Administrativo

Reexame de Sentença e Apelação Cível. Mandado de Segurança. Preliminar de ilegitimidade passiva. Litisconsórcio necessário entre poder público e autarquia. Exercício de função gratificada ou cargo em comissão. Direito adquirido. Expectativa de direito.

Reexame de Sentença e Apelação Cível. Mandado de Segurança. Preliminar de ilegitimidade passiva. Litisconsórcio necessário entre poder público e autarquia. Exercício de função gratificada ou cargo em comissão. Direito adquirido. Expectativa de direito.

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

 

EGRÉGIA XXXXXX  CÂMARA CÍVEL ISOLADA

PROCESSO : N° XXXX

REEXAME DE SENTENÇA E APELAÇÃO CÍVEL

SENTENCIANTE: JUÍZO DE DIREITO DA XXª VARA CÍVEL DA CAPITAL

SENTENCIADO/APELANTE: JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DO PARÁ – JUCEPA

SENTENCIADA/APELADA: XXXXXXXX

RELATORA : EXMA. DESA. XXXXXXXXXX

PROCURADORA DE JUSTIÇA : XXXXXXXXXXX

 

 

Ilustre Desembargadora Relatora :

 

Versa o presente sobre o Recurso de Apelação interposto tempestivamente por JUCEPA, no Mandado de Segurança impetrado por XXXXXXXXXX, funcionária da Junta Comercial do Estado do Pará, contra ato da Ilma. Sra. Presidente daquela Autarquia Estadual.

      

 

Em síntese, os Autos informam  que :

 

1.     Em sua peça exordial (fls. 3 a 6),  a Impetrante afirma que, tendo ingressado no serviço público estadual em 29.03.79, passou a exercer função gratificada em 01.06.79, com adicional de 100%, até 07.11.79, quando esse adicional foi suprimido pelo Decreto no. 391. Diz que em 09.07.80, voltou a exercer essa função gratificada, percebendo o mesmo adicional, até 01.01.85. Em 01.04.86, voltou a exercer o mesmo cargo, com a mesma vantagem, até 16.05.95, quando foi exonerada desse cargo de confiança pela atual Presidente da Jucepa, retornando a seu cargo de origem, sem que no entanto lhe fosse pago esse adicional, que a Impetrante entende estar incorporada ao seu patrimônio, como uma vantagem pessoal, o que entende vulnerou seu direito líquido e certo. A Impetrante afirma que tentou, inicialmente, as vias administrativas e por essa razão retardou a busca da proteção jurisdicional. Afirma que o prazo de 120 (cento e vinte) dias para a decadência se restaura a cada mês em que seu vencimento lhe é pago sem esse adicional, com infringência ao seu direito adquirido. Cita, a seguir, o artigo 130 § 1º, da Lei 5.810, de 24.01.94,  pelo qual teria direito a 10% (dez por cento) da gratificação por ano de efetivo exercício, até o máximo de 100% (cem por cento). Cita doutrina. Juntou documentos (fls. 8 a 15).

 

2.     A MMa. Juíza em exercício na XXª Vara Cível mandou notificar a autoridade apontada como coatora, que prestou informações às fls. 20 a 23, citando diversas normas pertinentes, para dizer que a incorporação pretendida pela Impetrante somente terá supedâneo com a anuência da Secretaria de Estado de Administração- SEAD. Diz que já havia encaminhado três ofícios ao Secretário de Administração e que assim não se omitiu, porém que sendo a Jucepa uma Autarquia Estadual, não tem autonomia para inserir essa incorporação, o que precisa ser feito pela SEAD. Junta documentos (fls. 24 a 29).

 

 3.     A MMa. Juíza em exercício, às fls. 30,  considerando presentes os requisitos de admissibilidade da ação, o fumus boni juris e o periculum in mora, concedeu a liminar pleiteada e mandou citar o Estado do Pará, como litisconsorte necessário.

 

4.     O Patrono da Impetrante requereu, às fls.35 e 36, o cumprimento da liminar, o que foi deferido em despacho interlocutório, pelo MM. Juiz Titular da 21ªVara, às fls.39.

