de pena ou com bis in idem. Observe-se, para tanto, que o legislador cuidou de distinguir claramente a inelegibilidade
das condenações – assim é que, por exemplo, o art. 1º, I, “e”, da Lei Complementar nº 64/90 expressamente impõe a inelegibilidade para período posterior ao cumprimento da pena.

Tendo em vista essa observação, haverá, em primeiro lugar, uma questão de isonomia a ser atendida: não se vislumbra justificativa para que um
indivíduo que já tenha sido condenado definitivamente (uma vez que a lei anterior não admitia inelegibilidade para condenações ainda recorríveis)
cumpra período de inelegibilidade inferior ao de outro cuja condenação não transitou em julgado.

Em segundo lugar, não se há de falar em alguma afronta à coisa julgada nessa extensão de prazo de inelegibilidade, nos casos em que a mesma é
decorrente de condenação judicial. Afinal, ela não significa interferência no cumprimento de decisão judicial anterior: o Poder Judiciário fixou a
penalidade, que terá sido cumprida antes do momento em que, unicamente por força de lei – como se dá nas relações jurídicas ex lege –, tornou-se
inelegível o indivíduo. A coisa julgada não terá sido violada ou desconstituída.

Demais disso, tem-se, como antes exposto, uma relação jurídica continuativa, para a qual a coisa julgada opera sob a cláusula rebus sic stantibus. A edição da Lei Complementar nº 135/10 modificou o panorama normativo das inelegibilidades, de sorte que a sua aplicação,
posterior às condenações, não desafiaria a autoridade da coisa julgada.

Portanto, não havendo direito adquirido ou afronta à autoridade da coisa julgada, a garantia constitucional desborda do campo da regra do art. 5º,
XXXVI, da Carta Magna para encontrar lastro no princípio da segurança jurídica, ora compreendido na sua vertente subjetiva de proteção das expectativas
legítimas. Vale dizer, haverá, no máximo, a expectativa de direito à candidatura, cuja legitimidade há de ser objeto de particular
enfrentamento. Para tanto, confira-se a definição de expectativas legítimas por SØREN SCHØNBERG ( Legitimate Expectations in Administrative Law. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 6):

[…] Uma expectativa é razoável quando uma pessoa razoável, agindo com diligência, a teria em circunstâncias relevantes. Uma expectativa é legítima
quando o sistema jurídico reconhece a sua razoabilidade e lhe atribui conseqüências jurídicas processuais, substantivas ou compensatórias. (Tradução
livre do inglês)

Questiona-se, então: é razoável a expectativa de candidatura de um indivíduo já condenado por decisão colegiada? A resposta há de ser negativa. Da exigência constitucional de moralidade para o exercício de mandatos eletivos (art. 14, § 9º) se há de inferir que uma
condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, a rejeição de contas
públicas, a perda de cargo público ou o impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético profissional excluirão a razoabilidade da
expectativa. A rigor,
há de se inverter a avaliação: é razoável entender que um indivíduo que se enquadre em tais hipóteses qualificadas não esteja, a priori,
apto a exercer mandato eletivo
.

Nessa linha de raciocínio, é de se pontuar que, mesmo sob a vigência da redação original da Lei Complementar n.º 64/90, o indivíduo que, condenado em
segunda instância ou por órgão colegiado, por exemplo, teria, ao menos, a perspectiva de, confirmando-se a decisão em instância definitiva ou
transitando em julgado a decisão desfavorável, de, no futuro, tornar-se inelegível e, caso eleito, perder o mandato. Razoável, portanto, seria a expectativa de inelegibilidade e não o contrário, o que permite distinguir a questão ora posta daquela
examinada no RE 633.703 (Rel. Min. GILMAR MENDES), em que havia legítimas expectativas por força da regra contida no art. 16 da Constituição Federal,
que tutelava, a um só tempo, o princípio da proteção da confiança e o princípio democrático.

Sob a mesma justificativa, a presunção constitucional de inocência não pode configurar óbice à validade da Lei Complementar nº 135/10. O
debate demanda a análise dos precedentes desta Corte, dentre os quais o da ADPF 144 (Rel. Min. CELSO DE MELLO) é certamente o mais adequado ao exame,
sem prejuízo de outros julgados em que o STF reconheceu a irradiação da presunção de inocência para o Direito Eleitoral (v.g., o RE 482.006, Rel. Min.
RICARDO LEWANDOWSKI).

Naquela oportunidade, o STF, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado na ADPF, que se prestava ao reconhecimento da inconstitucionalidade – rectius, da não recepção – de parte das alíneas “d”, “e”, “g” e “h” do inciso I do art. 1.º da LC 64/90, naquilo em que exigiam a
irrecorribilidade ou definitividade das decisões capazes de ensejar a inelegibilidade. Conforme a profunda análise do eminente Min. CELSO DE MELLO, a
ADPF não poderia ser acolhida porque, em síntese:

(i) propunha-se, na verdade, a criação de novas hipóteses de inelegibilidades, ao arrepio da exigência constitucional de lei complementar para tanto; e

(ii) violava-se o princípio constitucional da presunção de inocência, dotado de eficácia irradiante para além dos domínios do processo penal, conforme
já se havia estabelecido na jurisprudência do STF.

O primeiro aspecto, com a edição da Lei Complementar nº 135/10, encontra-se superado.

