1-INTRODUÇÃO
O crime de Adulteração de Sinal Identificador de Veículo Automotor teve redação inicial introduzida pela Lei 9.426/96 no artigo 311, CP.
No ano de 2023 vem a lume a Lei 14.562/23 que realiza importantes alterações no artigo 311, CP com o intento de aperfeiçoar o dispositivo.
A redação original do artigo 311, CP era a seguinte:
“Art. 311. Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)”.
A nova redação é a seguinte:
“Art. 311.Adulterar, remarcar ou suprimir número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, bem como de seus componentes ou equipamentos, sem autorização do órgão competente: (Redação dada pela Lei nº 14.562, de 26 de abril 2023 – DOU 27.04.23)”.
Vejamos o que muda e o que permanece com a nova legislação.
2-BEM JURÍDICO TUTELADO
Não houve alteração da topografia da norma penal, permanecendo no Título X – Dos Crimes Contra a Fé Pública, mais especificamente no Capítulo IV – De outras Falsidades.
Dessa forma pretende-se proteger a autenticidade e confiabilidade dos sinais identificadores de veículos automotores, ensejando segurança na compra e venda destes, bem como a devida fiscalização estatal.
Nesse quadro, o bem jurídico tutelado é apresentado como a “fé pública”.
Cunha chama a atenção para a necessidade de tutela penal, embora já haja sanções administrativas no Código de Trânsito Brasileiro acerca da questão da identificação dos veículos automotores. Segundo o autor, estas são insuficientes “para coibir e punir o próprio ato de adulteração”, o qual é cometido frequentemente “por organizações criminosas no mesmo contexto de infrações como furto, roubo e receptação”. [1] No seguimento descreve o jurista os interesses em jogo na questão ora estudada:
A correta identificação de veículos é de extrema importância para a organização do trânsito. A fiscalização sobre o pagamento de tributos, por exemplo, só é possível se baseada nos caracteres identificadores do veículo. Da mesma forma, na imensa maioria dos casos só é possível atribuir com precisão a responsabilidade sobre infrações de trânsito se o veículo está devidamente identificado. Mesmo no campo da responsabilidade criminal, muitas vezes a investigação se inicia pela identificação do veículo envolvido nos fatos. [2]
Realmente são notáveis os interesses sociais que legitimam a criação de um tipo penal para a adulteração, supressão e remarcação de sinais identificadores de veículos automotores.
3-ALTERAÇÕES NA REDAÇÃO E QUESTÕES POLÊMICAS ANTECEDENTES E ATUAIS
3.1-ACRÉSCIMOS NO OBJETO MATERIAL
A primeira alteração visível é que houve aparente aumento do objeto material do ilícito. Anteriormente a lei mencionava “número de chassi ou qualquer sinal identificador”. Agora prevê “número de chassi, monobloco, motor, placas de identificação, ou qualquer sinal identificador”. Há evidente acréscimo expresso dos objetos “monobloco, motor e placas de identificação”.
Chamando a atenção para o disposto nos artigos 114, 115 e 125, CTB (Lei 9.503/97), Gilaberte e Montez, com razão, consideram esses acréscimos legais meramente “cosméticos”. Isso porque já há nos artigos do CTB sobreditos a classificação desses elementos como sinais identificadores. Ademais, chamam a atenção os autores para o fato de que o dispositivo conta e sempre contou com fórmula genérica aberta (“ou qualquer outro sinal identificador”) de modo que não há verdadeira, mas só aparente ampliação do objeto material do crime enfocado. [3]
Destacam ainda Gilaberte e Montez que a cor predominante do veículo não constitui sinal identificador, mas apenas uma “característica”. Assim também não são sinais identificadores “elementos distintivos não oficiais acrescidos ao veículo por particulares”, tais como “adesivos”, acessórios etc. [4] Por isso, embora exija o CTB autorização para alteração da cor e outras mudanças nas características veiculares, não constitui crime, mas mero ilícito administrativo, a realização de alterações sem a devida autorização do órgão de trânsito (vide artigo 98 c/c 230, VII, CTB).
Costa, Fontes e Rocha entendem que mesmo que as placas contenham as informações corretas, mas se forem produzidas por pessoas não autorizadas pelo órgão de trânsito, haveria infração ao artigo 311, CP. [5] O mesmo se poderia ampliar para uma remarcação do número verdadeiro do chassi, por exemplo, mas desprovida de autorização. Ousamos discordar dos referidos autores. Nesses casos não se vislumbra lesão ou mesmo perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. A identificação veicular não é prejudicada. Isso não significa, porém, que inexista ilicitude. Há ilícito administrativo, mas não crime (vide artigo 114, §§ 1º. a 3º., artigo 221e seu Parágrafo Único, CTB e Resolução Contran 968/22 – artigo 48). Não obstante, têm razão os mesmos autores quando tratam da questão da reutilização de numerações identificadoras de veículos com baixa por sucata. Nesses casos as placas, números de chassi e outros não são mais válidos, portanto são falsos e ilegítimos, de modo que a remarcação e confecção de placas configura infração ao artigo 311, CP, mesmo que sejam os números anteriormente válidos que agora já não são admissíveis legalmente. [6] Note-se que agora essas numerações são ilegítimas e não constam dos registros dos órgãos de trânsito.
Ainda quanto ao objeto material, pode-se dizer que em relação ao suporte do sinal identificador não houve alteração, permanecendo o “veículo automotor”, salvo alguns acréscimos que serão vistos oportunamente (reboques, semirreboques ou suas combinações, seus componentes ou equipamentos). Pode-se afirmar que o principal foco do legislador foi exatamente a ampliação dos objetos materiais da infração, tendo em vista certo “vácuo legal” que gerava atipicidades indesejáveis. [7]
Há quem pretenda dar uma interpretação ampla para a locução “veículo automotor”, não se limitando àqueles abrangidos pelo Código de Trânsito Brasileiro, atingindo assim “veículos náuticos” (jet – ski, lanchas etc.) e “aeronaves”. [8]
Não nos parece correta tal posição, devendo a expressão “veículo automotor” ser restritivamente interpretada de acordo com a definição legal constante do Código de Trânsito Brasileiro. Não importa que no “nomen juris” tenha sido usada apenas a palavra “veículo”, já que na descrição típica continua sendo utilizada a expressão “veículo automotor”. Vejamos os motivos:
a)O argumento de que “quadriciclos, motos de enduro e outros veículos terrestres” não precisem ser emplacados, mas tenham sinais identificadores como chassis, [9] não os retira da definição de veículo automotor do CTB, que nada tem a ver com a questão de necessidade de licenciamento e emplacamento. Há veículos automotores de acordo com a definição do CTB sem necessidade de emplacamento (v.g. algumas bicicletas elétricas).
b)Em obra anterior, abordando o tema do “veículo automotor” como objeto material de furto qualificado (artigo 155, § 5º., CP) [10], constatou-se que a maioria da doutrina aborda a questão de maneira superficial, dando uma resposta rápida sem muita reflexão. Tais autores simplesmente consideram como abrangidos pela expressão “veículo automotor” quaisquer veículos dotados de motor a propulsão e que se movam por seus próprios meios. Os exemplos passam pelos veículos a motor utilizados no transporte de pessoas e coisas no trânsito viário terrestre (carros de passeio, motos, caminhões, ônibus etc.), chegando a abranger também outros veículos similares utilizados no transporte aéreo (aeronaves motorizadas – aviões, helicópteros etc.) ou aquático (embarcações a motor – navios, lanchas a motor, jet – ski etc.).
Embora seja essa orientação que será encontrada na maior parte dos trabalhos doutrinários e que tende a espraiar-se para o caso da adulteração de sinal identificador, pensamos tratar-se de posicionamento precipitado e irrefletido que não merece guarida.
Em nosso entendimento, para responder o que seja veículo automotor nos termos da lei é imprescindível indagar se existe uma definição técnica no arcabouço jurídico brasileiro para tal expressão.
