Direito Penal

Dosimetria Penal e Artigo 59

Dosimetria Penal e Artigo 59

 

 

Marcel Damato Belli*

 

 

1 Introdução

 

Embora já seja um sistema consolidado no Brasil, a dosimetria penal, que segue o sistema trifásico, como postula o artigo 68 do CP, encontra diversos óbices em sua aplicação.

 

Naturalmente nota-se o elã de se anhadir o valor total de prestação penal a que um criminoso deve se submeter, no entanto,tal verve deve ser prontamente alanhada, para que não se sirva o propósito da injustiça.

 

Um dos pontos em que mais se comete a atecnia dosimétrica, provendo o réu de uma soma penal irreal ou, até mesmo, aberrante, é a interação que deve existir entre os fatos a serem observados no Artigo 59.

 

·         Antecedentes criminais;

·         Culpabilidade;

·         Conduta social;

·         Personalidade do agente;

·         Motivos;

·         Circunstâncias do crime;

·         Dano social do crime;

·         Comportamento da vítima.

 

Todos estes parâmetros – tirante o comportamento da vítima – são usados na intenção de acrescentar valores à pena do réu.

 

No entando, pode-se observar que há inúmeros problemas neste dispositivo, que será o assunto tratado neste trabalho.

 

 

2 considerações sobre o artigo 59

 

Na intenção de munir os operadores de direito de mais ferramentas analíticas e dispô-los de mais armas na luta pela acepção de uma pena adequada a cada crime, criou-se o Artigo 59, que dirige o magistrado à perquirição de fatos e informações quanto ao cerne do criminoso.

 

Eis que são detectados sérios problemas no plano objetivo, enquanto uma praxis, deste artigo.

 

 

2.1 Antecedentes Criminais

 

Como o próprio enunciado do parâmetro dosimétrico diz, deve-se considerar aqui apenas a vita anteacta do réu, havendo, neste mesmo momento, uma discordância do que se considera estes antecedentes.

 

Com efeito, deve-se levar em conta somente fatos anteriores ao que acarretou o procedimento de dosimetria legal, desconsiderando qualquer outro fator que venha a ter acontecido após a data facto.

 

Dito isto, devemos frisar que somente podem ser considerados como antecedentes criminais aqueles que tiverem confirmação judicial de tal condição, ou seja, fatos que não sejam assim determinados podem ser levados em conta, por exemplo, na personalidade do agente ou na conduta social.

 

A confusão destes dispositivos é de real recorrência e causa um verdadeiro processo de invalidação da dosimetria. Deve-se, também, manter os olhos bem abertos para o que caracteriza e o que não caracteriza o enquadramento legal na posição de reincidente.

 

Não se pode considerar neste parâmetro do Artigo 59, também, a reincidência, condição utilizada como agravante, na segunda fase da dosimetria penal.

 

 

2.2 Conduta Social

 

Diz-se que a conduta social deve analisar como o indivíduo se porta na sociedade, se possui um trabalho, se possui família, suas atividades na sociedade, enfim, sua postura frente à coletividade, a qual seria um dos ofendidos pelo crime cometido pelo de cujus.

 

Imediatamente surge o óbice de contradição jurídica e social.

 

Basicamente pode-se argüir a impossibilidade de utilização destes parâmetros para o aumento do valor dosimétrico pois, basicamente, se está reprovando meramente valores sociais consagrados.

 

Não se causa mal à comunidade não trabalhar em prol dela.

 

Ter família é um dos valores abalizados pela história social basicamente organizada de forma familiar e patriarcal e, diante das constantes mudanças de valores sociais, este sistema está cada dia mais ruído, sendo que o “casamento” está cada vez mais em baixa, sendo substituído pela “união estável” ou meramente pelo compromisso social.

 

Possuir trabalho é uma aceitação do sistema em que funciona nossa sociedade – não tecendo críticas a quem assim o faz – mas não se pode criticar uma pessoa que assuma um voto de pobreza ou, mesmo, que delibere não trabalhar e viver de seja lá o que for.

