Direito Previdenciário

O beneficio de prestação continuada: a miserabilidade em busca da flexibilidade

LA VENTAJA DEL SERVICIO CONTINUADO: MISERABILIDAD EN LA BÚSQUEDA DE FLEXIBILIDAD

Bruna Rodrigues Alexandre[1]

Edmilson Araujo Rodrigues[2]

RESUMO

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) tem por objetivo assegurar um salário mínimo vigente mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovarem não possuir condições financeiras de manter seu sustento, nem de tê-lo mantido por sua família, ou seja, que vivam em situação de vulnerabilidade. O principal intuito é estabelecer uma análise crítica acerca do critério objetivo, qual seja a renda per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo estabelecido no Artigo 20 §3º da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que ao instituir tal critério não respeitou a Dignidade da Pessoa Humana, tão pouco, a realidade social. É importante destacar que os tribunais vêm relativizando esse critério e passando a utilizar-se de outros mecanismos como forma de garantir uma maneira mais justa para aquelas pessoas que realmente necessitem do benefício.

Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Vulnerabilidade Social. Lei Orgânica da Assistência Social.   Benefício de Prestação Continuada.

RESUMO

El Beneficio de Beneficio Continuo (BPC) tiene como objetivo garantizar un salario mínimo mensual vigente para la persona discapacitada y los ancianos que prueban que no tienen los medios financieros para mantener su sustento, ni lo han mantenido para su familia, es decir, Vivir en una situación vulnerable. El objetivo principal es establecer un análisis crítico sobre el criterio objetivo, que es el ingreso per cápita inferior a ¼ (un cuarto) del salario mínimo establecido en el Artículo 20 §3 de la Ley Orgánica de Asistencia Social (LOAS), que al instituir dicho criterio No respetó la Dignidad de la Persona Humana, ni la realidad social. Es importante destacar que los tribunales han estado relativizando este criterio y utilizando otros mecanismos como una forma de garantizar una forma más justa para aquellas personas que realmente necesitan el beneficio.

Palabras clave: Dignidad de la persona humana. Vulnerabilidad social. Ley Orgánica de Asistencia Social. Beneficio de instalación continua.

1 INTRODUÇÃO    

O objetivo geral a ser enfrentado na pesquisa é analisar se o critério adotado na lei do Benefício de Prestação Continuada é realmente justo e eficaz para a concessão do benefício e o motivo pelo qual o Congresso Nacional não dispôs acerca de qual critério deveria ser adotado para analisar se a pessoa é miserável ou não, já que o STF declarou a inconstitucionalidade parcial, sem nulidade do critério de ¼ do salario mínimo vigente. (BRASIL, 2013).

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é uma garantia da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) prevista na Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), que tem como principal intuito erradicar a pobreza e garantir uma sociedade mais justa. Atualmente, O BPC é composto por mais de 4,7 milhões de beneficiários, entre idosos e deficientes de baixa renda – com filtros por estado e município (BRASIL, 2019).

Importante se faz mencionar, primeiramente, sobre a Seguridade Social prevista no Art. 194 da CRFB/88: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e a assistência social” (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Com relação à Seguridade Social, o Estado cria medidas públicas ou privadas que visam a garantir uma vida mais digna e com equidade social àquelas pessoas que precisam de apoio do estado para o suprimento de suas necessidades essenciais.

Com efeito, a CRFB/88, no seu artigo 203, prevê a Assistência Social e nela arrola as pessoas que dela necessitam, bem como os objetivos que devem ser alcançados:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (BRASIL, 1988).          

Portanto, consigna destacar que a referida assistência é uma garantia estabelecida pela CRFB/88 que prevê a obrigação subsidiária do Estado e da Sociedade, de conceder, independentemente de contribuição para o Instituto Nacional do Seguro Nacional (INSS), igualdade àquelas pessoas que não possuem condições socioeconômicas. Relata Frederico Amado (2017):

É possível definir a assistência social como as medidas públicas (dever estatal) ou privadas a serem prestadas a quem delas precisar, para o atendimento das necessidades humanas essenciais, de índole não contributiva direta, normalmente funcionando como um implemento ao regime de previdência social, quando este não puder ser aplicado ou se mostrar insuficiente para a consecução da dignidade humana (AMADO; FREDERICO, 2017, p. 44).

Insta salientar, que, além do amparo constitucional, existe previsão de lei infraconstitucional que se encontra regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) Lei n 8.742/93 que dispõe no seu artigo 20 os requisitos para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) com a seguinte redação:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (BRASIL, 1993, grifo nosso).

Urge mencionar que o legislador no art. 20 §3º da LOAS destaca os incapazes de conseguir manter as suas necessidades básicas ou de tê-la mantida por sua família: “Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (BRASIL, 1988)”.

Contudo, importante analisar se essa renda per capita estabelecida no susodito artigo é a forma mais eficaz e justa para a concessão de um benefício cujo intuito é garantir uma vida mais digna às pessoas que vivam em situação de vulnerabilidade social. Para os sociólogos juristas Silva e Rodriguez, a pobreza é um meio controverso e variável, sendo necessário analisar em qual contexto social está inserida cada pessoa:

Um aspecto essencial do debate cientifico gira em torno do conceito sociológico de pobreza. É uma ideia do senso em comum que ser pobre é estar destituído do mínimo indispensável para viver uma vida digna. Sociologicamente, entretanto, o que é uma vida digna e no que exatamente consiste esse mínimo indispensável são aspectos controversos e historicamente variáveis, uma vez que a pobreza será vinculada ao contexto social em que inserem as pessoas. Ser pobre na cidade é uma experiência diferente de ser pobre no campo, assim como caracterizar a pobreza no campo da Europa é descrever uma realidade que guarda pouco em comum com a pobreza no contexto da América Latina (SILVA; RODRIGUEZ, 2017, p. 408, grifo nosso).

