O trabalho escravo e a competência da Justiça Federal – em outras palavras: O Supremo Tribunal Federal acha que a Justiça Estadual é uma M…[1]
O Ministro Joaquim Barbosa proferiu voto-vista no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 459510, interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região que remeteu para a Justiça de Mato Grosso denúncia de trabalho escravo. O voto foi no sentido de dar provimento ao recurso para reconhecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar ação penal relativa ao crime de exploração de trabalho escravo, previsto no art. 149 do Código Penal.
A decisão ainda não é definitiva, pois o julgamento foi suspenso por pedido de vista do Ministro Dias Toffoli.
O Ministro Joaquim Barbosa afirmou que o caso em questão não difere do julgado pelo Supremo no Recurso Extraordinário nº. 398041, quando a maioria dos Ministros decidiu que a competência para julgar esse crime é da Justiça Federal. “Após esse julgamento, aprofundou-se muito o combate ao trabalho escravo no país. O resultado é promissor”, disse o Ministro. Na sua avaliação, o precedente revela que a sociedade brasileira se convenceu de que a manutenção da competência da Justiça Federal nesses casos é essencial para a segurança jurídica e o desenvolvimento social no país. “Estamos diante de uma das mais dolorosas feridas na sociedade brasileira: a inadmissível persistência de trabalho escravo no país”, declarou.
Para o Ministro a prática de redução à condição análoga à de escravo, tipificado no art. 149 do Código Penal (capitulado na Seção I – Dos Crimes Contra a Liberdade Pessoal e Capítulo VI – Dos Crimes Contra a Liberdade Individual), caracteriza-se como crime contra organização do trabalho (sic), o que atrai a competência da Justiça Federal, conforme o inciso VI do artigo 109 da Constituição Federal. “O trabalho escravo afronta princípios fundamentais da Constituição e toda sociedade em seu aspecto moral e ético”, observou.
Detalhe: os crimes contra a organização do trabalho referidos no art. 109, VI da Constituição estão tipificados nos arts. 197 a 207 do Código Penal.
Segundo o Ministro Joaquim Barbosa, a organização do trabalho deve necessariamente englobar outro elemento: “o homem, compreendido na sua mais ampla acepção, abarcando aspectos atinentes à sua liberdade, autodeterminação e dignidade“. Assim, “quaisquer condutas que possam ser tidas como violadoras não somente ao sistema de órgãos e instituições com atribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também do homem trabalhador, atingindo-o nas esferas que lhe são mais caras em que a Constituição Federal confere proteção máxima, são sim enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho e praticados no contexto de relações do trabalho”.
Mais uma vez, engana-se o Ministro Joaquim Barbosa, pois sequer se deu ao trabalho de ler o índice analítico do Código Penal.
Sobre a matéria, com muito mais razão, o Superior Tribunal de Justiça:
“Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes perpetrados contra a organização do trabalho, quando violados direitos dos trabalhadores considerados coletivamente. A infringência dos direitos individuais de trabalhadores, sem que configurada lesão ao sistema de órgãos e instituições destinadas a preservar a coletividade trabalhista, afasta a competência da Justiça Federal. Competência do Juízo Estadual da 1ª Vara Criminal de Itabira/MG, que se declara. Agravo desprovido” (STJ – 3ª Seção – AgRg no CC 64.067 – rel. Og Fernandes – j. 27.08.2008 – DJU 08.09.2008).
“Processo RHC 15702/MA; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2004/0014999-0. Relator: Ministro PAULO MEDINA. Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA Data do Julgamento 21/10/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 22.11.2004 p. 387 Compete à Justiça Federal o julgamento dos crimes que ofendam o sistema de órgãos e instituições que preservam coletivamente os direitos do trabalho, e não os crimes que são cometidos contra determinado grupo de trabalhadores. A infringência dos direitos individuais de trabalhadores, inexistindo violação de sistema de órgãos e instituições destinadas a preservar a coletividade trabalhista, afasta a competência da Justiça Federal. Recurso provido, para reformar o acórdão impugnado, anular todos os atos decisórios eventualmente proferidos e declarar competente a Justiça Estadual maranhense, a quem será remetido o feito.”
“SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – Processo HC 36230/PE; HABEAS CORPUS 2004/0085765-6. Relator: Ministro NILSON NAVES. Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA Data do Julgamento 31/08/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 28.11.2005 p. 337. Ementa: Crimes contra a organização do trabalho. Redução a condição análoga à de escravo/frustração de direito assegurado por lei trabalhista. Competência (federal/estadual). 1. A competência é federal quando se trata de ofensa ao sistema “de órgãos e instituições que preservam coletivamente os direitos do trabalho”. 2. Na hipótese, porém, de ofensa endereçada a trabalhadores individualmente considerados, a competência é estadual. 3. Precedentes do STJ. 4. Caso de competência estadual. 5. Ordem concedida de ofício, declarados nulos somente os atos decisórios. Habeas corpus substitutivo julgado prejudicado.”
“Processo CC 29851/SP; CONFLITO DE COMPETENCIA 2000/0054780-8 – Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO. Órgão Julgador S3 – TERCEIRA SEÇÃO Data do Julgamento 23/05/2001 Data da Publicação/Fonte DJ 17.09.2001 p. 105 – Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho, quando tenham por objeto a organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores considerados coletivamente.” (Súmula do TFR, Enunciado nº 115). 2. Em inexistindo ofensa a órgãos e instituições que preservam coletivamente o direito e deveres dos trabalhadores, nem violação da organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores considerados coletivamente, não há falar em competência da Justiça Federal. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal de São José dos Campos/SP, o suscitado.”
“Processo CC 29454/GO; CONFLITO DE COMPETENCIA 2000/0039094-1 – Relator: Ministro FONTES DE ALENCAR. Órgão Julgador S3 – TERCEIRA SEÇÃO Data do Julgamento 09/05/2001 Data da Publicação/Fonte DJ 13.08.2001 p. 49 RJADCOAS vol. 28 p. 566 Em se tratando de crime contra a organização do trabalho, mas sem lesão ao “sistema de órgãos e instituições destinados a preservar coletivamente o trabalho”, a competência para o processo é da Justiça estadual.”
“Processo CC 23514 / MG; CONFLITO DE COMPETENCIA 1998/0069888-4 Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES. Órgão Julgador S3 TERCEIRA SEÇÃO Data do Julgamento 13/10/1999 Data da Publicação/Fonte DJ 16.11.1999 p. 178 – Compete à Justiça Federal o julgamento dos crimes que ofendam o sistema de órgãos e instituições que preservam coletivamente os direitos do trabalho, e não os crimes que são cometidos contra determinado grupo de trabalhadores. 2 – Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito de Três Pontas – MG, o suscitado.”
Por fim, veja-se este julgado do Tribunal Federal Regional da 1ª. Região: Recurso Criminal nº. 2004.39.01.001324-3/PA – Sem embargo da dissonância ideológica firmada, tanto no magistério doutrinário quanto jurisprudencial, quanto ao devido enquadramento da hipótese de redução de trabalhador à condição análoga à de escravo (CP, art. 149) ao conceito de crime contra a organização do trabalho enunciado no art. 109/VI, da CF/88, sobretudo em virtude do critério meramente topográfico (inexistência de inserção da conduta incriminada no Título IV do Código Penal), cumpre ponderar, preliminarmente, que referido balizamento não pode assumir fisionomia persuasória, posto não se coadunar, tal como as demais figuras do dispositivo (crimes contra o sistema financeiro nacional e a ordem econômico-financeira), com a conformação delegada ao legislador ordinário. Então, na medida em que os crimes contra a organização do trabalho não ficaram subordinados à definição do legislador infraconstitucional, o mero critério topográfico perde relevância, pois o sentido e o alcance da norma devem ser perscrutados consoante os próprios desígnios constitucionais. (…) Observa-se, de outra angulação, que restam passíveis de enquadramento nessa concepção jurígena as condutas representadas por frustração de direito assegurado por lei trabalhista (CP, art. 203); omissão de dados da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CP, art. 297, § 4º); e omissão de socorro (CP, art. 135). De outra parte, comporta assinalar que é pacífico o entendimento de que o delito caracterizado pela posse de arma de fogo sem autorização (Lei 9.437/97, art. 10), não se enquadra na dicção do art. 109, IV, da Constituição Federal, sendo, portanto, da competência da Justiça Estadual, salvo na hipótese de contrabando ou descaminho. Assim, remanesce, em tese, como infração penal da competência da Justiça Federal, no caso vertente, a imputação dirigida ao demandado de sonegação de contribuição previdenciária – CP, art. 337-A, posto tratar-se de evento dotado de autonomia empírica; e, considerando-se, sobretudo, a inexistência de conexão (CPP, art. 76), de índole subjetiva (incisos I e II) ou probatória (inciso III) com os demais ilícitos, a persecução penal deve sofrer cisão metodológica (CPP, art. 80). 