 

Não há nenhum termo coercitivo em qualquer documento legal, seja na Constituição Federal, seja em qualquer outro, que obrigue um sujeito a prestar serviços comunitários, a ter uma família, ou a trabalhar – embora conhecido como “vagabundagem”, o “não-trabalhar” é tipificado como conduta criminal – portanto podendo-se dizer que o sujeito é livre para fazer o que bem entender, seja fazê-lo ou não fazê-lo.

 

 

2.3 Personalidade do Agente

 

Novamente nos deparamos com um parâmetro utilizado na dosimetria penal onde não há previsão de punibilidade.

 

Não existe dispositivo legal que obrigue um sujeito a agir de certa forma – apenas somos constrangidos a não agir de certas formas, que seriam as tipificadas na lei.

 

Com efeito, não se pode punir um indivíduo por ter personalidade arrogante ou por ser passivo demais frente aos problemas sociais que o cercam, posto que espera-se de um uma interação social maior.

 

E mesmo que não seja neste plano, magistrado algum possui cacife de formação em estudos psicossomáticos ou de qualquer natureza que investigue os confins obscuros da mente humana. Psiquiatra ou psicólogo, o magistrado deve investigar o âmago da personalidade do réu e, isso, pressupondo que haja um contato no mínimo básico entre aquele e este, o qual sabe-se que, no Brasil, muitas vezes nem mesmo acontece.

 

Salo de Carvalho, ao tratar do tema, conclui pela verdadeira “impossibilidade técnica de o jurista proceder tal averiguação e, conseqüentemente dela retirar os efeitos legais”. Defende, também, que essa circunstância judicial, por evidente consagração ao “direito penal de autor”, fere o pensamento penalístico atual, citando julgado nesse sentido.

 

Vale também mencionar que já existe, também, uma pré-disposição de se cometer o bis in idem, pois há o impulso de, por exemplo, imprimir um argumento de “parsonalidade deturpada” para aumentar a pena, posto que esteja-se tratando de um crime de estupro, no qual já parte-se do princípio de que o autor deve ter uma personalidade deturpada para tal ato.

 

Finalmente, não contendo nos autos do crime a informação necessária para que o magistrado faça a avaliação, mesmo que de extrema superficialidade, do animus do agente, ou mesmo supondo que o magistrado tenha a humilde consciência de que não possui os requisitos profissionais para a realização da valoração deste parâmetro, pode ele declarar que não há como valorar essa circunstância penal, podendo-se abster de qualquer aumento dosimétrico relativo a ela – o qual pode-se dizer que geralmente não acontece.

 

 

3 Pesquisa jurisprudencial

 

A seguir estão postados alguns casos, um de cada instância – TJ, STJ e STF – demonstrando parte do funcionamento e especificidades da aplicação do Artigo 59 – CP.

 

 

3.1 Caso com Antecedentes Criminais

 

Explicita-se aqui um caso em que foi cometida, como citada em 1.1 deste trabalho, a confusão com antecedentes criminais.

 

Neste caso foi utilizado um fato ainda não transitado em julgado como mau-antecedente e o STF reformou a decisão.

 

 

3.1.1 STF

 

Processo

RHC 83493 / PR – PARANÁ

RECURSO EM HABEAS CORPUS

Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO

Relator(a) p/ Acórdão:  Min. CARLOS BRITTO

Julgamento:  04/11/2003           Órgão Julgador:  Primeira Turma

Publicação

DJ 13-02-2004 PP-00014          EMENT VOL-02139-02 PP-00295

Parte(s)

RECTE.(S)      : AMORIM PEDROSA MOLEIRINHO

ADVDO.(A/S)  : SIAMER KEME DE MELO TOLENTINO E OUTRO (A/S)

RECDO.(A/S)  : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

 

Ementa

 

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO POR CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGADA NULIDADE NA DOSIMETRIA DA PENA. Impossibilidade de considerar-se como maus antecedentes a existência de processos criminais pendentes de julgamento, com o conseqüente aumento da pena-base. Recurso parcialmente provido para, mantida a condenação, determinar que nova decisão seja proferida, com a observância dos parâmetros legais.

