Administrativo

Reexame de Sentença e Apelação Cível. Mandado de Segurança. Cassação de carteira nacional de habilitação. Ampla defesa e contraditório.

Reexame de Sentença e Apelação Cível. Mandado de Segurança. Cassação de carteira nacional de habilitação. Ampla defesa e contraditório.

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

EGRÉGIA XXXXX CÂMARA CÍVEL       ISOLADA

 

PROCESSO : N° XXXXXXX

REEXAME DE SENTENÇA E APELAÇÃO CÍVEL

 

SENTENCIANTE: JUÍZO DE DIREITO DA XXª VARA CÍVEL DA CAPITAL

SENTENCIADO/APELANTE:DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DO PARÁ – DETRAN/PA

 

SENTENCIADO/APELADO: XXXXXXXXX

 

RELATORA : EXMA. DESA. XXXXXXX

 

PROCURADORA DE JUSTIÇA : XXXXXXXXXXXX

 

 

Ilustre Desembargadora Relatora :

 

Tratam os presentes Autos do Mandado de Segurança com pedido de liminar impetrado por XXXXXXXX contra ato do Diretor Superintendente do Departamento de Trânsito do Estado do Pará – Detran, que cassou sua carteira de habilitação, em decorrência de acidente de trânsito.

 

 

Em síntese, os Autos informam  que :

 

1.     Em sua Inicial (fls. 3 a 13), alega o Impetrante que no dia 25.09.97, dirigia seu veículo pela Avenida Nazaré e que, ao entrar na garagem de sua propriedade, uma bicicleta que vinha em velocidade chocou-se com a traseira do Chevette, danificando seu farol traseiro do lado esquerdo e o ciclista sofreu lesão apenas em um dos dedos da mão esquerda. Após breve discussão, o ciclista foi chamar dois soldados da Polícia Militar, e posteriormente o Impetrante comprovou que esses militares estavam de serviço na esquina da Assis de Vasconcelos, a  duas quadras do local do acidente. Diz ainda em sua peça exordial que os soldados, mesmo sem terem presenciado o acidente, queriam obrigá-lo a pagar os prejuízos ocorridos na bicicleta e se negaram a chamar a perícia, porque bicicleta não é veículo. Além disso, apreenderam sua carteira nacional de habilitação, sem lhe darem recibo dessa apreensão. Posteriormente, o Impetrante tomou conhecimento de que sua carteira havia sido cassada por um ano, além de terem sido aplicadas multas, com enquadramento descabido (art. 175, incisos VIII e XI do Regulamento do Código Nacional de Trânsito). Diz também o Impetrante que não caberia a apreensão do documento de habilitação, porque não ocorreu acidente grave, conforme previsto no art. 199, inciso XIV do Código Nacional de Trânsito. Alega a ocorrência de ilegalidade e de abuso de poder e afirma que lhe foi negado qualquer tipo de defesa. Diz que não foi citado, nem ouvido no processo e que o Auto de Infração foi forjado, porque os soldados caíram em contradição quanto ao local do acidente, haja vista que não estavam nesse local e mesmo, não caberia prestar qualquer tipo de socorro à vítima, que saiu andando do local e foi procurar os soldados no local onde eles estavam trabalhando. Pede, assim, a concessão da Liminar, para que lhe devolvida a Carteira Nacional de Habilitação e cancelados as multas e o prontuário da ocorrência injustamente imputada. Junta documentos (fls. 14 a 36).

 

2.     A MM. Juíza de Direito no exercício da XXª Vara Cível desta Comarca concede a Liminar pretendida (fls. 37) e manda notificar a autoridade apontada como coatora, para prestar as informações cabíveis.

 

 

3.     Nas Informações (fls. 40 a 43), o Ilmo. Sr. Diretor do Detran afirma que não houve qualquer ato ilegal ofensivo ao direito líquido e certo do impetrante, que atropelou e não prestou socorro à vítima e apesar de chamado para prestar esclarecimentos a respeito, e defender-se no processo administrativo, não o fez. Junta documentos (fls. 44 a 46), para comprovar a remessa da notificação ao impetrante para seu endereço na Avenida Cipriano Santos, 610 – Canudos. Afirma assim que, concluído o processo com a revelia do condutor, com base no Auto de Infração e na ocorrência policial, determinou através de Portaria a apreensão de sua carteira nacional de habilitação e a suspensão do direito de dirigir do Impetrante pelo prazo de doze meses. Afirma, conseqüentemente, a inexistência do fumus boni juris e do periculum in mora. Insiste em que ocorreu acidente com vítima, sem que o Impetrante a ela prestasse socorro. Quanto à  lesão sofrida pelo ciclista, afirma que ao condutor não caberia questionar sua gravidade, e sim prestar o socorro que a lei exige. Alega que a concessão da Liminar impediu a aplicação da norma da Resolução no. 734/89, do Conselho Nacional de Trânsito e anexa cópia xerográfica dessa Resolução (fls. 49 a 61). Cita, a seguir, os artigos 94, 175 e 199 do Código Nacional de Trânsito, bem como o artigo 78 da já referida Resolução no. 734/89. Junta ainda o termo de declaração da vítima, no Detran (fls. 47) e o Boletim de Ocorrência, da Seccional Urbana de São Braz (fls. 48).   Pede, assim, a revogação da Liminar e, ao final, a denegação do Mandado.