 

5.     Citado o Estado do Pará (fls. 44), apresentou Contestação às fls. 45 a 52, alegando preliminarmente a ilegitimidade passiva do Estado do Pará. Cita o art. 47 do CPC. Afirma que a Jucepa é autarquia estadual dotada de autonomia administrativa, financeira e orçamentária, e que da decisão da causa não poderão advir prejuízos ou obrigação direta para o Estado do Pará, inexistindo também comunhão de interesses. Cita Jurisprudência, para mostrar que inexiste litisconsórcio necessário na hipótese vertente. Cita ainda a Constituição Federal e doutrina, para mostrar que as autarquias e não o Estado devem ser acionadas, em quaisquer pleitos administrativos ou judiciais decorrentes de seus próprios atos. Pede sua exclusão da lide. No mérito, afirma a inexistência da certeza e liquidez de direito adquirido e diz que a verdadeira pretensão da Impetrante é o reconhecimento de direito líquido e certo pretérito. Cita diversas normas estaduais pertinentes a essa gratificação, para mostrar que falta sustentação legal para a pretensão da Impetrante. A respeito da repristinação, cita a Lei de Introdução ao Código Civil e doutrina. Examina, a seguir, os requisitos da concessão do mandamus e o periculum in mora inverso, afirmando que a Jucepa provavelmente sofrerá prejuízos irreparáveis. Pede a cassação da liminar e que seja julgado improcedente o Mandado, e requer a inclusão, como parte integrante das Razões, dos Pareceres dos juristas Sílvio Ferraz (fls. 53 a 64) e Sílvio Rodrigues (fls. 65 a 87).

 

6.     Em seu Parecer de fls. 92 a 97, o Ilustre Representante do Ministério Público entende que procede a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, levantada pelo Estado, opinando pela sua exclusão do polo passivo da relação processual. Cita a Lei 5.020/82 , a Lei 5.232/85, a Lei 5.378/87, e a Lei 5.810/94, que instituiu o novo Regime Jurídico Único dos Servidores Civis do Estado do Pará e afirma que não ocorreu o repristinamento das leis revogadas. Cita doutrina sobre a irretroatividade. Conclui que antes de 01.03.82, o exercício de função gratificada ou cargo em comissão não poderia gerar qualquer direito a incorporação, porém dessa data até 16.07.87, existe o direito a essa incorporação, na base de 10% (dez por cento) ao ano. De 17.07.87 a 23.01.94, porém, pela inexistência de lei, inexistiria também esse direito. A partir de 24.01.94, com a vigência do RJU, volta a caber essa vantagem, porém somente a partir dessa data, inadmitida a retroatividade. Manifesta-se, conseqüentemente, pela concessão parcial do mandamus, para reconhecer o direito da impetrante a 50% da incorporação pretendida. Quanto ao pagamento dos atrasados, afirma descaber sua determinação em processo de Mandado de Segurança, colacionando Súmulas do Excelso Pretório.

 

7.     O MM. Juiz a quo decidiu, às fls. 104 a 112. Acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva. Entende o Ilustre Julgador que a decisão da hipótese sob exame depende da data da desinvestidura da Impetrante, que ocorreu em 16.05.95. Cita Acórdãos do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado, bem como as informações da própria autoridade coatora, que afirmou ter tomado providências para o pagamento do adicional. Quanto ao pagamento das diferenças atrasadas, concorda em que deve a Impetrante valer-se dos meios cabíveis. Concede parcialmente o Writ, reconhecendo o direito da Impetrante a receber, a partir da impetração, a incorporação pretendida, correspondente a 100% (cem por cento) da gratificação pelo exercício do cargo ou função gratificada.

 

8.     Em sua Apelação (fls. 115 a 119),  a Junta Comercial do Estado do Pará – JUCEPA, ataca inicialmente a preliminar de ilegitimidade de parte acolhida pela decisão a quo, para afirmar  que a presença do Estado no polo passivo  é indispensável. Afirma que os Pareceres, instrumentos encomendados, são destituídos de consistência fática e jurídica. Cita jurisprudência. No mérito, cita o art. 130 da Lei no. 5.810/94 (Regime Jurídico Único). Requer a reforma da Decisão, para incluir o Estado na lide.