Nesse patamar, curial asserir, portanto, que a polêmica quanto ao critério de averiguação da renda familiar persistiu durante anos. O intuito era definir se poderia haver flexibilização em situações concretas, utilizando-se de outros parâmetros mais adequados para o julgador, tendo como exemplo, o abatimento da renda das despesas com medicamentos não disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde[3] (SUS) (AMADO, 2017, p. 54).

Diante dessa polêmica, a questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) e decidida parcialmente no Julgamento dos Recursos Extraordinários n. 567.985 e 580.963, que por maioria dos votos, pronunciou pela Inconstitucionalidade do §3º do artigo 20 da LOAS, no entanto, não deu nulidade ao sobredito parágrafo. (BRASIL, 2013).

Assim, diante dessa importante decisão, caberia ao Poder Legislativo manifestar-se acerca de um novo critério legal da renda per capita a ser utilizada, considerando a realidade atual da sociedade. Contudo o Congresso Nacional não criou um novo dispositivo sobre o tema, razão pela qual o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda adota o §3º do artigo 20 da LOAS na via administrativa (AMADO, 2017, p. 56-58).

Em virtude dos fatos mencionados, é importante que, para ter o mínimo de segurança jurídica, o Legislador crie um novo critério objetivo, assegurando uma justa concessão para todos que tenham direito ao BPC. Nesse sentido, analisa-se o que Amado (2017) comenta:

Para conferir um mínimo de segurança jurídica ao INSS ou ao Poder Judiciário na aferição concreta da miserabilidade, é necessário que o Congresso Nacional atue rapidamente na votação de um novo critério para substituir o §3º, do artigo 20, da lei 8.742/93, observados os limites orçamentários da União à Luz do Princípio da Procedência da Fonte de Custeio. (AMADO, 2017, p. 58).

Diante da inércia do poder legislativo, os Tribunais de Justiça passaram a relativizar tal critério, deixando de analisar de forma objetiva a renda inferior ao critério de ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente, estabelecida na lei, passando a apreciar outros parâmetros para averiguar se o núcleo familiar vive realmente em situação de vulnerabilidade.

Nesse sentido percebe-se que a inquietação da pesquisa tem o seguinte questionamento: De que forma a flexibilização do critério de vulnerabilidade social pelo poder legislativo, impondo ao INSS a adoção de novos parâmetros, contribuiria para possibilitar um efetivo acesso ao Beneficio de Prestação Continuada?  

O presente trabalho fora desenvolvido da seguinte forma: i) desenvolver uma evolução histórica sobre o Benefício de Prestação Continuada; ii) Uma analise quanto os princípios norteadores da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS); e, iii) A (in) constitucionalidade do critério objetivo do benefício de prestação continuada. Na última fase do trabalho desenvolveu-se sobre a forma de flexibilização do critério objetivo para a aferição da vulnerabilidade social pelo poder judiciário e, na sequência, foram desenvolvidas as considerações finais.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) foi criado com o objetivo de proporcionar uma sociedade mais justa e uma vida mais digna às pessoas carentes. Na verdade, desde os tempos remotos, a humanidade tem sido obrigada a adaptar-se para reduzir os efeitos das adversidades da vida, como fome, velhice, doença, desigualdade social.

Afirma-se que a proteção social nasceu conjuntamente com a família. Ressalte-se, porém, que a concepção de família já foi mais rígida do que nos dias atuais, havia um cuidado especial para com os idosos e incapacitados e, os mais jovens e aptos ficavam com a incumbência de proteger e garantir as obrigações essenciais para uma vida mais digna (IBRAHIM, 2011, p. 01).

Dessa forma, para melhor garantir um futuro mais justo – já que tudo era incerto, surgem as primeiras inspirações ligadas à vontade de proteção de riscos e acidentes, que eram sempre nítidas nos anseios familiares antigos, em que os laços de parentesco eram mais resistentes e solidários.

No entanto, nem todas as famílias conseguiam fornecer aos vulneráveis toda proteção necessária, resultando que algumas famílias vivessem em situações precárias. Urge-se então, à necessidade de um auxilio subsidiário do Estado, que só veio a assumir esta obrigação no Século XVII, com a edição da Lei dos Pobres (IBRAHIM, 2011).

A Lei dos Pobres era um conjunto de medidas criadas durante o reinado de Elizabeth I que tinha por escopo aliviar a pobreza, transferindo para as igrejas a atribuição de criar e arrecadar uma taxa compulsória de pobreza para, dentre outras coisas, custear a manutenção dos cargos de “supervisores dos pobres.” (Lima, 2014).

Estes Supervisores eram pessoas encarregadas de construir casas de trabalho com o intuito de gerar empregos para os mais pobres em atividades lucrativas, objetivando inserir todos os pobres no mercado de trabalho em troca de alimentos ou de uma remuneração capaz de oferecer o mínimo de manutenção básica. (Lima, 2014).

