Filosofia do Direito

Jesus Cristo e os Direitos Humanos

Jesus Cristo e os Direitos Humanos

 

 

Cândido Furtado Maia Neto*

 

 

No princípio era o Verbo, o Verbo estava com Deus, o Verbo era Deus, e todas as coisas foram feitas por Ele, o mundo e a natureza com suas leis perfeitas e eternas, para o bem da humanidade, de todas as raças e todas as gentes, assim como os Direitos Humanos irrenunciáveis, inalienáveis, indeclináveis e imprescritíveis.

 

Jesus Cristo em sua missão ministerial é o maior exemplo de defensor dos Direitos Humanos, pela necessidade de respeito às garantias fundamentais (inc. xli, art. 5º CF), dentre elas a dignidade humana, através da igualdade entre as pessoas, sem nenhuma espécie de discriminação (art. 5º “caput” CF); exigia atenção as crianças – “na verdade vós digo, que quantas vezes vós fizestes a um destes meus irmãos, mais pequeninos, a mim é que o fizestes”, “é dos pequeninos o reino dos céus”-, aos idosos e aos enfermos, predicava a justiça verdadeira, o direito sagrado de ir e vir (“Hábeas Corpus Act” ou a “Bill of Rights”); falava também da liberdade de expressão, alertando: “não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da sua boca”.

 

O humanismo se explica através do direito natural, recorrendo à natureza humana em si, isto os direitos que pertencem a dignidade do homem, a fé no pensamento político da felicidade e progresso e harmonia natural das coisas para a felicidade do homem, sob os fundamentos da ciência e do raciocínio. A razão como guia do princípio da tolerância e da ética.

 

Assim a doutrina Cristã é precursora dos conceitos internacionais de Direitos Humanos, consagrando as cláusulas pétreas dos instrumentos universais de aceitação tácita ou aqueles aderidos e ratificados pelos governos (ver Declaração Universal dos Direitos Humanos, ONU – 1948; Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ONU -1966; Convenção Americana sobre Direitos Humanos, OEA – 1969; Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, ONU – 1965; Convenção sobre os Direitos da Criança, ONU -1989, entre tantos outros).

 

A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana; como objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária para erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e reger-se em suas relações internas e externas pelo princípio da prevalência dos Direitos Humanos (arts. 1º, 3º e 4º Constituição Federal, 1988).

 

No preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Revolução francesa, 1789, inspirada no tripé, liberdade, igualdade e fraternidade), encontramos: “…convencido de que o esquecimento e o desprezo dos direitos naturais do homem são as únicas causas das desgraças do mundo…”.

 

Os Direitos Humanos são as próprias garantias fundamentais indisponíveis da cidadania, razão pela qual são auto-aplicáveis (§ 1º, art. 5º CF), não podendo haver modificação, nem mesmo via emenda constitucional (art. 60 § 4º inc. IV CF), autorizada a suspensão apenas no estado de defesa e de sítio (art. 136 e segts. CF), posto que são equivalentes ante o princípio de validade e hierarquia vertical das normas (§ 4º, art. 5º – EC. 45/2004 CF).

 

Reza a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (ONU -1969, arts 26/27): “Todo Tratado obriga as Partes e deve ser executado por elas de boa-fé” (“pacta sunt servanda”); “uma Parte não pode invocar as disposições de seu direito interno como justificativa para o inadimplemento de um Tratato”.

 

Em seus Atos, Jesus com autoridade de legítimo legislador, esclarece: “não julguei que vim destruir a lei, ou os profetas, não vim a destruí-los, mas sim a dar-lhes cumprimento”; assim a fiel e correta interpretação, aplicação ou execução das normas compete à instituição do Ministério Público, em alguns sistemas jurídicos denomina-se Ministério Fiscal, ante a qualidade de “dominus litis” e “custus legis”, tutor por excelência dos Direitos Humanos ou dos interesses indisponíveis individuais e coletivos da sociedade, sempre objetivando a segurança jurídica e a garantia da ordem democrática. Os membros do Parquet são os Procuradores da República e também os Promotores de Justiça, defensores da “res” – coisa – pública -, e Justiça se promove com o exercício dos princípios humanistas e dos ensinamentos cristãos, por isso os representantes do Ministério Público são os verdadeiros Promotores de Jesus Cristo (art. 127/129 CF; Lei nº 8.625/93, art. 43, II; art. CPP 257; e art. 81 e segts. CPC).