 

9.     Nas Contra-Razões (fls. 121 a 123), diz preliminarmente a Impetrante que a ilegitimidade da JUCEPA é patente, porque autoridade coatora é a pessoa investida do poder público, e não a instituição que dirige. Cita a Constituição Federal e a Lei no. 1.533/51. No mérito, afirma que agora é a própria instituição que confessa a matéria de fato, o que já antes fizera a autoridade coatora. Afirma ser absurdo que a Jucepa diga não ser responsável pelo pagamento dessa verba. Lembra que a autoridade coatora, até a data, está desobedecendo a liminar concedida pelo Juízo a quo, incidindo assim em crime de desobediência. Requer o não conhecimento do apelo, ante a ilegitimidade de parte, ou seu improvimento, pela cristalinidade do direito da Impetrante, ora Apelada.

 

 

É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:

 

 1 – Preliminarmente, foi sustentada a ilegitimidade passiva ad causam do Estado, não aceitando destarte a condição deste como litisconsorte  necessário. É certo que o litisconsórcio necessário acontece em duas hipóteses, conforme o que dispõe o art. 47, in verbis

 

Art. 47 – Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo    ( o grifo é nosso).

 

2 –  Sendo assim,   o ponto central do debate gira em torno da natureza do vínculo entre o Estado do Pará (administração  direta) e a JUCEPA (autarquia), já que não existe dispositivo legal que exija uma relação litisconsorcial entre as pessoas anteriormente citadas. A relação jurídica citada na lei é a material, sendo que só existirá litisconsórcio necessário, quando existir a possibilidade de que a decisão judicial modifique a aludida relação, acarretando assim a terceiro, obrigação direta, prejuízo, ou afetação do seu direito subjetivo. Ademais,  entre o Poder Público e as autarquias não há um controle hierárquico, tendo em vista  a autonomia que a lei concede a esta última. Dessa forma,  o estudo da responsabilidade das autarquias irá elucidar a existência ou não de litisconsórcio necessário no caso em tela. Sobre o assunto fala o ilustre professor Celso Antônio Bandeira de Melo:

 

Na mesma linha e pelos mesmos fundamentos, doutrina e jurisprudência sempre consideraram, outrossim, que quaisquer pleitos administrativos ou judiciais decorrentes de atos que lhes fossem imputáveis, perante elas mesmas ou contra elas teriam de ser propostos  – e não contra o Estado. Disto se segue igualmente que, perante terceiros, as autarquias são responsáveis pelos próprios atos. A responsabilidade do Estado, em relação a elas, é apenas subsidiária. Finalmente, uma vez que a lei crie uma dada entidade autárquica, o só fato de fazê-lo já implica, de per si, que a atividade que lhe seja comedida passe, ipso facto, a ser qualificada como típica da Administração Pública e como tal terá de ser havida, se antes já não o fosse. (Celso Antônio Bandeira de Mello – Curso de Direito Administrativo).

 

3 – Corroborando tal entendimento, ensina o professor Diógenes Gasparini:

 

A Administração Pública a que pertence a autarquia não responde pelas suas obrigações. Também não responde pelos danos causados pela autarquia a terceiros, decorrentes da sua atuação ou de comportamento lesivo de seus servidores. A autarquia é pessoa de direito, e como tal deve responder pelas responsabilidades assumidas e pelos danos que causar a alguém. É o que vem decidindo os nossos Tribunais (RT, 151:301, e RDA, 59:333). ( o grifo é nosso)

 

4 – Destarte, pelo que foi mostrado, verifica-se que o entendimento doutrinário e jurisprudencial orienta-se pelo não reconhecimento do litisconsórcio necessário entre o Poder Público e as autarquias, em razão da autonomia desta, bem como da responsabilidade, apenas subsidiária, daquele. Dessa forma, esta Procuradoria de Justiça se manifesta a favor da preliminar levantada pela Procuradoria do Estado, inserida às fls. 45.

 

5 – Quanto ao Mérito, deverá o mesmo ser analisado em dois pontos conexos: a) existe o direito adquirido ao adicional por função gratificada? b) qual a porcentagem a ser percebida?