Consigna destacar que, embora a lei dos pobres fora bastante criticada – em razão de ter sido mais punitiva do que protetora – ainda assim, a susodita lei foi considerada adequada à época, e para muitos autores, como Leal (2003), é considerada como a norma que impulsionou a ideia de que o Estado é responsável pelos pobres. (Lima, 2014).

Nesse mesmo sentido, Leal (2003) ainda assevera que a lei dos pobres serviu de inspiração para a criação do seguro nacional contra doença e velhice, que surgiu na Alemanha de Bismarck[4] no início do ano de 1880. Posteriormente, destaca-se também a politica oficial de habitação na Inglaterra, na década de 1890, e ainda, a lei de seguridade social nos Estados Unidos da América em 1935. (Lima, 2014).

Desta feita, verifica-se que desde meados do século XVII ficou evidenciada a importância da participação do Estado no combate à pobreza e na diminuição das desigualdades sociais, já que existiam muitas famílias carentes e desabrigadas, sem recurso e auxílio financeiro algum.

Já em 1793 a Constituição Francesa previa A declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que tinha o escopo de prevê que a assistência pública é uma dívida sagrada, ou seja, a sociedade tem o dever de sustentar os cidadãos insatisfeitos e infelizes e, para isso, deverá dar-lhes empregos, ou assegurar aos que não tem condições de trabalhar, meios de subsistência básica. (MARTINS, 2015).

Considerando vários fatores históricos mundiais de benefícios com o intuito de fornecer aos pobres necessidades básicas, o Brasil veio adotar na Constituição de 1934, a competência à União para fixar regras básicas de assistência social e a responsabilidade de cuidar da saúde e assistência públicas aos Estados-membros. No entanto, ainda era obrigatória a contribuição de custeio ao ente público, empregado e empregador. (MARTINS, 2015, p. 10).     

Vale mencionar que embora houvesse previsão de assistência social, não havia legislação alguma que tratasse sobre tal assistência, que era estudada conjuntamente com a Previdência Social, por isso tudo, o Brasil passou a tratar da seguridade social na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), como um conjunto de ações do Estado, com a finalidade de atender as necessidades básicas ao povo, unindo assim, a Previdência Social, Assistência Social e a Saúde. (MARTINS, 2015).

Nesse diapasão, o legislador, no título VIII da CRFB/88, estabeleceu um texto da ordem social, estipulando o tripé de sustentação da seguridade social, agrupado no capítulo II. Já nas seções II, III e IV, agruparam-se os deveres da saúde (arts. 196 a 200), o da previdência (arts. 201 e 202), e, por último, o da assistência social (arts. 203 e 204). Assim, foi positivada a pretensão de garantia estatal de assegurar o mínimo existencial aos desprotegidos (BRASIL, 1988).

Assim, pode-se entender a Assistência Social como um conjunto de politicas estatais que visam a atender àquelas pessoas que são incapazes de garantir sua própria manutenção, independentemente de contribuição direta do beneficiário para a previdência social (BRASIL, 1988).

Um grande e importante passo para a melhoria da assistência social no Brasil foi a criação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), que surgiu com a edição da Resolução 130, de 15.07.2005, do Conselho Nacional de Assistência Social, que aprovou a norma do SUAS (AMADO, 2017).

As ações da assistência social no SUAS são organizadas em dois tipos de proteção: a básica e especial, sendo desenvolvidas e/ou coordenadas pelas unidades públicas, como o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS); Centro de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) e o Centro de Referencia Especializado para a População em Situações de Rua (Centro POP) e, de forma subsidiária e complementar, pela Rede Socioassistencial Privada do SUAS (BRASIL; 2019a).

Vale mencionar, que os principais objetivos da assistência social é a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescente carentes; promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilidade e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e promoção de sua integração à vida comunitária e, por fim, a garantia de 01 (um) salário mínimo de benefício mensal às pessoas portadoras de deficiência e ao idoso que comprovarem não possuir meios de prover a sua manutenção ou de tê-la provida por sua família (BRASIL; 1988).

No tema seguinte será tratado sobre a criação do Benefício de Prestação Continuada, a sua evolução histórica levando em consideração tudo que já fora mencionado sobre a seguridade social e o embate contra a pobreza.

2.1 A CRIAÇÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC)

Já em 1974, foi instituída a Lei n. 6.179/74, que obtinha como nome de “amparo previdenciário”, que correspondia à metade de um salário mínimo ao maior de 70 (setenta) anos ou inválido, que não possuía mais capacidade para o trabalho, que não exercesse atividade remunerada ou tivesse renda mensal superior a 60% do salário mínimo (MARTINS, 2015, p. 532).

Posteriormente, a Constituição de 1988 em seu Art. 203, V, criou o Benefício de Prestação Continuada (BPC), instituído pela Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, mais conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

Atualmente, o BPC integra a Proteção Social Básica do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), que é um sistema com direção única, coordenado pelo extinto Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), cujas atribuições estão atualmente sob-responsabilidade do ministério da cidadania, atendendo, prioritariamente, as regiões mais vulneráveis, sendo a proteção à família como o principal foco (BRASIL, 2019b).

Diante do sobredito, verifica-se que as políticas de assistência para às pessoas carentes, passaram por diversas mudanças ao longo do tempo, inicialmente com a instituição da Seguridade Social que determina a Assistência Social na CRFB/88 e, posteriormente em 1993 a criação da LOAS que instituiu o BPC.