 

Nos Evangelhos de S. Mateus, S. Marcos, S. Lucas e S. João (Bíblia Sagrada, Novo Testamento), temos várias lições testemunhada pelos 12 discípulos: Pedro, André, Tiago, João, Felipe, Bartolomeu, Tomé, Mateus, Paulo, Tadeu, Simão e Judas Iscariotes.

 

Jesus iniciou sua pregação na Galilélia, falava em parábolas fazendo simples comparações através das coisas e situações momentâneas daquela época, no Sermão da Montanha, disse:

 

– Bem-aventurados “os mansos: porque eles possuirão a terra, e os pacíficos serão chamados filhos de Deus” – pregava Cristo o direito humanitário através da pacificação dos povos (ver Convênios de Genebra, desde 1949; Declaração sobre o Direito dos Povos e da Paz, 1984; competência e soberania do Corte Internacional de Justiça / Haia – CIJ-ONU).

 

– Bem-aventurados “os que têm fome e sede de Justiça, os que padecem perseguição por amor da Justiça; porque eles serão fartos, e é deles o reino dos céus” (ver documentos das Nações Unidas/ONU referente à administração da Justiça: Princípios Básicos Relativos à Independência da Magistratura, 1985; Diretrizes Básicas à Função dos Membros do Ministério Público, 1990; Princípios Básicos à Função dos Advogados, 1990; Código de Conduta para os Funcionários Encarregados de Cumprir a Lei, 1979).

 

– Bem-aventurados “os misericordiosos: porque eles alcançarão misericórdia”. O perdão significa compaixão que todos seres humanos devem ter uns para com os outros, independentemente de status social ou profissional. A base maior da Justiça é o próprio perdão judicial e não a aplicação de sanção, mas a sua comutação, a graça, a clemência e o indulto (arts. 107, II e 120 CP; arts. 187/193 LEP; arts. 734 e segts. CPP c.c. art. 84 XII CF).

 

Jesus Cristo dá exemplos de misericórdia ao perdoar o apóstolo Judas, seu seguidor e traidor, e também o ladrão crucificado ao seu lado que minutos antes de sua morte pediu clemência. Todos nós somos perdoados através da remissão de nossos atos; bem como o Estado concede a remição para aqueles que cometem faltas ou ilícitos. “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sêde e destes-me de beber; era hóspede, e recolhestes-me; estava nu, e cobriste-me; estava enfermo, e visitaste-me; estava no cárcere, e viestes ver-me”.

 

O sistema judicial do direito e sua política penal, criminológica e vitimológica moderna proporciona a remição ao réu, bem como a remissão à vítima, comitantemente. O vitimário resgatando o seu ato, libertando-se do erro através da responsabilidade de indenizar e reparar o dano causado; e a vítima, por sua vez, concedendo perdão total ou parcial. Primeiro é preciso reconhecer a falta, depois, pedir perdão, na seqüência imediata perdoar para a efetiva composição e cumprimento das obrigações, dos deveres e direitos humanos. Menos ódio e menos vingança, mais acordo e mais conciliação.

 

A própria instituição estatal que detêm a titularidade exclusiva da “persecutio criminis” e do “ius persequendi” sob o encargo de denunciar, acusar e pedir a condenação, na clausula 18 das Diretrizes Básicas da ONU, está expresso que deve o agente do Ministério Público (arts. 127 e 129 CF), procurar evitar o processamento criminal com a aplicação de pena grave, onde a prisão tem mostrado ao longo da história e da práxis forense, resultados e efeitos negativos, tanto ao apenado, para a vítima e á sociedade em geral (ver Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as medidas não privativas de liberdade – Regras de Tókio, 1990).