3. Alega o órgão ministerial, pela eminente Procuradora da República Daniela Pereira Batista, verbis (fls. 03/25): Os crimes atribuídos aos recorridos atingem valores fundamentais da pessoa humana, que a União assumiu o dever de defender, preservar e zelar de modo exclusivo, segundo a competência privativa, indelegável, não compartilhada com Estados e Municípios, que lhe foi atribuída no artigo 21, inciso XXIV: a de organizar, manter e executar a inspeção do trabalho. Aduz, também, que: Verifica-se que a dignidade da pessoa humana foi consagrada pelo legislador constituinte como fundamento do nosso Estado democrático e social de direito, sendo o desenvolvimento do ser humano considerado a finalidade da atividade estatal. Sendo princípio fundamental, dela decorrem direitos subjetivos, respeito e proteção pelo Estado e pelos particulares. (…) Portanto, o crime de plagium – artigo 149, C.P. – que é o apossamento, por completo, da pessoa humana, assim destaca-se e enseja análise própria dentro das demais infrações contra a liberdade. Tal ilícito criminal restaura situação incompatível com a dignidade da pessoa humana, abolida que foi até mesmo por compromisso firmado nas Cartas Constitucionais das Nações… (…) O caso dos autos sob o qual incidem os artigos 203, com redação dada pela Lei 9777/98, caracteriza-se como crime contra a organização do trabalho, inclusive para os fins do artigo 109, VI, da Constituição da República, atraindo, por via de conseqüência, a competência da Justiça Federal… (…) Ademais, a norma constitucional que define a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho, diferentemente da que estabelece a competência para processamento dos crimes contra o sistema financeiro e ordem econômica, não se restringe aos casos a serem definidos em lei. Irresignado, requer o conhecimento e provimento do recurso para que os autos sejam processados no âmbito da Justiça Federal, já que evidente o interesse da União no devido processo e julgamento do feito. 4. Devidamente intimado, o defensor dativo do denunciado não apresentou contra-razões (fls. 39). 5. Nesta instância, manifestou-se o Ministério Público Federal, pelo nobre Procurador Regional da República Alexandre Camanho de Assis, em favor do provimento do recurso (fls. 43/47). 6. É o relatório. VOTO: A EXMA. SRA. JUÍZA VÂNILA DE MORAES (RELATORA – CONVOCADA): 1. MANOEL PORFÍRIO DOS SANTOS foi denunciado pela prática dos crimes insculpidos nos arts. 132 (expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente), 135 (omissão de socorro), 149 (reduzir alguém a condição análoga à de escravo), 203 (frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho), 297, § 4º (omissão de dados da Carteira de Trabalho e Previdência Social) e 337-A (suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária), todos do Código Penal, e no art. 10 da Lei 9.437/97 (possuir arma de fogo, de uso permitido sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar), todos em concurso material (art. 69 CP). Segundo termos da denúncia de fls. 26/31, verbis: O conjunto de elementos de prova reunidos revelou que a ação do denunciado consiste na contratação de trabalhadores, para, de maneira continuada, prover a formação e manutenção de sua Fazenda, ressaltando-se que, desta forma, o denunciado atinge a concretização de seus objetivos, que se resumem tão somente em obter o mínimo de dispêndio com mão-de-obra, auferindo maiores lucros em suas atividades empresariais, apropriando-se da mão-de-obra desses trabalhadores, em total desatenção à legislação, seja pela economia de valores em decorrência do não pagamento de verbas trabalhistas ou pelo pagamento aquém do devido; seja pela não disponibilização de equipamentos de proteção individual, de quaisquer condições dignas de trabalho, moradia, alimentação, higiene, assistência de saúde, etc; seja pelo apossamento puro e simples da