José Olindo Gil Barbosa*
INTRODUÇÃO
Os juizados especiais cíveis e criminais, que foram previstos pelo constituinte de 1988, no inciso I, do art. 98, foram criados pela Lei nº 9.099, de 26.09,1995. Previa esse dispositivo que a criação pela União, dentro no Distrito Federal e Territórios, e pelos Estados, dos juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.
A Lei dos Juizados Especiais, como veio a ser denominada, nada mais é, na verdade, do que a fusão de dois projetos de lei, dentre os vários que foram apresentados com o fito de regulamentar essa previsão constitucional. O projeto Jobim, apresentado pelo então Deputado Federal Nelson Jobim tratava tanto de matéria cível como criminal, mas que foi aproveitado somente no que toca a sua parte cível. O Temer, apresentado pelo também Deputado Federal Michel Temer, tratava somente de matéria criminal, sendo adotado nesse particular. Assim, foi apresentado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, o substitutivo que culminou na Lei nº 9.099, sancionada pelo Presidente da República em 26.09.1995 e publicada no Diário Oficial da União no dia imediatamente posterior.
Dentre os vários princípios que regem a Lei dos Juizados Especiais elencados no seu art. 2º, há um, em particular, o da celeridade, que foi a principal bandeira utilizada pelos parlamentares para a aprovação dessa norma. É que a Justiça brasileira necessitava com urgência inadiável de uma ferramenta legal que desafogasse as prateleiras dos fóruns, já abarrotadas de processos, muitos deles de causas pequenas, de menor complexidade, e de crimes de pequeno potencial ofensivo, geralmente contendas sem maiores conseqüências que estavam a emperrar a máquina judiciária.
Várias foram as dúvidas surgidas com o advento dessa lei. Não era para menos. Essa norma, diferentemente das demais até então surgidas, causou uma verdadeira agitação nos meios jurídicos. Alguns tribunais a interpretavam de uma maneira, enquanto outros de modo totalmente adverso. A doutrina, por seu turno, confundia mais do que esclarecia. Os entendimentos eram diversos.
Foi assim, dentro desse cenário, que a Escola Nacional da Magistratura, no encontro realizado no final de 1995, na Cidade de Belo Horizonte, organizou e coordenou uma comissão de notáveis, dentre os quais figuras de peso como Sálvio de Figueiredo Teixeira, Sidnei Agostinho Beneti e Ada Pellegrini Grinover, a fim de interpretar e emitir documento, a final do encontro, que orientasse os operadores do direito, especialmente os órgãos judicantes, no emprego da então novel lei. Eis a íntegra do documento que resultou dessa comissão:
JUIZADOS ESPECIAIS DE CAUSAS CÍVEIS E CRIMINAIS
*Comissão Nacional de Interpretação da Lei nº 9.099/95:
Sálvio de Figueiredo Teixeira – Presidente
Luiz Carlos Fontes de Alencar
Ruy Rosado de Aguiar Júnior
Weber Martins Batista
Fátima Nancy Andrighi
Sidnei Agostinho Beneti
Ada Pellegrini Grinover
Rogério Lauria Tucci
Luiz Flávio Gomes
Nos dias 27 e 28 de outubro passado, a Comissão Nacional de Interpretação da Lei nº 9.099/95, sob a coordenação da Escola Nacional da Magistratura, realizou, em Belo Horizonte, encontro sobre a recente legislação dos Juizados Especiais de Causas Cíveis e Criminais, onde foram elaboradas as seguintes conclusões:
Primeira – Observando o disposto no art. 96, II, da Constituição, resolução do Tribunal competente implantará os Juizados Especiais Cíveis e Criminais até que lei estadual disponha sobre o Sistema de que tratam os artigos 93 e 95 a Lei nº 9.099/95.
Segunda – São aplicáveis pelos juízos comuns (estadual e federal), militar e eleitoral, imediata e retroativamente, respeitada a coisa julgada, os institutos penais da Lei nº 9.099/95, como composição civil extintiva da punibilidade (art. 74, parágrafo único), transação (arts. 72 e 76), representação (art. 88) e suspensão condicional do processo (art. 89).
Terceira – Ao implantar os Juizados Cíveis e Criminais mediante Resolução enquanto não existir lei específica, o Tribunal competente poderá atribuir a juiz togado local as funções jurisdicionais estabelecidas na Lei nº 9.099/95.