Seguindo por esta trilha percebe-se claramente que o eventual alargamento da definição de veículo automotor a quaisquer engenhos capazes de se locomover com motor próprio e força de propulsão ali gerada, incluindo-se embarcações e aeronaves, poderia até ser possível antes do advento do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9503, de 23.09.1997). Isso porque sob a égide do então Código Nacional de Trânsito (Lei 5108, de 21.09.1966) e seu Regulamento (Decreto 62127, de 16.01.1968), a definição de veículo automotor era realmente pulverizada e carente de uma conceituação detalhada. Por seu turno, o novo Código de Trânsito Brasileiro, em seu Anexo I (“Dos conceitos e definições”), apresenta uma clara conceituação, considerando como veículo automotor todo
veículo a motor de propulsão a combustão, elétrica ou híbrida que circula por seus próprios meios e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas, compreendidos na definição os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).
Note-se que por meio da Lei 4.599/23 foram inclusos na definição acima os veículos automotores elétricos ou híbridos. [11] Além disso, o Código de Trânsito Brasileiro equipara os ciclomotores às motocicletas e, consequentemente, considera-os não mais como outrora (veículos de propulsão humana), mas sim como espécies de veículos automotores.
Temos então uma definição técnico – jurídica do que seja veículo automotor no Código de Trânsito Brasileiro e a ela devemos recorrer ao buscarmos o sentido do vocábulo empregado na lei penal. Outra não é a orientação de Carlos Maximiliano ao asseverar que “o juiz atribui aos vocábulos o sentido resultante da linguagem vulgar; porque se presume haver o legislador, ou escritor, usado expressões comuns; porém, quando são empregados termos jurídicos, deve crer-se ter havido preferência pela linguagem técnica”. [12] Portanto, não se pode admitir, com o advento do Código de Trânsito Brasileiro, interpretação ampliativa para o significado de veículo automotor nos dispositivos em estudo. Somente se poderão considerar abrangidos aqueles que além de dotados de motor de propulsão própria, sejam utilizados para o transporte viário terrestre, excluídas, desse modo, embarcações, aeronaves e outros veículos que não se subsumam perfeitamente ao conceito legal agora claramente estabelecido. Aliás, ainda que antes do advento do Código de Trânsito Brasileiro, a ampliação do conceito não se justificaria em face da motivação da iniciativa promovida pela então Lei 9426/96 explicitada em sua Exposição de motivos: o legislador deixa ali claro que as alterações levadas a efeito destinam-se “a combater uma crescente e inquietante forma de criminalidade de nossos dias”, o que certamente não diz respeito a outras subtrações que não as de automóveis, caminhões, motocicletas e demais veículos adequáveis à definição do Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro. Anote-se que foi essa mesma Lei 9426/96 que originalmente deu redação ao artigo 311, CP para prever o crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, sempre usando a expressão em discussão.
Também não é de procedência a alegação de que o legislador ao elaborar a Lei 9426/96, de 24 de dezembro de 1996, faria uso de um sentido vulgar de “veículo automotor”, pois que ainda inexistente o conceito do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9503, de 23 de setembro de 1997). Na realidade, com o seu advento, se eram viáveis interpretações abertas, tornaram-se vedadas por estrita observância do basilar Princípio da Legalidade, servindo a definição ora vigorante para o âmbito penal, seja dos dispositivos dessa natureza existentes no próprio CTB (artigos 302 a 312), seja para outros tipos penais que façam menção ao conceito técnico. A ampliação desse conceito só pode ocorrer por expressa disposição legal que o pretenda, uma vez que em matéria penal a analogia só é possível “in bonam partem”. Ademais, como já frisado anteriormente, mesmo antes da vigência do CTB, em face da “mens legis” explicitada na Exposição de Motivos da Lei 9426/96, seria aconselhável ao intérprete a restrição do conceito de veículos automotores àqueles utilizados no transporte viário terrestre de pessoas e coisas, pois que nítida a impressão de que as alterações legais nada tinham a ver com furtos de embarcações ou aeronaves, o mesmo valendo, com ainda mais ênfase, para a atual Lei 14.562/23, posterior ao CTB. [13]
Neste mesmo sentido por nós defendido, se manifesta Martins, afirmando, com acerto, que estamos diante de uma “norma penal em branco” que deve encontrar seu complemento no Código de Trânsito Brasileiro. [14]
Foram ainda incluídos como objetos materiais do crime enfocado os veículos elétricos, híbridos, de reboque, de semirreboque, bem como suas combinações e componentes ou equipamentos. A inclusão desses objetos materiais antes da Lei 14.562/23 constituiria analogia “in mallam partem”, conforme já decidira o Superior Tribunal de Justiça. [15] Portanto, é claro que tais objetos materiais não podem retroagir, sendo sua aplicação apenas para casos posteriores à Lei 14.562/23 (“novatio legis in pejus”). Esse acréscimo legislativo foi louvável, já que colmatou lacuna anterior que se mostrava deletéria. A legalidade está preservada e o campo de proteção do bem jurídico tutelado foi devidamente ampliado.
A inclusão das placas como objeto material nos parece ter solvido a celeuma sobre se sua adulteração constituiria infração ao artigo 311, CP (a resposta agora é, por obviedade, positiva). Ishida entende que a “troca” total de placas continua sendo um problema, já que em seu pensamento o verbo “suprimir” não abrangeria a “troca” das placas. [16] Discordamos. Não parece haver razão para entender que a “supressão” não abarque a “troca”. Exigir que o legislador inclua na lei todos os sinônimos ou todas as palavras similares existentes no vernáculo é pleitear da legalidade o impossível (“Ad impossibilia nemo tenetur”).
Em nosso apoio, apresenta-se o escólio de Cunha, que entende pela tipicidade da conduta acima abordada por meio do verbo “suprimir” e apresenta julgado do STJ no mesmo sentido (STJ, REsp. 1.722.894/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.05.20218). [17]
O mesmo autor faz importante advertência:
Deve-se ressaltar, no entanto, que não é criminosa a utilização de placas reservadas fornecidas pelo departamento de trânsito para instalação em veículos utilizados por agentes públicos, normalmente em razão da função por eles exercida (por exemplo, placas fornecidas para equipar uma viatura descaracterizada da Polícia Civil durante investigação, a fim de que não seja descoberta) (STF – HC 86.424/SP, Rel. para acórdão Min. Gilmar Mendes, DJ 27/10/2006). [18]
O caso ora exposto é de obviedade absoluta, pois que se ajusta à chamada “atipicidade conglobante”. Conforme ensinamento de Greco:
A tipicidade conglobante surge quando comprovado, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente é considerada antinormativa, isto é, contraria à norma penal, e não imposta ou fomentada por ela, bem como ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material). [19]
Ora, se o funcionário público (v.g. Policial Civil) se utiliza das placas regularmente fornecidas pelo órgão de trânsito no cumprimento de suas funções de investigação, é notório que não poderia ser incriminado, não existindo “antinormatividade” e, ao contrário, havendo o fomento pelo Estado do exercício dessas atividades.
Retornando à questão das placas, é interessante notar a exposição de Vanzolini. A estudiosa apresenta a possibilidade de duas interpretações acerca da inclusão das placas como objeto material: a)as placas teriam sido incluídas em respeito à explicitação da legalidade, somente para deixar claro que já eram objetos materiais e acabar com toda e qualquer discussão; b)as placas foram incluídas porque antes não eram objetos materiais do ilícito em estudo devido ao silêncio da lei. De acordo com a primeira orientação, que é a nossa, haveria simples continuidade normativo – típica. Mas, levando em consideração a segunda ponderação, adotada por Vanzolini em sua exposição, haveria “novatio legis in pejus”, obrigando à Revisão Criminal de condenações nas quais tal objeto material era o único alterado. Além disso, todos os que praticaram alteração de placas antes da Lei 14.562/23 e estão com processos em andamento, deveriam ser absolvidos. É que a lei posterior mais gravosa não pode retroagir e, tendo-se explicitado que as placas não eram objeto material, tanto que foram agora acrescidas, os casos julgados com condenação o foram de forma errônea, já que eram condutas atípicas. [20] A nosso ver, como já explicado, não assiste razão à nobre professora, uma vez que o entendimento predominante anteriormente já era o de que as placas são sinais identificadores, o que se acha e se achava desde sempre em consonância com as normas de trânsito correlatas em necessária interdisciplinaridade com o Direito Penal. A alteração somente faz confirmar o que já se constituía em interpretação altamente predominante.
