Sociedade

A Balança da Justiça Adulterada

A Balança da Justiça Adulterada

 

 

Mario Guerreiro*

 

 

Estou assistindo aos primeiros capítulos da novela da Globo “Caminho das Índias” de Glória Perez. Já no começo a trama evidencia que se trata de uma crítica dos costumes, gênero literário em que se notabilizaram Montesquieu com as suas “Cartas Persas” e Voltaire com seu “Zadig”. É escusado dizer que admiro profundamente ambos, bem como o referido gênero.

 

É claro que Glória Perez tem pretensões muito mais modestas, mas, a julgar por sua novela anterior, “O Clone”, ambientada no mundo muçulmano, ela demonstra bastante talento e excelente senso de humor ao explorar esse interessante gênero.

 

Em “Caminho das Índias”, a produção mostra-se impecável. Além da locação ser na própria Índia, não mediante recurso a cenários de estúdio, o guarda-roupa é de primeira linha. A trama se passa em ambientes da aristocrática classe média alta indiana, contrastando com a miséria das ruas, seus arraigados preconceitos e superstições.

 

Um país de fortes contrastes… Realmente, os indianos têm muito mais em comum com os brasileiros do que peles morenas, miséria e analfabetismo.

 

Mas vamos diretamente ao ponto. Uma particular cena chamou minha atenção. Um vendedor de essências aromáticas vai vender suas mercadorias para um perfumista, dono de uma loja de finos perfumes. Este as experimenta uma a uma mostrando-se inebriado com seus aromas. Toma a decisão de comprá-las e grita na direção do interior da loja: __ Filho mais velho! Filho mais velho!

 

Aí aparece um jovem trazendo os pesos de uma balança. O dono da loja mostra-se contrariado. Pede licença ao vendedor de essências e vai para dentro da loja falar alguma coisa com o filho. Diz algo mais ou menos assim:

 

___ Quantas vezes tenho que lhe dizer! Não são estes pesos! Quando digo “filho mais velho” você tem que trazer os pesos que uso para comprar. Quando são os para  vender, eu digo: Filho mais moço!

 

Percebi então que se tratava não só de um código como também de uma excelente exemplificação do vetusto provérbio: “Dois pesos, duas medidas” (conforme a conveniência do astuto mercador que gosta de levar vantagem em tudo).

 

Inevitavelmente, minha mente deslocou-se da cena da novela para a cena política brasileira da atualidade.

 

Nos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, quando dois boxeadores cubanos abandonaram a delegação cubana e fugiram para a Região dos Lagos (RJ), o governo brasileiro não os considerou como dois refugiados políticos fugindo da ditadura cubana e apressou-se em repatriá-los para ilha de El Coma Andante.

 

Mas quando, mais recentemente, o guerrilheiro e autor de 4 homicídios Battisti foi preso no Brasil, após ter sido condenado pela Justiça italiana à prisão perpétua, e o governo italiano pediu sua extradição, o ministro Tarso Genro alegou que havia indícios de “perseguição política” e que o facínora não teve “direito à ampla defesa”. Que alegações pífias! Comprometem não só o conhecimento jurídico como também o senso de justiça de quem as alega!

 

Dois pesos, duas medidas: este é o lema do esquerdista e autoritário governo do PT (Perda Total, no jargão das companhias de seguros, para os não-iniciados).

 

                                                   

APÊNDICE 1: ITALIANO CONTA COMO BATTISTI ASSASSINOU SEU PAI

           

 (na Coluna de Cláudio Humberto no Correio Braziliense em 22/1/2009)

 

“Atualmente aos 46 anos de idade, Adriano Sabbadin tinha 17 quando o terrorista Cesare Battisti e seu bando invadiram o açougue de seu pai, Lino Sabbadin, e o mataram. Indignado com a proteção do governo Lula ao assassino, concedendo-lhe asilo político, Sabbadin fez publicar no jornal Corriere del Veneto uma carta aberta aos brasileiros. A tradução é do jornalista Giulio Sanmartini:

“Vivo em uma pequena cidade na província de Veneza. Escrevo a todos os brasileiros, pois hoje me sinto profundamente ferido pela decisão de vosso ministro da Justiça de considerar Cesare Battisti um refugiado político. Há 30 anos ele assassinou meu pai. Não quero vingança, mas uma justiça que não chega. Quem é Battisti: ele começou na política dentro do cárcere, detido que estava por crimes comuns, aí conheceu o terrorista de extrema esquerda, Arrigo Cavallina.