Quarta – A instalação dos Juizados Especiais pressupõe:
a) organização de serviços próprios de secretaria;
b) composição dos órgãos de conciliação e instrução, por meio de conciliadores e juízes leigos;
c) autoridade ou agente policial junto ao Juizado.
1. O exercício da função jurisdicional no juizado será objeto de designação especial do Tribunal de Justiça.
2. As Escolas de Magistratura promoverão cursos de preparação e aperfeiçoamento para juízes togados e leigos, servidores e conciliadores.
Quinta – O acesso ao Juizado Especial Cível é por opção do autor. (Aprovada por maioria.)
Sexta – Não haverá redistribuição para os Juizados Especiais Cíveis dos efeitos em curso na Justiça Comum, ainda que com anuência das partes.
Sétima – A função dos conciliadores e juízes leigos será considerada de relevante caráter público, vedada sua remuneração.
Oitava – As contravenções penais são sempre da competência do Juizado Especial Criminal, mesmo que a infração esteja submetida a procedimento especial.
Nona – A expressão “autoridade policial” referida no art. 69 compreende quem se encontre investido em função policial, podendo a Secretaria do Juizado proceder à lavratura de termo de ocorrência e tomar as providências previstas no referido artigo.
Décima – O encaminhamento, pela autoridade policial, dos envolvidos no fato tido como delituoso ao Juizado Especial será precedido, quando necessário, de agendamento da audiência de conciliação com a Secretaria do Juizado, por qualquer meio idôneo de comunicação, aplicando-se o disposto no art. 70.
Décima Primeira – O disposto no art. 76 abrange os casos de ação penal privada.
Décima Segunda – Os Tribunais estaduais têm competência originária para os habeas corpus e mandados de segurança quando coator o Juiz, bem como para revisão criminal de decisões condenatórias do Juizado Especial Criminal.
Décima Terceira – Se o Ministério Público não oferecer proposta de transação penal, ou de suspensão condicional do processo, nos termos dos arts. 79 e 89, poderá o juiz fazê-lo.
Décima Quarta – A eficácia do acordo extrajudicial a que se refere o art. 57, que pode ser sobre matéria de qualquer natureza ou valor, está condicionada à homologação pelo juízo competente e poderá ser executada no Juizado Especial, nos casos de sua competência.
Décima Quinta – Quando entre o interessado e seu defensor ocorrer divergência quanto à aceitação da proposta de transação penal ou de suspensão condicional do processo, prevalecerá a vontade o primeiro.
Assim surgiu esse instrumento legal que, se não desemperrou totalmente a máquina judiciária, com certeza proporcionou um considerável alívio.
Tanto na parte cível como na parte criminal, a LJE previu apenas dois recursos – se os embargos declaratórios puderem ser admitidos como tal – visando com isso obter a maior celeridade possível no julgamento de suas causas, a fim de que a prestação jurisdicional fosse dada de maneira mais veloz e com uma maior efetividade possível.
Na parte criminal, especificamente, o único recurso previsto, além dos embargos declaratórios, foi o da apelação. Não obstante a previsão desse único recurso, alguns autores defendem a tese da possibilidade de vários outros não previstos na lei. É o que veremos a seguir.
DA APELAÇÃO
A apelação poderá ser interposta contra a decisão do juiz monocrático que rejeitar a queixa ou a denúncia, bem como da sentença absolutória ou condenatória (art. 82), e da que homologa a transação penal (art. 76, §5º).
O julgamento desse recurso, segundo o mesmo art. 82, poderá ser feito por turmas compostas de três juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, as chamadas turmas recursais. Poderá porque é uma faculdade dos Estados a criação e instalação dessas turmas. Nesse caso, enquanto e se não criadas as citadas turmas, o julgamento da apelação será feita pelos tribunais de justiça. Sobre isso leciona MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES¹:
“Qual o sentido da colocação verbal poderá? Chamo a atenção para leitura do art. 41, §2º desta Lei em que o legislador foi mais categórico ao dispor que o recurso será julgado por uma turma composta de por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.
O emprego da expressão poderá neste artigo, a meu ver indica que a legislação estadual regulamentadora do Juizado poderá definir a competência recursal ao órgão indicado na Lei 9.099, mas também poderá atribuí-la aos Tribunais já constituídos.”