 

Indexação

 

– ANULAÇÃO, PARCIALIDADE, SENTENÇA CONDENATÓRIA, INDIVIDUALIZAÇÃO, PENA, OCORRÊNCIA, VIOLAÇÃO, PRINCÍPIO, NÃO-CULPABILIDADE // IMPOSSIBILIDADE, AUMENTO, PENA-BASE, CONSIDERAÇÃO, MAU ANTECEDENTE, RÉU, PROCESSO, PENDÊNCIA, JULGAMENTO // APLICAÇÃO, PRINCÍPIO, “UTILE PER INUTILE NON VITIATUR”, PARTE INÚTIL, AUSÊNCIA, ACARRETAMENTO, VÍCIO, PARTE ÚTIL.

– (VOTO VENCIDO), ANULAÇÃO, TOTALIDADE, SENTENÇA // INDISSOCIABILIDADE, PARTE, COMPOSIÇÃO, DECISÃO CONDENATÓRIA // IMPOSSIBILIDADE, MANUTENÇÃO, CONDENAÇÃO, ANULAÇÃO, PENA // PENA, SIGNIFICADO, REVELAÇÃO, CONDENAÇÃO, CENÁRIO JURÍDICO (MIN. MARCO AURÉLIO).

– (VOTO VENCIDO), DENEGAÇÃO, “HABEAS CORPUS”, INTEGRALIDADE

(MIN. JOAQUIM BARBOSA).

 

Legislação

LEG-FED   DEL-002848    ANO-1940

                ART-00059

               CP-1940 CÓDIGO PENAL

 

Observação

 

Votação e resultado:  por maioria, provido parcialmente o recurso de “Habeas corpus” para anular, na sentença, a individualização da pena, sem prejuízo da condenação. Vencido, na última parte, o Min. Marco Aurélio, que dava provimento integral ao recurso e anulava a sentença condenatória, e vencido, também, o Min. Joaquim Barbosa, que negava provimento ao recurso.

N.PP.:(08). Análise:(JOY). Revisão:(RCO).

Inclusão: 09/07/04, (MLR).

Alteração: 12/07/04, (NT).

 

 

3.2 Caso com Conduta Social

 

Como comentado no item 1.2 deste trabalho, há casos em que magistrados utilizam características intrínsecas ao cometimento do crime como modo de aumentar a pena-base ao inserir estas características como modo de piorar o parâmetro da conduta social do agente.

 

 

3.2.1 STJ

 

PROCESSO

HC 67710 / PE

HABEAS CORPUS

2006/0219178-6

RELATOR (A)

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131)

ÓRGÃO JULGADOR

T6 – SEXTA TURMA

DATA DO JULGAMENTO

27/03/2008

DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE

DJ 22.04.2008 p. 1

 

EMENTA

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. 1. DOSIMETRIA DA PENA. DUPLA VALORAÇÃO DE UMA DAS QUALIFICADORAS. UTILIZAÇÃO  PARA QUALIFICAR O DELITO E PARA FIXAR A PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL NA PRIMEIRA ETAPA DE DOSIMETRIA DA PENA, COMO CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. 2. CONDUTA SOCIAL. DESFAVORÁVEL. COMETIMENTO DO PRÓPRIO DELITO. IMPOSSIBILIDADE. AVALIAÇÃO ÉTICA DA CONDUTA DO PACIENTE. IMPOSSIBILIDADE. 3. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA NEUTRO. VALORAÇÃO EM PREJUÍZO DO ACUSADO.

IMPOSSIBILIDADE. 4. ORDEM CONCEDIDA.

 

1. Inviável se torna a dupla valoração de qualificadoras, tanto para qualificar o delito, quanto para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, na primeira etapa de dosimetria da pena, sob pena de incorrer-se em bis in idem.

 

2. A conduta social do agente não pode ser considerada desfavorável apenas por conta do cometimento do próprio delito, assim como considerações de cunho ético e moral devem ser excluídas da avaliação.

 

3. O comportamento da vítima tachado como neutro não pode ser valorado como prejudicial ao acusado.

 

4 Ordem concedida para anular o acórdão que manteve a sentença, de modo a excluir as circunstâncias judiciais concernentes à culpabilidade, à conduta social e ao comportamento da vítima, por entendê-las fundamentadas com base em argumentos inidôneos, vedando qualquer consideração desfavorável com relação a estas circunstâncias, bem como para determinar ao tribunal a quo que proceda a nova individualização da pena, fundamentando adequadamente as demais circunstâncias (motivo, circunstâncias e conseqüências), redimensionando-se a pena apenas de acordo com estas.

