O valor econômico do crime
Thiago Cássio d´Ávila*
O caso de Jérôme Kerviel, corretor da bolsa, acusado pelo terceiro maior banco francês, o Société Générale (SocGen), de ser o responsável por uma “fraude” de 4,9 bilhões de euros, levou-me à reflexão.
Não sei se o Sr. Jérôme Kerviel é candidato a figurar entre os maiores ladrões do planeta, ou se é inocente. A investigação promovida pelas autoridades francesas certamente o dirá.
Pelo que venho acompanhando, Kerviel tem 31 anos, começou a trabalhar no SocGen em 2000, lotado na mesa de operações de mercados futuros, na central do banco,
As denúncias geraram uma crise de confiança em relação à solidez econômica do SocGen, e as negociações com as ações do banco foram suspensas na Bolsa de Paris, muito embora a direção do banco tenha se apressado em dizer que a situação do banco é estável, mesmo após a fraude.
O que me motiva a escrever este texto é pensar que o Direito Penal não leva em conta o valor econômico do crime, ao menos
Analisarei alguns poucos tipos penais.
No caso do furto (Código Penal, art. 155), o tipo penal é “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. A pena é de reclusão, de um a quatro anos, e multa, mas o juiz pode aumentá-la em um terço se o crime é praticado durante o repouso noturno. Já no furto qualificado a pena é maior, de dois a oito anos, e multa. O furto qualificado ocorre se o crime é cometido com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa, com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza, com emprego de chave falsa ou mediante concurso de duas ou mais pessoas. Além disso, a pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.
No caso do roubo (Código Penal, art. 157), o tipo penal é “Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”, e a pena é de quatro a dez anos, e multa. Existe causa de aumento de pena, de um terço até metade, se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma, se há o concurso de duas ou mais pessoas, se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior, ou se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. Se da violência, no roubo, resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte (latrocínio), a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.
Na apropriação indébita, o tipo penal (CP, art. 168) é “apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção”, com pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, sendo aumentada a pena aumentada em um terço, quando o agente recebeu a coisa em depósito necessário, na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial ou em razão de ofício, emprego ou profissão.
A conclusão é óbvia: o valor econômico do crime não importa em nada na dosagem da pena. No máximo irá exercer pequena influência sobre o juiz no critério “conseqüências do crime”, no momento da fixação da pena, em razão do art. 59 do Código Penal. No entanto, isso é pouco.
Entendo que o valor econômico do crime deveria ser uma qualificadora, ou talvez uma causa de aumento de pena, e deixo aos criminalistas a opção de escolherem a melhor adequação doutrinária. Isso para o furto, roubo, apropriação indébita, crimes contra o sistema financeiro, crimes contra a ordem tributária, e assim por diante.
O fato é que soa ridículo, inclusive, que nossa legislação penal preveja a mesma pena para quem, por exemplo, pratica apropriação indébita de cem reais e outro sujeito que pratica uma apropriação indébita de vinte milhões de reais. Objetivamente, a punição do infrator deve levar em conta o valor econômico do crime, pois quem causa maior prejuízo econômico indubitavelmente comete ato de maior gravidade.
O mundo pós-moderno não pode continuar a viver num conto de fadas penal, onde apenas a conduta do infrator deva ser avaliada, como se o Direito Penal fosse uma espécie de religião a avaliar a pureza dos indivíduos em sociedade, reprimindo os impuros tão-só pela conduta impura, e não pela extensão do dano causado. Não é apenas a violação de conduta que importa. Numa sociedade de mercado – inclusive assim assumida por nossa Constituição Federal -, o valor econômico do crime muitas vezes importa bem mais que a própria conduta criminosa.
É preciso rever o Direito Penal, sua doutrina e legislação, imputando possibilidade de penas maiores aos que causam maior dano econômico com seus crimes. A deixar-se do jeito que está, estaremos incentivando o raciocínio de que o crime deve ser cometido quando compensa. Devemos estabelecer o contrário: para o criminoso economicamente mais audaz, mais tempo de cadeia. É como penso.
* Palestrante em temas de Direito Ambiental e Políticas Públicas Ambientais. Mestrando em Direito e Políticas Públicas no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Procurador Federal da Advocacia-Geral da União lotado na Consultoria Jurídica da EMBRATUR, em Brasília (DF). Inscrito na OAB/DF sob o nº 25.028.
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