Já o tema da presunção de inocência merece atenção um pouco mais detida. Anota SIMONE SCHREIBER (Presunção de Inocência. In TORRES, Ricardo Lobo
et al. (org.). Dicionário de Princípios Jurídicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2001, p. 1004-1016) que dito princípio foi consagrado na Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, refletindo uma concepção do processo penal como instrumento de tutela da liberdade, em reação ao sistema
persecutório do Antigo Regime francês, “[…] no qual a prova dos fatos era produzida através da sujeição do acusado à prisão e tormento, com o fim de extrair dele a confissão. […]” . Sua recepção no ordenamento jurídico brasileiro, particularmente na jurisprudência deste STF, vinha tratando como sinônimos as expressões presunção de inocência e não culpabilidade.

Por outro lado, o percuciente exame do Min. CELSO DE MELLO na ADPF 144 buscou as raízes históricas da norma em apreço, resgatando o debate que vicejou
na doutrina italiana para salientar o caráter democrático da previsão constitucional da presunção de inocência na Carta de 1988, sobretudo na superação
da ordem autoritária que se instaurou no país de 1964 a 1985, e para afirmar a aplicação extrapenal do princípio.

Não cabe discutir, nestas ações, o sentido e o alcance da presunção constitucional de inocência (ou a não culpabilidade, como se preferir) no que
diz respeito à esfera penal e processual penal
. Cuida-se aqui tão-somente da aplicabilidade da presunção de inocência especificamente para fins eleitorais, ou seja, da sua irradiação para ramo do
Direito diverso daquele a que se refere a literalidade do art. 5º, LVII, da Constituição de 1988. Em outras palavras, é reexaminar a percepção,
consagrada no julgamento da ADPF 144, de que decorreria da cláusula constitucional do Estado Democrático de Direito uma interpretação da presunção de
inocência que estenda sua aplicação para além do âmbito penal e processual penal.

Assinale-se, então, que, neste momento, vive-se – felizmente, aliás – quadra histórica bem distinta. São notórios a crise do sistema representativo
brasileiro e o anseio da população pela moralização do exercício dos mandatos eletivos no país. Prova maior disso é o fenômeno da judicialização da política, que certamente decorre do reconhecimento da independência do Poder Judiciário no Brasil, mas também é resultado da
desilusão com a política majoritária, como bem relatado em obra coletiva organizada por VANICE REGINA LÍRIO DO VALLE ( Ativismo Jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2009). O salutar amadurecimento institucional do país recomenda uma
revisão da jurisprudência desta Corte acerca da presunção de inocência no âmbito eleitoral.

Propõe-se, de fato, um overruling dos precedentes relativos à matéria da presunção de inocência vis-à-vis inelegibilidades, para
que se reconheça a legitimidade da previsão legal de hipóteses de inelegibilidades decorrentes de condenações não definitivas.

De acordo com as lições de PATRÍCIA PERRONE CAMPOS MELLO (Precedentes: O Desenvolvimento Judicial do Direito no Constitucionalismo Contemporâneo . Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 233 e seguintes), o abandono de precedentes jurisprudenciais nos sistemas de common law se dá, basicamente,
em virtude de incongruência sistêmica ou social. Nesta última hipótese, a possibilidade de overruling pode advir de obsolescência decorrente de
mutações sociais. In verbis:

“[…] A incongruência social alude a uma relação de incompatibilidade entre as normas jurídicas e os standards sociais; corresponde a um
vínculo negativo entre as decisões judiciais e as expectativas dos cidadãos. Ela é um dado relevante na revogação de um precedente porque a preservação
de um julgado errado, injusto, obsoleto até pode atender aos anseios de estabilidade, regularidade e previsibilidade dos técnicos do direito, mas
aviltará o sentimento de segurança do cidadão comum.

Este será surpreendido sempre que não houver uma convergência plausível entre determinada solução e aquilo que seu bom senso e seus padrões morais
indicam como justo, correto, ou, ao menos, aceitável, à luz de determinados argumentos, porque são tais elementos que ele utiliza, de boa-fé, na
decisão sobre suas condutas. Para o leigo, a certeza e a previsibilidade do direito dependem de uma correspondência razoável entre as normas jurídicas e as normas da vida real. Em virtude
disso, embora para os operadores do Direito, justiça e segurança jurídica possam constituir valores em tensão, para os jurisdicionados em geral, devem
ser minimamente convergentes.” (Os grifos são do original.)

A mesma lógica é aplicável à ordem jurídica brasileira e, com ainda maior razão, ao presente caso. Permissa venia, impõe-se considerar que o
acórdão prolatado no julgamento da ADPF 144 reproduziu jurisprudência que, se adequada aos albores da redemocratização, tornou-se um excesso neste
momento histórico de instituições politicamente amadurecidas, notadamente no âmbito eleitoral.

Já é possível, portanto, revolver temas antes intocáveis, sem que se incorra na pecha de atentar contra uma democracia que – louve-se isto sempre e 
sempre – já está solidamente instalada. A presunção de inocência, sempre tida como absoluta, pode e deve ser relativizada para fins eleitorais ante requisitos qualificados como os exigidos pela Lei Complementar nº 135/10.

Essa nova postura encontra justificativas plenamente razoáveis e aceitáveis. Primeiramente, o cuidado do legislador na definição desses requisitos de
inelegibilidade demonstra que o diploma legal em comento não está a serviço das perseguições políticas. Em segundo lugar, a própria ratio essendi do princípio, que tem sua origem primeira na vedação ao Estado de, na sua atividade persecutória, valer-se de meios degradantes ou
cruéis para a produção da prova contra o acusado no processo penal, é resguardada não apenas por esse, mas por todo um conjunto de normas
constitucionais, como, por exemplo, as cláusulas do devido processo legal (art. 5º, LIV), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV), a
inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI) e a vedação da tortura – à qual a Constituição Federal reconheceu a qualidade de
crime inafiançável (art. 5º, XLIII) – e do tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III).