 

 

Acórdão

 

“A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.” A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) e os Srs. Ministros Nilson Naves, Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

 

 

3.3 Caso com Personalidade do Agente

 

O seguinte caso demonstra como a personalidade do agente, quando não condizente com os parâmetros sociais pode ser utilizada para o aumento da pena-mínima legal.

 

 

3.3.1  TJ-SC

 

TIPO

Revisão Criminal

NÚMERO

01.003701-7

DES. RELATOR

Irineu João da Silva

DATA DA DECISÃO

31/10/2001

 

Revisão criminal n. 01.003701-7, de Piçarras.

 

Relator: Des. Irineu João da Silva.

 

    REVISÃO CRIMINAL – PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL – MAUS ANTECEDENTES E PERSONALIDADE MAL FORMADA (INDICATIVOS AMPARADOS EM PROCESSOS INSTAURADOS POR FATOS POSTERIORES), BEM COMO OS MOTIVOS DO CRIME QUE SE CONFUNDEM COM ELEMENTOS PRÓPRIOS DO TIPO – IMPOSSIBILIDADE – EXCLUSÃO DESTAS DIRETRIZES COMO CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS – REDUÇÃO QUE SE IMPÕE.

 

    Não podem ser considerados como má personalidade ou débeis antecedentes, para ensejar o aumento da pena-base, fatos criminosos posteriores ao delito em julgamento.

 

    A pena-base não deve ser fixada muito acima do mínimo legal, quando as circunstâncias judiciais são quase totalmente favoráveis ao réu.

 

    REVISÃO CRIMINAL – PENA CRIMINAL – REINCIDÊNCIA NÃO COMPROVADA – NECESSIDADE DE INFORMAÇÃO PRECISA QUANTO À EXISTÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA ANTERIOR JÁ TRANSITADA EM JULGADO – AGRAVANTE AFASTADA – CONFISSÃO ESPONTÂNEA NAS DUAS FASES PROCEDIMENTAIS – ATENUANTE OBRIGATÓRIA NÃO CONSIDERADA – INTELIGÊNCIA DO ART. 65, III, “D” DO CP – RECONHECIMENTO DA PREPONDERÂNCIA DA ATENUANTE DA MENORIDADE – PEDIDO DEFERIDO.

 

    A menoridade prepondera sobre todas as circunstância legais ou judiciais desfavoráveis ao apenado, sobrepujando, inclusive, a atenuante da confissão espontânea.

 

    A confissão espontânea do agente à prática delitiva, perante as autoridades policial e judiciária, deve ser reconhecida como circunstância legal de atenuação da pena, pois é obrigatória por representar direito subjetivo do réu.

 

                 Vistos, relatados e discutidos estes autos de Revisão Criminal n. 01.003701-7, da comarca de Piçarras (Vara Única), em que é requerente João Isaias Pedro:

 

                 ACORDAM, em Câmaras Criminais Reunidas, por votação unânime, deferir o pedido para adequar a pena para 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto e pagamento de 11 (onze) dias-multa.

 

                 Custas na forma da lei.

 

                 Cuida-se de pedido de revisão formulado por JOÃO ISAIAS PEDRO, em nome próprio e assistido pela Gerente de Revisões Criminais da Penitenciária de Florianópolis, onde está cumprindo a pena de 02 (dois) anos .e 09 (nove ) meses de reclusão, em regime fechado, e pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, que lhe foram impostas pelo Dr. Juiz de Direito da Vara Única de Piçarras, nos autos de processo-crime n. 702/92, por infração ao art. 155, § 4º, inc. IV, c/c art. 65, inc. I e 64, todos do Código Penal, com sentença transitada em julgado na data de 24.04.1994.