 

“Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem”, “Quem ferir a sua face direita oferece a outra”, estas frases explicam que somos falíveis e passíveis de erros. Na passagem do perdão da adultera, quando os homens lhe apedrejavam, ergue-se o Messias: “Quem de vós outros está sem pecado, seja o primeiro que a apedreje”, abaixaram a cabeça, saindo um a um dos carrascos.

 

“Não há Tribunais que bastem quando a responsabilidade se afasta da consciência dos Juízes” (Rui Barbosa). Até na apresentação do Projeto do Código de Napoleão (Code Civil des Français, 1807, Code Napoléon), no discurso proferido por Jean Etienne Marie Portalis (jurista integrante da comissão do Projeto), ante o Conselho de Estado, na presidência o próprio Napoleão Bonaparte, justificou o teor do artigo 4º (mantido no texto legislativo original e aprovado), sobre a possibilidade da livre criação do direito por parte do juiz, e que não se trata de simplificar até reduzir as leis a poucos princípios gerais, mas de aplicá-los para fazer Justiça.

 

Não julgai para não seres julgados. Pelas tuas palavras boas será justificado e pelas palavras más será condenado”. A aplicação correta da lei penal no regime democrático indica sempre a prevalência das circunstâncias atenuantes e da interpretação legal mais benéfica, através dos “olhos e coração puros”.

 

Trata-se de uma lição jurídica cristã e humanista de grande magnitude e cosmovisão espiritual: “amar a Deus sobre todas as coisas, e ao o teu próximo como a ti mesmo”; “todo aquele que fizer a vontade de meu Pai, que está nos céus, é meu irmão, e irmã e mãe”, conceito amplo de fraternidade, família e de cidadania universal. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (art. 5º. inc. I CF)

 

Jesus sofreu o maior dos constrangimentos ilegais, foi humilhado e sentenciado sem provas, através de denuncias caluniosas, injuriosas e difamantes (art. 138 à 145, e 339 do CP), associado ao abuso de autoridade (ver Declaração das Nações Unidas sobre os princípios fundamentais de justiça para as vítimas de delitos e do abuso de poder, 1985; Lei nº 4.898/65; art. 350 CP), o Sinédrio montou um verdadeiro e histórico tribunal de exceção (inc. xxxvii do art.5 CF) em desrespeito ao juízo natural, competente e imparcial, a ampla defesa e ao contraditório (inc. lv do art. 5º CF), atentando ademais contra os princípios “in dúbio pro reo” e “nullum crimen sine actio” (Declaração Universal, art. 11,2; art. 15.1 do Pacto Internacional; e art. 9 da Convenção Americana).

 

Preso, torturado (inc. xliii, art. 5º CF, e Lei nº 9.455/97) e mau tratado (art. 136 CP) ante grave violência arbitrária (art. 322 CP), Cristo suou sangue – ou “hematidrose”, fenômeno raríssimo produzido em condições excepcionais, para provocá-lo é necessário fraqueza física, acompanhada de um abatimento moral violento causado por profunda emoção – por desrespeito à sua integridade pessoal, moral e física (ver Regras Mínimas da ONU para o Tratamento dos Reclusos, 1955; Conjunto de Princípios para a proteção de todas as pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou prisão, 1988; Convenção contra a Tortura e outros tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes, ONU, 1984 e OEA, 1985; inc. xlix, art. 5º CF; art. 38 CP e art. 40 LEP).

 

No Império Romano entre os anos 27 a.d.c. e 476 d.d.c., período da república, ocorreram muitos abusos e arbitrariedades, o Direito Romano Penal era um sistema inquisitorial por natureza, portanto, anti-democrático, a este exemplo se aplicava a Lei de Talião – dente por dente, olho por olho…-, quando não houvesse a possibilidade de reparação ou indenização do dano causado; de outro lado, foi um período histórico de codificações importantes com o conjunto de regras jurídicas dos Códigos (Corpus Júris Civiles).