Demais disso, é de meridiana clareza que as cobranças da sociedade civil de ética no manejo da coisa pública se acentuaram gravemente. Para o cidadão,
hoje é certo que a probidade é condição inafastável para a boa administração pública e, mais do que isso, que a corrupção e a desonestidade são as
maiores travas ao desenvolvimento do país. A este tempo em que ora vivemos deve corresponder a leitura da Constituição e, em particular, a exegese da
presunção de inocência, ao menos no âmbito eleitoral, seguindo-se o sempre valioso escólio de KONRAD HESSE (A Força Normativa da Constituição.
Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p.20), em textual:

“[…] Quanto mais o conteúdo de uma Constituição lograr corresponder à natureza singular do presente, tanto mais seguro há de ser o
desenvolvimento de sua força normativa.

Tal como acentuado, constitui requisito essencial da força normativa da Constituição que ela leve em conta não só os elementos sociais, políticos, e
econômicos dominantes, mas também que, principalmente, incorpore o estado espiritual (geistige Situation) de seu tempo. Isso lhe há de
assegurar, enquanto ordem adequada e justa, o apoio e a defesa da consciência geral.” (Os grifos são do original)

Em outras palavras, ou bem se realinha a interpretação da presunção de inocência, ao menos em termos de Direito Eleitoral, com o estado espiritual do
povo brasileiro, ou se desacredita a Constituição. Não atualizar a compreensão do indigitado princípio, data maxima venia, é desrespeitar a sua
própria construção histórica, expondo-o ao vilipêndio dos críticos de pouca memória.

Por oportuno, ressalte-se que não pode haver dúvida sobre a percepção social do tema. Foi grande a reação social ao julgamento da ADPF 144,
oportunidade em que se debateu a própria movimentação da sociedade civil organizada em contrariedade ao entendimento jurisprudencial até então
consolidado no Tribunal Superior Eleitoral e nesta Corte, segundo o qual apenas a condenação definitiva poderia ensejar inelegibilidade. A Associação
dos Magistrados Brasileiros – AMB, autora da ADPF 144, já fazia divulgar as chamadas listas dos “fichas sujas”, candidatos condenados por decisões
judiciais ainda recorríveis, fato ao qual, inclusive, foram dedicadas considerações na assentada de julgamento daquela Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental.

Na oportunidade, diante da manifestação da Corte no sentido de que não se poderiam criar inelegibilidades sem a previsão em lei complementar, foi
intensa a mobilização social que culminou na reunião de mais de dois milhões de assinaturas e a apresentação do Projeto de Lei Complementar nº 518/09.
Este, com outros projetos similares a que foi apensado, foram submetidos ao debate parlamentar, do qual resultou a Lei Complementar nº 135/10.

Sobreveio, então, o pronunciamento desta Corte no julgamento do RE 633.703 (Rel. Min. GILMAR MENDES), no qual, por maioria de votos, foi afastada a
aplicação da Lei Complementar nº 135/10 às eleições de 2010, a teor do que determina o art. 16 da Constituição Federal (“A lei que alterar o processo
eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”). Mais uma vez, a
reação social contrária foi considerável, retratada em fortes cores pela crítica impressa de todo o país.

A verdade é que a jurisprudência do STF nesta matéria vem gerando fenômeno similar ao que os juristas norteamericanos ROBERT POST e REVA SIEGEL ( Roe Rage: Democratic Constitutionalism and Backlash. Disponível em http://papers.ssrn.com/abstract=990968.) identificam como backlash,
expressão que se traduz como um forte sentimento de um grupo de pessoas em reação a eventos sociais ou políticos. É crescente e consideravelmente
disseminada a crítica, no seio da sociedade civil, à resistência do Poder Judiciário na relativização da presunção de inocência para fins de
estabelecimento das inelegibilidades.

Obviamente, o Supremo Tribunal Federal não pode renunciar à sua condição de instância contramajoritária de proteção dos direitos fundamentais e do
regime democrático. No entanto, a própria legitimidade democrática da Constituição e da jurisdição constitucional depende, em alguma medida, de sua
responsividade à opinião popular. POST e SIEGEL, debruçados sobre a experiência dos EUA – mas tecendo considerações aplicáveis à realidade brasileira
–, sugerem a adesão a um constitucionalismo democrático, em que a Corte Constitucional esteja atenta à divergência e à contestação que exsurgem
do contexto social quanto às suas decisões.

Se a Suprema Corte é o último player nas sucessivas rodadas de interpretação da Constituição pelos diversos integrantes de uma sociedade aberta
de intérpretes (cf. HÄBERLE), é certo que tem o privilégio de, observando os movimentos realizados pelos demais, poder ponderar as diversas razões
antes expostas para, ao final, proferir sua decisão.

Assim, não cabe a este Tribunal desconsiderar a existência de um descompasso entre a sua jurisprudência e a hoje fortíssima opinião popular a respeito
do tema “ficha limpa”, sobretudo porque o debate se instaurou em interpretações plenamente razoáveis da Constituição e da Lei Complementar nº 135/10 –
interpretações essas que ora se adotam. Não se cuida de uma desobediência ou oposição irracional, mas de um movimento intelectualmente embasado, que
expõe a concretização do que PABLO LUCAS VERDÚ chamara de sentimento constitucional, fortalecendo a legitimidade democrática do
constitucionalismo. A sociedade civil identifica-se na Constituição, mesmo que para reagir negativamente ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal
sobre a matéria.