No seguinte tópico, serão explorados os princípios que norteiam a Lei Orgânica da Assistência Social e a importância da analogia de cada princípio para um eficaz acesso às pessoas que necessitem da prestação do benefício.

3 OS PRINCÍPIOS NORTEADORES QUE REGEM A LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

Os princípios norteadores que regem a assistência social estão previsto – a maioria deles, no art. 194 da CRFB/88, no entanto, existem os princípios infraconstitucionais que estão previstos no art. 4º da LOAS.

Os princípios infraconstitucionais estão arrolados de forma mais simples, sendo eles:

Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:

I – supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;

II – universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

III – respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;

IV – igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;

V – divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão (BRASIL, 1988).

Percebe-se que os princípios supracitados da assistência social têm como fundamento no sistema da seguridade social, realizar as necessidades básicas das pessoas que vivem em risco social, preservando a sua dignidade e não necessariamente a obtenção de rentabilidade econômica, até porque, as prestações não dependem de contribuição dos seus beneficiários.

No próximo tema será analisado e explicado cada princípio constitucional e a sua importância para o benefício de prestação continuada.

3.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Os princípios constitucionais representam uma grande importância para o direito previdenciário, uma vez que auxiliam o operador de direito a interpretar a normal para que tenha uma melhor na aplicação quando for conceder o benefício assistencial.

3.1.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A preocupação com a Dignidade da Pessoa Humana[5] surgiu após os desdobramentos da segunda guerra mundial[6], em que milhões de vidas foram perdidas em consequência da ambição de estados imperialistas e pelo surgimento de ideias fascistas. (FRIAS; LOPES, 2015).

Primordialmente, importante mencionar sobre os direitos humanos e sua respectiva internacionalização, primeiramente, em resposta à tragédia do nazismo, em respeito à humanidade, numa perspectiva de universalidade e indivisibilidade, destes direitos (IBRAHIM, 2011).

A CRFB/88 consagrou no inciso III do seu atrigo 1º o principio fundamental da dignidade da pessoa humana que se rege, em suas relações internacionais, dentre outros, pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, do repúdio ao terrorismo e ao racismo e pela cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (LENZA, 2018, p. 888).

Assim, a CRFB/88 estabelece seus os objetivos nos artigos 1º, 2º e 3º, com o intuito de atingir uma sociedade justa, solidária, sem pobreza, pondo fim a marginalização e, com o comprometimento em acabar com as desigualdades sociais, e, sendo o principal foco o bem estar de todos os cidadãos (BRASIL, 1988).

Isto posto cabe ao Estado criar medidas públicas ou privadas que garantam uma vida mais digna e com equidade social para àquelas pessoas que necessitam de apoio para o suprimento básico, tudo visando o principio e fundamento da dignidade da pessoa humana.

3.1.2 UNIVERSALIDADE DA COBERTURA E DO ATENDIMENTO

Este princípio constitucional preleciona que a seguridade social deverá atender a todos que necessitam, com foco maior na assistência social e da saúde pública, que não são onerosas, pois independe de contribuição diretamente dos beneficiários.

Para Martins (2015), a universalidade de cobertura é entendida como as eventualidades que serão revestidas pelo sistema, sendo uma impossibilidade de retorno as atividades laborativas, à morte, a idade avançada, dentre outros. Em relação à de atendimento, estas se referem às pessoas necessitadas, que precisem de auxílio estatal.

Para Amado (2017), esse sobredito princípio terá sua universalidade limitada, uma vez que há uma grande necessidade de contribuição. Logo, o mesmo acaba sendo mitigado por sua carência contributiva, não atingindo toda a população.

O principal objetivo desse princípio é conferir a maior abrangência possível à seguridade social, de tal modo que não engloba só os de nacionalidade brasileira, mas também os estrangeiros residentes, atingindo, até mesmo, os não residentes, dependendo da situação (AMADO, 2017, p. 32)

Dentro dessa perspectiva, compete ao legislador adotar medidas possíveis para que seja abrangido o maior número de pessoas que necessitam e, consequentemente, diminuam cada vez mais os riscos sociais que atingem o Brasil.

3.1.3 UNIFORMIDADE E EQUIVALÊNCIA DOS BENEFÍCIOS E SERVIÇOS ÀS POPULAÇÕES URBANAS E RURAIS

A CRFB/88 dispôs a uniformidade e equivalência de serviços e benefícios às pessoas que vivem em zona rural ou urbana. A uniformidade vai dizer no que tange aos aspectos objetivos, às contingências que vão ser cobertas. Já a equivalência vai tomar por base o aspecto pecuniário ou a prestação dos serviços, que serão equivalentes, sempre que possível, dependendo do coeficiente de cálculo, sexo, idade, dentre outros (MARTINS, 2015, p. 61).

É importante mencionar que, em razão destes princípios não é possível à discriminação negativa em desfavor do cidadão rural para o urbano. No entanto, não significa que não pode haver uma discriminação – desde que justificável, como por exemplo, o art. 195, §8º, que assegura uma forma especial de contribuição baseada na produção comercializada, em virtude das dificuldades e oscilações que assolam a vida dos rurícolas que trabalham em regime de economia familiar (AMADO, 2017, p. 33).