3.2-ACRÉSCIMO DO VERBO “SUPRIMIR”
O tipo penal do artigo 311, CP sempre foi um crime de ação múltipla, de conteúdo variado, tipo misto alternativo ou plurinuclear. Antes se compunha de dois verbos, “adulterar ou remarcar”, agora são três verbos, “adulterar, remarcar ou suprimir”. Foi incluído, portanto, o verbo “suprimir”.
Como todo tipo penal plurinuclear, o fato de que o agente incida em vários dos verbos num mesmo contexto não gera pluralidade de crimes.
Provavelmente a inclusão do verbo “suprimir” se deu por causa da polêmica criada em torno da conduta comum em que o agente não adulterava ou remarcava o chassi, mas o removia totalmente, cortando-o e implantando um novo. Havia quem dissesse que a conduta seria atípica porque não havia o verbo “remover” ou “suprimir”. Em nosso entendimento essa posição é terrivelmente equivocada. É evidente que a supressão da numeração do chassi é uma forma de “adulteração” e o implante de novo número inteiro é, obviamente, uma forma de “remarcação”. Não obstante, isso gerava dissidência (a nosso ver injustificada). Com a inclusão do verbo “suprimir” nos parece que a polêmica está superada definitivamente.
Outro exemplo de configuração do ilícito pela supressão do sinal identificador é dado por Costa, Fontes e Rocha, ao abordarem o tema dos carros “Frankenstein” ou “Transplantados”. A instalação de um motor com numeração distinta da original, sem autorização do órgão de trânsito, em outro veículo cujo motor fundiu ou para alterar as suas características, certamente configura o ilícito do artigo 311, CP. Destacam ainda os autores, com razão, que “a peça ou parte transportada não precisa ser de origem criminosa”, bastando “que haja a intenção de confundir os números identificadores, suprimindo o original em troca de outro”. [21] A nosso ver, configura agora e sempre configurou sob o verbo adulterar. Atualmente fica ainda mais claro sob a égide do verbo “suprimir”. Uma observação deve ser feita. Não nos parece bastar a simples troca do motor para configurar o crime. É necessário que haja o dolo de supressão ou adulteração, por exemplo, num carro objeto de crime para conseguir sua transferência ou licenciamento etc. No caso de simples troca do motor e falta de autorização do órgão de trânsito por erro ou desídia das pessoas (proprietário e mecânico), há simples ilícito administrativo (v.g. artigo 98, CTB e Resolução Contran 968/22 – Artigo 48, I). [22]
Ainda sobre os veículos “Frankenstein”, Costa, Fontes e Rocha apresentam o exemplo da montagem de um carro com todas as peças avulsas sem autorização do órgão de trânsito. Para eles, isso configuraria infração ao artigo 311, CP invariavelmente. [23] Nosso entendimento, porém, é que só haverá crime se essas peças forem de origem ilícita e houver dolo de alterar ou falsificar a procedência do veículo. Caso contrário, haverá sim ilícito, mas meramente administrativo, conforme acima já mencionado.
Não obstante, têm razão Gilaberte e Montez ao chamar a atenção para a continuidade limitada da discussão sobredita com relação ao direito intertemporal, tendo em vista a variedade de posicionamentos. Em suas palavras:
Contudo, ela se mantém relevante para o conflito intertemporal de normas, uma vez que – se reconhecido que o corte do chassi era conduta atípica – a nova lei é prejudicial, ao passo que não há alteração na punibilidade para quem interpretava o verbo adulterar de forma ampla. [24]
A nosso ver, tendo em vista que o verbo “suprimir” já se achava contido no verbo “adulterar”, ocorre o fenômeno da continuidade normativo – típica, não se tratando de “novatio legis in pejus”.
Aliás, já havia entendimento, embora não unânime, do Superior Tribunal de Justiça de que a conduta de “suprimir” estaria implícita no verbo “adulterar” (STJ, HC 480.670/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 18.02.2020). [25]
O maior problema nos parece ser o de que se conclua que com a inclusão do verbo “suprimir” pelo legislador por via da Lei 14.562/23 tenha havido assunção implícita de que a conduta era antes atípica. Nesse caso, impor-se-ia não somente a interpretação da nova redação como prejudicial e irretroativa, como a revisão de todos os casos de condenação em que o chassis tenha sido removido ou suprimido. Essas consequências, a nosso ver, não se justificam também, porque a inclusão do verbo “suprimir” não importa, necessariamente, a assunção de alguma lacuna na legislação anterior, mas pode significar somente (e pensamos que realmente significa) a mera explicitação do que estava implícito e gerava insegurança jurídica devido a interpretações equivocadas.
3.3-A QUESTÃO DA TIPICIDADE DA ADULTERAÇÃO OU SUPRESSÃO TEMPORÁRIA
É preciso confessar que a respeito da adulteração temporária tínhamos a convicção de que não seria fato típico, considerando a necessidade de que a mudança procedida fosse permanente.
Há muita discussão acerca dessa questão, mas já houve posicionamento do STJ sob a alegação de que a adulteração pode ser definitiva ou transitória. Isso porque não há na legislação nada que reduza a conduta à alteração definitiva (STJ, AgRg no REsp n. 1.327.888, 5ª. Turma, rel. Min. Jorge Mussi, j. 11.03.2015).
Dessa forma, a conduta tão comum de mudar a numeração de placas com uso de fita adesiva para, por exemplo, burlar rodízio de veículos, é considerada típica de acordo com o STJ. E também, conforme destaca Cunha, o STF considera a tipicidade dessa prática. [26]
No entanto, não foi a decisão do STJ à época (2015) ou mesmo do STF (2013) que nos fez mudar de entendimento. Foram os argumentos muito bem expostos pelos autores Gilaberte e Montez, quais sejam: [27]
-A adulteração provisória atinge o bem jurídico tutelado, já que de qualquer maneira dificulta ou até impede a devida fiscalização pelos órgãos públicos;
-Também não tem validade o argumento de que tal espécie de adulteração seria grosseira (crime impossível). Isso realmente não é verdadeiro porque a fiscalização geralmente se dá com o veículo em movimento e até mesmo por câmeras, sendo conhecidamente eficaz. Não é possível, portanto, falar em “ausência de lesividade”, uma vez que o bem jurídico é efetivamente atingido. É claro que a falsificação grosseira pode afastar o crime (Súmula 73, STJ e artigo 17, CP). Não obstante, é imprescindível a “análise casuística”, atentando para a questão da “fiscalização à distância”. [28]
No mesmo diapasão se manifesta Martins:
Neste sentido também se questiona se a pessoa que insere uma fita sobre um dos caracteres seria capaz da incidência do tipo penal, o que respondemos afirmativamente em razão de ao modificar um dos caracteres identificadores, mesmo sem caráter definitivo, estaríamos diante da conduta de adulterar. [29]
Nosso posicionamento atual é, então, o de que a alteração temporária é suficiente para a configuração de infração ao artigo 311, CP, com os devidos créditos ao STJ e aos autores supra mencionados.
Com o advento da nova redação dada ao artigo 311, CP pela Lei 14.562/23 esse panorama não muda e nem se encerra a discussão em termos doutrinários. No entanto, estamos convencidos quanto à caracterização do crime com a adulteração provisória. Além disso, a inclusão do verbo “suprimir”, a nosso ver, reforça a noção de que a mudança temporária configura crime. Ocorre que se alguém retira, por exemplo, as placas de um veículo para burlar a fiscalização e depois as recoloca, não poderia ficar impune. É bem verdade que já entendíamos que a supressão estava contida no verbo “adulterar” desde sempre, mas confessamos novamente nosso equívoco a respeito da interpretação desse tema. O acréscimo do verbo “suprimir” como que iluminou, juntamente com os argumentos dos autores acima mencionados, nosso entendimento que estava temporariamente obscurecido e, note-se a ironia, o fato de estar nosso entendimento “temporariamente” obscurecido não significa que não estivesse efetivamente obscurecido.