Idênticas conclusões podem ser atingidas sob perspectiva metodológica diversa. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição
Federal deve ser reconhecida, segundo a lição de HUMBERTO ÁVILA (Teoria dos Princípios. 4. edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005), como
uma regra, ou seja, como uma norma de previsão de conduta, em especial a de proibir a imposição de penalidade ou de efeitos da condenação
criminal até que transitada em julgado a decisão penal condenatória. Concessa venia, não se vislumbra a existência de um conteúdo
principiológico no indigitado enunciado normativo.

Sendo assim, a ampliação do seu espectro de alcance operada pela jurisprudência desta Corte significou verdadeira interpretação extensiva da regra,
segundo a qual nenhuma espécie de restrição poderia ser imposta a indivíduos condenados por decisões ainda recorríveis em matéria penal ou mesmo
administrativa. O que ora se sustenta é o movimento contrário, comparável a uma redução teleológica, mas, que, na verdade, só reaproxima o
enunciado normativo da sua própria literalidade, da qual se distanciou em demasia.

Como ensina KARL LARENZ (Metodologia da Ciência do Direito. Trad. José Lamego. 4. edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 556), a
redução teleológica pode ser exigida “pelo escopo, sempre que seja prevalecente, de outra norma que de outro modo não seria atingida”. Ora, é
exatamente disso que se cuida na espécie: a inserção, pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4/94, da previsão do art. 14, § 9º, atualmente vigente
estabeleceu disposição constitucional – portanto, de mesma hierarquia do art. 5º, LVII – que veicula permissivo para que o legislador complementar
estabeleça restrições à elegibilidade com base na vida pregressa do candidato, desde que direcionadas à moralidade para o exercício do mandato.

Nessa ordem de ideias, conceber-se o art. 5º, LVII, como impeditivo à imposição de inelegibilidade a indivíduos condenados criminalmente por decisões
não transitadas em julgado esvaziaria sobremaneira o art. 14, § 9º, da Constituição Federal, frustrando o propósito do constituinte reformador de
exigir idoneidade moral para o exercício de mandato eletivo, decerto compatível com o princípio republicano insculpido no art. 1º, caput, da
Constituição Federal.

Destarte, reconduzir a presunção de inocência aos efeitos próprios da condenação criminal se presta a impedir que se aniquile a teleologia do art. 14,
§ 9º, da Carta Política, de modo que, sem danos à presunção de inocência, seja preservada a validade de norma cujo conteúdo, como acima visto, é
adequado a um constitucionalismo democrático.

É de se imaginar que, diante da perspectiva de restrição, pela Lei Complementar nº 135/10, do alcance da presunção de inocência à matéria criminal,
seja eventualmente invocado o princípio da vedação do retrocesso, segundo o qual seria inconstitucional a redução arbitrária do grau de
concretização legislativa de um direito fundamental – in casu, o direito político de índole passiva (direito de ser votado). No entanto, não há
violação ao mencionado princípio, como se passa a explicar, por duas razões.

A primeira delas é a inexistência do pressuposto indispensável à incidência do princípio da vedação de retrocesso. Em estudo especificamente
dedicado ao tema (O Princípio da Proibição de Retrocesso Social na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2007), anota FELIPE DERBLI,
lastreado nas lições de GOMES CANOTILHO e VIEIRA DE ANDRADE, que é condição para a ocorrência do retrocesso que, anteriormente, a exegese da própria
norma constitucional se tenha expandido, de modo a que essa compreensão mais ampla tenha alcançado consenso básico profundo e, dessa forma, tenha
radicado na consciência jurídica geral. Necessária, portanto, a “sedimentação na consciência social ou no sentimento jurídico coletivo”, nas
palavras de JORGE MIRANDA (Manual de Direito Constitucional, tomo IV: Direitos Fundamentais. 4. edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 399).

Ora, como antes observado, não há como sustentar, com as devidas vênias, que a extensão da presunção de inocência para além da esfera criminal tenha
atingido o grau de consenso básico a demonstrar sua radicação na consciência jurídica geral. Antes o contrário: a aplicação da presunção constitucional
de inocência no âmbito eleitoral não obteve suficiente sedimentação no sentimento jurídico coletivo – daí a reação social antes referida – a ponto de
permitir a afirmação de que a sua restrição legal em sede eleitoral (e frise-se novamente, é apenas desta seara que ora se cuida) atentaria
contra a vedação de retrocesso.

A segunda razão, por seu turno, é a inexistência de arbitrariedade na restrição legislativa. Como é cediço, as restrições legais aos direitos
fundamentais sujeitam-se aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e, em especial, àquilo que, em sede doutrinária, o Min. GILMAR MENDES
(MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6. edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 239 e
seguintes), denomina de limites dos limites (Schranken-Schranken), que dizem com a preservação do núcleo essencial do direito.

Partindo-se da premissa teórica formulada por HUMBERTO ÁVILA (Op. cit., 2005, p. 102 e seguintes), que distingue razoabilidade eproporcionalidade, observem-se as hipóteses de inexigibilidade introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10 à luz da chamada razoabilidade-equivalência, traduzida na equivalência entre medida adotada e critério que a dimensiona: são hipóteses em que se preveem condutas
ou fatos que, indiscutivelmente, possuem altíssima carga de reprovabilidade social, porque violadores da moralidade ou reveladores de improbidade, de
abuso de poder econômico ou de poder político.