Consigna nesse ponto asserir que, embora haja exceção no que tange à discriminação negativa, o principio é claro em relação ao tratamento das populações rurais e urbanas.

3.1.4 SELETIVIDADE E DISTRIBUTIVIDADE NA PROTEÇÃO DOS BENEFÍCIOS E SERVIÇOS

A seletividade é um princípio limitador da universalidade da seguridade social, preleciona que o legislador deverá escolher os benefícios e serviços integrantes da seguridade, bem como, os parâmetros para a sua concessão, observando as necessidades sociais e a disponibilidade de recursos orçamentários. (AMADO, 2017, p. 34).

Assim, deve-se observar o desenvolvimento econômico do país, sempre que houver crescimento financeiro, devendo o poder público expandir, proporcionalmente, a proteção da seguridade social, observando primeiramente, à saúde e a assistência social.

De uma ideia anterior, para o doutrinador Ibrahim (2011) cabe ao legislador balancear as conhecidas ‘escolhas trágicas’, que é o mesmo que, estipular na lei orçamentária onde irão concentrar-se os limites dos recursos. Isto posto, insere-se a seletividade, com o intuito de impor a manutenção dos fornecimentos sociais de maior grau relevante, traçando como objetivos constitucionais o bem-estar e a justiça-social (IBRAHIM, 2011).

Por sua vez, a distributividade coloca a seguridade social como um sistema, primordialmente, de justiça social, de forma que os mais necessitados, devem ser os primeiros a serem agraciados com as prestações pecuniárias (AMADO, 2017, p. 34).

3.1.5 EQUIDADE NA FORMA DE PARTICIPAÇÃO NO CUSTEIO

O princípio constitucional da equidade na forma de custeio é um desdobramento do princípio da igualdade. Sendo assim, aqueles que estiverem com igualdade de condições para contribuir, terão de contribuir da mesma forma. A título de exemplo, o trabalhador não pode contribuir da mesma forma que o empregador, uma vez que, por obvio, a empresa possui maiores condições de contribuir. (MARINS, 2015, p. 63).

Portanto, a maior parte de custeio virá das empresas, não podendo se equiparar, no que tange às contribuições, com o empregado, que por respeito ao princípio está protegido com a participação equânime de custeio.

3.1.6   GESTÃO QUATRIPARTITE

A gestão quatripartite será de índole democrática e descentralizada, tendo como desenvolvedores os trabalhadores, os empregadores, os aposentados e o Poder Público. Esse princípio é consequência da participação dos trabalhadores e empregados nos órgãos públicos em que seus interesses, tanto profissionais e previdenciários sejam objeto de deliberação e objeto. (AMADO, 2017, p. 38).

3.1.7 SOLIDARIEDADE

Como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade é um princípio fundamental que tem enorme aplicabilidade na seguridade social, sendo como principal foco o poder público construir uma sociedade livre, justa e solidária. Inclusive a própria CRFB/88, no parágrafo 3º, inciso I, traça como objetivos fundamentais “uma sociedade livre, justa e solidária” (BRASIL, 1988).

Consigna salientar, que a seguridade social é solidária, uma vez que visa proteger em momentos de necessidade, seja pelo benefício previdenciário ao segurado que está impossibilitado do labor, seja por oferecer medicamentos a uma pessoa com enfermidade, ou pela assistência por meio de doação de alimentos a uma pessoa em estado afaimado. (AMADO, 2017, p. 39).

De toda falácia, a solidariedade impede uma proteção individual, já que se cada um fosse responsável por si próprio, não haveria segurança alguma, nem a curto e médio prazo. Assim, impede-se um sistema de capitalização pura nos segmentos da previdência social. (IBRAHIM, 2011).

Em contrapartida, há uma verdadeira socialização de riscos para com a sociedade, haja vista que os recursos para manter os benefícios provêm dos orçamentos públicos e das contribuições sociais, sendo que aqueles que pagam o sistema que auxilia no custeio, pode não gozar dos direitos futuramente, gerando, portanto, uma enorme estabilidade jurídica na sociedade. (AMADO, 2017).

Por outro lado, gozando do princípio da solidariedade, o fato de uma pessoa que começou a laborar poder começar se aposentar no mesmo dia – como exemplo a pessoa ficar inválida, mesmo sem ter vertido ainda nenhuma contribuição ao sistema. (AMADO, 2017).

Dessa forma, o princípio pode trazer algumas inseguranças à sociedade, no entanto, visa à proteção das pessoas que precisam de apoio, ficando a sociedade e o Estado subsidiariamente obrigados a fornecer igualdades, tendo como fundamento o princípio da solidariedade.

Na parte seguinte, será tratado sobre o conceito de família e a hipossuficiência econômica segundo a Lei Orgânica da Assistência Social.

4 CONCEITO DE FAMÍLIA E HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA SEGUNDO A LOAS

Para ter direito ao recebimento de um salário mínimo mensal ao idoso e a pessoa incapaz, deverá ser comprovado que a pessoa não é capaz de prover seu alimento e, nem de ser amparado por sua família (BRASIL, 1988).

O legislador no art. 20, §1º, da LOAS, definiu para efeitos do benefício, que a família é composta pelo requerente, companheiro ou cônjuge, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam no mesmo teto. (BRASIL, 1993).

