Direito Penal

Violência Doméstica é Crime

 

 

Desde muito entre condutas semelhantes, as lesões corporais produzidas por “maridos”, seja qual for o vínculo pelo qual assim seja considerado, contra suas mulheres, causou repugnância em quantos do fato são testemunhas ou ao menos tenham notícia.

 

Em alguns casos, bem mais raros, vale ser dito o contrário, da mulher contra o marido.

O Código Penal Brasileiro, art. 129, prevê pena de três meses a um ano, para quem ofenda a integridade corporal ou a saúde de outrem, e remetia genericamente, para as alíneas “e” e “f”, inc. II, art 61, o agravamento da mesma, em tal hipótese. Tais crimes se processam nos Juizados Especiais e muitas vezes têm como única conseqüência o pagamento de uma cesta básica.

 

Cesta básica, data vênia, nunca foi pena e dolorosamente, se tornou “costume” nos Juizados Especiais Criminais por se ter constituído em forma, com que acudir com elas, instituições e até mesmo indivíduos carentes, numa perpetuação da caridade que ainda que seja virtude teologal, duvidosa se se opera no caso específico, coopera ao invés, para adiar as soluções reais que urgem, em favor daquelas e deste destinatário.

 

A reparação civil há de ser antes em favor da vítima, isto é, deve beneficiar a pessoa que se viu agredida de qualquer forma. Por experiência própria, digo: vi mulheres aliviadas pela dor sofrida, saírem de alguma forma reconfortadas da sala de audiência, quando a transação consistiu em serem pessoalmente indenizadas.

 

Incluem-se entre os que foram denominados “crimes de menor potencial ofensivo”, expressão que sempre contesto, considerando que não se pode mensurar a ofensa pela intensidade da pena, até porque as vítimas pelas suas individualidades têm reações diversas à ofensa, logo, frente à conduta que a determina, pelo que, o que dói em alguém em tal proporção, pode doer em outro muito mais.

 

Penso, outrossim, que sejam poucos os que atentam para o tipo deste art. 129 e até que só seja considerado, quando os laudos respectivos atestam que ocorreu lesão, deixou vestígio, deixou marcas, sangrou. Olvida-se que saúde é também a psíquica e que num primeiro estágio suas conseqüências podem não ser vistas, e daí eis que se consuma o tipo, mas não gera pena para o agressor.

 

Dum esforço das nossas parlamentares no cenário federal, alterando o Código Penal, adveio a Lei 10.886, promulgada no dia 17 de junho passado. Reune duas que eram consideradas meras circunstâncias agravantes (CP art. 61, e e f) e transforma em um novo tipo penal. Insere-o como § 9º do art 129 e tipifica como violência doméstica se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade. E majorou um pouquinho a pena, passou de seis meses a um ano.

 

A mesma lei, aumenta a pena de um terço, com o acréscimo do § 10, na ocorrência do § 9º: se adveio incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, perigo de vida, debilidade permanente de membro, sentido ou função e aceleração do parto (§ 1º) e se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo (§ 3º).

 

Tudo indica que a alteração do Código com a nova lei, supre uma lacuna que vinha sendo reclamada.

 

Mas como as leis por si nem sempre respondem ao clamor social, cumpre saber aplicá-las no tempo e na circunstância certa, para que cumpra sua destinação e não perca sua eficácia.

 

 

* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.

Como citar e referenciar este artigo:
DAHER, Marlusse Pestana. Violência Doméstica é Crime. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/violencia-domestica-e-crime/ Acesso em: 26 jul. 2024