Direito Penal

Lei Maria da Penha: ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação nos casos de lesões corporais.

 

 

Agda Fernanda Pietro Santana * 

 

 

Nos termos do § 8º do artigo 226 da Constituição Federal o Poder Executivo, em data de 07 de agosto de 2006, sanciona a Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Cria-se uma legislação, cujo objetivo primordial é proteger a “mulher” no âmbito doméstico e familiar vítima de violência. 

 

Considerando que, como tradição do poder legiferante, as legislações que compõem o ordenamento jurídico brasileiro são eivadas de incongruências, não sendo diferente com a Lei nº 11.340/2006.

 

Diverge-se, atualmente, no que tange à natureza da ação penal nos crimes de lesões corporais leves ou culposas, contra a mulher vítima de violência doméstica ou familiar, se deveria ser processada mediante ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação da vítima.

 

O artigo 41 da referida Lei, independente da pena prevista, afastou a possibilidade de aplicação da Lei 9.099/1995 (Juizado Especial Criminal) aos casos pertinentes a Lei Maria da Penha. Ressalta-se que o artigo 88 da Lei nº 9.099/1995 estabelece que “além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”.

 

A Lei dos Juizados Especiais, portanto, atribuía a todos os crimes de lesões corporais leves ou culposas, independente do sexo da vítima, como condição de procedibilidade a necessidade do oferecimento de representação para a propositura da ação penal pelo Ministério Público.

 

Afastando-se expressamente a aplicação da Lei dos Juizados Especiais, conforme dispõe o artigo 41 da Lei Maria da Penha, retira-se, indubitavelmente, a condição da necessidade do oferecimento da representação por parte da vítima nos crimes de lesão corporal leve e culposa contra a mulher no âmbito doméstico e familiar.

 

Prevê, ainda, no artigo 44 da Lei Maria da Penha, outra hipótese que afasta a aplicação do procedimento dos Juizados Especiais Criminais, por estipular pena de 03 meses a 03 anos de detenção, ao crime de lesão corporal qualificada, ou seja, previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, deixando, portanto, de ser infração penal de menor potencial ofensivo.

 

Ocorre que, até 1995 por falta de expressa disposição legal em contrário, na apuração do crime de lesão corporal leve, nos termos do artigo 100, § 1º, do Código Penal, procedia-se mediante ação penal pública incondicionada. Assim, diante da exacerbação da pena prevista no crime de lesão corporal qualificada e da expressa vedação de aplicação da Lei dos Juizados Especiais, volta-se a processar o referido crime mediante ação penal pública incondicionada.

 

A presente derrogação ostenta divergências, considerando, entretanto, o disposto no artigo 16 da Lei 11.340/2006, que admite representação, bem como, sua renúncia perante o juiz em audiência especialmente designada para esse fim, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Esta disposição é interpretada, por alguns juízes, como prerrogativa passível que autoriza a retratação da representação por parte da vítima também nos crimes de lesão corporal, mantendo-se como ação pública condicionada.

 

Com a expressa menção à inaplicabilidade da Lei nº 9.099/1995 há um retrocesso da norma penal, no que tange ao crime de lesões corporais leves ou culposa contra mulheres vítimas de violência doméstica. Contudo, no âmbito de abrangência da Lei nº 11.340/2006, outros delitos continuam dependendo de representação, tais como a ameaça, os crimes contra a honra, na hipótese do artigo 145, parágrafo único, do Código Penal, e os crimes contra os costumes, quando aplicável o artigo 225, § 2, do mesmo diploma legal.

 

Portanto, apenas para esses outros delitos condicionados à representação, com previsão expressa no Código Penal, amoldam-se ao disposto no artigo 12, inciso I, da Lei Maria da Penha, para que a autoridade policial tome a representação a termo e, ao artigo 16, para que a renúncia seja feita perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade.

 

Contudo, apesar das ponderações apresentadas, a jurisprudência tem se orientado por duas posições. A primeira, o crime de lesão corporal praticado com violência doméstica contra a mulher, com a vigência da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da penha), tornou-se de ação penal pública incondicionada, prescindindo, portanto, de direito de representação. Ordem denegada” (TJ-ES; HC 100080007139; Segunda Câmara Criminal; Rel. Des. Subst. Walace Pandolpho Kiffer; Julg. 14/05/2008; DJES 05/06/2008; Pág. 115).

 

Já a segunda corrente, entende que trata-se de ação condicionada à representação, porque o artigo 41 da Lei nº 11.340/06 deve ser interpretado em consonância com o artigo 16 da citada Lei, ou seja, “nos crimes de lesão corporal culposa ou dolosa simples que atinge a mulher no âmbito familiar, tratados pela Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), a ação penal é pública condicionada à representação, podendo haver a retratação da ofendida” (TJ-MG; RSE 1.0024.07.564783-4/0011; Belo Horizonte; Quarta Câmara Criminal; Rel. Des. Ediwal José de Morais; Julg. 21/05/2008; DJEMG 11/06/2008)”.

 

Perante essas duas posições, cabe ressaltar, uma importante reflexão quanto à essência e os fundamentos que embasaram a imprescindível necessidade de criação de uma legislação especial que tutela-se a mulher vítima de violência dentro de seu próprio lar.

   

Se a realidade fática constatada pela criminologia é de alto índice de violência contra a mulher no âmbito familiar, sem que ela, sozinha, consiga enfrentá-la. Compete ao Estado desenvolver políticas que visem a tutelar os seus direitos, o que certamente se teve em vista com a edição do diploma em exame, com supedâneo nos artigos 226, § 8º e 227 da Constituição Federal.

 

A justificativa de que não se deve retirar da mulher o poder de decisão sobre a situação de violência em sua família, passando a considerar os crimes de lesão corporal qualificada como ação pública condicionada, acaba por não solucionar o grave problema, transformando-as apenas em novas vítimas, ou seja, vítimas de inaceitável coação na busca de impunidade, circunstância que estimula ainda mais a reiteração criminosa.

 

No entanto, é inaceitável admitir que a Lei Maria da Penha, criada para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, seja interpretada de forma a beneficiar o agressor, reforçando ainda mais a idéia de um direito penal simbólico positivo.

 

Embora haja comprovadas divergências, deveria prevalecer, categoricamente, a primeira corrente, ou seja, o entendimento de que nos crimes de lesão corporal leve e culposa, contra a mulher vítima de violência doméstica, prescinde de representação da vítima, com base na expressa proibição da utilização do procedimento dos Juizados Especiais e na exacerbação da pena imposta ao crime de lesão corporal qualificada, impondo-se a aplicação do disposto no Código Penal, em virtude da ausência de previsão sobre o tema na legislação em comenta, sendo assim, portanto, ação penal pública incondicionada.  

 

Palavras chaves: ação penal incondicionada; violência doméstica; lesões corporais; representação;

 

 

 

* Advogada

 

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Como citar e referenciar este artigo:
, Agda Fernanda Pietro Santana. Lei Maria da Penha: ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação nos casos de lesões corporais.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/lei-maria-da-penha-acao-penal-publica-incondicionada-ou-condicionada-a-representacao-nos-casos-de-lesoes-corporais/ Acesso em: 15 set. 2024