ADA PELLEGRINI GRINOVER², ao discorrer sobre essa mesma possibilidade, ensina-nos o seguinte:
“ Como já se observou, a Lei nº 9.099/95, com amparo no art. 98, I, da Constituição, abriu a possibilidade de julgamento das apelações contra decisões proferidas pelos Juizados Especiais por turmas recursais integradas por três juízes em exercício em primeiro grau de jurisdição. Atende-se, com isso, à garantia do duplo grau de jurisdição, sem comprometimento dos princípios de simplicidade, celeridade e economia processual, que devem informar a atividade jurisdicional relacionada às pequenas infrações penais.
Trata-se, no entanto, como se vê tanto no texto legal como no constitucional, de mera faculdade atribuída ao legislador local. Assim, podem os Estados omitir ou adiar a criação dessas turmas e, nessa situação, todos os recursos relativos às causas de competência dos Juizad2os continuarão a ser julgados pelos tribunais existentes.”
Atualmente, praticamente todos os Estados já estão com as suas turmas recursais devidamente criadas. E teria que assim ser. Se todos os recursos continuassem a ser julgados pelos tribunais de nada adiantariam a simplicidade e celeridade do juízo monocrático, se a causa estancaria com a burocracia e o enorme volume de processos nos tribunais na fila para serem julgados. Seria, não resta dúvida, um contra-senso.
1O §1º, do art. 82 preceitua que a interposição da apelação deverá ser interposta no prazo de dez dias, a contar da intimação. Nisso houve uma inovação, posto que o Código de Processo Penal (art. 593), prevê tão somente cinco dias para a interposição desse recurso. Mas como? A LJE não veio para oferecer uma maior celeridade nos processos e, ao invés de diminuir o prazo apelatório, simplesmente dobra esse mesmo prazo? O que pode parecer um pouco estranho não verdade não o é. Ocorre que, ao contrário do Código de Processo Penal, em que as razões da apelação poderão ser apresentadas em até oito dias após a manifestação do apelo, na lex nova elas têm, obrigatoriamente, que acompanhar o pedido de recurso e, com isso, como se vê, acaba por abreviar substancialmente esse prazo.
As contra-razões da apelação, obviamente, deverão ser apresentadas, também, no prazo de dez dias.
A lei não previu a participação do Ministério Público quando do julgamento da apelação pelas turmas recursais. Quanto a isso, a princípio, uma pequena controvérsia surgiu. Entendia uma corrente que, como não havia a previsão legal, o parecer ministerial seria dispensável. Outra advogava a tese de que a presença do Ministério Público nas turmas recursais, na figura de procurador ou promotor de justiça, se fazia imprescindível sob pena de nulidade dos julgamentos proferidos.
É importante salientar que a omissão da Lei dos Juizados Especiais tem sido ressaltada por múltiplos doutrinadores que se debruçaram sobre a matéria, a grande maioria entendendo ser imperativa a oitiva do Ministério Público antes das decisões proferidas pelas Turmas Recursais.
No entendimento de ADA PELLEGRINI GRINOVER³, por exemplo, a manifestação ministerial antes do recursos é obrigatória. Vejamos:
“Ainda que a lei comentada seja omissa nesse particular, é obrigatória a manifestação da Procuradoria Geral de Justiça sobre a apelação (art. 610, caput, CPP). Nos Estados em que forem instaladas as turmas recursais será conveniente que junto às mesmas funcione um Procurador de Justiça, ou seja especialmente designado promotor em exercício no Juizado, com essa atribuição, evitando-se com isso maior demora na tramitação do recurso.”
MIRABETE4 tem a mesma opinião:
“Não se refere a lei ao parecer do Ministério Público em segunda instância, argumentando-se que o princípio da celeridade prevalece, sendo ele dispensável. Entretanto, diante do art. 610 do CPP, subsidiário na espécie, o parecer é obrigatório, mas nada impede que a manifestação do parquet seja apresentada por Promotores de Justiça designados pelo Procurador-Geral. Também nada impede a sustentação oral por parte do Ministério3 Público ou da defesa.” 4
O nosso entendimento é no sentido de que a presença do Ministério Público nas Turmas Recursais é indispensável.