Existe também, o regulamento trazido pelo BPC, que no seu art. 4º conceitua que para fins de reconhecimento do benefício, considera-se família o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais, a madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (BRASIL, 2007).

Vale mencionar que o regulamento do BPC, em seu art. 13, §6º, 7º e 8º, abrange outra hipótese, quando o requerente for morador de rua, que constará como referência o endereço do serviço da rede sócio assistencial pelo qual esteja em acompanhamento, ou, na falta, de pessoas cujas relações são mais próximas (BRASIL, 2007).

No mais, o BPC estabelece que seja considerada família o conceito acima citado, desde que convivam com o requerente na mesma situação, que deve ser constado na Declaração da Composição e Renda Familiar (BRASIL, 2007).

Dessa forma, o idoso ou o incapaz desabrigado, mesmo sendo um morador de rua, e, não vivendo sob um “teto”, independente se tem ou não núcleo familiar, pode habilitar-se ao recebimento do BPC.

Além da consideração do núcleo familiar a pessoa com doença incapacitante e o idoso devem cumprir os requisitos objetivos da renda per capita familiar, que é o principal foco do presente artigo. A exigência do requisito da renda está prelecionada no artigo 20, §3º da LOAS, que dispõe que o núcleo familiar não poderá ultrapassar a renda de ¼ do salário mínimo vigente. (BRASIL, 1993).

Nunca e demais destacar que no próximo tópico será perspectivado se o requisito utilizado pela administração pública realmente confere justiça às pessoas carentes, que necessitem de auxílio estatal, bem como, expor a inconstitucionalidade do mencionado parâmetro.

5 A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO CRITÉRIO OBJETIVO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

 Como já mencionado, para ter direito ao amparo social, o idoso ou deficiente deverá comprovar que o seu núcleo familiar vive em estado de miserabilidade. E ademais, pelo critério legal, é considerado incapaz de fornecer sua própria manutenção ou de tê-la fornecida por sua família, o individuo que possui renda mensal per capita familiar inferior a ¼ do salário mínimo.

Esse critério foi duramente criticado durante anos, tendo como principal questionamento se o critério objetivo da renda poderia ser flexibilizado em situações concretas, utilizando-se de outros parâmetros mais adequados em situações especificas analisadas pelo poder judiciário. (AMADO, 2017).

Ao ser estabelecido um critério de renda, acabou que na prática, situações evidentes de pessoas com miserabilidade, ficaram sem o acesso ao benefício assistencial, uma vez que superava a renda igual ou superior ao fixado.

Diante do sobredito, nota-se que, segundo Ibrahim (2014), ainda que o legislador utilize de critérios objetivos de renda, a restrição econômica deve ser prudente com o caso concreto, sob pena de o necessitado ser condenado à morte. Assim, o intérprete não pode omitir-se à realidade social.

Em 27 de agosto de 1998, o Supremo Tribunal Federal (STF) por meio do julgamento da ADI 1.232, validou a renda de ¼ do salário mínimo, julgando improcedente a ação direta de inconstitucionalidade em relação ao susodito critério:

CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE UM SALÁRIO MINÍMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENNTE. (BRASIL, 2019c, grifo nosso).

Mesmo o STF tendo declarado a constitucionalidade do critério da renda per capita, não se pronunciou sobre a eventual possibilidade de serem adotados outros parâmetros de utilização a fim de fornecer a assistência social, conforme decisão da reclamação 4.374 de 01 de julho de 2007, do Ministro Gilmar Mendes proposta pelo Procurador Geral da República:

[…] Os inúmeros casos concretos que são objeto do conhecimento dos juízes e tribunais por todo o país, e chegam a este Tribunal pela via da reclamação ou do recurso extraordinário, têm demonstrado que os critérios objetivos estabelecidos pela Lei n° 8.742/93 são insuficientes para atestar que o idoso ou o deficiente não possuem meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Constatada tal insuficiência, os juízes e tribunais nada mais têm feito do que comprovar a condição de miserabilidade do indivíduo que pleiteia o benefício por outros meios de prova. Não se declara a inconstitucionalidade do art. 20, § 3o, da Lei n° 8.742/93, mas apenas se reconhece a possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores indicativos do estado de penúria do cidadão. Em alguns casos, procede-se à interpretação sistemática da legislação superveniente que estabelece critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais. […] Portanto, mantendo-se firme o posicionamento do Tribunal em relação à constitucionalidade do § 3o do art. 20 da Lei n° 8.742/93, tal como esposado no julgamento da ADI 1.232, o mesmo não se poderia afirmar em relação ao que decidido na Rcl – AgR 2.303/RS, Rel. Min. Ellen Gracie (DJ 1.4.2005). O Tribunal parece caminhar no sentido de se admitir que o critério de 1/4 do salário mínimo pode ser conjugado com outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família para concessão do benefício assistencial de que trata o art. 203, inciso V, da Constituição. Entendimento contrário, ou seja, no sentido da manutenção da decisão proferida na Rcl 2.303/RS, ressaltaria ao menos a inconstitucionalidade por omissão do § 3o do art. 20 da Lei n° 8.742/93, diante da insuficiência de critérios para se aferir se o deficiente ou o idoso não possuem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, como exige o art. 203, inciso V, da Constituição. A meu ver, toda essa reinterpretação do art. 203 da Constituição, que vem sendo realizada tanto pelo legislador como por esta Corte, pode ser reveladora de um processo de inconstitucionalização do § 3o do art. 20 da Lei n° 8.742/93. Diante de todas essas perplexidades sobre o tema, é certo que o Plenário do Tribunal terá que enfrentá-lo novamente. Ademais, o próprio caráter alimentar do benefício em referência torna injustificada a alegada urgência da pretensão cautelar em casos como este. Ante o exposto, indefiro o pedido de medida liminar. (BRASIL, 2007, grifo nosso).