 

                 Almeja o requerente a minoração da reprimenda imposta, por haver equívoco na dosimetria, ante o reconhecimento da agravante da reincidência (art. 61, I, do CP), a qual não resultou comprovada nos autos. Além disso, na segunda fase, houve inversão, pois o magistrado procedera primeiramente ao reconhecimento da atenuante e, depois, da agravante. Asseverou, ainda, que, considerando a atenuante da menoridade (art. 65, I, do CP) preponderante sobre as demais, deveria a redução ter sido superior ao aumento pela reincidência. Pugna, ao final, pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, “d”, do CP), porque considerada para fundamentar a condenação.

 

                 Apensados os autos de processo-crime em epígrafe, manifestou-se a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Luiz Fernando Sirydakis, pelo conhecimento e deferimento do pedido.

 

                 É o relatório.

 

                 1. Registre-se, inicialmente, que em sede de revisão criminal, “somente em casos excepcionais, de manifesta injustiça, ou de inobservância de técnica, é que o pedido revisional deve ser atendido para o fim de modificação a favor do réu, da dosimetria fixada pelo juízo inferior” (RT 436/418).

 

                 2. O pedido de redução da reprimenda, porque aplicada de forma equivocada, merece acolhida.

 

                 O magistrado, quando da fixação da pena definitiva em 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão e pagamento de 20 (vinte) dias-multa (art. 155, § 4º, IV do CP), valeu-se dos seguintes argumentos, in verbis:

 

                 João Isaias Pedro, registra antecedentes, conforme certidão de fls. 40. A conduta, certamente, não deve ser das melhores. A personalidade se encontra mal formada, com forte tendência à perpetração de delitos, tendo em vista a continua prática de furto, pois responde a vários processos nesta comarca, inclusive com condenação, sendo pessoa conhecida como ladrão. Os motivos foram o ganho fácil, com a venda posterior dos objetos furtados. As circunstâncias são normais à espécie. Fixo a pena base em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor disposto no art. 49, § 1º do CP. Presente a atenuante prevista no art. 61, I, do CP, reduz-se a pena em 03 (três) meses e a pecuniária em 05 (cinco) dias. Incidindo a agravante da reincidência, aumenta-se a reprimenda em 06 (seis) meses e a multa em 05 (cinco) dias, tornando-a definitiva em 02 (dois) anos, 09 (nove) meses de reclusão, e pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor referido” (fls. 48).

 

                 No caso, observa-se que o douto magistrado exasperou a pena, na primeira fase, em face dos antecedentes do requerente, calcado na certidão de fls. 40, bem como na personalidade mal formada, consubstanciada em vários processos a que responde por crime de furto (um deles com sentença condenatória), e nos motivos do crime, “ganho fácil, com a venda posterior dos objetos furtados” (fls. 48).

 

                 No entanto, a consideração realizada acerca destas circunstâncias não possibilita o aumento estabelecido. É que, consoante a certidão supramencionada, todos os fatos pelos quais o réu foi denunciado posteriormente aconteceram depois daquele de que tratam estes autos (07.07.1992). Segundo ALBERTO SILVA FRANCO et alli, “o Juiz deverá levar em conta, ao individualizar a pena, os antecedentes do agente, isto é, tudo aquilo que existiu ou lhe aconteceu antes da prática do fato criminoso. Em resumo, o seu comportamento anterior” (Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, 6 ed., SP: RT, 1997, Vol.1, Tomo, Parte Geral, p. 884).

 

                 Neste sentido, já decidiu esta egrégia Segunda Câmara Criminal, em acórdão da lavra deste relator:

 

                 “PENA CRIMINAL – ANTECEDENTES – CONSIDERAÇÃO DE PROCESSOS INSTAURADOS POR FATOS POSTERIORES – IMPOSSBILIDADE – RECURSO MINISTERIAL NÃO PROVIDO.

 

                 “‘Quando da apreciação dos antecedentes, somente serão sopesados os crimes praticados antes daquele noticiado na exordial’ (Ap. crim. n. 00.023684-5, de Içara, Rel. Des. Maurílio Moreira Leite, j.13.02.2001)” (Ap. crim. n. 01.010205-6, de Criciúma, j. 14.08.2001).

 

                 Daí porque, nem mesmo como maus antecedentes podem ser considerados.