 

6 – Bom, em relação à primeira indagação, é imperioso consignar que a resposta foi cedida pela Procuradoria do Estado, quando oportunamente juntou aos Presentes Autos, cópia de dois pareceres que analisam detalhadamente o assunto. O primeiro foi desenvolvido pelo eminente professor Silvio Rodrigues, que assim se manifesta:

 

 

QUESITO QUINTO

 

5) Servidor iniciou exercício de cargo em comissão ou função gratificada em data anterior a 15-7-87 e foi exonerado após 24-1-94. Tem direito ao adicional? Sobre que período?

 

Resposta – Na hipótese, o servidor terá direito ao adicional a que faz jus entre a data em que começou a exercer a função gratificada até 15-7-87. Não recebeu qualquer novo benefício no período mediato entre 15-7-87 a 24-1-94. Se após esta data continuar a exercer a função gratificado, e o fizer por mais de um ano, recomeçará a adquirir o direito de incorporar aos seus vencimentos o adicional que recebe pela função gratificada.

 

7 – O segundo, do não menos brilhante professor Sérgio Ferraz, APRESENTA-SE, ESTRANHAMENTE, INCOMPLETO, JUSTAMENTE NA PARTE EM QUE O MESTRE VAI ELUCIDAR O PROBLEMA LEVANTADO PELA PRESENTE. Sendo assim, transcreve-se apenas  a pergunta suscitada, sendo que a resposta, infelizmente, só poderá ser produzida no campo abstrato, mediante uma longa trilha de elementos, que vai da presunção ao raciocínio lógico-jurídico:

 

A lume do embasamento até aqui deduzido, cumpre, agora, percorrer o questionamento formulado pelos ilustres Consulentes, apresentando, com objetividade possível, as pertinentes respostas:

 

5) Servidor que iniciou exercício de cargo em comissão ou função gratificada em data anterior a 15.01.87 e foi exonerado após 24.01.94. Tem direito ao adicional? Sobre que período?

               

8 – É certo outrossim, que a Procuradoria do Estado levanta, dentre outras coisas, a inexistência de direito líquido e certo da Impetrante. Em relação ao adicional por função gratificada se manifestou o Pretório Excelso:

 

 

 

DJ DATA-24-06-60  PG

EMENTÁRIO DO STF  VOL-00422-01  PG-00454

 

 

EMENTA:

 

RECURSO DE MANDADO DE SEGURANÇA. PROVIMENTO PARCIAL. LEI 3821, DE  4.12.58, CONCESSIVA DE GRATIFICAÇÃO ADICIONAL SOBRE O PROVENTO DE    VENCIMENTOS, DE REFERENCIA E EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO OU EM    FUNÇÃO GRATIFICADA. APOSTILA DE TITULO. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS    DO ESTADO. APLICAÇÃO DE LEI LOCAL .  SUA INTERPRETAÇÃO. DIREITO  LIQUIDO E CERTO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

 

 

OBSERVAÇÃO:

 

VOTAÇÃO: POR MAIORIA. RESULTADO: PROVIDO, EM PARTE.  REC 21 PP.  ANO:60  AUD:22-06-60 (o grifo é nosso)

 

9 – Outra questão importante refere-se ao fato da Impetrada  haver confessado tacitamente sobre a existência do direito adquirido da Sra. Maria Mesquita ao adicional por função gratificada, alegando apenas que a incorporação do referido acréscimo somente seria possível com a aquiescência da Secretaria de Estado de Administração – SEAD. Transcreve-se o art. 348 do CPC, que fala da confissão, e em seguida o ensinamento do professor Moacyr Amaral Santos sobre confissão tácita:

 

Art. 348. Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial.