São situações que expõem a crise do sistema político representativo brasileiro, bem exposta em dissertação de FERNANDO BARBALHO MARTINS ( Do Direito à Democracia: Neoconstitucionalismo, Princípio Democrático e a Crise no Sistema Representativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.
133), que, com propriedade, assinalou, verbis:

“Embora a presunção de inocência pudesse indicar a legitimidade das hipóteses de inelegibilidade, o § 9º do art. 14 estende os princípios da moralidade
e da probidade à regulação da matéria, razão pela qual avulta a incoerência do fato do acesso a cargos de natureza administrativa, cuja liberdade para
disposição da coisapública é incomparavelmente menor do que aquela detida por agente político, possa ser restringido por inquérito policial, medida de
todo louvável na maioria dos casos, enquanto parlamentares e chefes do Executivo possam transitar pela alta direção do Estado brasileiro com folhas
corridas medidas aos metros. […]”

A verdade é que o constituinte reformador modificou, ainda em 1994, o texto constitucional para que fosse expressamente admitida a previsão, por lei
complementar, de hipóteses em que, tendo em vista a vida pregressa do indivíduo, fosse-lhe impedida a candidatura a cargos públicos eletivos, de modo a
que se observassem os princípios da moralidade e da probidade administrativa, bem como a vedação ao abuso do poder econômico e político.

O difundido juízo social de altíssima reprovabilidade das situações descritas nos diversos dispositivos introduzidos pela Lei Complementar nº 135/10
demonstram, à saciedade, que é mais do que razoável que os indivíduos que nelas incorram sejam impedidos de concorrer em eleições. Há, portanto,
plena equivalência entre a inelegibilidade e as hipóteses legais que a configuram.

Por seu turno, também se vislumbra proporcionalidade nas mencionadas hipóteses legais de inelegibilidade – todas passam no conhecido triplo
teste de adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito. Confira-se.

Do ponto de vista da adequação, não haveria maiores dificuldades em afirmar que as inelegibilidades são aptas à consecução dos fins consagrados
nos princípios elencados no art. 14, § 9º, da Constituição, haja vista o seu alto grau moralizador.

Relativamente à necessidade ou exigibilidade – que, como se sabe, demanda que a restrição aos direitos fundamentais seja amenos gravosa possível –, atente-se para o fato de que o legislador complementar foi cuidadoso ao prever requisitos qualificados de inelegibilidade, pois exigiu, para a inelegibilidade decorrente de condenações judiciais recorríveis, que a decisão
tenha sido proferida por órgão colegiado, afastando a possibilidade de sentença proferida por juiz singular tornar o cidadão inelegível – ao
menos em tese, submetida a posição de cada julgador à crítica dos demais, a colegialidade é capaz de promover as virtudes teóricas de (i) reforço da cognição judicial, (ii) garantia da independência dos membros julgadores e (iii) contenção do arbítrio individual, como
bem apontou GUILHERME JALES SOKAL em recente obra acadêmica ( O procedimento recursal e as garantias fundamentais do processo: a colegialidade no julgamento da apelação. 2011. 313 f. Dissertação (Mestrado
em Direito Processual) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011, p. 73 e seguintes).

Frise-se também: a tão-só existência de processo em que o indivíduo figure como réu não gerará, por si só, inelegibilidade, diversamente do que
determinava o art. 1º, I, “n”, da Lei Complementar nº 5/70, vigente ao tempo do governo militar autoritário, que tornava inelegíveis os que simplesmente respondessem a processo judicial por crime contra a segurança nacional e a ordem política e social, a economia popular, a fé
pública e a administração pública, o patrimônio ou pelo direito previsto no art. 22 desta Lei Complementar, enquanto não absolvidos ou penalmente
reabilitados.

Ademais, o legislador também foi prudente ao admitir a imposição da inelegibilidade apenas na condenação por crimes dolosos, excluindo expressamente as
condenações, mesmo que transitadas em julgado, pela prática de crimes cometidos na modalidade culposa (art. 1º, § 4º, da Lei Complementar nº 64/90,
incluído pela Lei Complementar nº 135/10).

Nos casos de perda (lato sensu) de cargo público, são decisões administrativas que, em muitos casos, são tomadas por órgãos colegiados (como é o
caso de agentes políticos, magistrados, membros do Ministério Público e oficiais militares) e, em qualquer caso, resultantes de processos que deverão
observar o contraditório e a ampla defesa. E mesmo nos casos dos servidores públicos efetivos – em geral, demitidos por ato de autoridade pública
singular –, cuidou o legislador de prever expressamente a possibilidade de o Poder Judiciário anular ou suspender a demissão, com o que ficam
plenamente res­tabelecidas as elegibilidades.

A mesma lógica foi aplicada aos indivíduos excluídos do exercício profissional por decisão do órgão ou conselho profissional competente. Além de, em
regra, as decisões serem colegiadas, restou expressamente consignado em lei que apenas as exclusões por infração ético-profissional poderão ensejar a
inelegibilidade e que, em qualquer caso, o Poder Judiciário poderá suspender ou anular a decisão.

Note-se bem que, nesta e na hipótese anterior, o juízo singular, de primeira instância, obviamente estará autorizado a suspender os efeitos da perda do
cargo – e, portanto, a inelegibilidade –, mas o contrário, como antes visto, não ocorre. Vale dizer, o Judiciário pode restabelecer a elegibilidade de
um candidato por decisão cautelar de juízo singular, mas, para decretar a inelegibilidade, somente o poderá fazer por decisão em colegiado (de segunda
instância ou, nos casos de competência por prerrogativa de função, em instância única)..

