Direito Penal

Quando a Investigação Criminal É Empobrecida

 

     

Os inquéritos policiais, construídos sem determinados conhecimentos técnicos da parte de quem é encarregado das investigações criminosas, têm levado à impossibilidade de proceder à denúncia, naqueles casos em que são vários os réus, principalmente. A falta de descrição de cada conduta ou do que cada um fez é imprescindível na mesma denúncia sob pena de nulidade.

 

No caso, tem-se o encontro com situação descrita. Tornou-se necessária uma boa reflexão, quando se concluiu que fundamentalmente, a conduta de todos era comum. Portanto, que esta fosse minuciosamente descrita de início. Em seguida, ainda mais detidamente, foram analisadas as oitivas individuais e daqui e dali foram colhidas suas confessadas particulares formas de ação.

 

Segue a denúncia como foi oferecida. Observem-se as notas de rodapé.

 

Exmº Sr. Dr. Juiz de Direito da Auditoria Militar do Estado do Espírito Santo

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por sua Representante em exercício nesta Auditoria, infra firmado, na forma do art. 121 do Código Penal Militar c/c inc. I do art. 129 da Constituição Federal, vem com o devido acatamento à presença de V. Exª, mediante denúncia nos termos que seguem, propor Ação Penal Pública em desfavor dos ex-milicianos:

 

AQUI, NOME, QUALIFICAÇÃO COMPLETA E RESIDÊNCIA DOS SETE DENUNCIADOS.

 

A presente se arrima no que consta dos três volumes anexos1: 1º com 204 fls (incluindo contracapa); 2º, começa com número 204 na capa vai até 489, número da folha contendo vista a 01 de novembro de 2001; 3º Volume, um apenso com 129 fls e um de capa amarela com apenas duas cópias de ofício.

 

Consta dos procedimentos citados que fazendo verdadeira orgia, desrespeitando regras elementares de civilidade, usando o 12º andar do fórum para olhar com binóculos o que podia ser visto em apartamentos de prédios adjacentes ao edifício, onde se localiza esta Vara da Auditoria Militar, usando o carrinho de pipoca, guardado na garagem, por um menor, diga-se de passagem, para deliciarem-se com esta popular iguaria, usando os veículos para dormir, ao invés de vigiarem (o fórum e tribunal) como lhes competia, fazendo telefonemas, até internacionais, aceitando chamadas a cobrar, feitas por mulheres, praticando desmandos funcionais, os denunciados escalados para a guarda nos prédios dos TRÊS PODERES, Cidade Alta, nesta capital, formaram verdadeira quadrilha para prática criminosa. Arrombaram salas, gabinetes de juízes, fotografavam-se usando vestes talares.

 

Fizeram-se dispor de um molho de chaves que lhes permitiam abertura de muitas portas. E usavam.

 

Do cartório da vara do júri foram furtadas diversas armas, (relação fls. 310) entre elas, o revólver 38, marca Taurus, nº 548584, do qual os funcionários deram pela falta e que acabou aparecendo entre o armamento que era distribuído aos denunciados para uso em serviço2.

 

Entre os crimes propriamente, consta que:

 

1º) em horário de expediente e procedendo a verificação de rotina, no dia 05 de outubro de 1993, funcionárias da 6ª Vara Criminal desta comarca, constataram que das dependências do cartório, haviam sido furtadas duas armas, calibre 38 pelo que levaram ao conhecimento do MM Juiz, que requisitou perícia técnica no local, procedida posteriormente.

 

Após tal perícia3, fazendo melhor aferição, foi constatado furto de outras quatro armas. Ofício de fls. 374 apresenta a relação.

 

No dia anterior, sobre a mesa de lanche dos funcionários, foram inexplicavelmente encontrados alguns cartuchos vazios e um intacto.

 

Para tanto, houve arrombamento do armário onde as mesmas são guardadas5.

 

2º) que foram furtados quatro microfones do salão do Tribunal de Justiça, localizado na época, no quarto andar (atual Fórum Des. José Mathias de Almeida Neto).

 

3º) para assistir televisão o segundo denunciado arrombou uma porta de vidro do cartório “Nicanor Paiva” tendo mentido inicialmente a respeito do fato. Confessou posteriormente como agiu, causando assim, prejuízo ao erário.

 

4º) Mesmo acorrentada, uma geladeira foi aberta e da mesma, retirado o que ali se encontrava.

 

O primeiro denunciado, C. R. B., entre todos tem sua atuação confessada em todas as práticas delitivas, acabou por ser licenciado6 das fileiras da polícia militar, oportunidade em que foram evidenciadas máculas na sua vida pregressa e outras irregularidades disciplinares e criminosas. Confessa-as no depoimento que se tem as fls. 295/300, do volume II. Além de que já tinha antecedentes criminais como se verifica as fls. 337 v.