3.4-A MANUTENÇÃO DA REDAÇÃO DO § 1º. DO ARTIGO 311, CP
O § 1º. do artigo 311 do Código Penal prevê um aumento de pena de um terço acaso o crime seja cometido no exercício de função pública ou em razão dela.
Realmente há um incremento da reprovabilidade da conduta quando o funcionário público é quem, no exercício funcional, pratica adulteração de sinais identificadores. Não poderia ser punido no mesmo patamar de um particular, tendo em vista suas especiais obrigações funcionais.
3.5-A REMODELAÇÃOP DO § 2º. DO ARTIGO 311 DO CÓDIGO PENAL
O § 2º., do artigo 311 do Código Penal sempre apresentou condutas equiparadas à adulteração para fins penais.
Não houve mudança com relação ao inciso I que descreve a conduta do funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou informação oficial. A conduta descrita e equiparada seria uma espécie de participação no crime de adulteração, mas é erigida em figura específica. O crime ora em comento é próprio, pois só pode ter por sujeito ativo funcionário público.
Importante diferenciar essa conduta equiparada do caso do § 1º., em que o agente público usa da função para a efetiva adulteração da numeração. Aqui não é o funcionário quem pratica a adulteração, ele apenas contribui para o licenciamento ou registro fraudulento, ciente da alteração procedida.
E aqui surge o primeiro elemento necessário. O funcionário tem que ter ciência de que está dando registro ou licenciamento a veículo alterado. Sem essa ciência não há crime, nem mesmo na modalidade culposa, a qual não é prevista legalmente.
Observe-se que o ilícito em estudo é de ação vinculada, ou seja, não é de ação livre. O legislador explicita e delimita os meios de cometimento da contribuição do funcionário, quais sejam: a)fornecimento indevido de material; b)fornecimento indevido de informação oficial. São exemplos, respectivamente, o fornecimento de lacre para emplacamento com placas falsas e o fornecimento de acesso aos arquivos do sistema de trânsito para obtenção de informações sobre propriedade e características de veículos automotores. Significa dizer que se o funcionário, por exemplo, facilita o registro ou licenciamento, ainda que ciente da irregularidade, mediante mera omissão fiscalizatória, fazendo vistas grossas, por assim dizer, pode haver outros crimes contra a administração a depender do contexto, tais como prevaricação ou corrupção passiva, mas não o delito do artigo 311, § 2º., inciso I, CP. No caso de aplicação do artigo 311, § 2º., I, CP nos parece que afastada fica a possibilidade de concurso com o delito de prevaricação já que haveria “bis in idem”. No entanto, se o funcionário recebe vantagem indevida para a contribuição, pode perfeitamente ocorrer a tipificação em concurso de crimes do ilícito de corrupção passiva, já que serão condutas diversas.
Também é preciso atentar que se o funcionário não fornece material ou informação, mas insere dados falsos em sistema públicos de órgãos de trânsito para viabilizar o registro e/ou licenciamento, há crime específico previsto no artigo 313 – A, CP. Também há crime específico para a modificação ou alteração de sistema de informações ou programa de informática do órgão de trânsito, por exemplo, sem autorização oficial. Nesse caso, configura-se o artigo 313 – B, CP. Porém, nada impede o concurso de crimes entre esses dispositivos e o artigo 311, § 2º., I, CP, desde que o funcionário, além de fornecer material ou informação, venha também a praticar os ilícitos informáticos. O concurso certamente será material. Isso imaginando que o mesmo funcionário pratique ambas as condutas. Caso um funcionário, por exemplo, forneça informações e outro insira dados falsos, cada um responderá pelo crime respectivo. Não haverá participação de um no crime do outro, porque com o disposto atualmente no artigo 311, § 2º., I, CP temos “uma exceção dualista à teoria monista”. [30]
Um aspecto interessante é que o inciso I somente faz menção ao veículo remarcado ou adulterado e não cita o veículo com numeração suprimida. Isso já ocorria quando essa conduta era a única prevista no § 2º.
Questiona-se: Acaso o funcionário contribua para registro ou licenciamento de veículo com numeração suprimida, incide na figura ou o fato é atípico ao menos relativamente? A nosso ver, o fato continua típico, já que se a numeração foi suprimida, então houve adulteração em seu mais alto grau. É o caso de chassi recortado totalmente, removido e o implante de outra numeração mediante solda. Pretender que a falta do verbo suprimir venha a tornar a conduta atípica é cultuar filigranas jurídicas em prejuízo do bom sendo. Isso não impede a crítica ao legislador que, como fez no “caput”, poderia muito bem ter incluído o verbo “suprimir” e acabado com essa celeuma contraproducente.
Havendo contribuição do funcionário na forma do tipo penal, para a consumação do crime há necessidade do registro ou licenciamento? A nosso ver, o crime é formal, sendo o efetivo registro ou licenciamento mero exaurimento da conduta. [31]
Antes a contribuição do funcionário era a totalidade do § 2º., não havendo incisos. Agora essa conduta se tornou o inciso I e houve o acréscimo de mais duas condutas equiparadas nos incisos II e III.
No inciso II encontramos a responsabilização daquele que “adquire, recebe, transporta, oculta, mantém em depósito, fabrica, fornece, a título oneroso ou gratuito, possui ou guarda maquinismo, aparelho, instrumento ou objeto especialmente destinado à falsificação e/ou adulteração de que trata o caput”.
Trata-se da incriminação da posse de petrechos para a adulteração, remarcação ou supressão. Imprescindível comprovar que tais instrumentos têm a finalidade de falsificação e/ou adulteração de sinais identificadores de veículos automotores. Os instrumentos podem ser específicos para essa atividade, o que torna a prova de sua finalidade mais fácil, ou podem ser ferramentas de uso múltiplo, o que exigirá da investigação e acusação o carrear de provas do fim para o qual a pessoa tinha consigo esses petrechos. Essa prova poderá ser testemunhal, mas principalmente pericial.
Note-se que aqui o legislador já usou uma palavra mais geral (“falsificação”), evitando a celeuma quanto à questão de instrumentos relativos à supressão dos sinais.
Nada mais fez o legislador do que transformar em crime aquilo que seria um ato preparatório para o crime. Criou um ilícito de perigo abstrato similar aos casos dos artigos 291, CP (petrechos para falsificação de moeda) e 294, CP (petrechos de falsificação). Nada mais do que aquilo que se chama de “crime obstáculo”. Efetivamente, mediante “novatio legis in pejus” colmatou uma lacuna. No entanto, obviamente, essa conduta não pode retroagir a casos pretéritos, somente sendo aplicável para eventos ocorridos após sua entrada em vigor.
No inciso III incriminam-se agora as condutas de “adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, manter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar adulterado ou remarcado”.
Aquilo que antes configuraria um crime de receptação (artigo 180, CP) passa a integrar um tipo penal especial que prevalece em relação ao geral. Antes da Lei14.562/23 seria possível haver receptação de veículo automotor adulterado ou remarcado, mas diante da criação do ilícito específico do artigo 311, § 2º., III, CP, aplica-se a especialidade no concurso ou conflito aparente de normas, afastando-se o artigo 180, CP e prevalecendo o artigo 311, § 2º., III, CP.
