Três noticias chocantes colhidas na mesma hora em um mesmo jornal.
1. “Menino de 11 anos foi acorrentado pelos próprios pais, para evitar que a criança fuja de casa para comprar e consumir crack”.
2. “Jovem (18) que estaria acorrentada há três meses em uma cama de ferro, logrou fugir de casa na manhã “desta sexta-feira”, arrastando o móvel. Quando abordada pela polícia que acorreu a chamado, parecia alterada e não sabia dizer o porquê de tal situação. Mas a mãe disse: é usuária de drogas desde os 15 anos. Antes já buscara sem êxito, tirar sua filha das drogas”.
2. “Mãe de um garoto de 17 anos acorrentou filho por dois meses em casa, para tentar livrá-lo do vício das drogas. Descoberto o caso, o juiz da Vara da Infância e da Juventude mandou internar o adolescente em uma clínica para tratamento”.
Se existem coisas que nos chocam tremendamente, imensamente, é tomar conhecimento de fatos como esses, enquanto ao mesmo tempo se fica, por acréscimo autorizado a pensar que se trata tão somente dos casos cujo conhecimento vieram a público. Quantos outros muitos mais estarão acontecendo?
Que “a droga é uma droga” não têm dúvida nem mesmo os que se tornaram escravos dela. Quantos gostariam de emergir, de sair dessa e não conseguem. Quantas pessoas atormentadas, quantas crianças e jovens enveredam pelo vício por um caminho muitas vezes sem volta.
As penas altas, o rigor policial que chega às raias da tortura em muitos casos, quando logra prender algum desses incautos; a inclusão do tráfico entre os crimes hediondos, enfim tudo que já se fez ainda não dá nenhum sinal de que a batalha esteja próxima do fim e que ainda se poderá recuperar muitos usuários ao menos.
Nas promotorias que cuidam do crime respectivo, tudo praticamente tem sido feito, do mapeamento das cidades, para aferição dos pontos mais críticos, ao depósito dos cheques apreendidos, à tentativa de mais que provocador da ação penal o converter-se em assistente social, como acontece ao Ministério Público, buscando soluções que levem as famílias a encontrarem uma saída.
Quando se sabe que pais adotam atitudes como as acima transcritas é de se imaginar o estado em que se encontraram, a dor que provam, o amor mediante o qual são impelidos a agir. É certo que procuram quem pensam que os pode ajudar. Nem sempre têm êxito já está provado. E não é porque a pessoa buscada se omita, mas por igualmente, não ter como.
Quantas vezes pais chegam ao Promotor de Justiça pedindo que “prendam” seus filhos, pois já não sabem mais o que fazer com eles. Nas escolas, as Professoras são ameaçadas, já houve caso de morte, dessas e de pais, tudo em momento de loucura, provocada pela droga. O medo está sempre presente.
O que é oferecido como solução ainda é muito precário. As providências tomadas não alcançam ao menos uma boa parte. Faltam clínicas especializadas às quais os pobres tenham acesso e sejam tratados visando que se curem. Nas de maior porte, onde o tratamento é pago, são poucos os que podem chegar.
Enquanto isto, travam-se discussões vazias em torno de coisas ou de assuntos que interessam ou beneficiam apenas a poucos, para a quase totalidade não têm nenhuma importância. Para as políticas públicas que permitiriam oferecimento de uma educação de melhor qualidade e dispositivos que evitassem adoecer, os recursos são minguados e mesmo os que existem não é sempre que chegam ao destino final.
Não sei porque insistimos em não querer admitir que esses fatos refletem mais que pobreza de recursos, pobreza de espírito, via de conseqüência mesquinhez que impede o crescimento, chegar ao verdadeiro desenvolvimento em profundidade, largura e altura.
Enquanto tivermos que conviver com situações do gênero, continuará distante o porto seguro da própria justiça e da paz..
* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.