 

O segundo denunciado, M. da S. T., estava de plantão na noite do dia 02 de outubro, costumava usar um rádio que se encontrava em salas onde não deveria entrar, procedendo a trânsito bem além do que lhe era permitido o acesso. Já tinha antecedentes criminais como se verifica as fls. 333 v. Foi quem arrombou a porta de vidro do Cartório “Nicanor Paiva” para usar uma televisão.

 

O terceiro denunciado V. G, usou o telefone do Palácio Anchieta, (para sexo por telefonema internacional). Pelo seu depoimento de fls. 254, 255 do volume II não paira nenhuma dúvida que é participe de todos os crimes e irregularidades ora denunciadas. Foi licenciado depois do que se apurou contra o mesmo, já que considerado indigno de pertencer às fileiras da Polícia Militar.

 

O quarto denunciado, J. A. P., também foi licenciado7 por conveniência do serviço. Participou de furtos de material8 em companhia do quinto denunciado. Valia-se da oportunidade de guarda, para no local de trabalho “fazer sua feira, furtando alimentos e material de limpeza”.

 

O quinto, M. de O., era o principal aliado do quarto denunciado, todas as vezes que deixava o serviço levava para casa produtos de furto em alimentos e material de limpeza, do palácio da Justiça.

 

O sexto, J.A.G., tinha em seu armário o molho de chaves que era usado pelo mesmo e pelos demais para abrir portas e armários. Foi quem usando uma faca abriu, ou melhor, arrombou a geladeira. Inquestionável sua participação.

 

O sétimo, L.C.S., conforme seu próprio depoimento de fls. 301, recebeu e manteve irregularmente em seu poder uma arma de procedência duvidosa. é cúmplice do arrombamento do cartório da 8ª Vara Criminal, onde foi encontrado um copo de cerveja sobre o balcão, tendo-se notícia de ocorrência de perícia técnica.

 

Emerge sem dúvida de que havia unidade de vontades e determinação, ocultando uns dos outros as condutas criminosas, das quais participavam efetivamente; revelavam-se complacentes, quando individualmente praticadas, pelo que nenhum se isenta da co-autoria no conjunto criminoso.

 

Face o exposto, encontram-se incursos, por força do art. 539 do CPM incursos na sanha dos §§ 4º e 5º do art. 240 (furto qualificado, bens pertencentes ao Poder Público (fazenda); § 2º do art. 303, 320 (violação do dever profissional); c/c alíneas “g” e “l” do art 70 e 80 do Código Penal Militar, pelo que requer o recebimento da presente, mandar citá-los para serem interrogados e responderem aos seus termos, sob pena de revelia e confissão.

 

Requer sejam ouvidas as testemunhas abaixo arroladas e a final julgados pelo Conselho Permanente, venham a ser condenados como de lei.

 

Que venham aos autos suas respectivas folhas de antecedentes criminais.

 

Requerimentos especiais:

 

   1. que seja oficiado:

 

1.1 no sentido de que a perícia técnica10 remeta a este juízo o resultado da que foi feita em dezembro de 1994, no Cartório da 8ª Vara Criminal desta Capital;

 

1.2 ao MM Juiz da Vara do Júri que informe sobre a arma mencionada, revólver 38, marca Taurus, nº 548584, se foi feita perícia e se foram furtados, além das armas, pertences do titular, Dr. Ronaldo Gonçalves; se as armas foram recuperadas;

 

1.3 o Sr. Encarregado, no sentido de que remeta cópia do depoimento de fls. 78 e 79 (que não são do vol. I) mencionados pelo denunciado J A G. as fls. 371;

 

2. que seja ordenado ao Sr. Encarregado que proceda mediante os documentos que dispõe, (podendo colhê-los nos autos) à avaliação dos objetos furtados e por aproximação, dos víveres e objetos de limpeza, não sendo satisfatório o que fez mediante despacho de fls. 462/3 (vol. II), mediante o qual obteve e se contentou com a resposta de fls. 488. Sejam atualizados os valores.

 

N. termos

 

P. deferimento

 

Vitória, 1º de fevereiro de 2002

 

Marlusse Pestana Daher

 

Procuradora da Justiça Militar

 

Rol de testemunhas:…………………………………

 

 

*Notas de rodapé convertidas

 

1 Serão referenciados como 1º, 2º e volume anexo.

 

2 Fls. 310, vl. II

 

3 Fls 350 a 355.

 

4 Firmado pelo MM Juiz, Dr. J V R a 30 de dezembro de 1993

 

5 V. fls. 464 a 479.

 

6 V. fls. 235 volume II.

 

7 V. fls 279 volume II.

 

8 V. também fls. 302, vol. II.

 

9 Da co-autoria.

 

10 Fls. 301 vol. II.

 

 

* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.

 

Como citar e referenciar este artigo:
DAHER, Marlusse Pestana. Quando a Investigação Criminal É Empobrecida. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/quando-a-investigacao-criminal-e-empobrecida/ Acesso em: 26 jul. 2024