Na lição de Ishida:
Se o agente criminoso está de posse de objeto oriundo de furto ou roubo, há o delito de receptação. Mas se por outro lado, tiver a posse de objeto oriundo de alteração de sinal identificador, há o delito do art. 311, §2º., inciso III do Código Penal. (…)
Se a receptação se vincular ao furto ou roubo, o amoldamento será do art. 180, § 1º. (receptação qualificada) do CP. Se se tratar de receptação de veículo com chassi adulterado no exercício de atividade comercial ou industrial, a receptação será do artigo 311, § 3º. do Código Penal, que passa a ganhar maior destaque. [32]
Como bem lembram Gilaberte e Montez, é possível, porém, concurso entre os crimes de receptação e de adulteração de sinal identificador de veículo automotor (artigos 180 e 311, CP). Isso ocorrerá quando uma pessoa receptar um veículo que sabe ser produto de crime antecedente (v.g. furto, roubo, estelionato etc.) e depois vier a adulterar suas numerações de identificação. [33]
É necessário para a configuração do ilícito em estudo que o agente tenha ciência da alteração do veículo e que esta é ilegal. Não obstante, pode haver também a incriminação por conduta culposa ou por dolo eventual já que o legislador usou a expressão “devesse saber” e não “sabe”.
Novamente o legislador menciona a adulteração e a remarcação e olvida a supressão. Voltamos a insistir que se há supressão, esta é uma espécie de adulteração em seu mais alto grau, de modo que também é abrangida. Acaso prevaleça o entendimento contrário, então a conduta seria atípica, o que nos parece insustentável. [34]
Assim sendo, transitar com veículo com chassi removido ou sem placas constitui crime, assim como numeração de vidros raspada.
No caso do veículo automotor sem placas há que analisar detidamente o caso concreto, pois pode haver mero ilícito administrativo ou nem mesmo isso. É que pode ser que não se possa comprovar o dolo da remoção das placas ou mesmo a ciência (v.g. quando a placa pode ter caído acidentalmente). Também pode ser que o veículo seja novo e ainda não tenha sido emplacado, transitando com a Nota Fiscal de venda no prazo legal. Neste último caso não há sequer ilícito administrativo, salvo se ultrapassado o prazo conferido pelo artigo 233, CTB.
Também entende poder haver somente ilícito administrativo de acordo com o caso concreto, Martins:
Entendemos que a conduta continua atípica, sendo sancionada de forma administrativa, salvo se ficar demonstrado que a pessoa efetivamente retirou a placa com vistas a não permitir a identificação correta do bem incidindo na conduta de suprimir. [35]
As placas com adulteração provisória (v.g. uso de fita adesiva para alterar a numeração) também podem configurar este ilícito deste inciso, a exemplo do que hoje ocorre sem dúvida alguma com o “caput”.
Oportuna a indagação e a resposta de Gilaberte e Montez:
E se o condutor, ao passar por um radar de fiscalização de velocidade, curva seu corpo na motocicleta por ele guiada e tapa a placa com a própria mão? Seria essa hipótese também uma adulteração temporária? Parece-nos que esse comportamento não integra o modelo de conduta proibido pela norma. Adulterar algo pressupõe uma afetação material dos símbolos alfanuméricos, seja pela aderência ou pela supressão. Gestos não aderem ao sinal ou o suprimem, restando, assim, evidenciada a atipicidade (grifos no original). [36]
O mesmo deve valer para o indivíduo que simplesmente levanta a placa do veículo para que fique impossível de ser captada pelo radar. Não obstante, haverá infração administrativa de trânsito, prevista no artigo 230, VI, CTB, já que o condutor estará transitando com as placas “sem condições de legibilidade ou visibilidade”.
Novamente os autores Gilaberte e Montez apresentam indagação importante. Mencionam o caso de veículos obtidos em leilões para sucata, cujas placas e chassi são removidos. Acaso alguém com eles transite nessas condições haveria infração ao artigo 311, § 2º., III, CP? Os autores afirmam que, a princípio não haveria crime, mas mero ilícito administrativo. No entanto, alegam que se damos um caráter amplo ao verbo “adulterar” que abrangeria a supressão, então haveria o crime, já que ocorreria vulneração ao bem jurídico. [37]
Respeitosamente, discordamos em parte. Em nosso entendimento, nessas circunstâncias inexiste dolo necessário para a configuração do ilícito do artigo 311, § 2º., III, CP. Em qualquer caso, portanto, ainda que seja atribuído (como por nós é) um sentido amplo ao verbo “adulterar”, o fato é penalmente atípico, constituindo mero ilícito administrativo (artigo 230, I e IV, CTB). Note-se que quando da supressão das placas e do chassi, isso foi realizado de maneira legal e regulamentar, inexistindo ilícito antecedente necessário para a configuração do inciso III, do § 2º., do artigo 311, CP. Observe-se, por oportuno, que conforme a receptação, este ilícito ora em estudo é crime acessório, parasitário ou derivado. Não subsiste sem a configuração de crime antecedente.
Situação diversa é aquela em que o adquirente de veículo leiloado com placas e chassi removidos, faz artesanalmente placas, ainda que com a mesma numeração anterior, e passa a transitar com o automotor. Capez bem analisa a questão:
Imaginemos a seguinte ocorrência: uma motocicleta vai a leilão com seu chassi adulterado ou ilícitos administrativos. No momento em que as peças são leiloadas, a placa é destruída e o número do chassi suprimido por determinação legal e regulamentar das normas de trânsito, a fim de que ela não possa ser reutilizada. O comprador, no entanto, sem autorização e ilegalmente, resolve montar o veículo com as peças adquiridas e produz uma placa artesanalmente, com os números de origem, e passa a circular. Surpreendido pela polícia, deve ser preso em flagrante? Pela nova lei, sim. Com a nova redação do artigo 311, § 2º., III, do CP, aquele que adquire, transporta, conduz, monta ou remonta em proveito próprio ou alheio automotor, motor, chassi ou placa de identificação comete crime e pode ser preso em flagrante. No caso, o sujeito remontou ilicitamente o veículo e o colocou para circular como se estivesse autorizado a fazê-lo, dificultando a fiscalização das autoridades de trânsito. [38]
Prossegue o autor, apresentando também o caso do leiloeiro que deixa de retirar as placas e de suprimir o número do chassi quando deveria e libera o veículo à circulação pelo comprador. Nessa situação aduz Capez haver ilícito administrativo e também penal, sem indicar o dispositivo deste último. [39] Com o devido respeito, entendemos que neste caso se equivoca Capez, pois haveria mero ilícito administrativo, sendo impossível a subsunção da conduta do leiloeiro e também do adquirente que transite com o veículo aos verbos nucleares “adulterar, remarcar ou suprimir”. Deixar as placas e numeração de chassi intactos quando deveriam ser suprimidos não é adulteração, remarcação ou supressão. Ao contrário, é omissão de uma supressão legal e regulamentarmente determinada. Essa conduta não é incriminada, mas apenas constitui ilícito administrativo.
É preciso atentar para um importante “elemento normativo do tipo” presente no final do artigo 311, “caput”, CP, qual seja, que a alteração da numeração se dê “sem autorização do órgão competente”. Quando não presente esse elemento normativo do tipo não há dolo e não há tipicidade da conduta. [40]
Vistas as figuras equiparadas é preciso tratar de eventual conflito aparente de normas entre o caput do artigo 311 e os tipos inscritos no mesmo artigo em seu § 2º., incisos II e III. No caso do inciso II (petrechos) ocorre a prevalência do “caput” quando há efetiva adulteração. Nesse caso o conflito aparente é resolvido pelo Princípio da Consunção. Afinal, o inciso II do § 2º., do artigo 311, CP seria mero ato preparatório do artigo 311, “caput”, restando certamente absorvido por este último. [41] Quanto ao inciso III ocorre exatamente o oposto. Ele é o crime – fim e o caput o crime – meio, de modo que também a consunção apontará para o prevalência do artigo 311, § 2º., III e a absorção do artigo 311, “caput”, CP. [42]
Não obstante, essas soluções baseadas nos princípios dirimentes do conflito aparente de normas, somente são aplicáveis se as condutas do “caput” e do § 2º., II e III se praticam num mesmo contexto. Acaso ocorra a prática das condutas, ainda que por um mesmo agente, mas em contextos diversos pode haver perfeitamente o concurso material de crimes. [43]
Outra situação que pode acontecer é que o agente, por exemplo, suprima ou adultere as placas de um veículo com a finalidade de praticar outro crime e impedir sua identificação, v.g. um roubo a banco, um homicídio etc. Poder-se-ia pensar em absorção como crime – meio, mas não nos parece adequado, já que há bens jurídicos diversos em jogo. Doutra banda, pode ser levantada a hipótese de crime de “Fraude Processual”, conforme artigo 347, CP. No entanto, nos parece que pelo Princípio da Especialidade deva prevalecer o artigo 311, “caput” ou seu § 2º., III, CP de acordo com o caso concreto.