mão-de-obra trabalhadora escrava. Na ocasião da aludida fiscalização foram encontrados, na Fazenda, 15 (quinze) trabalhadores em situação irregular, sendo ambos (sic) contratados para prestarem serviços de natureza diversa, tais como: serviços de roçagem, construção de cercas, preparo do solo, etc. O Ministério Público Federal impetrou o presente recurso em sentido estrito inconformado com a decisão do MM. Juiz Federal Substituto, que declinou da competência em favor da Justiça Estadual, por entender que os delitos ora discutidos são afeitos a esta última. Não observo incorreção na decisão do MM. Juiz de 1º Grau. Os crimes previstos nos arts. 149 (redução à condição análoga à de escravo), 203 (frustração de direito assegurado por lei trabalhista) e 297, § 4º (omissão de dados da Carteira de Trabalho e Previdência Social) são da competência da Justiça Federal quando ofendem o sistema de órgãos e instituições que preservem coletivamente os direitos do trabalho. No caso em estudo não há indício de crime contra a organização do trabalho em si, mas sim, contra, segundo afirmado, trabalhadores individualmente considerados. Esse entendimento é antigo. O extinto Tribunal Federal de Recursos dispunha na Súmula 115 que: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho, quando tenham por objeto a organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores considerados coletivamente. O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, em agosto de 1979, tendo como relator o Ministro Moreira Alves, ao julgar o RE 90.042-0/SP, já decidia que: “A expressão crimes contra a organização do trabalho, utilizada no referido texto constitucional, não abarca o delito praticado pelo empregador que, fraudulentamente, viola direito trabalhista de determinado empregado. Competência da Justiça Estadual. Em face do art. 135, VI, da Constituição Federal, são da competência da Justiça Federal apenas os crimes que ofendem o sistema de órgãos e instituições que preservem, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores. No voto condutor do acórdão, esclareceu o eminente relator: “O que, em realidade, justifica a atribuição de competência, nessa matéria, à Justiça Federal Comum é um interesse de ordem geral – e, por isso mesmo, se atribui à União sua tutela – , na manutenção dos princípios básicos sobre os quais se estrutura o trabalho em todo o país, ou na defesa da ordem pública ou do trabalho coletivo. Com a Constituição de 1988, nada mudou. Em 3 de dezembro de 1993, apreciando o RE 156.527-6/PA, relator Ministro Ilmar Galvão, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, igualmente decidiu que: “Em face do mencionado texto [art. 109, VI, 1ª parte, da CF/88], são da competência da Justiça Federal tão-somente os crimes que ofendem o sistema de órgãos e institutos destinados a preservar, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores”. No voto condutor do acórdão, salientou o ilustre relator: A narrativa dos autos, tal como oferecida, não contém notas caracterizadoras do crime contra a organização do trabalho, na abrangência que lhe dá a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Cuida-se, pois, de condutas individuais de empregador que não ofendem órgãos e instituições que preservam os direitos e deveres dos trabalhadores em coletividade, como força de trabalho. O único crime, portanto, que poderia ser da competência da Justiça Federal seria o art. 337-A., I, II e III, do Código Penal, que cuida da supressão ou redução da contribuição social previdenciária ou qualquer acessório. A redação desse dispositivo é a seguinte: Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços; II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços; III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Sem olvidar de entendimento recente da 3ª Seção do STJ, no CC 45.793, DJ de 07/03/2005, p. 138, Relatora Ministra Laurita Vaz, assim ementado: CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. ARTS. 149 E 203 DO CP. CONEXÃO. CRIME DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 122 DO STJ. COMPETÊNCIA JUSTIÇA FEDERAL. 1. In casu, verifica-se a existência de conexão entre os crimes previstos nos arts. 149 e 203, ambos do Código Penal, e o delito de sonegação de contribuição previdenciária, cuja competência é da Justiça Federal. Incidência da Súmula n.