Portanto, percebe-se que a matéria passou por várias vezes pela Suprema Corte, sobre a (in) constitucionalidade do critério objetivo da lei, utilizado pela Administração Pública. A questão foi finalmente decidida pelo STF, no julgamento dos Recursos Extraordinários 567.985 e 580.963, que foi julgado então pela inconstitucionalidade do §3º, do artigo 20, da LOAS, no qual fixa a renda per capita inferior de ¼ do salário mínimo vigente para caracterização da miserabilidade:

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei da Organização da
Assistência Social (LOAS), ao regimentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou te tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, §3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, §3º, da Lei 8.742/1993 que ‘considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo’. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declaração a Constitucionalidade do art. 20, §3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o poder executivo a conceder apoio financeiro a Munícipios que instituírem programas de garantia de renda mínima associadas a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de insconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado Brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, §3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento (BRASIL, 2013).

De acordo com a decisão, a Suprema Corte entendeu que devido às sucessivas mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (devido às modificações do poder legislativas dos critérios econômicos utilizados para a efetiva concessão de outros benefícios assistenciais), o certo seria ser declarada a inconstitucionalidade.

No entanto, embora tenha sido declarada inconstitucional, a decisão ainda não é vinculante, uma vez que não foi pronunciado pela nulidade do art. 20, §3º, da Lei n. 8.742/93.

É importante destacar que no próximo tópico, falar-se-á sobre a flexibilização do critério da renda e o que poderia ser para que houvesse uma segurança jurídica, para que a própria administração pública flexibilizasse o critério da miserabilidade em casos concretos.

6 A FLEXIBILIZAÇÃO DA MISERABILIDADE

Não obstante a declaração de inconstitucionalidade do art. 20, §3º, da LOAS, o STF não pronunciou a nulidade, dessa forma, buscou-se em 31/12/2015, a modulação da sua eficácia cuja finalidade seria conferir um prazo para o Congresso Nacional aprovar uma nova regra sem o afastamento imediato da anterior. Entretanto, não foi alcançado o quórum de 2/3, ou seja, 08 votos, para aprovar a modulação (AMADO, 2017, p. 57).

Por conseguinte, percebe-se que a decisão não se tornou vinculante, uma vez que não foi criado um novo critério legal que substituísse o que fora considerado inconstitucional, razão pela qual a administração pública ainda utiliza esse critério (AMADO, 2017, p. 58).

É nítido que o critério legal limita o acesso ao benefício às pessoas que se encontrem em estado de miserabilidade. Ainda dentro desse mesmo aparato, percebe-se que o Estado não pode ser omisso ao negar a concessão da assistência àquelas pessoas que possuem a renda per capita superior a ¼ do salário mínimo, porém, vivam em Estado de miserabilidade (RAMOS, 2019, p. 28).

Assim, como o principal proposito do beneficio de prestação continuada é conceder dignidade às pessoas carentes, que necessitem de apoio subsidiário do estado, a Turma Nacional de Uniformização (TNU), uniformizou jurisprudência sobre a possibilidade da utilização de outros critérios para aferição da circunstância de miserabilidade do idoso e do incapaz, no incidente de uniformização representativo de controvérsia julgado em 11/12/2014:

PREVIDENCIÁRIO. ASSISTENCIAL. LOAS. MISERABILIDADE. DESCONFORMIDADE COM NOVAS DIRETIVAS LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS. NÃO CONHECIMENTO. 1. Voto no sentido de não conhecer o PEDILEF, ante a incidência do disposto na súmula 22 da TNU. 2. Com efeito, na condição de coordenador das Turmas Recursais da Seção Judiciária de Minas Gerais proferi, nestes autos, a seguinte decisão, cujos fundamentos considero remanescentes e sem justificativa plausível para sua alteração: NEGO PROVIMENTO ao incidente de uniformização dirigido à Turma Nacional de Uniformização (TNU) do JEFs, com lastro no art. 14, §2º, da Lei nº10. 259/2001, interposto pelo PAULO HENRIQUE DE OLIVEIRA, em face de acórdão proferido por uma das Turmas Recursais desta Seccional. O acórdão recorrido assinalou que o conjunto probatório não evidencia o direito da parte autora ao beneficio assistencial, uma vez que não reconheceu sua hipossufiência econômica, consoante previsto no art. 20, §3, do art. 20, da Lei 8.742/1993, que prevê como critério para a concessão de beneficio a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo, por considerar tais critérios insuficientes para demonstrar a situação de miserabilidade. Todavia, na ocasião o STF firmou o entendimento de que compete ao julgador, no caso concreto, avaliar os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial se verificam presentes. Logo, se o julgador entender ausentes os requisitos para a obtenção do benefício, esse entendimento não pode ser revisto pelas instâncias transordinárias. Predomina na TNU o entendimento de que apenas se comprovadas a miserabilidade e a incapacidade ou a senilidade, a parte postulante fará jus ao benefício assistencial. Nesse sentido, TNU, PEDILEF 200543009021417, Juíza Federal Daniele Maranhão Costa, DJU 22/01/2008. Mudada as coisas que devem ser mudadas, aplica-se perfeitamente ao presente feito a Súmula 42 da TNU (BRASIL, 2014, grifo nosso).