Passemos, então, a comentar alguns outros tipos de recursos.
DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
O recurso em sentido estrito, mecanismo de reforma de decisão judicial (despacho ou sentença) nos casos do art. 581, do Código de Processo Penal, tem, a nosso ver, completa aplicação aos casos da Lei dos Juizados Especiais, com exceção, é claro, do inciso I, em que o juiz decide por não receber a denúncia ou a queixa, visto que para essa hipótese a lei já previu a apelação.
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MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES5, ao comentar a admissibilidade desse tipo de recurso no ordenamento jurídico dos Juizados Especais, concluiu por considerá-lo como cabível. Vejamos o que ele doutrina:
“As demais hipóteses de cabimento de recurso em sentido estrito, previstas taxativamente no art. 581 do Código de Processo Penal, tem perfeita aplicação contra sentença, decisão ou despacho, nos casos pertinentes à matéria afeta à competência do Juizado ou em que as circunstâncias do agente o habilitem a ser parte em processo instaurado perante o Juizado, o que afasta os casos previstos em diversos incisos do art. 581 do Código de Processo Penal.”
6ADA PELLEGRINI GRINOVER6, por sua vez, advoga também no sentido de que é perfeitamente admissível o recurso em sentido estrito, embora não expressamente previsto na Lei dos Juizados Especiais. In verbis:
“Pense-se nos diversos casos em que o CPP prevê o recurso em sentido estrito (salvo, é evidente o do art. 581, I, para o qual é agora expressamente admitida a apelação): o juiz, no procedimento sumaríssimo, conclui pela incompetência (art. 581, II) ou decreta extinta a punibilidade (art.581, VIII), etc. Seriam tais decisões irrecorríveis?
Não temos dúvida em afirmar que nessas situações o referido recurso continua a ser cabível e deve ser julgado pelas mesmas turmas recursais. Essa conclusão decorre do próprio sistema, pois o art. 98, I, da Constituição permite o julgamento de recursos (sem limitação) pelas mencionadas turmas, ao passo que a própria Lei 9.099/95 prevê a aplicação subsidiária do CPP, quando as respectivas disposições não forem incompatíveis.”
As nossas cortes de justiça, do mesmo modo, têm adotado essa mesma linha de entendimento da doutrina. Vejamos:
LEI Nº 9099/95 – SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO – DECISÃO QUE A DEFERE OU INDEFERE – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – CABIMENTO – Na Lei nº 9099/95 inexiste previsão de qual seja o recurso cabível da decisão que defere ou indefere a suspensão condicional do processo, assim, ao se admitir a sua recorribilidade, em homenagem ao princípio do duplo grau de jurisdição, embora razoável o entendimento doutrinário de que a irresignação revista a forma de apelo, em abono a tese de cabimento do recurso em sentido estrito está a celeridade do julgamento, pois independe de revisão, o que se mostra compatível com os critérios inspiradores da lei dos juizados especiais, além de ser idônea a analogia com o inciso XVI, do art. 581 do CPP. (TACRIMSP – RSE 1.024.921 – 11ª C. – Rel. Juiz Renato Nalini – J. 12.08.1996).
Assim, como já dissemos, o recurso em sentido estrito, é aplicável na Lei dos Juizados Especiais.
DOS EMBARGOS INFRINGENTES
Os embargos infringentes são um tipo de recurso, com previsão no parágrafo único, do art. 609 do Código de Processo Penal, no capítulo V, do Título II, Livro III, que trata do processo e do julgamento dos recursos em sentido estrito e das apelações, nos tribunais de apelação.
Entendem alguns autores, d7entre eles ADA PELLEGRINI GRINOVER7, que eles não são admissíveis após a instalação das turmas recursais, posto que, em assim ocorrendo, não se tratará de julgamento em tribunais, conforme previsão do Código de Processo Penal e sim em turmas de recursos, que são órgãos diferentes. Outros, porém, entendem que os embargos infringentes são sim cabíveis no Juizado Especial Criminal. Argumenta essa corrente, dentro da qual advoga o eminente mestre JOSÉ BARCELOS DE SOUZA8 que o8 procedimento previsto na Lei dos Juizados Especiais é como um tipo de procedimento especial já previsto no CPP, que difere dos demais, apenas em virtude ser previsto em lei especial. Articula ele o seguinte:
“Desse modo, cabem os embargos infringentes, no prazo estabelecido no Código e com a característica de recurso privativo da defesa. Descaberiam se houvesse disposição da lei especial em contrário, e então os Juizados Especiais seriam uma justiça de segunda classe e, pior que isso, uma justiça perversa ao impedir que um réu condenado por dois votos, mas absolvido por um terceiro voto, não pudesse embargar o acórdão, especialmente quando a divergência fosse unicamente sobre matéria de prova, a impedir um recurso a Tribunal Superior. O anseio de rapidez não poderia sacrificar a própria finalidade da justiça. Não seria por aí.