 

4.     O Ministério Público, em seu bem elaborado Parecer de fls. 63 a 69, afirma que:

 

O caricato processo administrativo instaurado pelo Detran mostra-se ilegal, posto que nele não foram observados os princípios da ampla defesa e do contraditório previstos no art. 5º, LV da Constituição Federal…

 

        Examina, a seguir, o cabimento do mandamus contra  os atos do Ilmo. Sr. Diretor do Detran, que é uma autarquia estadual e mostra assim que esses atos estão sujeitos ao controle jurisdicional, por serem considerados atos de autoridade pública, conforme exigência da norma constitucional do inciso LXIX do art. 5º. Cita, a respeito, Hely Lopes Meirelles. Mostra, ainda, que a aplicação de atos administrativos punitivos aos servidores públicos e aos particulares que infringirem normas estatutárias, administrativas e legais, pressupõe a existência de prévio processo administrativo, no qual os fatos devem ser apurados e devem ser observados os princípios do contraditório e da ampla defesa. Afirma, conseqüentemente, que a inobservância desses princípios no processo administrativo o torna nulo, assim como as sanções aplicadas ao Impetrante. Cita Doutrina, a respeito do princípio do contraditório e do direito de defesa. Afirma, a seguir, que a Portaria de fls. 31 não contém motivação satisfatória, que justifique a aplicação das severas sanções. Cita jurisprudência. Opina, finalmente, pela concessão da segurança, para ser devolvida a CNH do Impetrante, cancelado o prontuário da ocorrência, canceladas as multas decorrentes e a suspensão do direito de dirigir, haja vista que o processo administrativo é nulo, pela inobservância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

 

5.     O MM. Dr. Juiz de Direito da XXª Vara Cível desta Comarca, entendendo ter sido ferido o direito líquido e certo do Impetrante, decidiu (fls. 77 a 79) pela procedência do pedido, concedendo o Writ e mantendo a Liminar.

 

6.     Interposto o Recurso de Apelação pelo Departamento de Trânsito do Estado do Pará – Detran (fls. 81 a 83),  afirma este que nem o representante do Ministério Público, nem o MM. Magistrado a quo entenderam a problemática da legislação de trânsito. Insiste em que não foi ferido o direito constitucional de ampla defesa e do contraditório. Afirma que tanto o Ministério Público  quanto a Sentença tomaram como fundamento para a procedência do feito apenas as palavras do “doidivano do trânsito”, sem que este tenha juntado qualquer prova de suas afirmações, enquanto que o Detran juntou aos autos toda a legislação cabível. Tenta provar, a seguir, que se o Apelado já estava com sua carteira de habilitação retida devido ao acidente no qual se envolveu, e tendo sido remetida através da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos a correspondência de fls. 44, deveria ele ter exercido seu direito constitucional. Insiste, a seguir, que o Apelado não socorreu a vítima e ficou ciente do ocorrido e da gravidade do seu ato através do Auto de Infração. Requer, assim, que a sentença seja totalmente reformada, e julgado insubsistente o argumento do Apelado, sendo ainda condenado nas custas de processo, honorários de advogado e demais cominações de lei.

 

7.     Em suas Contra-Razões de Apelação (fls. 85 a 89), o Impetrante, ora Apelado, afirma, inicialmente, que o Apelante tece comentários desairosos contra o Ministério Público e o MM. Julgador, e ofende mais uma vez de forma injuriosa o Apelado, ao chamá-lo de “doidivano do trânsito”. Fala do documento de fls. 44, indicado pelo Detran, para mostrar que não ocorreu a citação válida, o que torna o processo administrativo nulo, por afronta ao princípio do contraditório. Enumera os atentados cometidos pelo Detran contra os princípios da ampla defesa e do contraditório. Pede, enfim, a improcedência das Razões de Apelação.

 

 

 É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:

 

 

         O Remédio Heróico, concedido pelo MM. Julgador a quo, pertine à proteção do direito líquido e certo do Impetrante, ora Apelado, contra ato ilegal do Ilmo. Sr. Diretor do Detran, consubstanciado na Portaria no. 941/97-DS/PROJUR (fls. 31), que determinou a apreensão da CNH do Impetrante, a suspensão de seu direito de dirigir pelo prazo de 12 (doze) meses, a realização dos exames previstos no art. 78 da Resolução no. 734/89- Contran, a comunicação dessa decisão ao Denatran e aos Detran e a aplicação das penas pecuniárias dos grupos 3 e 4.