Resta evidente, portanto, que são rígidos os requisitos para o reconhecimento das inelegibilidades, mesmo que não que haja decisão judicial transitada
em julgado. Mais ainda, foi prudente o legislador ao inserir expressamente a possibilidade de suspensão cautelar da inelegibilidade por nova decisão
judicial colegiada. Não haveria meio menos gravoso de atender à determinação do art. 14, § 9º, da Constituição Federal.

Não há objetar que a dicção original da Lei Complementar nº 64/90 seria suficiente ao atendimento do art. 14, § 9º, da Carta Política ao demandar
condenações definitivas para a caracterização das inelegibilidades, pois, permissa maxima venia, é raciocínio que não resiste a uma análise
apurada.

A interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais impõe que seja a mencionada norma cotejada com o art. 15, incisos III e V, que
trata dos casos de suspensão e perda dos direitos políticos, envolvendo não apenas o ius honorum (direitos políticos passivos, isto é, o direito
de candidatar-se e eleger-se), como também o ius sufragii (direitos políticos ativos – em síntese, o direito de eleger). Ainelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem emcondições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos e, portanto, não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos.

Ora, se é certo – como, de fato, é – que a inelegibilidade contempla apenas o ius honorum e não o ius sufragii, por que teria cuidado o
constituinte reformador de permitir ao legislador complementar instaurar hipótese de inelegibilidade em que se considerasse a vida pregressa do
candidato, se o art. 15 já prevê a suspensão de direitos políticos em virtude de condenação definitiva em processo criminal ou por improbidade
administrativa?

Nessa ordem de ideias, impende concluir que o art. 14, § 9º, eu sua redação hoje vigente, autorizou a previsão legal de hipóteses de inelegibilidade
decorrentes de decisões não definitivas, sob pena de esvaziar-lhe o conteúdo.

Ademais, a própria Lei Complementar nº 135/10 previu a possibilidade de suspensão cautelar da decisão judicial colegiada que ocasionar a
inelegibilidade, ao inserir na Lei Complementar nº 64/90 o art. 26-C, em textual:

Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1o poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da
pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.

Resta, ainda, a apreciação da Lei Complementar nº 135/10 à luz do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito e, mais uma vez, a lei
responde positivamente ao teste. Com efeito, o sacrifício exigido à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo não supera os
benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de cargos públicos, sobretudo porque ainda são rigorosos os
requisitos para que se reconheça a inelegibilidade.

Ademais, não estão em ponderação apenas a moralidade, de um lado, e os direitos políticos passivos, de outro. Ao lado da moralidade está também a
própria democracia, como bem alerta o já mencionado Professor FERNANDO BARBALHO MARTINS (ob. cit., p. 150-151), verbis:

“A exteriorização do atendimento aos parâmetros de moralidade e probidade são condições essenciais de manutenção do Estado democrático, não sendo raros
os exemplos de ditaduras que se instalam sob o discurso de moralização das práticas governamentais. A relação íntima entre Moralidade Adminis­trativa,
que alcança indubitavelmente a atuação parlamentar, e princípio democrático é inegável, já que a efetivação deste implica necessariamente afidelidade política da atuação dos representantes populares, como bem assinala Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Mais do que isso, a confiança depositada pela sociedade em sua classe governante é elemento indeclinável da consecução da segurança jurídica erigida como um
dos fundamentos da República.” (Os grifos são do original.)

A balança, no caso, há de pender em favor da constitucionalidade das hipóteses previstas na Lei Complementar nº 135/10, pois, opostamente ao que
poderia parecer, a democracia não está em conflito com a moralidade – ao revés, uma invalidação do mencionado diploma legal afrontaria a própria
democracia, à custa do abuso de direitos políticos.

Por sua vez, também não existe lesão ao núcleo essencial dos direitos políticos, porque apenas o direito passivo – direito de candidatar-se e
eventualmente eleger-se – é restringido, de modo que o indivíduo permanece em pleno gozo de seus direitos ativos de participação política.

Cuida-se, afinal, de validar a ponderação efetuada pelo próprio legislador, ao qual KONRAD HESSE, em outro ensaio (La interpretación
constitucional. In Escritos de Derecho Constitucional. Trad. Pedro Cruz Villallón. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983), reconhece
posição de primazia na interpretação da Constituição. Essa posição privilegiada do legislador – diretamente ligada ao conhecido princípio hermenêutico
da presunção de constitucionalidade das leis – é ainda mais clara quando a norma constitucional é composta de conceitos jurídicos indeterminados como “vida pregressa”, confiando ao órgão legiferante infraconstitucional a sua densificação.

Correto concluir, pois, que se trata de caso no qual é válida a interpretação da Constituição conforme a lei, na esteira da lição sempre valiosa
de LUÍS ROBERTO BARROSO (Interpretação e Aplicação da Constituição. 5. edição. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 195), verbis:

“Há um último ponto digno de registro. Toda atividade legislativa ordinária nada mais é, em última análise, do que um instrumento de atuação da
Constituição, de desenvolvimento de suas normas e realização de seus fins. Portanto, e como já assentado, o legislador também interpreta rotineiramente
a Constituição. Simétrica à interpretação conforme a Constituição situa-se a interpretação da Constituição conforme a lei. Quando o Judiciário,
desprezando outras possibilidades interpretativas, prestigia a que fora escolhida pelo legislador, está, em verdade, endossando a interpretação da
Constituição conforme a lei. Mas tal deferência há de cessar onde não seja possível transigir com a vontade cristalina emanada do Texto
Constitucional.” (Os grifos não são do original.)