 

“Não matarás” mandamento pregado por Jesus, como direito de todos à inviolabilidade da vida (art. 5º “caput”CF e art. 121 CP) E acabou vítima de acusação e processo indevido, com a aplicação de pena capital (ver Resolução ONU nº 2.857/1949 e 65/1989. Prevenção Eficaz e Investigação das Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias ou Sumárias; Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vista à Abolição da Pena de Morte, ONU-1989; e inc. xlvii. do art. 5º CF).

 

A cruz de N.S. Jesus Cristo simboliza Amor ao próximo e sofrimento individual pelos homens e por toda a humanidade, perdão, aceitação, pregação e misericórdia. É a cruz da vítima e do vitimário, para a reconstrução da paz social, pois “Quem com ferro fere com ferro será ferido”, violência gera violência, vez que não é lícito praticar justiça pelas próprias mãos (art. 345 CP). Todo aquele que assume e defende a doutrina cristã e humanista, como seguidor de Jesus e como ativista dos Direitos Humanos é sacrificado, humilhado e perseguido por sua fé Maior e por seu trabalho em prol do respeito às garantias fundamentais da cidadania. A este exemplo citamos São Pedro e São Paulo, apóstolos presos (Carcer Tullianum e Cárcere Marmetino), torturados e executados à morte, e tantos outros mártires nos registros da história universal, e até os dias atuais temos assistido, no mundo todo, várias perseguições cometidas contra os que pregam Paz e Justiça, verdadeiramente.

 

O filho de Deus Pai era e é contra a ganância. De outro lado, o enriquecimento lícito é justo e nunca foi combatido por Jesus Cristo, somente aquele ganho fácil, anti-ético e amoral deve ser repudiado. O trabalho e o esforço diário de cada um será devidamente recompessado, com digno salário. O direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, como direito fundamental de estar protegida contra a fome. O trabalho é uma função social, todo trabalhador tem direito a participar da distribuição eqüitativa do bem-estar nacional. Jesus combate a escravatura do homem pelo homem, onde a exploração da mão-de-obra consta no Evangelho “Que mais fácil é passar um camelo pelo fundo duma agulha, do que entrar um rico no reino dos céus” (ver Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966; Convenção Relativa do Trabalho Forçado, 1957; Convenção sobre a Escravatura e Práticas Análogas, 1926; Declaração sobre o Progresso e o Desenvolvimento Social, 1969; Declaração universal sobre a erradicação da fome e da mal-nutrição, 1973-74; Declaração sobre o direito ao desenvolvimento, 1986; Princípios orientadores relativos à prevenção do crime e à Justiça Penal no Contexto do Desenvolvimento e de uma nova Ordem Econômica Internacional, 1990).

 

Ao ressuscitar e aparecer aos Apóstolos e em suas ultimas palavras, disse o Mestre: “Ensinai todas as agentes, o bem, o amor e os princípios de Justiça, em nome do PAI, do FILHO e do ESPIRITO SANTO, tudo que tenho pregado, se assim for, podem estar certos de que Eu estou convosco todos os dias, até a consumação do século”.

 

“Aquele que quebrar um destes mandamentos será pequeno e aquele que guardar e ensinar será respeitado grande”.

 

A Justiça está na terra e no céu, mais cedo ou mais tarde se realizará, não podemos e não devemos perdê-la de vista, a Justiça Divina está sob os cuidados do Espírito Santo, o espírito de Verdade e da Verdade. Justiça é um sentimento de fé e de esperança, nas boas obras e nas boas aplicações das leis; somente os homens de pouca fé não crêem.

 

A grande herança da humanidade são os ensinamentos de Jesus Cristo, para a preservação até o fim dos enunciados de Justiça e efetivação dos Direitos Humanos como luz do sistema jurídico. “Que luza a vossa luz diante dos homens, que eles vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus”.

 

A ressurreição de Cristo é própria necessidade de ressurgência dos Direitos Humanos, nesta Era de Novos Tempos, em grau de prevalência máxima como Lei Natural.

 

 

* Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Ministério Público Democrático.Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia@uol.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
NETO, Cândido Furtado Maia. Jesus Cristo e os Direitos Humanos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/jesus-cristo-e-os-direitos-humanos/ Acesso em: 21 abr. 2025