Levando em consideração a decisão do STF que preleciona que cabe ao julgador analisar a miserabilidade em situações concretas, a jurisprudência, ou seja, os julgadores vêm relativizando cada vez mais o critério de miserabilidade, considerando dessa maneira, o caso concreto.

Em direção oposta, esse fenômeno gera uma grande insegurança jurídica, visto que, o INSS não tem um novo requisito objetivo, o que acaba considerando a renda per capita superior a ¼ do salário mínimo. Esse aspecto contribui para que o beneficiário tenha que recorrer ao poder judiciário para ter a efetiva concessão ao BPC. Dentro dessa perspectiva, caberia ao poder legislativo criar um novo critério que substituísse o §3º, do art. 20 da LOAS, para que houvesse uma segurança jurídica maior (AMADO, 2017, p. 58).

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da relevante importância ao assunto comentado, nota-se que o requisito objetivo que regula a renda per capita do BPC pode ser suprida por outros meios de provas, analisando o caso concreto. Muitos idosos e deficientes que vivem em estado de miserabilidade dependem do beneficio para ter uma vida mais digna.

Nesse sentido, surgira a necessidade de ter sido declarada a inconstitucionalidade do critério objetivo do §3º, do art. 20, da LOAS, ou seja, a renda per capita inferior de ¼ do salário mínimo, e a relativização quanto ao critério de miserabilidade, para que o benefício seja concedido de forma mais eficaz e justa por aqueles que dele necessite.

Certo é que, para que seja mais eficaz e acessível e para uma maior segurança jurídica o poder legislativo deveria criar um novo critério objetivo como forma de substituir o §3º do art. 20 da LOAS, já que o INSS ainda utiliza de tal requisito, e, o beneficiário que tem o seu benefício negado, tem que recorrer ao poder judiciário para que seja concedido o BPC.

Perspectivando dentro desse raciocínio, não é difícil perceber que o critério de renda não contribui para que seja viabilizada a possibilidade de efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, direito esse garantido aos que não possuem meios de subsistir dignamente e ao estabelecer um critério tão precário, acaba por impedir o acesso.

Concorda-se com a relativização do critério de miserabilidade, analisando o caso concreto, somada à dificuldade financeira, para a efetiva concessão do BPC. Por fim, mostra-se a necessidade também, de ser estabelecido um novo parâmetro objetivo para garantir uma segurança jurídica mais efetiva.

REFERÊNCIAS

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IBRAHIM, Fabio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 17. ed. Rio de Janeiro: Ímpetus, 2014.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 20. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva: 2016

MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2015

SILVA, Felipe Gonçalves; RODRIGUEZ, José Rodrigo. Manual de Sociologia Jurídica. 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017.



[1]Egressa do curso de direito das Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE. E mail:  bruunarodriguues@gmail.com

[2] Estudante regular do programa de curso para doutorado em direito constitucional da Facultad de Derecho de la Universidad de Buenos Aires – UBA (2019). Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA – Universidad del Museo Social Argentino (2017). E mail:  eeedddmilson@gmail.com.

[3] O sistema Único de Saúde (SUS) é um sistema que oferece a todo cidadão acesso integral, universal e gratuito a serviço de saúde. Disponível em:  http://portalms.saude.gov.br/sistema-unico-de-saude#o-que. Acesso em: 30 maio 19.

[4] Otto Bismarck derrotou Napoleão III, e começou o processo de unificação do país germânico. Bismarck era quem estabelecia e determinava pautas políticas dos assuntos continentais. Disponível em:  https://www.terra.com.br/noticias/educacao/historia/entenda-como-foi-a-reunificacao-alema-liderada-por-otto-von-bismarck,c6cb3fb64a720115ea7cdfd678c06ba4zkt9ojnd.html. Acesso em: 16 nov. 2019.

[5]A Dignidade da Pessoa Humana é uma proteção de assegurar a todo ser humano, direitos e condições mínimas de uma vida digna, protegendo o mínimo existencial e, respeitando os direitos essenciais e fundamental à existência. Disponível em:  https://jus.com.br/artigos/67466/uma-analise-dos-aspectos-gerais-do-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana. Acesso em: 13 nov. 2019.

[6] A Segunda Guerra Mundial teve início em 01 de setembro de 1939, foi um conflito Bélico, que envolveu mais de setenta nações, opondo os aliados às potências do eixo. Tudo ocorreu com a invasão da Polônia pela Alemanha e as subsequentes declarações de guerra da França e da Grã-Bretanha, findando-se em 02 de setembro de 1945. Disponível em:  https://www.sohistoria.com.br/resumos/oquefoisegundaguerra.php. Acesso em: 08 nov. 2019.

Como citar e referenciar este artigo:
ALEXANDRE, Bruna Rodrigues; RODRIGUES, Edmilson Araujo. O beneficio de prestação continuada: a miserabilidade em busca da flexibilidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/previdenciario/o-beneficio-de-prestacao-continuada-a-miserabilidade-em-busca-da-flexibilidade/ Acesso em: 26 jul. 2024