Como visto acima, não se pode considerar que é vontade cristalina emanada da Constituição a absoluta presunção de inocência em matéria eleitoral – ao
revés, se não se puder reconhecer a prevalência, entre os vários intérpretes da Constituição, da visão oposta, indisfarçável será, ao menos, o
dissenso. Nesse caso, impende prestigiar a solução legislativa, que admitiu, para o preenchimento do conceito de vida pregressa do candidato, a
consideração da existência de condenação judicial não definitiva, a rejeição de contas, a renúncia abusiva ou perda de cargo.

É de se concluir, pois, pela constitucionalidade da instituição, por lei complementar, de novas hipóteses de inelegibilidades para além das condenações
judiciais definitivas, inclusive no que diz respeito à sua aplicabilidade nas situações em que as causas de inelegibilidade por ela introduzidas tenham
ocorrido antes da edição do diploma legal apreciado. Entretanto, há aspectos no texto da Lei Complementar nº 135/10 que demandam análise mais minuciosa
e, como se verá, atividade interpretativa mais apurada.

Primeiramente, a leitura das alíneas “e” e “l” do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 135/10 poderia conduzir ao entendimento de que, condenado o
indivíduo em decisão colegiada recorrível, permaneceria o mesmo inelegível desde então, por todo o tempo de duração do processo criminal e por mais
outros 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, similar ao que se vê na alínea “l”, em textual:

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato
doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até
o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;

Em ambos os casos, verifica-se que o legislador complementar estendeu os efeitos da inelegibilidade para além do prazo da condenação definitiva, seja
criminal ou por improbidade administrativa, durante o qual estarão suspensos os direitos políticos (art. 15, III e V, da Constituição Federal).

Ocorre que a alteração legislativa provocou situação iníqua, em que o indivíduo condenado poderá permanecer inelegível entre a condenação e o trânsito
em julgado da decisão condenatória, passar a ter seus direitos políticos inteiramente suspensos durante a duração dos efeitos da condenação e, após,
retornar ao estado de inelegibilidade por mais oito anos, independentemente do tempo de inelegibilidade prévio ao cumprimento da pena.

Impende, neste ponto, recorrer ao elemento histórico de interpretação, em que se faça a comparação entre a redação original da Lei Complementar nº
64/90 e aquela atualmente vigente, determinada pela Lei Complementar nº 135/10. A redação original do art. 1º, I, “e” (não havia correspondente ao
atual inciso “l”) enunciava, verbis:

e) os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime contra a economia popular, a fé pública, a
administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos,
após o cumprimento da pena;

A extensão da inelegibilidade para além da duração dos efeitos da condenação criminal efetivamente fazia sentido na conformação legal que somente
permitia a imposição da inelegibilidade nos casos de condenações transitadas em julgado. Agora, admitindo-se a inelegibilidade já desde as condenações
não definitivas – contanto que prolatadas por órgão colegiado –, essa extensão pode ser excessiva.

Em alguns casos concretos nos quais o indivíduo seja condenado, por exemplo, a pena de trinta anos, a impossibilidade de concorrer a cargos públicos
eletivos pode estender-se, em tese, por mais de quarenta anos, o que certamente poderia equiparar-se, em efeitos práticos, à cassação dos direitos
políticos, expressamente vedada pelo caput do art. 15 da Constituição. Observe-se que não há inconstitucionalidade, de per se, na
cumulação da inelegibilidade com a suspensão de direitos políticos, mas a admissibilidade de uma cumulação da inelegibilidade anterior ao trânsito em
julgado com a suspensão dos direitos políticos decorrente da condenação definitiva e novos oito anos de inelegibilidade decerto afronta a proibição do
excesso consagrada pela Constituição Federal.

A disciplina legal ora em exame, ao antecipar a inelegibilidade para momento anterior ao trânsito em julgado, torna claramente exagerada a sua extensão
por oito anos após a condenação. É algo que não ocorre nem mesmo na legislação penal, que expressamente admite a denominada detração, computando-se, na
pena privativa de liberdade, o tempo de prisão provisória (art. 42 do Código Penal).

Recomendável, portanto, que o cômputo do prazo legal da inelegibilidade também seja antecipado, de modo a guardar coerência com os propósitos do
legislador e, ao mesmo tempo, atender ao postulado constitucional de proporcionalidade.

Cumpre, destarte, proceder a uma interpretação conforme a Constituição, para que, tanto na hipótese da alínea “e” como da alínea “l” do inciso I
do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90, seja possível abater, do prazo de inelegibilidade de 8 (oito) anos posterior ao cumprimento da pena, o período
de inelegibilidade já decorrido entre a condenação não definitiva e o respectivo trânsito em julgado.

Por fim, outra questão exige atenção especial. Assinale-se o que dispõe a novel alínea “k” do art. 1º, I, da Lei Complementar nº 64/90, inserida pela
Lei Complementar nº 135/10, verbis:

k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas,
da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a
dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições
que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura;

A instituição de hipótese de inelegibilidade para os casos de renúncia do mandatário que se encontre em vias de, mediante processo próprio, perder seu
mandato é absolutamente consentânea com a integridade e a sistematicidade da ordem jurídica. In casu, a renúncia configura típica hipótese de abuso de direito, lapidarmente descrito no art. 187 do Código Civil como o exercício do direito que, manifestamente, excede os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Longe de se pretender restringir a interpretação constitucional a uma leitura civilista do Direito, é certo atentar para o fato de que, assim como no
âmbito do Direito Civil, é salutar – e necessário – que no Direito Eleitoral também se institua norma que impeça o abuso de direito, que o ordenamento
jurídico pátrio decerto não avaliza. Não se há de fornecer guarida ao mandatário que, em indisfarçável má-fé, renuncia ao cargo com o fito de preservar
sua elegibilidade futura, subtraindo-se ao escrutínio da legitimidade do exercício de suas funções que é próprio da democracia.