Uma outra objeção tem sido feita ao cabimento dos embargos infringentes, especificamente quando a apelação (ou o recurso em sentido estrito) tiver sido julgada por Turma do próprio juizado, e não por Tribunal de segundo grau, sendo certo que onde não houver Turma julgadora os recursos continuam pertencendo aos tribunais competentes.
A apelação criminal, com efeito, poderá ser julgada (art. 82 da Lei 9.099/95) pelas turmas, enquanto o recurso cível será julgado por elas (como dispõe o art. 41, § 1º, da mesma lei)”.
Entendemos, contudo, que a lei é muito clara. O Código de Processo Penal estabelece que os embargos infringentes serão julgados por tribunais e não por turmas recursais. Assim, comungando do mesmo pensamento de ADA PELLEGRINI GRINOVER, entendemos que os embargos infringentes para julgamento por turmas recursais não são admissíveis.
5. DO RECURSO ESPECIAL
O Recurso Especial é uma modalidade de apelo jurídico, previsto no art. 105, III, alíneas a, b e c, da Constituição Federal, com o fim precípuo de julgar as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Aqui seguiremos a mesma linha adotada quando tratamos dos embargos infringentes. Ora, como se vê, trata-se de recurso contra decisões de tribunais e não de turmas recursais. Portanto, não é também cabível o Recurso Especial contra decisões proferidas nas turmas recusais dos Juizados Especiais. Esse nosso pensamento é defendido por ADA PELLEGRINI GRINOVER9. Assevera ela:
“…o recurso especial para o STJ pressupõe a existência de uma decisão proferida, em única ou última instância, por um tribunal e as referidas turmas recursais seguramente não o são.”
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, não tem conhecido de Recurso Especial interposto contra decisão de Turma Recursal. Várias têm sido as decisões nesse sentido. Vejamos:
RECURSO ESPECIAL – JUIZADOS ESPECIAIS – I – Não cabe recurso especial interposto contra decisão dos colégios recursais dos Juizados Especiais, pois, ao contrário do previsto quanto ao recurso extraordinário, somente as decisões proferidas pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios estão sujeitas à apreciação desta Corte, por meio do recurso especial. II – Agravo regimental desprovido. (STJ – AGA 356595 – BA – 3ª T. – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro – DJU 30.04.2001 – p. 00135).
PROCESSUAL PENAL – RECURSO ESPECIAL – JUIZADO ESPECIAL – LEI 9.099/95 – SÚMULA 203 DO STJ – Em sede de Juizados Especiais Criminais incide o óbice recursal da Súmula 203 deste Superior Tribunal de Justiça. – Recurso especial não conhecido. (STJ – RESP 215152 – SP – 6ª T. – Rel. Min. Vicente Leal – DJU 19.02.2001 – p. 00257).
Essas decisões já são, como se vê, objetos de súmula.
SÚMULA 203 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ- Não cabe recurso especial contra decisão proferida, nos limites de sua competência por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.
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ATHOS GUSMÃO CARNEIRO10 , em artigo que trata do Recurso Especial e dos seu pressupostos de admissibilidade, tem lecionado o seguinte:
“O recurso deve voltar-se contra decisão, exclusivamente, de Tribunal Regional Federal, de Tribunal de Justiça dos Estado ou do Distrito Federal, ou de Tribunal de Alçada Estadual. Inadmissível contra decisão de Tribunal trabalhista, eleitoral ou militar federal. Caberá o Recuso Especial, a meu sentir, contra decisão de Tribunal militar estadual que no âmbito de sua competência (penal) violar lei federal (CF, art. 125, §§ 3º e 4º).