 

Diz-se ficta, tácita ou presumida a que resulta da taciturnidade da parte quando provocada a falar. (Moacyr Amaral Santos – Primeiras Linhas de Direito Processual Civil)

 

10 – Em relação a essa última colocação, ou seja, a interferência da Secretaria de Estado de Administração  para incorporação do adicional, a mesma deverá acontecer, em razão do controle, não hierárquico, mas tutelar, exercido pela administração direta sobre as autarquias, de acordo com  o art. 26 do Decreto-lei n.º 200, dispositivo federal que estabelece regras gerais às entidades autárquicas. Sobre esse controle, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello:

 

O controle – De acordo com este, o que habitualmente se conhece por tutela ou controle das autarquias – isto é, o poder de influir sobre elas com o propósito de conformá-las ao cumprimento dos objetivos públicos em vista dos quais foram criadas, harmonizando-as com a atuação  administrativa global do Estado – está designado como “supervisão ministerial”. Todas as entidades da administração indireta encontram-se sujeitas à supervisão da Presidência da República ou do Ministro a cuja Pasta estejam vinculadas. Este último a desempenha auxiliado pelos órgãos superiores do Ministério.

 

São objetivos deste controle ou “supervisão” assegurar o cumprimento dos objetivos fixados em seu ato de criação, harmonizar sua atuação com a política e programação do Governo no correspondente setor de atividade; zelar pela obtenção de eficiência administrativa e pelo asseguramento de sua autonomia administrativa, operacional e financeira.

 

Para cumprir tais propósitos, é da alçada ministerial designar os dirigentes da entidade; receber sistematicamente relatórios, boletins, balancetes, balanços e informações que lhe permitam acompanhar as atividades da entidade e a execução de seu orçamento-programa e programação financeira; aprovar balanços, balancetes e relatórios; fixar despesas de pessoal e de administração; fixar critérios para gatos de publicidade e divulgação; realizar auditoria e avaliação periódica de rendimento e produtividade e, finalmente, nela efetivar intervenção, caso o interesse público o requeira (art. 26 do Decreto-lei 220) (Celso Antônio Bandeira de Mello – Curso de Direito Administrativo) ( o grifo é nosso)

 

11 –  Ressalta-se outrossim que para a realidade local, a citada tutela é exercida pelo Governador do Estado e pela Secretaria, à qual a autarquia esteja vinculada.

 

12 – Fala Diógenes Gasparini:

 

Embora pessoa autônoma, a autarquia não escapa à tutela ou controle ordinário (se e como previsto em lei) da Administração Pública a que pertence. Esse controle ou tutela constitui-se, nos termos da lei, na prática de atos e medidas tomadas pela Administração Pública visando conformar a situação à lei e ao cumprimento de seus fins. A tutela não se confunde com a hierarquia. Esta é permanente, contínua e total em relação aos órgãos e agentes inferiores; aquela, esporádica, só ocorre nos casos e nas condições previstas em lei. (Diógenes Gasparini – Direito Administrativo) (o grifo é nosso)

 

13 – Diante do que foi dito, nenhuma dúvida existe sobre a existência de direito adquirido da Impetrante Maria Mesquita de Souza Campos à percepção do adicional por função gratificada. No entanto, a incorporação dessa vantagem, passará apenas por uma “supervisão” da SEAD, de acordo com norma específica.

 

14 – Quanto ao segundo ponto, ou seja, a porcentagem devida por força da incorporação do adicional, antes, é necessário um estudo sobre o direito adquirido. Para tanto, recorre-se ao ensinamento do professor Marcus Cláudio Acquaviva:

 

Direito adquirido é aquele que a lei considera definitivamente integrado ao patrimônio de seu titular. Assim, quando alguém, na vigência de uma lei determinada, adquire um direito relacionado a esta, referido direito se incorpora ao patrimônio do titular, mesmo que este não o exercite, de tal modo que o advento de uma nova lei, revogada ao direito, não ofende o status conquistado, embora não tenha este sido exercido ou utilizado; (Marcus Cláudio Acquaviva – Dicionário Jurídico Brasileiro)

 

