Processo Penal

Princípio da presunção de inocência e as medidas cautelares diversas da prisão

Francisco Nelson de Alencar Junior*

Luham Christoffer Cavalcanti**

Resumo

O princípio da presunção de inocência e a decretação ou manutenção da prisão somente depois de esgotados todos os recursos são temas intimamente ligados. Este é um assunto que foi bastante discutido nos tribunais superiores nos últimos meses, com destaque à prisão ou soltura do ex Presidente da República.

E para o considerado “preso comum”, aquele que praticou um roubo, por exemplo, qual seria a medida mais adequada: a prisão imediata do acusado ou a substituição por uma medida cautelar.

Com o advento da Lei nº 12.403 de 2011 temos algumas medidas eficazes diversas da prisão cautelar, sendo assim, será que os magistrados estão aplicando tais medidas ou poderíamos afirmar que esse rol está “morto”?

Verificaremos, nas linhas a seguir, para que, ao final, sabermos se os juízes de primeiro grau estão tomando a melhor decisão para aquele caso concreto ou, se, por excesso de trabalho, não estão conseguindo analisar de forma individual as particularidades.

Palavras-chave: inocência – cautelares – prisão – liberdade – flagrante.

Abstract

The principle of presumption of innocence and the decreeing or maintenance of prison only after all resources are exhausted are closely linked topics. This is a subject that has been much discussed in the higher courts in recent months, especially the arrest or release of the former President of the Republic.

And for the so-called “ordinary prisoner”, the one who committed theft, for example, what would be the most appropriate measure: the immediate arrest of the accused or the replacement by a precautionary measure.

With the advent of Law No. 12,403 of 2011 we have some effective measures other than precautionary arrest, so are the magistrates putting such measures into effect or could we say that this list is “dead”?

We will check, in the following lines, so that, in the end, we know if the judges of the first degree are making the best decision for that particular case or, if overworked, are unable to analyze individually the particulars.

Keywords: Innocence – precautionary – imprisonment – freedom – blatant.

Introdução

O Estado cria as leis e a elas deve submetê-las. Temos uma legislação penal bastante rica, com atualizações constantes e, uma vez bem aplicadas, todos serão beneficiados.

Sendo assim, existe a prisão a qual todos nós estamos sujeitos e que deveria ser a última ratio, tendo como finalidade, a proibição que outros pratiquem aquela mesma ação, uma prevenção geral, ao lado da específica, para aquele agente.

E para manter o acusado encarcerado o juiz precisa decretar a prisão preventiva, desde que presentes os seus requisitos, e, caso não estejam, a sua imediata soltura. Ainda, diante da falência do sistema carcerário poderá o magistrado decretar medida cautelar diversa da prisão, veremos a seguir.

1. Da Prisão Preventiva – breves considerações

O dever do Estado de punir deve ser respeitado, porém não pode ser esquecida a garantia constitucional de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado. Entretanto este princípio não impede as prisões cautelares (flagrante, preventiva e temporária), se tiverem presentes os seus requisitos. O respeito ao referido princípio parte do pressuposto de que o réu é inocente, tendo o Estado o ônus de provar a sua culpa(NUNES JUNIOR, 2019, pp. 852).

Podemos dizer, em linhas gerais, que a decretação da prisão preventiva pode acontecer em dois momentos, no primeiro, na audiência de custódia, que acontece logo após a prisão, em que magistrado poderá converter a prisão em flagrante autuada pelo Delegado de Polícia em preventiva, desde que preenchidos os requisitos legais, caso não possua tais requisitos, conceder-se-á a liberdade provisória com ou sem medidas cautelares, e caso a prisão seja considerada ilegal, o relaxamento. O segundo momento em que a prisão preventiva pode ser expedida seria durante a ação penal, no desenrolar do processo, a pedido ou de ofício, desde que justificado pelo juízo e presente os requisitos legais.

Para compreendermos melhor o conceito de prisão em flagrante basta fazermos uma leitura dos artigos 301 e 302 do Código de Processo Penal:

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I – está cometendo a infração penal;

II – acaba de cometê-la;

III- é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV- é encontrado, logo após, com instrumentos, armas, objetos ou papeis que façam presumir ser ele autor da infração.

Um dispositivo legal bastante esclarecedor é o artigo 310 do Código de Processo Penal, em que o magistrado tem três opções a tomar quando receber o auto de prisão em flagrante, quais sejam:

Art. 310.  Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

I – relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou  (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.  (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).          