 

A primeira vítima dos Proletários Armados para o Comunismo – PAC, foi o suboficial da guarda carcerária Antonio Santoro. Quando este sai de casa para o trabalho, Battisti lhe atira nas costas (6/6/1978). Retornando ao seu grupo ele conta excitado à sua companheira os efeitos de ver “alguém jorrando sangue”. Depois de uma série de assaltos o grupo resolver centrar contra aos agentes da “contra-revolução”, isto é, comerciantes que haviam reagido contra assaltos comuns.

 

Inicialmente pensou-se em somente feri-los, mas a vontade de mostrar a própria força a outros grupos de terroristas de esquerda, convence o PAC que é necessário fazer ver que se é capaz de matar. Chegaram a nosso açougue pelas 4 e meia da tarde. Meu pai, ajudado por minha mãe, atendia a algum cliente, eu estava nos fundos falando ao telefone, quando ouvi os tiros de pistola que ribombavam nos meus ouvidos. Apavorado, corri para nossa casa que ficava no andar superior, depois de longuíssimos minutos vi homens que saiam num carro em disparada. Quando cheguei ao açougue, vi minha mãe com o avental branco todo ensangüentado e meu pai no chão dentro de uma poça de sangue. A ambulância chegou rapidamente, mas nada pôde fazer.

 

Nos processos, seja a perícia e o testemunho de um arrependido, fez ver que Battisti tinha dado, sem piedade, os tiros mortais em meu pai. Battisti esteve sempre presente no grupo armado, colocando à disposição sua experiência de bandido e ficou conhecido por sua determinação em matar, jamais hesitando em fazê-lo.

 

Por todos estes crimes Battisti cumpriu somente um ano da cadeia, enquanto minha vida ficou completamente destruída. Me vi aos 17 anos como o chefe de família e um vazio que com o tempo só fez aumentar. Não pode existir paz sem justiça e a minha família justiça, não a teve.

 

Não consigo entender o que levou vosso ministro da Justiça e classificar Battisti como um refugiado político, declarando que na Itália existem aparatos ilegais de repressão ligados a Máfia e a CIA (Central Intelligence Agency), por isso não pode conceder a extradição, o fato me parece uma folia e mais que isso, ofensivo à nossa democracia. Peço que façam um apelo ao vosso presidente para que reveja essa decisão.”

 

                         

APÊNDICE II: DEU NA FOLHA DE SÃO PAULO EM 19/1/2009

 

Armando Spataro, 60 anos, procurador da República de Milão (Itália), coordenador do Departamento contra o Terrorismo, declarou:

 

“Integrei o Ministério Público italiano, no âmbito do qual, ao lado de outros magistrados, conduzi as investigações que levaram às condenações contra Cesare Battisti. Portanto, em relação à decisão do ministro Tarso Genro, espero poder oferecer à opinião pública brasileira uma contribuição para a verdade, com a finalidade de preencher as lacunas de informação sobre as quais aquela decisão encontra-se fundamentada. Com efeito, é difícil para os italianos entender como a um assassino puro como ele pode ter sido reconhecido o refúgio. É oportuno partir dos fatos para desmontar os argumentos frequentemente utilizados por Battisti e seus “amigos”.