A previsão legal em comento, aliás, acompanha a dicção constitucional estabelecida desde a Emenda Constitucional de Revisão nº 6/94, que incluiu o § 4º
do art. 55, de modo a que, no que concerne ao processo de perda de mandato parlamentar, restasse estabelecido, verbis:

§ 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos
até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º.

Vale dizer, a própria Constituição Federal determina que o processo de perda de mandato parlamentar prossiga mesmo após a renúncia, justamente com o
propósito de tornar ineficaz o abuso de direito à renúncia. Entretanto, o dispositivo constitucional acima reproduzido autoriza o prosseguimento de
processo já instaurado, pelo que se apresenta uma questão crucial quanto à validade do art. 1º, I, “k”, da Lei Complementar nº 64/90, incluído
pela Lei Complementar nº 135/10.

Note-se que a norma legal em apreço impõe a inelegibilidade ao mandatário que renuncia diante do tão-sóoferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo de perda ou cassação de mandato. Avulta aqui a manifesta desproporcionalidade da lei, particularmente no que toca ao subprincípio da proibição do excesso: sequer se exige que o processo de perda
ou cassação de mandato tenha sido instaurado, bastando a mera representação.

Ao mesmo tempo em que compete à lei coibir o abuso de direito, não é menos importante impedir que uma simples petição possa restringir o direito
individual de concorrer a cargo eletivo, sem que se exija a averiguação de justa causa para a instauração de processo para perda ou cassação do
mandato eletivo. Ocorre que, no caso, a única interpretação possível do art. 1º, I, “k”, da Lei Complementar nº 64/90 demandaria o juízo a respeito da
concreta demonstração, na representação ou petição apresentada, da existência de lastro mínimo para autorizar a abertura de processo, o que, em última
análise, redunda no próprio juízo de admissibilidade do processo.

Imperioso, portanto, que
a renúncia seja admitida como causa de inelegibilidade unicamente nos casos em que o processo de cassação ou perda do mandato eletivo já houver
sido instaurado
, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da expressão “o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar” contida no art. 1º, I,
“k”, da Lei Complementar nº 64/90. Pensar em sentido diverso seria reproduzir a lógica da vetusta Lei Complementar nº 5/70, que, como já exposto, não
se coaduna com a ordem constitucional vigente.

Por oportuno, é de se salientar que, mesmo diante da constitucionalidade parcial da Lei Complementar nº 135/10, resta a mesma inaplicável às eleições
de 2010 e anteriores e, por conseguinte, aos mandatos em curso, como já reconhecido por esta Corte no julgamento do RE 633.703 (Rel. Min. GILMAR
MENDES), com repercussão geral. É aplicar, como naquela ocasião, a literalidade do art. 16 da Constituição Federal, de modo a que as inelegibilidades
por instituídas pela nova lei sejam aplicáveis apenas às eleições que ocorram mais de um ano após a sua edição, isto é, a partir das eleições de 2012.

Diante de todo o acima exposto, conheço integralmente dos pedidos formulados na ADI 4578 e na ADC 29 e conheço em parte do pedido deduzido na ADC 30,
para votar no sentido da improcedência do pedido na ADI 4578 e da procedência parcial do pedido na ADC 29 e na ADC 30, de modo a:

a) declarar a constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas “c”, “d”, “f”, “g”, “h”, “j”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do
art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10;

b) declarar inconstitucional a expressão “o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar” contida no art. 1º, I, “k”, da Lei
Complementar nº 64/90, introduzido pela Lei Complementar nº 135/10, de modo a que sejam inelegíveis o Presidente da República, o Governador de Estado e
do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que
renunciarem a seus mandatos desde a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da
Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o
qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura; e

c) declarar parcialmente inconstitucional, sem redução de texto, o art. 1º, I, alíneas “e” e “l”, da Lei Complementar nº 64/90, com redação conferida
pela Lei Complementar nº 135/10, para, em interpretação conforme a Constituição, admitir a dedução, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade
posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado.

É como voto.

* julgamento pendente de conclusão

Inovações Legislativas

14 a 18 de novembro de 2011

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – Estrutura Orgânica

Portaria nº 125, de 16 de novembro de 2011 – Dispõe sobre a estrutura orgânica do Conselho Nacional de Justiça. Publicada no DOU, Seção 1, p. 171-172 em 18.11.2011.

Lei nº 12.528, de 18.11.2011 – Cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. Publicada no DOU, Edição extra, Seção 1, p. 5 em 18.11.2011.

Lei nº 12.527, de 18.11.2011 – Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da
Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da
Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Publicada no DOU, Edição extra, Seção 1, p. 1-4 em 18.11.2011.

Secretaria de Documentação – SDO

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

CJCD@stf.jus.br

Como citar e referenciar este artigo:
STF,. Informativo nº 648 do STF. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/informativos-de-jurisprudencia/stf-informativos-de-jurisprudencia/informativo-no-648-do-stf/ Acesso em: 19 mai. 2024
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Informativo nº 908 do STF

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Informativo nº 907 do STF

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Informativo nº 894 do STF

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Informativo nº 892 do STF