De novo o ISS
Fernando Machado da Silva Lima*
25.02.2004
A Dra. Ana Lydia Azevedo Correa, da Auditoria da Sefin, publicou um artigo, no O Liberal do dia 17 de fevereiro, a respeito da polêmica do Imposto sobre Serviços, decorrente das alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 116/2003, e da publicação da Lei Municipal 8293, que ela afirma, peremptoriamente, ter sido feita no dia 31 de dezembro de 2003.
A respeito, desejo esclarecer que foi o próprio Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos quem confessou, em entrevista à imprensa, que essa Lei teria sido publicada em 31 de dezembro, porém com circulação restrita, tendo em vista o ponto facultativo, e que estaria sendo providenciada uma segunda tiragem desse Diário Oficial. Depois, foi noticiado que a publicação teria sido feita, apenas, no dia 19 de janeiro. Portanto, não fui eu quem afirmou que essa lei foi publicada em janeiro. Eu apenas disse que publicação restrita não é publicação. No entanto, tratando-se de questão de fato, não mais a discutirei. Somente uma verificação pelos órgãos competentes poderia determinar, de uma vez por todas, a data da publicação dessa Lei.
Além dessa questão, a Dra. Ana Lydia disse que deveria ser discutido se o princípio da anterioridade realmente protege o contribuinte, tendo em vista que as leis tributárias são sempre publicadas no dia 31 de dezembro, para valerem já no dia seguinte. Concordo com a Dra., porque deveria ser cumprida a Lei Complementar nº 95, já citada em meu artigo anterior, que dispõe sobre o processo de elaboração das leis, e diz que elas não deverão entrar imediatamente em vigor, caso tratem de matéria que possa ter ampla repercussão. De qualquer maneira, acredito que muito pior seria se o contribuinte não pudesse dispor nem mesmo dessa proteção da anterioridade, e as leis pudessem ser publicadas em janeiro, ou em fevereiro…
No mais, a Dra. Ana Lydia disse que a Lei Complementar nº 116/03 alterou a lista de serviços do ISS, e que a Emenda Constitucional nº 42/03, que introduziu a noventena, é auto-aplicável, com o que também concordo, inteiramente.
Não concordo, porém, quando ela afirma, supostamente com base no princípio da isonomia, que foi alterado o regime das sociedades uniprofissionais, e que o Decreto-lei 406 conflitou com a Constituição de
Ocorre que, apenas para exemplificar, a nossa República foi feita por um Decreto, instrumento que hoje serviria apenas para regulamentar as leis, mas nem por isso se afirma que deveremos voltar imediatamente à Monarquia. A CLT, por exemplo, é também um decreto-lei, de Getúlio Vargas, mas continua em vigor, com as inúmeras alterações que já sofreu.
O Decreto-lei 406/68, editado com fundamento no Ato Institucional nº 5/68, era perfeitamente regular, também, no momento de sua edição, e foi recepcionado pela Constituição de 1988, conforme entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal (veja os Acórdãos: RE 220.323-MG, RE 236.604-PR e RE 350.121-RJ).
Deve ser dito, ainda, que continua em vigor a regra de seu art. 9º, segundo a qual, quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho. Portanto, os profissionais liberais não podem ser tributados com base em seu faturamento.
Para que melhor se entenda o que digo, basta ler o art. 10 da Lei Complementar nº 116/03, que expressamente revogou os artigos 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-lei nº 406/68, mas não revogou o seu art. 9º, evidentemente. E sabem por que? Porque o Senado aprovou uma Emenda do senador Tasso Jereissati, que garantiu a continuidade do sistema especial de tributação dos profissionais liberais, como advogados, médicos, dentistas e todas as categorias legalmente reconhecidas, que prestam serviços como autônomos, mesmo quando reunidos em sociedades uniprofissionais.
Pela proposta do Governo, que não foi aprovada, portanto, na redação final da Lei Complementar nº 116/03, esses profissionais seriam tributados pelo ISS com base no faturamento, e não com valores fixos. Portanto, se é isso que a Lei municipal 8293/03 pretende, como afirma a Dra. Ana Lydia, ela é inconstitucional, além de conflitar com a regra do art. 9º do Decreto-lei nº 406/68. A Lei Complementar nº 116/03 não revogou, absolutamente, essa norma do Decreto-lei 406/68, nem colocou nos trilhos nenhum trem da igualdade, pelo menos a esse respeito. O decreto-lei 406 foi recepcionado pela Constituição de 1988, e passou a ter, assim, o status de Lei Complementar, porque a Constituição exige uma lei complementar para dispor sobre essa matéria, e o seu art. 9º continua em vigor, bem como todas as outras normas, referentes ao ICMS.
A questão promete causar muita polêmica, nos 5500 municípios brasileiros, que certamente aproveitarão para aumentar as suas receitas, através de um forte aumento da carga tributária de diversas categorias profissionais, mas a melhor doutrina já se manifestou a respeito, entendendo que os profissionais liberais não podem ser tributados pelo ISS com base no seu faturamento, o que constituiria evidente bitributação, porque sobre esses rendimentos já incidem as alíquotas do Imposto de Renda.
De qualquer maneira, como dizia Montesquieu, quando se trata de provar coisas tão claras, devemos estar certos de que não conseguiremos convencer.
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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