3.6-FIGURAS EQUIPARADAS QUALIFICADAS (ARTIGO 311, § 3º., CP)
À semelhança do que acontece com o crime de receptação (artigo 180, § 1º., CP), é prevista uma figura qualificada no § 3º., do artigo 311, CP para os casos em que ocorrer a posse de petrechos de adulteração ou a posse de veículo adulterado (incisos II e III, do § 2º., do artigo 311, CP), quando o autor do ilícito o fizer “no exercício de atividade comercial ou industrial”.
Justifica-se a qualificação, tendo em vista que tanto o desvalor da conduta quanto o desvalor do resultado se intensificam. A conduta se torna mais reprovável porque o comerciante ou industrial tem responsabilidades sociais no exercício de sua função. Por outra banda, incrementa-se a reprovabilidade do resultado porque as condutas perpetradas em atividade comercial ou industrial são em maior escala e tendem a lesar os bens jurídicos mais grave e amplamente.
Vale destacar que um ato de comércio ou indústria (v.g. manufatura) isolado perpetrado pelo autor não servirá para qualificar o ilícito. Há necessidade do exercício habitual (habitualidade), exatamente para configurar os maiores desvalores da conduta e do resultado, conforme acima mencionado. Esse entendimento já encontra abrigo no Superior Tribunal de Justiça para os casos de receptação qualificada, não havendo motivo para que outra interpretação seja dada para o artigo 311, §§ 3º. e 4º., CP. [44]
É de se anotar que a qualificadora apenas alcança os casos do artigo 311, § 2º., II e III, CP, de modo que não atinge o “caput” e nem o inciso I, do § 2º., do artigo 311, CP. Efetivamente não teria como atingir o inciso I, pois que trata de crime próprio de funcionário público, o que exclui a atividade comercial ou industrial. No entanto, poderia perfeitamente aplicar-se a qualificadora ao “caput”. No entanto, o legislador achou por bem não fazê-lo, o que entendemos que foi um equívoco. A adulteração, remarcação ou supressão de números identificadores de veículos em atividade comercial ou industrial deveria ser qualificada também. Nosso parecer é de que o legislador cometeu um equívoco, concentrando-se somente nos casos do § 2º. Não obstante, tendo em vista a legalidade, não é possível aplicar a forma qualificada a casos do “caput” do artigo 311, CP.
3.7-EQUIPARAÇÃO DE ATIVIDADE CLANDESTINA À ATIVIDADE COMERCIAL OU INDUSTRIAL
De forma salutar, novamente a exemplo do que ocorre com o delito de receptação (artigo 180, § 2º., CP), o § 4º., do artigo 311, CP equipara a atividades comerciais ou industriais aquelas realizadas de forma irregular, clandestina ou mesmo em residência. É evidente que não seria correto nem proporcional qualificar o crime daquele que ao menos tem seu comércio ou indústria administrativamente legalizado e comete um ilícito penal, e, por outro lado, não qualificar o crime quando essa atividade de comércio ou indústria é, desde o aspecto administrativo, irregular, clandestina, residencial ou como popularmente se diz, “de fundo de quintal”.
Um questionamento interessante é aventado por Gilaberte e Montez: os autores indagam se no caso de um motorista de aplicativo (v.g. Uber) ou de entregas a domicílio (v.g. Ifood), moto táxi ou táxi que se utiliza de veículo adulterado, estaria configurado o crime previsto no artigo 311, § 2º., III, qualificado de acordo com o § 3º. do mesmo dispositivo? A resposta dos autores sobreditos é positiva e, a nosso ver, somente pode ser mesmo. Não há motivo para afastar o crime e a qualificadora, já que se trata de atividade comercial de “prestação de serviços”. [45] É óbvio que para essa configuração é necessária a ciência da adulteração por parte do motorista respectivo, caso contrário a tipicidade é afastada por falta de elemento subjetivo. Por exemplo, se um motoboy usa uma motocicleta de uma empresa, a qual não sabe ser adulterada. Somente responderá pelo ilícito o proprietário da empresa, isso se ele souber da adulteração. Tudo isso deve ser objeto de investigação criminal e prova acusatória.
3.8-SUJEITOS DO DELITO
Quanto aos sujeitos do delito, o crime continua sendo, em regra, comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa. Já o sujeito passivo segue sendo o Estado, já que o bem jurídico fé pública conduz à criação de um crime vago. É claro que pode haver um “sujeito passivo secundário” determinado como, por exemplo, o proprietário de um veículo furtado que foi adulterado.
Lembremos, porém que pode haver figuras de crime próprio: crime funcional no caso do artigo 311, §1º. e § 2º., I, CP; e crime atinente a comerciantes ou industriais (empresários em geral), ainda que irregulares, no caso do artigo 311, §§ 3º. e 4º., CP.
Por seu turno os casos equiparados do artigo 311, § 2º., II e III também são crimes comuns.
3.9-CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
Não se vislumbra alteração no que tange à consumação e tentativa do crime do artigo 311, CP.
A consumação se dá com a efetiva adulteração, remarcação ou supressão do chassi ou sinal identificador.
O crime é plurissubsistente e, portanto, é admissível a tentativa, embora de difícil ocorrência prática.
Como já visto, apenas na figura equiparada de contribuição do funcionário público o crime é formal, inadmitindo, em regra, tentativa e inexigindo o efetivo registro ou licenciamento para a consumação, o que configura mero exaurimento da conduta (inteligência do artigo 311, § 2º., I, CP).
3.10 – TIPO SUBJETIVO
O elemento subjetivo continua sendo, em regra o dolo. Em nosso entendimento, contudo, há possibilidade de figura culposa no caso do artigo 311, § 2º., inciso III, CP (“devesse saber”). Ali estão contidas as figuras do dolo direto, eventual e da culpa “stricto sensu”.
Como aduz Cunha:
Prevalece a orientação de que “sabe” está contido em “deve saber”, pois, se o legislador pretende punir mais severamente o agente que deveria ter conhecimento da origem criminosa do bem, é óbvia sua intenção em punir também aquele que tem conhecimento direto sobre a proveniência da coisa. [46]
3.11-AÇÃO PENAL
A ação penal não se altera, continuando a ser pública incondicionada.
4-CONCLUSÃO
Versou o presente artigo a respeito das inovações promovidas pela Lei 14.562/2023 no crime de adulteração de sinal identificador de veículo (artigo 311, CP).
Verificou-se que foram colmatadas algumas lacunas do modelo antecedente que geravam dúvidas e conclusões por atipicidade as quais produziam um vazio normativo deletério. Não obstante os esforços, ainda permanecem algumas indeterminações que gerarão discussão doutrinária e jurisprudencial até que se assente um posicionamento prevalente.
Em uma avaliação geral, a Lei 14.562/23 conseguiu ampliar e aperfeiçoar razoavelmente a descrição do crime de adulteração de sinal identificador de veículo, propiciando uma normatização mais adequada e abrangente a respeito do tema.
5-REFERÊNCIAS
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Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia Aposentado, Mestre em Direito Social, Pós – graduado em Direito Penal e Criminologia e Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia, Medicina Legal e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós – graduação e cursos preparatórios.