 

                 A análise da personalidade, reconhecida como mal formada, em face dos processos a que responde por crime contra o patrimônio (um deles com condenação), se confunde com dos antecedentes.

 

                 Por outro lado, o motivo do crime, afirmado pelo magistrado “como ganho fácil, com a venda posterior dos objetos furtados”, tal diretriz faz parte do tipo, não devendo influenciar na primeira fase da dosimetria da reprimenda.

 

                 Ao magistrado é reservada larga margem de discricionariedade, vinculada, todavia, aos indicativos relacionados no art. 59 do Código Penal, observando-se que, se alguma das circunstâncias judiciais for elementar do próprio tipo legal, descabe considerá-la para influir na dosagem da reprimenda inicial.

 

                 A propósito, colhe-se o julgado do Colendo Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

 

                 “Pena. Fixação. Circunstâncias que já integram o tipo ou constituem causa especial de aumento não devem ser levadas em conta para a fixação da pena-base” (AC – Rel. Eduardo Ribeiro – DJU 27.05.71, p.2.477).

 

                 Assim, excluídos os antecedentes, a personalidade e os motivos do crime como circunstâncias judiciais desfavoráveis, da análise da primeira fase da dosimetria, e, considerando o elástico espaço entre os limites mínimo (2 anos) e máximo (8 anos) cominados ao tipo do art. 155, § 4º, do CP, a pena-base deve ser reduzida.

 

                 3. Na segunda etapa, também não pode persistir o acréscimo de 06 (seis) meses e 05 (cinco) dias, decorrente da reincidência (art. 61, I, do CP).

 

                 Isso porque, referido desiderato restou ancorado nos mesmos fatos certificados na certidão supramencionada (fls. 40), onde constam apenas processos em andamento e uma condenação por furto qualificado (sem o trânsito em julgado), todos instaurados posteriormente à ocorrência dos fatos deste processo.

 

                 Quanto à caracterização da reincidência, preleciona JÚLIO FABBRINI MIRABETE:

                 “É reincidente quem pratica o crime após o trânsito em julgado da sentença em que o réu foi condenado anteriormente, tanto por sentença proferida no país como no estrangeiro. (..) Para a comprovação da reincidência, é indispensável a comprovação da condenação anterior por documento hábil, exigindo-se a competente certidão cartorária em que conste a data do trânsito em julgado” (Código Penal Interpretado, SP: Atlas, 1999, p. 359).

 

                 A jurisprudência não discrepa deste entendimento:

 

                  “Segundo regra clara do art. 63 do Código Penal, a reincidência só ocorre quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior” (Rev. crim. n. 2.507, de São José, Rel. Des. Solon d’Eça Neves, j. 26.05.1993).

 

                 4. Ainda, nesta etapa, deve ser reconhecida a pretendida atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, “d”, do CP), posto que o requerente confessou a autoria do delito, tanto na fase administrativa como em Juízo (fls. 14 e 27v), cuja confissão serviu como suporte à decisão condenatória (fls. 48), mas não levada em conta quando da dosagem da pena.

 

                 A jurisprudência não discrepa deste entendimento:

 

                 “REVISÃO CRIMINAL. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ATENUANTE NÃO CONSIDERADA. APLICAÇÃO DO ART. 65, III, “d”, DO CP. PEDIDO PROCEDENTE. PENA REDUZIDA.

 

                 “Tendo o agente confessado espontaneamente a autoria do fato pelo qual veio a ser condenado, a circunstância legal, como atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, é de aplicação obrigatória por representar direito subjetivo do mesmo” (Rev. crim. n. 2.347, de Curitibanos, j 26.08.1992).

 

                 5. De outra parte, mesmo não estando caracterizada a agravante da reincidência, melhor sorte socorre ao requerente quanto ao pleito de reconhecimento da preponderância da atenuante da menoridade (art. 65, I, do CP).

 

                 Com efeito, é entendimento pacífico na jurisprudência, resultado da norma fixada no art. 67 do CP, que a menoridade é atenuante que prepondera sobre as demais, incluída a confissão espontânea.