 

1) Battisti não é um extremista perseguido na Itália por seus ideais políticos, e sim um criminoso comum que praticava roubos com o fim de lucro pessoal e que se politizou na prisão.Em seguida, filiou-se a uma organização terrorista que praticou lesões corporais e homicídios. Battisti foi preso em junho de 1979 com outros cúmplices em uma base terrorista de Milão, onde foram apreendidos metralhadoras, revólveres, fuzis e documentos falsos. Com certeza, portanto, não se tratava de dissidente político!

 

2) Battisti foi condenado à prisão perpétua por muitos graves crimes, entre os quais também quatro homicídios: em dois destes (homicídio do marechal Santoro, praticado em Udine em 6/6/78; homicídio do policial Campagna, praticado em Milão em 19/4/79), foi ele a atirar materialmente nas vítimas; em outro homicídio (o de L. Sabbadin, um açougueiro morto em Mestre, em 16/2/79), deu cobertura aos assassinos, e, no quarto (o homicídio de P. Torregiani, acontecido em Milão, em 16/2/79), colaborou na sua organização.Gostaria de perguntar ao ministro brasileiro quais motivações políticas enxerga nos homicídios de um joalheiro e de um açougueiro, “justiçados” por vingança (por terem reagido com as armas aos assaltos sofridos) ou nos homicídios de policiais que cumpriam seu dever.

 

3) Não é verdade que Battisti foi condenado somente com base nas acusações do delator premiado Pietro Mutti; tampouco é verdade que este não fosse confiável. Afirmar isso significa ofender a seriedade da Justiça italiana. As confissões de Pietro Mutti, com efeito, foram confirmadas por inúmeros outros testemunhos e pelas sucessivas colaborações de outros ex-terroristas. A verdade, portanto, está escrita nas sentenças, que pesam como pedras enormes e que se encontram à disposição de todos os que tenham a paciência de as ler.

 

4) Não é verdade que a Battisti foi negada a possibilidade de se defender nos processos em que estava ausente. Na verdade, foi Battisti quem se furtou à Justiça, evadindo-se em 1981 da carceragem em que estava preso.Não por acaso a Corte Europeia de Direitos Humanos de Estrasburgo (França) negou provimento ao recurso de Battisti contra a concessão de sua extradição por parte da França, julgando-o, por essa razão, “manifestamente sem fundamento” e afirmando que, de qualquer forma, em todos os processos ele foi assistido por seus advogados de confiança. Será que também a corte de Estrasburgo está perseguindo Battisti?”

 

5) É falso que a Itália e seu Judiciário não foram capazes de garantir a tutela dos direitos das pessoas acusadas de terrorismo durante os denominados “anos de chumbo”. Trata-se de uma afirmação que nos fere. Inúmeros foram os magistrados, os advogados, os homens das instituições, os policiais assassinados de maneira vil por pessoas como Battisti pelo simples fato de aplicarem a lei. A Itália, no contexto da luta contra o terrorismo, não conheceu tribunais de exceção ou militares nem desvios antidemocráticos. Tal fato foi ressaltado também por nosso presidente da República Sandro Pertini, que afirmou que a Itália podia louvar-se de ter vencido o terrorismo nas salas dos tribunais, e não “nos estádios”, aludindo aos métodos ilegais que nós não conhecemos e aos quais também hoje nos opomos.Acredito que o refúgio não foi concebido pelos fundadores de nossas democracias para garantir a impunidade de pessoas como Battisti, um dos assassinos mais cruéis e frios que o terrorismo italiano conheceu e que nunca se dissociou do uso das armas.

 

Espero, com todo o respeito, portanto, que as autoridades brasileiras competentes tenham a possibilidade de rever suas próprias decisões. Não pelo fato de a justiça ser equivalente à vingança, mas pelo fato de ela representar o lugar da afirmação das regras do Estado de Direito: e quem as violar, ainda mais se matar o próximo, deve pagar. Do contrário, as democracias desmentem a si mesmas.”

 

 

* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mario. A Balança da Justiça Adulterada. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/a-balanca-da-justica-adulterada/ Acesso em: 05 mai. 2024