[1] CUNHA, Rogério Sanches. Lei 14.562/23: Altera o art. 311 do CP para ampliar as condutas puníveis na adulteração de sinal identificador de veículo. Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/04/27/lei-14-562-23-altera-o-art-311-do-cp-para-ampliar-as-condutas-puniveis-na-adulteracao-de-sinal-identificador-de-veiculo/ , acesso em 20.11.2024.
[2] Op. Cit.
[3] GILABERTE, Bruno, MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes. Adulteração de sinal identificador de veículo automotor: inovações promovidas pela Lei 14.562. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/adulteracao-de-sinal-identificador-de-veiculo-automotor-inovacoes-promovidas-pela-lei-14562/1827563136 , acesso em 30.09.2024. Costa, Fontes e Rocha ainda citam como sinais identificadores as plaquetas, as etiquetas de identificação coladas nos veículos e trechos do Número de Identificação Veicular (NIV) nos vidros, conforme Resolução Contran 14, de21.05.1998. Cf. COSTA, Adriano Sousa, FONTES, Eduardo, ROCHA, Paulo Ludovico Evangelista. Novas Tipificações e Implicações na Subtração e na Adulteração de Veículos. Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-mai-02/academia-policia-lei-145622023-novas-tipificacoes-implicacoes-praticas/ , acesso em 12.11.2024.
[4] GILABERTE, Bruno, MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes Op. Cit.
[5] COSTA, Adriano Sousa, FONTES, Eduardo, ROCHA, Paulo Ludovico Evangelista. Op. Cit..
[6] Op. Cit.
[7] GANIME, Paulo. Justificativa da Lei. In: BRUNO, Francisco José Galvão et al. Lei n. 14.562/2023 – Adulteração de Sinal Identificador de Veículo. São Paulo: Cadicrim, 2023, p. 6 – 7. Também disponível em https://api.tjsp.jus.br/Handlers/Handler/FileFetch.ashx?codigo=147127 , acesso em 24.11.2024.
[8] GILABERTE, Bruno, MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes. Op. Cit. No mesmo sentido: COSTA, Adriano Sousa, FONTES, Eduardo, ROCHA, Paulo Ludovico Evangelista. Op. Cit..
[9] Op. Cit.
[10] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Direito Penal Parte Especial. Rio de Janeiro: Processo, 2017, p. 251 – 253.
[11] É preciso atentar para que em vários textos de atualização acerca da nova redação do artigo 311, CP pela Lei 14.562/23 se tem olvidado a nova redação dada à definição de “Veículo Automotor” no Código de Transito Brasileiro pela Lei 4.599/23, passando a abrigar os veículos de motor a propulsão não somente de combustão, mas também “elétricos e híbridos”. Vale dizer que a definição do CTB está agora em consonância total com o novo artigo 311, CP. Esse é mais um argumento para a conclusão de que o crime se refere aos veículos automotores do trânsito viário terrestre e não a outros veículos (artigos 1º. e 4º., CTB).
[12] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito.18ª. ed. , Rio de Janeiro: Forense, 1989, p.109.
[13] Em confirmação ao nosso posicionamento relativo à época da Lei 9426/96 e válido, “mutatis mutandis” para a atual Lei 14.562/23: MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Volume II. 31ª. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 217. TELLES, Ney Moura. Direito Penal. Volume II. São Paulo: Atlas, 2004, p. 358. MASSON, Cleber. Direito Penal. São Paulo: Forense, 2018, p. 618.
[14] MARTINS, Felipe Gonçalves. Artigo 311 do Código Penal. Alterações promovidas pela Lei 14.562/2023. Disponível em https://jus.com.br/artigos/103899/artigo-311-do-codigo-penal-alteracoes-promovidas-pela-lei-14-562-2023 , acesso em 19.11.2024. No mesmo diapasão: CAPEZ, Fernando. Placa artesanal e adulteração de motor: veja os novos crimes do artigo 311 do CP. Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-mai-11/novos-crimes-previstos-artigo-311-codigo-penal/ , acesso em 22.11.2024.
[15] INFORMATIVO STJ n. 449. Disponível em https://scon.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?aplicacao=informativo&acao=pesquisar&livre=%22HC%22&refinar=S.DISP.&&b=INFJ&p=true&t=&l=25&i=1200 , acesso em 19.11.2024. “A Turma concedeu a ordem de habeas corpus a paciente denunciado pela suposta prática do delito tipificado no art. 311, caput, do CP (adulteração de sinal identificador de veículo automotor) ante o reconhecimento da atipicidade da conduta. In casu, o réu foi acusado de ter substituído a placa original do reboque com o qual trafegava em rodovia federal. Entretanto, de acordo com o Min. Relator, a classificação estabelecida pelo art. 96 da Lei n. 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro) situa os veículos automotores e os veículos de reboque ou semirreboque em categorias distintas, diferença também evidenciada pelo conceito que lhes é atribuído pelo Manual Básico de Segurança no Trânsito, elaborado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Asseverou, ademais, que o legislador, ao criminalizar a prática descrita no art. 311 do CP, assim o fez por razões de política criminal, para coibir a crescente comercialização clandestina de uma classe específica de veículos e resguardar a fé pública. Concluiu, portanto, estar ausente o elemento normativo do tipo – categoria de veículo automotor -, ressaltando que a interpretação extensiva do aludido dispositivo ao veículo de reboque caracterizaria analogia in malam partem, o que ofenderia o princípio da legalidade estrita”. HC 134.794-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 28/9/2010. No mesmo sentido, apresentando o RHC 98.058/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 24.09.2019, do STJ: CUNHA, Rogério Sanches. Lei 14.562/23: Altera o art. 311 do CP para ampliar as condutas puníveis na adulteração de sinal identificador de veículo. Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/04/27/lei-14-562-23-altera-o-art-311-do-cp-para-ampliar-as-condutas-puniveis-na-adulteracao-de-sinal-identificador-de-veiculo/ , acesso em 20.11.2024.
[16] ISHIDA, Kenji. A Lei 14.562, de 26 de Abril de 2023 e o crime de adulteração de sinal identificador de veículo (Art. 311 do CP). Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/05/04/a-lei-no-14-562-de-26-de-abril-de-2023-e-o-crime-de-adulteracao-de-sinal-de-identificador-de-veiculo-art-311-do-cp/ , acesso em 19.11.2024.
[17] CUNHA, Rogério Sanches. Op. Cit.
[18] Op. Cit.
[19] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume I, 9ª. ed. Niterói: Impetus, 2007, p. 157.
[20] VANZOLINI, Patrícia. Alteração do artigo 311 do CP. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=_Vsre5bJr1Q , acesso em 22.11.2024.
[21] COSTA, Adriano Sousa, FONTES, Eduardo, ROCHA, Paulo Ludovico Evangelista. Op. Cit.
[22] Neste sentido já decidiu a jurisprudência: TRIBUNAL de Justiça do Rio Grande do Sul. Não é crime substituição de motor sem autorização do órgão de trânsito. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/noticias/nao-e-crime-substituicao-de-motor-sem-autorizacao-do-orgao-de-transito/2622448 , acesso em 13.11.2024. “A substituição do motor de veículo é conduta lícita, dependente apenas de autorização do órgão de trânsito, sob pena de ser cometido, no máximo, ilícito administrativo. Com este entendimento a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça absolveu réu que havia sido condenado pelo Juízo de Nova Prata pelo crime do art. 311 do Código Penal (adulteração de sinal identificador de veículo automotor). Para o relator, Desembargador Gaspar Marques Batista, não há dúvida acerca da troca do componente e é evidente que a autorização era imprescindível, conforme resolução do CONTRAN, e que o réu não a solicitou. Contudo, continuou o magistrado, tal conduta não tipifica delito de adulteração de sinal identificador, uma vez que a troca de motor é ação lícita, necessitando somente da autorização do órgão de trânsito. Assim, concluiu o julgador, a conduta do réu, de realizar a substituição do motor do veículo sem comunicar previamente o órgão competente, configura, no máximo, irregularidade administrativa. A questão foi enfrentada em Apelação Crime julgada pela 4ª Câmara Criminal julgada nessa quinta-feira (24/3). Os Desembargadores Constantino Lisbôa de Azevedo e Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, que presidiu a sessão de julgamento, acompanharam o voto do relator. Proc. 70037582202”.