Portanto, diferentemente do que pode parecer na prática, o juiz não tem apenas a opção de prender, encarcerar, muito pelo contrário e, aliás, deveria ser a última opção. O magistrado poderia (e deveria) analisar o caso e as circunstâncias, de forma individualizada, e não apenas ter e manter como regra a prisão.                    

Para que a prisão em flagrante seja mantida e válida legalmente, deverá ser convertida em prisão preventiva. Encontramos os dispositivos legais que prevêem o cabimento da prisão preventiva em no nosso ordenamento jurídico brasileiro, no Código de Processo Penal, em seus artigos 311 ao 316 do Código de Processo Penal.

Nestes termos, temos que a previsão legal aborda um termo amplo para a decretação da prisão preventiva, que poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, como ensina Júlio Fabbrini Mirabete (2006, p. 799).

2. Das medidas cautelares diversas da prisão

A Lei nº 12.403 de 2011, conhecida como “Lei das Cautelares”, inseriu um novo instrumento legal ao sistema judiciário brasileiro no que diz respeito à manutenção da prisão preventiva, uma vez que agora existe um rol de medidas diversas da prisão, obedecendo aos devidos critérios de proporcionalidade, o que não era possível antes do seu surgimento. Agora temos várias alterações na previsão legal do Código de Processo Penal Brasileiro, vale ressaltar os artigos 319, 320 e 321.

Essas medidas cautelares foram criadas, com o objetivo de substituir a aplicação da prisão preventiva ou de atenuar os rigores da prisão em flagrante […]” (NUCCI, 2012, p. 9).

Após a vigência da reforma processual ditada pela referida lei, o indivíduo submetido a uma investigação criminal ou que responde a um processo judicial poderá estar sujeito a três tratamentos distintos: sujeição a medidas cautelares diversas da prisão (arts. 319 e 320), prisão provisória ou aguardar em liberdade o desiderato da demanda criminal (AVENA, 2017, p. 597). Temos, resumidamente:

– antes da lei: prisão provisória ou aguardar em liberdade o curso das investigações do processo criminal (liberdade provisória com ou sem fiança);

– após a lei: multicautela – medidas cautelares diversas da prisão (arts. 319 e 320) ou prisão provisória ou aguardar em liberdade o curso das investigações e do processo criminal (liberdade provisória com ou sem fiança).

Sem adentrarmos as especificidades de cada medida cautelar, caberá ao magistrado a adequação a cada uma das medidas de acordo com o suposto crime o qual está ocorrendo à investigação, o delito em tese.

Essas medidas visam, primordialmente, estabelecer uma nova diretriz para que o magistrado tenha em suas mãos a opção de pensar no sentido de que, não manter a prisão de forma automática, mas sim dar uma ótima opção e até diria uma segunda chance, para aquele que cometeu um erro ou, um suposto erro, pois a fase inicial do processo ainda não é possível afirmar se realmente o verdadeiro autor do delito.

Nas lições do professor Flávio Martins o Estado tem o dever principal de não fazer, ou seja, de não considerar o réu culpado antes da sentença condenatória transitada em julgado e, nos termos da Súmula 444 do STJ, é “vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena- base”. Portanto, conclui, se o réu é considerado culpado com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, somente dessa forma, certamente inquéritos e processo em andamento (os quais não possuem o trânsito em julgado) não podem configurar maus antecedentes, de acordo com o STJ (NUNES JUNIOR, 2019, pp. 852-853).

Conclusão

As alterações introduzidas pela legislação nº 12.403 de 2011 representam um avanço imensurável, porém a aplicabilidade dela pelos magistrados de primeiro grau não ocorreu da forma como todos esperavam, não sendo capaz diminuir o grande volume carcerário.

E isto se dá, fundamentalmente, pela sensação de impunidade que temos atualmente e pelo acúmulo de serviços de nossos magistrados que não conseguem fazer uma análise calma e minuciosa e aplicar as medidas cautelares diversas da prisão.