º 122 do STJ. 2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso, ora suscitado. E da decisão proferida pela 5ª Turma daquela Corte, no HC 26.832, DJ de 21/02/2005, p. 195, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, cuja ementa se segue: PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO TEMPORÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. COMPETÊNCIA FEDERAL. CRIMES DOS ARTIGOS 149, 203 E 207 E 337-A, TODOS DO CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. CONFIGURAÇÃO DE INTERESSE ESPECÍFICO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O decreto de prisão temporária está devidamente fundamentado, devendo ser mantido. 2. Não se justifica o reconhecimento sumário da incompetência federal quando os fatos estão sob investigação criminal. 3. O trabalho prestado em condições subumanas, análogas às de escravo, sem observância das leis trabalhistas e previdenciárias, configura crime federal, pois vai além da liberdade individual.” Ordem denegada. Dá ciência, também, o Informativo 378 do Supremo Tribunal Federal, que, no RE 398041, o julgamento transcorreu da seguinte maneira: “O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do TRF da 1ª Região que declarara a incompetência absoluta da justiça federal para processar e julgar o crime de redução a condição análoga à de escravo (CP, art. 149). O Min. Joaquim Barbosa, relator, deu provimento ao recurso para anular o acórdão recorrido e determinar sua devolução ao TRF para julgamento da apelação. Entendeu que quaisquer condutas que violem não só o sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também o homem trabalhador, atingindo-o nas esferas em que a Constituição lhe confere proteção máxima, se enquadram na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto de relações de trabalho. Concluiu que, nesse contexto, o qual sofre influxo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, informador de todo o sistema jurídico-constitucional, a prática do crime em questão se caracteriza como crime contra a organização do trabalho, de competência da justiça federal (CF, art. 109, VI). Acompanharam o relator os Ministros Eros Grau, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence. Em divergência, o Min. Cezar Peluso negou provimento ao recurso, ao fundamento de que os crimes contra a organização do trabalho são aqueles que tipicamente, e tipificadamente, dizem respeito à relação do trabalho e não os que eventualmente tenham essa relação, como no crime sob análise. O Min. Carlos Velloso também negou provimento ao recurso, mantendo a jurisprudência do STF no sentido de que apenas compete à justiça federal o julgamento de crimes contra a organização do trabalho que afetem diretamente o sistema de órgãos e instituições do trabalho. Após, o Min. Gilmar Mendes pediu vista dos autos.” Infere-se do excerto acima transcrito ser possível, em futuro próximo, mudança no entendimento jurisprudencial, no momento, consolidado. Até que este fato ocorra, creio ser prudente a manutenção da decisão nos termos retromencionados. Tenho, deste modo, que a Justiça Federal é incompetente para processar e julgar a causa em questão, permanecendo o prosseguimento do feito em relação ao delito previsto no art. 337-A do Código Penal. 2. Ante o exposto, nego provimento ao recurso em sentido estrito. 3. É o voto.”
Posta está a questão. Para mim, a competência é da Justiça Comum Estadual!
[1] Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça na Bahia e Coordenador do Centro de Especialização e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça, Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais e Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador – UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim. Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG), IELF (SP) e do Centro de Aperfeiçoamento e Atualização Funcional do Ministério Público da Bahia. Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal” e “Comentários à Lei Maria da Penha” (este em coautoria com Issac Sabbá Guimarães), ambas publicadas pela Editora Juruá, 2010 (Curitiba); “A Prisão Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas Cautelares – Comentários à Lei nº. 12.403/11”, “Juizados Especiais Criminais”, “Comentários à Lei do Crime Organizado” e “Crítica à Teoria Geral do Processo”, todos estes publicados pela Editora LexMagister, Porto Alegre/RS, além de coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, publicado pela Editora JusPodivm, 2008. Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.