[23] COSTA, Adriano Sousa, FONTES, Eduardo, ROCHA, Paulo Ludovico Evangelista. Op. Cit.
[24] GILABERTE, Bruno, MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes. Op. Cit.
[25] “Conforme orientação desta Corte Superior, a conduta de “suprimir” sinal identificador está abrangida pelo verbo “adulterar” da figura típica do art. 311 do CP, cuja redação assim dispõe: ‘adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento’ (Cf., por todos, AgRg no REsp 1.509.382/SC, minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 14/2/2017, DJe 17/2/2017).
[26] Cf. CUNHA, Rogério Sanches. Lei 14.562/23: Altera o art. 311 do CP para ampliar as condutas puníveis na adulteração de sinal identificador de veículo. Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/04/27/lei-14-562-23-altera-o-art-311-do-cp-para-ampliar-as-condutas-puniveis-na-adulteracao-de-sinal-identificador-de-veiculo/ , acesso em 20.11.2024. Apresenta o autor os seguintes julgados: STF, RHC 116.371/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 22.08.20213 e STJ, AgRg no REsp. 2.009.836/MG, Rel. Min. João Batista Moreira (Desembargador Convocado do TRF1, j. 20.03.2023.
[27] GILABERTE, Bruno, MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes. Op. Cit.
[28] COSTA, Adriano Sousa, FONTES, Eduardo, ROCHA, Paulo Ludovico Evangelista. Op. Cit.
[29] MARTINS, Felipe Gonçalves. Artigo 311 do Código Penal. Alterações promovidas pela Lei 14.562/2023. Disponível em https://jus.com.br/artigos/103899/artigo-311-do-codigo-penal-alteracoes-promovidas-pela-lei-14-562-2023 , acesso em 19.11.2024.
[30] COSTA, Adriano Sousa, FONTES, Eduardo, ROCHA, Paulo Ludovico Evangelista. Op. Cit.
[31] Em sentido contrário, afirmando que o licenciamento ou registro é imprescindível para a consumação: ISHIDA, Kenji. A Lei 14.562, de 26 de Abril de 2023 e o crime de adulteração de sinal identificador de veículo (Art. 311 do CP). Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/05/04/a-lei-no-14-562-de-26-de-abril-de-2023-e-o-crime-de-adulteracao-de-sinal-de-identificador-de-veiculo-art-311-do-cp/ , acesso em 19.11.2024.
[32] Op. Cit.
[33] GILABERTE, Bruno, MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes, Op. Cit.
[34] Vide em sentido contrário: CUNHA, Rogério Sanches. Lei 14.562/23: Altera o art. 311 do CP para ampliar as condutas puníveis na adulteração de sinal identificador de veículo. Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/04/27/lei-14-562-23-altera-o-art-311-do-cp-para-ampliar-as-condutas-puniveis-na-adulteracao-de-sinal-identificador-de-veiculo/ , acesso em 20.11.2024. “Note-se que o inciso III menciona a ciência a respeito da adulteração e da remarcação, mas não da supressão de sinal identificador. A depender das circunstâncias, essa omissão legal pode tornar o fato atípico. Conduzir um veículo cujas placas tenham sido suprimidas para evitar a identificação em um radar, por exemplo, não pode ser considerado crime, a não ser que o próprio condutor tenha praticado a supressão, caso em que sua conduta se subsume ao caput”.
[35] MARTINS, Felipe Gonçalves. Artigo 311 do Código Penal. Alterações promovidas pela Lei 14.562/2023. Disponível em https://jus.com.br/artigos/103899/artigo-311-do-codigo-penal-alteracoes-promovidas-pela-lei-14-562-2023 , acesso em 19.11.2024.
[36] Op. Cit. No mesmo sentido: ISHIDA, Kenji. A Lei 14.562, de 26 de Abril de 2023 e o crime de adulteração de sinal identificador de veículo (Art. 311 do CP). Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/05/04/a-lei-no-14-562-de-26-de-abril-de-2023-e-o-crime-de-adulteracao-de-sinal-de-identificador-de-veiculo-art-311-do-cp/ , acesso em 19.11.2024.
[37] GILABERTE, Bruno, MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes. Op. Cit. No mesmo sentido: MARTINS, Felipe Gonçalves. Lei 14.562/2023 Alterações no artigo 311 do CP. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Qyq9H-MnRRo&t=10s , acesso em 22.11.2024.
[38] CAPEZ, Fernando. Placa artesanal e adulteração de motor: veja os novos crimes do artigo 311 do CP. Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-mai-11/novos-crimes-previstos-artigo-311-codigo-penal/ , acesso em 22.11.2024.
[39] Op. Cit.
[40] Neste sentido: CUNHA, Rogério Sanches. Lei 14.562/23: Altera o art. 311 do CP para ampliar as condutas puníveis na adulteração de sinal identificador de veículo. Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/04/27/lei-14-562-23-altera-o-art-311-do-cp-para-ampliar-as-condutas-puniveis-na-adulteracao-de-sinal-identificador-de-veiculo/ , acesso em 20.11.2024.
[41] Neste sentido: Op. Cit.
[42] Neste sentido: GILABERTE, Bruno, MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes, Op. Cit.
[43] Neste sentido: COSTA, Adriano Sousa, FONTES, Eduardo, ROCHA, Paulo Ludovico Evangelista. Op. Cit.
[44] Cf. neste sentido: MARTINS, Felipe Gonçalves. Artigo 311 do Código Penal. Alterações promovidas pela Lei 14.562/2023. Disponível em https://jus.com.br/artigos/103899/artigo-311-do-codigo-penal-alteracoes-promovidas-pela-lei-14-562-2023 , acesso em 19.11.2024. Vide INFORMATIVO STJ 771. Disponível em https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Informjuris20/article/view/12845/12952 , acesso em 19.11.2024. “Para que se configure a modalidade qualificada no crime de receptação, há a exigência legal de que a prática de um dos verbos nucleares ocorra no exercício de atividade comercial ou industrial com efetiva habitualidade. A figura do § 1º do art. 180 do Código Penal foi introduzida para punir mais severamente os proprietários de “desmanches” de carros, exigindo-se ainda o exercício de atividade comercial ou industrial, devendo ser lembrado que o § 2º equipara à atividade comercial, para efeito de configuração da receptação qualificada, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência, abrangendo, com isso, o “desmanche” ou “ferro-velho” caseiro, sem aparência de comércio legalizado (REsp 1.743.514/RS, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 14/8/2018, DJe 22/8/2018). O entendimento doutrinário, por sua vez, considera que a expressão “no exercício de atividade comercial ou industrial” pressupõe habitualidade no exercício do comércio ou da indústria, pois é sabido que a atividade comercial (em sentido amplo) não se aperfeiçoa com um único ato, sem continuidade no tempo. No caso, as instâncias consignaram a demonstração de que as peças retiradas dos carros furtados/roubados seriam vendidas no estabelecimento comercial do acusado. Porém, com relação aos outros réus, não se comprovou o exercício da atividade comercial prestado de forma habitual, atraindo, quanto a eles, a desclassificação do crime qualificado para receptação simples (art. 180, caput, do CP)”. Como se disse, não há motivo plausível para que a interpretação temática seja diversa sobre a adulteração de numeração identificadora de veículo automotor qualificada.
[45] GILABERTE, Bruno, MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes. Op. Cit.
[46] CUNHA, Rogério Sanches. Lei 14.562/23: Altera o art. 311 do CP para ampliar as condutas puníveis na adulteração de sinal identificador de veículo. Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/04/27/lei-14-562-23-altera-o-art-311-do-cp-para-ampliar-as-condutas-puniveis-na-adulteracao-de-sinal-identificador-de-veiculo/ , acesso em 20.11.2024.