 

A concessão do Mandado de Segurança exige a caracterização da ilegalidade ou abuso de poder, praticados por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica  no exercício de atribuições do poder público e capazes de vulnerar direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data. Assim, o direito violado, cuja correção deva ser feita através deste writ, precisará ser líquido e certo, decorrer evidente da lei, dispensando o exame de provas e sobressaindo por si mesmo, concludente e inconcusso.

Dispõe o art. 78 da Resolução no. 734/89, do Conselho Nacional de Trânsito, citado pelo Departamento de Trânsito, em suas informações de fls. 40 a 43:

 

O condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito para o qual tenha dado causa (grifamos), independente da punição que lhe for aplicável ou que lhe for aplicada, deverá ser submetido ao exame de sanidade física  e mental, ao exame psicotécnico (psicológico), a uma reciclagem sobre legislação de trânsito, educação para o trânsito e prevenção de acidente de trânsito, com carga horária mínima de 8 (oito) horas, e a uma prova de direção veicular.

 

Foi também citado pelo Detran o art. 199, inciso XIV do Regulamento do Código Nacional de Trânsito, verbis:

 

Art. 199- A apreensão do documento de habilitação far-se-á quando o condutor:………XIV- envolver-se em acidente grave (grifamos), caso em que se dará a critério da autoridade de trânsito e até a renovação do exame de sanidade física e mental.

 

         Não ficou provado nos Autos que tenha havido acidente grave. Antes, ao contrário, parece ter ficado bastante claro que o ciclista sofreu apenas lesões de natureza leve, conforme ressaltado pelo MM. Juiz a quo. Nem muito menos, ficou provado que o Apelado tenha dado causa ao acidente. Não foi feita perícia, mas pelo que consta dos Autos, tudo indica que o ciclista chocou-se com a traseira do carro (danos no farolete traseiro do lado esquerdo, lado do motorista), quando este estava efetuando a conversão à direita, para entrar na garagem, ficando assim muito difícil afirmar que a bicicleta teria sido “trancada” pelo Chevette.

 

         Ressalte-se, por oportuno, que o ônus da prova incumbiria ao Detran, para que pudesse aplicar as penalidades em questão e que o processo administrativo deveria ter sido feito de forma regular. Aliás, a respeito citaremos, do atual Código Nacional de Trânsito, por sua pertinência, o art. 265:

 

As penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa.

 

         Essa norma, do novo Código Nacional de Trânsito, parece ter sido uma resposta aos abusos que ocorriam nos diversos Estados, praticados pelos Departamentos de Trânsito, inobstante a prevalência do dispositivo constitucional ensejador do mandamus, constante do inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, abusos que já antes da vigência do novo Código foram em grande parte obstados pela tutela jurisdicional, consoante se observa dos Julgados trazidos aos Autos.

 

         Essa garantia constitucional, insculpida no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal é um dos princípios basilares de nosso ordenamento jurídico e possui características de norma de eficácia plena, independendo, conseqüentemente, sua aplicação,  de legislação integradora que se interponha  entre a norma constitucional e o fato material. O Constituinte dotou essa norma de toda a densidade jurídica necessária à sua imediata aplicação, de modo que em qualquer processo, seja judicial seja administrativo, como na hipótese vertente, e aos acusados em geral, deverão ser sempre assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

 

Entendemos ter ficado perfeitamente comprovada a ocorrência cumulativa dos requisitos legais para a concessão do  Mandamus e de sua Liminar : o fumus boni juris e o periculum in mora. O princípio constitucional básico do direito à tutela jurisdicional assegura ao Impetrante, que provocou o Judiciário pela propositura do mandamus, o direito a uma sentença potencialmente eficaz, capaz de evitar dano irreparável a direito relevante, cabendo assim o exame, não apenas da existência de prova inequívoca, capaz de convencer o Julgador da verossimilhança das alegações do Impetrante (fumus boni juris), mas ainda a verificação da existência do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), capaz de exigir a concessão da Liminar, tendo em vista o suso referido direito do Impetrante, ora Agravante, a uma sentença potencialmente eficaz, destinada a resguardar seu direito líquido e certo, contra o ato da autoridade coatora.

 

Ex positis, esta Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento da Apelação e pelo seu improvimento, para que seja mantida in totum a respeitável Sentença a quo, por seus próprios fundamentos.

 

 

 

É o parecer.

 

Belém,       setembro de 1999

 

Procuradora de Justiça

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Reexame de Sentença e Apelação Cível. Mandado de Segurança. Cassação de carteira nacional de habilitação. Ampla defesa e contraditório.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/administrativo/reexame-de-sentenca-e-apelacao-civel-mandado-de-seguranca-cassacao-de-carteira-nacional-de-habilitacao-ampla-defesa-e-contraditorio/ Acesso em: 26 jul. 2024