15 – Decerto, a lei referida no texto, é aquela produzida através de processo legislativo, disciplinado pela Constituição Federal de 1988, ou seja, uma lei strictu senso. Pois bem, com fulcro nisso, pode-se dizer que no período de 01.06.79 a 01.03.82 (Lei nº 5.020/82) inexistiu o questionado direito adquirido à  Impetrante, tendo em vista a ausência de uma lei estipuladora do adicional  por gratificação, sendo que o mesmo era garantido apenas por normas hierarquicamente inferiores, como portarias e decretos. Agora, no segundo período, que vai de 01.03.82 (Leis nº 5.020/82 e 5.232/85)  a 16.07.87 (Lei nº 5.378/87), é inquestionável a existência do aludido direito adquirido, onde a Impetrante tem, de acordo com as duas leis citadas, o direito de incorporar o valor de   40 % (QUARENTA POR CENTO), já que ficou mais de um ano afastada da função gratificada (01.01.85 a 01.04.86). A partir da Lei nº 5.378/87, que suprimiu o salientado adicional, cessou o acréscimo anual de 10 % ( DEZ POR CENTO), ficando a Sra. Maria Mesquita com direito adquirido apenas ao percentual acima referido. Tal colocação decorre da própria natureza do direito adquirido, que necessita de dois elementos para sua constituição: I – uma lei strictu senso (Leis nº 5.020/82 e 5232/85); II – elemento fático, que para o caso em tela é o tempo, sendo tal direito percebido ano a ano até chegar ao limite de 100% (CEM POR CENTO). É certo outrossim que antes desse segundo elemento ser efetivado, o que existia era apenas uma expectativa de direito, que poderia ou não ser incorporada ao patrimônio do indivíduo. Para esclarecer melhor o assunto recorre-se novamente aos ensinamentos do professor Marcus Cláudio Acquaviva:

 

É preciso não confundir direito adquirido com expectativa de direito, pois esta não passa de uma mera possibilidade de efetivação do direito sujeito à realização de evento futuro. (Marcus Cláudio Aquacviva – Dicionário Jurídico Brasileiro.)

 

 16 – Em suma, a lei não retroage para prejudicar direito adquirido ( constituído pela lei strictu senso + elemento fático). No entanto, o princípio da irretroatividade da lei posterior conflitante  não alcança a mera expectativa de direito (estipulada apenas pela lei strictu senso).  Transcreve-se o art. 6º da LICC e o inc.  XXXVI do artigo 5º  da CF/88.

 

Art. 6º. A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

 

 

Art.5º_________________________

 

 

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. (o grifo é nosso).

 

 

17 – Dessa forma, a Impetrante, quando da vigência da Lei nº 5.378/87, que extinguiu o adicional por função gratificada, possuía  direito adquirido de incorporar, ao seu patrimônio, 40 % (QUARENTA POR CENTO) do aludido acréscimo, sendo que os 60 % (SESSENTA POR CENTO) restantes constituíam-se de mera expectativa de direito, que por sua vez foi extinta pela disposição normativa acima referida.

 

18 – A Lei nº 5.810/94, que instituiu o regime jurídico único, previu novamente o adicional em tela com as mesmas características das leis anteriores, fazendo com que a Impetrada passasse a adquirir mais uma vez o direito a tal acréscimo, permanecendo nessa situação até o dia 16.05.95, quando foi exonerada do cargo. Tal período ultrapassou 1 ano, o que dá então o direito a incorporar mais 10 % (DEZ POR CENTO) aos seus vencimentos.

 

19 – Por último, a cobrança dos valores pretéritos não poderá ser efetivada, em razão do disposto nas Súmulas 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal.

 

                   EX POSITIS, esta Procuradoria de Justiça entende que a Sra. XXXXXXXXXXXXXX tem o direito adquirido de incorporar, aos seus vencimentos, 50 % (CINQÜENTA POR CENTO) do adicional por função gratificada. No entanto, tal operação financeira deverá seguir a burocracia legal, passando destarte pela “supervisão” da Secretaria de Estado e Administração – SEAD.

 

 

 

É O PARECER

 

 

Belém,     outubro de 1999.

 

Procuradora de Justiça

 

 

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Reexame de Sentença e Apelação Cível. Mandado de Segurança. Preliminar de ilegitimidade passiva. Litisconsórcio necessário entre poder público e autarquia. Exercício de função gratificada ou cargo em comissão. Direito adquirido. Expectativa de direito.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/administrativo/reexame-de-sentenca-e-apelacao-civel-mandado-de-seguranca-preliminar-de-ilegitimidade-passiva-litisconsorcio-necessario-entre-poder-publico-e-autarquia-exercicio-de-funcao-gratificada-ou-cargo-em-comi/ Acesso em: 12 mai. 2024