Política

Precatórios prevaricadores

Precatórios prevaricadores

 

 

Mario Guerreiro *

 

 

Não por mera leviandade nem muito menos por falta de informação, tenho reiteradas vezes afirmado que o Estado brasileiro está caminhando, em marcha acelerada, para o totalitarismo de esquerda com a complacência dos Três Poderes. Há mesmo aqueles que querem transformar o Brasil numa mistura de Cuba com o Sudão: o Cubão.

 

Provavelmente os donos do Poder – nutrindo total desprezo pelos demais cidadãos – já se sentem confortavelmente instalados numa privilegiada Nomenklatura como a da finada União Soviética, com a diferença apenas de que a brasileira está aboletada em Brasília, a Ilha da Fantasia, construída por um Presidente utopista e perdulário, um urbanista aluado e mecanizado e um arquiteto formalista-estalinista.

 

Não bastasse o recente escândalo das mordomias, dos deslavados empreguismo e nepotismo do Senado, esta instituição – que apodrece diante do olhar apático de um povo frívolo, ignorante, indiferente a tudo e absolutamente inerte – resolveu institucionalizar o calote público, sem o menor pejo nem rubor facial: tais coisas estão fora de moda há muito tempo.  Como sempre, os protestos foram poucos, mas muitos os ouvidos moucos.

 

Recentemente, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado– nada mais do que um nome pomposo para impressionar os apedeutas das tabas de Pindorama! – aprovou alterações na Proposta de Emenda Constitucional n.o12 cujo escopo visava a estabelecer novas regras para o pagamento de precatórios. Quanto mais mexe, mais fede e o fedor não se mede.

 

A proposta inicial previa a realização de leilões de acordo com os quais receberia primeiro quem oferecesse o maior deságio, quer dizer: quanto menos o credor estivesse disposto a receber, mais cedo receberia! Isto não é piada, porém tão hilariante como se fosse das melhores.

 

50% dos recursos públicos disponíveis seriam reservados para essa forma de pagamento. Dos 50% restantes, 30% segundo a ordem decrescente do valor e 20% de acordo com a ordem cronológica de apresentação dos créditos.

 

Mas, de acordo com as alterações aprovadas pelos senadores, elas não só mantêm o leilão como também propõem simplesmente a extinção da fila de pagamento! Inacreditável! Inconcebível o menosprezo desses abastados paxás e nababos pela Constituição!

 

Além disso, as alterações propõem a atualização da dívida pelo índice oficial da caderneta de poupança, recentemente reduzido por uma medida do Poder Executivo – coisa impremeditada, mas que veio bem a calhar!

 

Além de uma violação da Constituição, que determina que o pagamento seja feito de acordo com a ordem cronológica de apresentação dos créditos, a PEC 12 é extremamente imoral, pois institucionaliza o calote; porém – como convém a um Estado autoritário e desavergonhado – somente quando o devedor é o próprio Estado.

 

Todavia, quando os devedores somos nós – pobres cidadãos de um país grande que dificilmente será um grande país – não gozamos do privilégio de empurrar nossas dívidas com a barriga e ainda temos de aturar um credor implacável, sequioso que sempre está de recursos, para esbanjar em mordomias, deslavado empreguismo e dispendiosas políticas públicas demagógicas.

 

[Quando a arrecadação diminui, por causa de uma crise econômica internacional e se torna difícil aumentar uma monstruosa carga tributária, então os agentes do Estado recorrem logo a uma nova malandragem, para sugar o sangue do vampirizado e anêmico contribuinte].

 

E quando se critica medidas como essa imoralíssima medida do Senado, a alegação de alguns membros do Legislativo e do Executivo é de que o Estado – nas suas instâncias municipal, estadual e federal – carece de recursos para honrar devidamente suas dívidas.

 

Ora bolas! Carece de recursos, porque gasta sempre muito mais do que arrecada, por causa da péssima administração, do absurdo custo de sua folha de pagamento, de um crescente inchamento, de desvios de verbas, de grossa corrupção, de desperdício de dinheiro do contribuinte, etc. Além disso, ao invés de cortar custos, sempre aumenta impostos.

 

Recentemente correu pelo Senado um boato totalmente infundado de que um senador queria pedir um plebiscito sobre o fechamento do Senado. Isto é coisa que jamais aconteceu e que nunca acontecerá! Seria como um bezerro pedir a mastectomia das generosas tetas da vaquinha em que mama avidamente.

 

Alguns brasileiros indignados com as coisas moralmente horrendas que ocorrem no Senado, em momentos de apoplexia costumam clamar pelo fechamento do Congresso Nacional. De minha parte, sou radicalmente contra!

 

Fosse feito isto e o povo brasileiro ver-se-ia privado de seus mais legítimos representantes. Deputados e senadores são realmente a cara do povo. Mas, se esta cara é muito feia, não adianta nada quebrar o espelho que se limita a refleti-la, nem muito menos amaldiçoar o código genético.

 

 

* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
, Mario Guerreiro. Precatórios prevaricadores. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/precatorios-prevaricadores/ Acesso em: 26 jul. 2024