O nosso sistema, ao contrário que muitos pensam, não é arcaico e ultrapassado, pois as legislações sofrem alterações, o Código Penal apesar de ser de 1940 muitas leis foram atualizadas até os dias atuais com destaque a nova lei de abuso de autoridade, nº 13.869 de 05 de setembro de 2019, em que, além de dispor sobre os crimes de abuso de autoridade, alterou a Lei n° 7.960, de 21 de dezembro de 1989 (Prisão temporária), a Lei n° 9.296, de 24 de julho de 1996 (Interceptações das comunicações telefônicas), a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do adolescente), e a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da OAB), passando a regular inteiramente o tema, revogando completamente a antiga lei 4.898/65, editada no período da ditadura militar. Porém este assunto será objeto de um novo artigo.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO. Renata. Breve análise acerca da Lei nº 12.403/2011 e as medidas cautelares alternativas à prisão. Jan.de 2017. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/55426/breve-analise-acerca-da-lei-n-12-403-2011-e-as-medidas-cautelares-alternativas-a-prisao> Acesso em: 01.mar.2019.

AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2011.

CRUZ, Rogerio Schietti Machado. Prisão cautelar: Dramas, princípios e alternativas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

Conselho Nacional de Justiça. Relatório Analítico Propositivo. Justiça Pesquisa. Direitos e Garantias Fundamentais. Audiência de Custódia, Prisão Provisória e Medidas Cautelares: Obstáculos Institucionais e Ideológicos à Efetivação da Liberdade como Regra. 2018. Disponível em: < www.cnj.jus.br> Acesso em 05.mar.2019

Conselho Nacional de Justiça. Painel Banco Nacional de Monitoramento de Prisões- BNMP 2.0. Disponível em <https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shBNMPIIMAPA> Acesso em: 19.mar.2019.

Conselho Nacional de Justiça. Resolução Nº 213 de 15/12/2015.Dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas.

CNJ Notícias. Mutirão carcerário reduz total de provisórios em 1,3 mil na Bahia. Disponível em<http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/84867-mutirao-carcerario-reduz-total-de-provisorios-em-1-3-mil-na-bahia> Acesso em: 12.mar.2019.

DELMANTO, Fabio Machado de Almeida. Medidas Substitutivas e Alternativas à Prisão Cautelar. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

GARCETE, Carlos Alberto. Breves impressões acerca da novel Lei n. 12.403/11: Lei das novas medidas cautelares penais. Disponível em: <http://www.tjms.jus.br/webfiles/producao/GP/artigos/20110712091744.pdf>. Acesso em: 05.mar.2019.

KHAN, Karen Louise Jeanete e MENDRONI, Marcelo Batlouni. As Medidas Cautelares no Processo Penal Brasileiro – Reforma com a Lei 12.403/11. São Paulo: Revista dos Tribunais (nº. 941), 2014.

LIMA, Renato Brasileiro de. Nova prisão cautelar: doutrina, jurisprudência e prática. De acordo com a Lei nº 12.403/11. Niterói: Editora Impetus, 2011.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, volume I. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. 

LIMA, Marcellus Polastri. Da prisão e da Liberdade Provisória (e demais medidas cautelares substitutivas da prisão) na reforma de 2011 do Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

LOPES JR., Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

LOPES JR, Aury. Prisões Cautelares. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.

MANZANO, Luís Fernando de Moraes. Curso de processo penal. 2. Ed. – São Paulo: Atlas, 2012.

MARQUES, Ivan Luís; MARTINI, João Henrique Imperia. Processo Penal III. São Paulo: Saraiva, 2012.

MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisão e Outras Medidas Cautelares Pessoais. São Paulo: Método, 2011.

MENDONÇA, Andrey Borges. Prisão e Outras Medidas Cautelares Pessoais, Editora Forense, 2011.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 2006.

NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e Liberdade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal.14. Ed. Ver., atual. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2012.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

* Mestre em Direitos Fundamentais pela UNIFIEO. Advogado. Coordenador do curso de Direito e professor na Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra.

** Bacharel em Direito pela Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra.

Este artigo é parte do trabalho de conclusão de curso elaborado pelo aluno do curso de Direito da Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra, Luham Christoffer Cavalcanti, revisado por Francisco Nelson de Alencar Junior, docente, advogado e mestre em Direitos Fundamentais pela Unifieo.

Como citar e referenciar este artigo:
JUNIOR, Francisco Nelson de Alencar; CAVALCANTI, Luham Christoffer. Princípio da presunção de inocência e as medidas cautelares diversas da prisão. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-penal/principio-da-presuncao-de-inocencia-e-as-medidas-cautelares-diversas-da-prisao/ Acesso em: 26 jul. 2024