O Superior Tribunal de Justiça tem considerado incabível o recurso especial contra decisão final de colegiado de 2º grau não alçado à categoria de tribunal, como as Turmas ou Câmaras Recursais dos Juizados Especiais e de Pequenas Causas”.10
Inadmissível, portanto, como se observa, do ponto de vista constitucional, o Recurso Especial nos Juizados Especiais.
6. DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
No direito nacional, o Recurso Extraordinário é revelado como recurso propriamente dito e edificado imediatamente no interesse de ordem pública em ver imperar o comando e a exata aplicação da Constituição, bem como da lei federal. Tem, portanto, uma natureza político.
Antes de mais nada, é de bom alvitre que olhemos o que estabelece o art. 102, III, a, b e c, da Constituição Federal:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
Nota-se aí, agora, que não há a exigência de que as decisões contra as quais se queira interpor o Recurso Extraordinário, sejam proferidas por tribunais, mas tão somente decorrentes de causas decididas em única ou última instância, o que, evidentemente, se enquadram as Turmas Recursais dos Juizados Especiais. Há, portanto, a possibilidade de Recurso Extraordinário nos casos especificamente admitidos, vez que no Supremo Tribunal Federal firmou-se orientação, diante do texto do art. 102, III, da Constituição Federal de 1988, que, em princípio, cabe Recurso Extraordinário de decisões, em instância única, de tribunais ou Juízos, desde que nelas se debata demanda constitucional, até mesmo em se versando de Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
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DO HABEAS CORPUS, DA REVISÃO E DO MANDADO DE SEGURANÇA
O Habeas Corpus, bem como o Mandado de Segurança, mesmo não sendo considerados recursos propriamente ditos, mas ações constitucionais, encerram conseqüências de recursos, para desconstituir atos, e a Revisão, que também não pode ser acatado como um recurso, mas uma ação com previsão na lei adjetiva penal com a mesma conseqüência, são perfeitamente aceitáveis relativamente a atos decorrentes dos Juizados Especiais Criminais.
A festejada ADA PELLEGRINI GRINOVER11, é bastante convincente ao discorrer sobre essa possibilidade.
“É induvidosa a admissibilidade desses remédios no sistema comentado: o habeas corpus constitui garantia do direito de liberdade, assegurada pela Constituição (art. 5º, LXVIII), e não seria viável sua restrição pelo legislador ordinário; quanto à revisão, a própria Lei 9.099/95 deixou implícita sua recepção, ao excluir expressamente a rescisória nas pequenas causas civis (art. 59), sem semelhante disposição na parte criminal; finalmente, o mandado de segurança, também possui dignidade constitucional e, como tal, sempre pode ser utilizado para reparar ilegalidades não abrangidas pela proteção do habeas corpus ou habeas data (art. 5º, LXIX, CF), inclusive aquelas decorrentes do ato jurisdicional, quando o recurso previsto na lei processual não tenha efeito suspensivo.”
Com relação à competência para o julgamento do habeas corpus, quando a autoridade apontada como coatora for um Juiz de primeiro grau, é o Tribunal de Justiça ou de Alçada, haja vista que os Colégios Recursais unicamente têm competência para o julgamento de recursos.
Ocorrendo, entretanto, coação dimanada de um Colégio Recursal, que é um órgão de segundo grau, a competência escapa da alçada do Tribunal Estadual, pousando nas mãos do Supremo Tribunal Federal, ex vi do art. 102, I, alínea i, da Constituição Pátria. Esse entendimento é adotado pelo próprio STF, conforme se vê da decisão abaixo.
DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS CONTRA JULGAMENTO DE ÓRGÃO COLEGIADO DE PRIMEIRO GRAU (1ª TURMA RECURSAL DO 1º JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL): COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – ALEGAÇÃO DE QUE O DEFENSOR PÚBLICO NÃO FOI INTIMADO PESSOALMENTE DA DATA DA SESSÃO DE JULGAMENTO DO RECURSO – NULIDADE – H.C. DEFERIDO – 1. O Supremo Tribunal Federal, em vários precedentes do Plenário e das Turmas, interpretando normas da CF de 1988, considerou-se o único Tribunal, no país, competente para julgar habeas corpus contra decisões de órgãos colegiados de 1º grau, como são as Turmas Recursais de Recursos dos juizados Especiais Criminais. 2. Sua jurisprudência também tem concluído pela anulação de julgamentos criminais, inclusive de recursos ordinários, quando o Defensor Público, que haja de nele oficiar, não tenha sido pessoalmente intimado da data da respectiva sessão, não bastando, para isso, a intimação pela imprensa. 3. H.C. deferido, nos termos do voto do Relator, para anulação da decisão da Turma Recursal e para que a outro julgamento se proceda, com observância dessa exigência da lei que regula a atuação na Defensoria Pública. (STF – HC 77647 – 1ª T. – Rel. Min. Sydney Sanches – DJU 16.04.1999 – p. 4) Em se tra11tando de revisão criminal, prevalece a regra do Código de Processo Penal (art. 624, II), aplicado subsidiariamente nos Juizados Especiais Criminais, ou seja, o julgamento será pelo Tribunal de Justiça ou de Alçada, conforme disponha a Lei de Organização Judiciária.
No tocante ao Mandado de Segurança, aplicam-se as mesmas regras do habeas corpus.
DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
A decisão emanada do órgão judicial, seja ele monocrático ou colegiado, deve se apresentar de maneira clara, precisa, sem oferecer margens para interpretações dúbias. No entanto, nem sempre essa decisão se apresenta assim tão cristalina, havendo casos em que ela se apresenta obscura, contraditória, omissa e dúbia. Quando isso ocorre, o ordenamento jurídico oferece um mecanismo a fim de, ao ser corrigida, a decisão não venha causar prejuízo às partes.
Assim é que, a Lei dos Juizados Especiais, como acontece com os diversos códigos processuais, previu, no seu art. 83, a possibilidade de a parte, no prazo de cinco dias, contados da data em que tomou ciência da decisão, dissipar qualquer dúvida ou resolver pontos que tenham sido omitidos na mesma, por intermédio dos Embargos de Declaração.
Eles podem ser opostos por escrito ou oralmente, sendo que, nesse último caso, eles deverão ser reduzidos a termo, com dedução dos pontos em que a decisão é dúbia, obscura, contraditória ou omissa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora a Lei dos Juizados Especiais Criminais tenha previsto um único recurso, a apelação, visto que os embargos declaratórios, por muitos autores, não são considerados como recursos, há a possibilidade de muitos outros previstos no Código de Processo Penal, como na própria Constituição Federal.
Desde que haja uma previsão de recurso no ordenamento jurídico, não precisamente na Lei 9.099/95, que não entre em confronto com a Carta Magna, há a possibilidade de reforma de decisões em sede do Juizados Especiais. Mesmo assim não poderia deixar de ser. Todos têm direito de ver uma decisão, que por vezes modifica por inteiro a vida de uma pessoa, tanto familiar como socialmente, ser revista por um órgão judicante teoricamente com maior experiência. É uma garantia constitucional, mesmo que venha a sacrificar o principio da celeridade ou outros mais, incluídos na Lei dos Juizados Especiais.
Importante salientar, também, que embora sejam muitas as possibilidades de se reverter uma decisão judicial em sede de Juizados Especiais, o certo é que o princípio da celeridade, sem se falar nos outros, se faz cada mais presente nos seus julgamentos. Ainda há muito que se repensar no tocante à LJE no sentido de aperfeiçoá-la, contudo ela veio para ficar como uma Justiça da Era Moderna.
Para analisar a atuação dos Juizados Especiais (e aqui estendo minha reflexão à esfera penal), precisamos saber, entre outras coisas, que carga de trabalho vêm eles tendo; de que matérias tratam mais comumente; qual tem sido a conseqüência das tentativas de solução consensual, tanto no cível como no crime; qual o percentual das sentenças recorridas, e qual o dos recursos providos. Só assim teremos deles uma visão mais ampla.
É esse nosso entendimento.
10 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias e LOPES, Maurício Antonio Ribeiro – Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
- GRINOVER, Ada Pellegrini e Outros – Juizados Especiais Criminais – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.
- FUX, Luiz e Outros – Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal, Rio, Forense, 1999.
- NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Editora Saraiva, 1996.
- Site da Internet www.oab-mg.com.br.
* Juiz de Direito no Estado do Piauí, pós-graduado em Direito Processual e Direito Processual Civil.
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