Creio em Deus
Ives Gandra da Silva Martins*
Nunca se falou tanto em ética e nunca se viu tão desfigurado seu conceito na vida diária, seja pública, seja privada, as pessoas, quase sempre, aceitando a normalidade de uma dupla vida.
Procuram preservar sua imagem perante os outros, mas vivem – grande parte delas – uma vida não condizente com o que dizem ou com o que fazem.
Na política, é até inútil tecer considerações. Os fatos transcendem os discursos e aqueles que, no passado, defenderam a ética, como seu valor maior, são hoje apresentados perante a opinião pública como violentadores dos bons costumes e esbanjadores de recursos públicos em causa própria.
O mesmo ocorre, ainda, na vida privada profissional, muitas vezes a luta pela sobrevivência, nas empresas, levando à eliminação do concorrente por intrigas e outras formas, nas quais a dignidade passa à distância.
Na família, os exemplos de infidelidade daqueles que prometeram fidelidade eterna multiplicam-se, com a prevalência do hedonismo elevado à enésima potência. Todos querem ser felizes, mesmo que à custa do outro cônjuge e dos próprios filhos. Não querer o bem dos outros, mas o seu próprio, é a tônica dominante.
E na vida social – principalmente no Brasil – os governos pouco fazem e os voluntários do setor privado são heróis que se esgotam, inclusive por eles perseguidos, porque fazem o que o Poder Público deveria fazer e não faz, apesar do indecente peso da carga tributária nacional.
Nesta “era” em que o homem atingiu sua máxima liberdade e independência, é para ele a “era” em que conseguiu sua maior insegurança interior, vivendo angústias e incertezas e, povoando os bancos de psicólogos e psiquiatras, ao ponto de, nos Estados Unidos – em pesquisa de alguns anos – terem descoberto que, no início do século XX, havia apenas 3% de pessoas que sofriam de problemas psicológicos, hoje chegando a 30% dos norte-americanos.
A perda de valores reais, não substituídos pelos discursos superficiais sobre ética e liberdade, é a característica marcante do início do século XXI. O laicismo, mais do que qualquer outra ideologia, tem destruído o que de mais profundo o ser humano tem. A humanidade lembra, um pouco, a célebre personagem de Dostoevski nos “Irmãos Karamazov” ao dizer que “se Deus não existe, tudo é permitido”. E o “tudo” gera o “vazio da plenitude” e a sensação de que, por mais que se viva para si mesmo, está-se a tecer com uma agulha sem fio.
Certa vez, perguntaram a célebre autor se ele ainda acreditava em Deus, a que ele respondeu, que ele já acreditava em Deus e retrucou ao seu interlocutor se ele ainda não acreditava.
É que o ser humano sem Deus e sem fé, não consegue explicar as questões mais elementares, ou seja, porque vive, de onde veio, para onde vai, qual é o significado da existência, porque existe o universo, quem o criou e outras questões jamais respondidas pelos adoradores da Razão, a mesma deusa entronizada por Robespierre e que o levou à ruína e à morte, por ser uma deusa criada pelo homem e não, um Deus criador do homem e do Universo.
O Papa João Paulo II, em seu livro “Memória e Identidade”, fala sobre a necessidade do homem, que perdeu valores, de hostilizar a Deus, principalmente os princípios que Cristo veio desvendar ao mundo, em seus curtos 3 anos de pregação.
O homem perdeu a fé e, por isto, não se aproxima de Deus e, por negá-Io, não se beneficia da gama de valores que Deus disponibiliza a seus filhos e que é apreciada e vivida por aqueles que o amam e que, apesar de serem pessoas passíveis de defeitos – e nós – os que acreditamos em Deus – temos os mesmos e talvez mais defeitos do que os que não acreditam -, lutam para vencê-Ios e ser úteis em sua vida interior, familiar, profissional e social.
Da mesma forma que crescemos, procurando diariamente aperfeiçoar-nos em nossa profissão – como nos ensina o melhor uso da razão -deveríamos também procurar conhecer os valores, os escritos, os fllósofos e os autores de livros sobre a fé, porque ninguém consegue amar o que não conhece. E só conhecendo melhor a Deus, pode-se amá-Io, e pode-se, então, falar em Ética e valores. Pode-se, enfim, viver como pensamos e não pensar como vivemos.
O laicismo parece-me, portanto, na “era” das contradições, a ideologia mais deletéria para os fins existenciais da humanidade.
Creio em Deus, embora me pergunte sempre se deveria Ele continuar a acreditar nesta humanidade, que o nega.
* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: www.gandramartins.adv.br
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.