 

                 “ATENUANTES DA MENORIDADE E DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA RECONHECIDAS NA SENTENÇA – PREPONDERÂNCIA DA CIRCUNSTÂNCIA LEGAL DISPOSTA NO INCISO I DO ART. 65 DO CP NA INDIVIDUALIZAÇÃO DA REPRIMENDA – NECESSIDADE DE MAIOR DIMINUIÇÃO EM RAZÃO DE SUA ADMISSÃO – PENA ADEQUADA – PEDIDO PARCIALMENTE DEFERIDO” (Rev. crim. n. 98.015481-2, de Chapecó, Rel. Des. Jorge Mussi, j. 31.03.1999).

 

                 Logo, em se conferindo real preponderância à menoridade na individualização da pena, ela deve acarretar uma diminuição maior sobre a atenuante da confissão da espontânea.

 

                 6. No que tange ao acréscimo de 05 (cinco) dias na pena de multa, embora o insigne magistrado não tenha levado em conta quando da sua dosagem definitiva, cumpre salientar, que é pacífico o entendimento no sentido de que “no cálculo da pena pecuniária não incidem as circunstâncias legais agravantes e atenuantes” (Ap. crim. n. 29.685, da Capital, Des. Nilton Macedo Machado, j. 17.05.1993).

 

                 7. Por fim, ressalte-se a ocorrência de erro material no dispositivo referente à circunstância atenuante da menoridade, eis que o correto é o art. 65, I, do CP e não o art. 61, I, do CP, como subscrito na sentença.

 

                 8. Por estes motivos, procede-se a devida correção da dosimetria, com o seguinte cálculo:

 

                 Atendidos os parâmetros do art. 59 do Código Penal, fixa-se a pena base em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 11 (onze) dias-multa; excluída a agravante da reincidência (art. 61, I, do CP), a reprimenda é diminuída de 02 (dois) meses, pela atenuante da menoridade (art. 65, I, do CP), em face a sua preponderância; e, finalmente, reduzida de 01 (um) mês, pela aplicação da atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, “d”, do CP), tornando a pena definitiva em 02 (dois) anos de reclusão, ante à ausência de qualquer causa modificadora.

 

                 A pena pecuniária permanece em 11 (onze) dias-multa, porque não incidentes agravantes ou atenuantes e ausentes causas especiais de aumento ou diminuição.

                 A sanção reclusiva deverá ser cumprida em regime inicial aberto, como estabelecido na sentença, nos termos do art. 33, § 2º, “b” e, § 3º, do Código Penal, em face das circunstâncias judiciais quase todas favoráveis e a quantidade da pena aplicada (02 anos de reclusão).

 

                 9. DIANTE DO EXPOSTO, decidem estas Câmaras Criminais Reunidas, por unanimidade de votos, deferir o pedido para adequar a pena para 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto e pagamento de 11 (onze) dias-multa.

 

                 Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Genésio Nolli, Jorge Mussi, Maurílio Moreira Leite, Solon d’Eça Neves e Torres Marques, e lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Luiz Fernando Sirydakis.

 

                 Florianópolis, 31 de outubro de 2001.

 

ALBERTO COSTA

Presidente com voto

IRINEU JOÃO DA SILVA

Relator

 

 

4 Conclusão

 

Não há dúvida de que os elementos norteadores da dosimetria penal, mais especificamente quando se fala no Artgio 59 – CP, são um tanto quanto indutores a erros.

 

No esforço de munir os magistrados de armamentos para um melhor combate ao crime, na verdade os deram armas para auto-destruição: Sentenças são mal-feitas, confundidas, reformas são necessárias a esmo, conflitos entre magistrados são recorrentes, resultados de conflitos entre normas e aplicações.

 

Torna-se necessária, então, a edição deste artigo, no mínimo, para tornar a prática dosimétrica mais plausível, acessível, e não tão contraditória.

 

Talvez até mesmo a criação de um novo sistema de dosimetria penal, com órgãos suplementares e complementares seria positivo para um sistema mais preciso e justo num país onde a criminalidade está tão em alta.

 

 

* Acadêmico de Direito na UFSC.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
BELLI, Marcel Damato. Dosimetria Penal e Artigo 59. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/dosimetria-penal-e-artigo-59/ Acesso em: 30 abr. 2024